Glorioso mártir, paladino dos direitos da Igreja contra o
poder real quando este quis ultrapassar seus limites, selou com seu sangue
esses direitos.
Tomás
Becket nasceu em Londres no dia 21 de dezembro de 1117, dia de São Tomé, do
qual recebeu o nome. De acordo com seus contemporâneos, era de elevada
estatura, tez pálida, cabelos negros, nariz aquilino, olhos claros e firmes,
que no primeiro olhar davam-se conta de tudo. Jovial, de agradável e cativante
conversação, franco no falar, embora gaguejando ligeiramente. Tinha tão grande
discernimento e saber, que tornava fáceis e inteligíveis os temas mais
difíceis. Seus biógrafos ressaltam que, já de pequeno, era muito inclinado à
piedade, tinha terna devoção a Nossa Senhora e particular amor pelos pobres.
Tendo
feito seus estudos em sua terra natal e em Paris, de volta à Inglaterra entrou
no serviço do arcebispo Teobaldo de Cantuária, Primaz da Inglaterra. O prelado
logo descobriu nele sentido prático dos negócios e prudência, convertendo-o no
mais confiável de seus auxiliares.
“Era
tão casto que, apesar de mil armadilhas que armaram contra sua pureza, não
puderam jamais levá-lo a nenhuma ação desonesta. Tinha tanto candor e
sinceridade, que jamais foi ouvido pronunciar uma só mentira, mesmo por mera
diversão ou lisonja”.
O
arcebispo Teobaldo enviou-o para estudar direito civil e canônico em Bolonha e
Auxerre. À sua volta, conferiu-lhe o diaconato e elevou-o a arcediago
(dignidade eclesiástica de uma diocese, que confere certos poderes junto aos
párocos, curas, abades, etc.) com magnífica prebenda, a qual ele transformava
em abundantes esmolas, valendo-lhe o epíteto de pai dos pobres.
Nessa
época governava a Inglaterra o jovem rei Henrique II, da família dos
Plantagenetas. Esse monarca unia rara inteligência prática a uma grande
ambição, forte constituição física e muita força de vontade. Quando o arcebispo
louvou diante dele as belas qualidades de seu arcediago, Henrique quis
conhecê-lo. Como verdadeiro político, o rei compreendeu logo que havia
encontrado um grande estadista em quem o talento aliava-se à fidelidade.
Escolheu-o então para seu chanceler, e desse modo Tomás Becket tornou-se, aos
36 anos de idade, a segunda autoridade do reino.
De
tal modo o soberano e o chanceler uniram-se, que o povo comentava possuírem um
só coração e uma só mente. Ambos tinham em vista a prosperidade do reino,
caçavam juntos e juntos iam à guerra, apresentavam-se com fausto e esplendor.
Na vida privada Becket era muito ascético, mas publicamente cercava-se de pompa
devido à honra de seu cargo. Em 1158, quando viajou à França para negociar um
casamento, o fez com grande pompa, e o povo maravilhado dizia: “Se esse é
apenas o chanceler, qual não será a glória do rei?”.
Garnier,
cronista francês da época, descreveu as virtudes de São Tomás e seu martírio, e
declara que na guerra o viu derrubar vários guerreiros adversários, como o mais
valoroso cavaleiro.
Ele
se destacava ainda em outros campos: “Jurisconsulto consumado e hábil
financista, tão capaz de uma decisão enérgica que requeresse a força armada
como de um expediente jurídico, reprimiu a bandidagem, aterrorizou os
usurários, favoreceu a agricultura, manteve o padrão da nobreza, reorganizou a
justiça, aumentou o prestígio exterior e assegurou a prosperidade e a paz do
reino”.
Em
1161, a morte do arcebispo Teobaldo deixou vacante a sé de Cantuária. O rei,
que confiava muito na fidelidade de Tomás Becket, julgou que ele seria a pessoa
mais segura para zelar pelos seus interesses naquele cargo tão importante. O
chanceler foi franco: “Senhor, quero que saibais que o favor com que agora me
honrais logo se trocará em ódio implacável; porque, tratando-se de coisas
eclesiásticas, tendes exigências que eu não poderia tolerar”. O rei não o levou
a sério e confirmou a eleição, sendo então ordenado sacerdote e sagrado bispo.
Renunciou à chancelaria, como incompatível com o múnus episcopal.
“A
partir de sua elevação ao episcopado, Tomás Becket entregou-se por completo à
vida apostólica. Expiou com a penitência e o silício a moleza de sua anterior
conduta. Se bem que se apresentasse com a dignidade e magnificência próprias ao
seu elevado cargo, levava em privado a vida e o hábito dos monges beneditinos,
conforme às tradições de austeridade que lhe legara o insigne Santo Anselmo, um
de seus predecessores na sé primacial de Cantuária”.
Não
demorou muito para que começasse a luta entre altar e trono. As causas da
frieza que aos poucos se estabeleceu entre rei e arcebispo eram muito
profundas. Basta dizer que São Tomás Becket, em encontros com o monarca,
defendeu sempre os direitos e os privilégios da Igreja, mesmo com o risco de
desagradá-lo. A situação foi se deteriorando entre os dois, chegando ao ponto
em que o rei pensou em encarcerá-lo. Disfarçado, ele conseguiu fugir para a
França, onde foi bem recebido pelo rei Luís VII e pelo Papa, que se encontrava
nesse país.
Henrique
II reclamou com o rei francês pela boa acolhida dada ao “ex-arcebispo”. O
monarca francês respondeu: “Ex-arcebispo? Quem o depôs? Eu também sou rei, mas
não posso depor nem o menor clérigo de meu reino”. E continuou a proteger São
Tomás Becket, que se retirou para a abadia de Pontigny, da Ordem de Cister,
onde se entregou à oração e à penitência.
Henrique
II ameaçou expulsar da Inglaterra todos os cistercienses, caso a abadia de
Pontigny continuasse a dar guarida ao santo. Ameaçou também o Papa Alexandre
III de colocar-se sob a obediência de um antipapa que o imperador alemão
Frederico Barbaroxa acabava de criar, se continuasse a apoiar Tomás Becket. A
conselho do Sumo Pontífice, Tomás transferiu-se para o mosteiro beneditino de
Santa Columba, onde permaneceu por quatro anos.
Em
1170, pela mediação do Papa e de Luís VII, Henrique II aceitou recebê-lo de
volta sem impor nenhuma condição. Mas a situação nunca mais se recompôs. Certo
dia o rei, rodeado de cortesãos, exclamou num acesso de cólera: “Malditos sejam
aqueles que eu alimento de minha mesa, honro com minha familiaridade e
enriqueço com meus benefícios, se não me vingam desse padre que não faz senão
perturbar meu coração e despojar meus melhores servidores de suas
dignidades"! Essa insinuação ao assassinato foi ouvida por quatro deles,
que se comprometeram sob juramento a assassinar o arcebispo.
“Sou o arcebispo, mas não traidor”.
Na
noite de 29 de dezembro de 1170, São Tomás Becket dirigiu-se como de costume à
igreja, para as Vésperas. Os assassinos forçaram a porta do claustro e entraram
no recinto sagrado, gritando: “Onde está o arcebispo? Onde está o traidor?”. O
santo estava apoiado a uma coluna, e respondeu: “Aqui me tendes. Sou o
arcebispo, mas não traidor”. Um dos quatro facínoras, para fazê-lo sair do
templo, gritou-lhe: “Salva-te!”. Agarrando-se mais fortemente à coluna, ele
respondeu: “Consuma aqui mesmo teu crime. Mas eu te proíbo, da parte do Todo
Poderoso, de maltratar quem quer que seja dos meus”.
O
primeiro golpe o atingiu ligeiramente na cabeça, mas quase cortou o braço de um
de seus clérigos, que portava a cruz arquiepiscopal. Outro golpe abriu-lhe uma
brecha na cabeça, e ele caiu de joelhos banhado em seu sangue, exclamando:
“Morro voluntariamente pelo nome de Jesus e pela defesa de sua Igreja”. Outros
golpes se seguiram, e o Santo entregou sua alma a Deus aos 53 anos de idade e
nove de episcopado, dos quais dois terços foram passados no desterro.
Penitência, canonização, devoção ao
mártir.
O
hediondo crime horrorizou não só a Inglaterra, mas toda a Europa. Cheio de
espanto, o rei encerrou-se em seu palácio, permanecendo sem falar com ninguém
durante vários dias. Depois compareceu como peregrino e penitente ante o túmulo
do santo, onde se submeteu a severa flagelação diante dos bispos, abades e
monges. Passou depois em oração o resto desse dia e a noite seguinte. A
conversão de Henrique II foi vista como o primeiro milagre de São Tomás Becket.
A
canonização se deu dois anos depois de sua morte. Os milagres operados diante
do túmulo foram se multiplicando: doentes, cegos, surdos, mudos, paralíticos,
encontravam remédio junto ao corpo do mártir. Num espaço de tempo
extraordinariamente breve, a devoção ao arcebispo-mártir difundiu-se por toda a
Europa, de maneira a tornar o santuário de São Tomás Becket um dos mais famosos
de toda a Idade Média, junto com o de Santiago de Compostela.
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