Quais
eram os anseios mais profundos de Juanita Fernandez del Solar, essa moça
carinhosa e bela, que nos deleita com seu trato afetuoso e alegre? Sua alma,
excessivamente pura para ficar no mundo, ansiava se converter em esposa mística
de Cristo.
Observe, leitor, a fotografia ao lado de Juanita Fernández del Solar. É uma jovem de 18 anos, nas vésperas de entrar para um austero convento carmelita no qual tomou o nome de Irmã Teresa de Jesus. Viveu santamente nesse convento durante nove meses apenas. Morreu aos 19 anos, como vítima expiatória pelos sacerdotes, por sua família, pela sociedade em que brilhara. E hoje é conhecida e venerada em todo o mundo como Santa Teresa de los Andes.
Numa primeira
vista, sua fisionomia agrada. Ela é bela e acolhedora. Em seu rosto, ainda
muito jovem, destacam-se luminosamente seus lindos olhos azuis. Embora
aristocráticos e altivos, cientes de seu próprio valor, eles não rejeitam quem
está diante de si. Pelo contrário, parecem nos acolher, nos introduzir na
presença desta jovem, não de uma forma protocolar como quem diz: "Prazer
em conhecê-lo", mas envolvendo-nos com um afeto suave e discreto de tal
forma que, após alguns segundos contemplando-a, nos sentimos como se ela já
fizesse parte de nossa vida.
A fotografia
denota uma pureza alcandorada, uma inocência reluzente. Juanita até dá a
impressão de que a Providência a tenha limpado do pecado original já nos
primeiros instantes de sua vida. Como todas as impressões, estas têm algo de
pessoal, mas por certo o efeito que esta fotografia produz em nós tem muito a
ver com a jovem por ela representada.
Alma contemplativa
Juanita com aproximadamente 02 anos. |
Primeira santa
carmelita latino-americana, Santa Teresa de los Andes nasceu em Santiago do
Chile, em 13 de julho de 1900, numa família católica e aristocrática. “Jesus não quis que eu nascesse como Ele,
pobre. E nasci no meio das riquezas, mimada por todos” - escreve em seu
diário.
Seus biógrafos
coincidem em ressaltar que ela era sempre o centro das atenções onde estivesse,
pela sua amabilidade, graça e simpatia. Era alegre e comunicativa, mas também
séria e de um temperamento enérgico.
Suas
brincadeiras eram animadas e entusiasmadas. À sua casa acorriam muitos parentes
e amigos. Uma tarde anunciou a todos os seus irmãozinhos e primos que
presenciariam algo nunca visto por olhos humanos. Eles teriam o privilégio de
assistir à Assunção da Santíssima Virgem. Os meninos se puseram diante de uma
mesa sobre a qual estava uma imagem de porcelana da Virgem Maria, com uma coroa
de metal. Juanita escondeu-se atrás de um biombo e "magicamente" a
imagem começou a subir, ante a admiração dos pequenos, até desaparecer por trás
de um cortinado. O "milagre" tinha sido operado por Juanita por meio
de um delgado fio amarrado na coroa da imagem.
Quando se
tratava de brincar, era a primeira de todas, a mais animada, a mais alegre, a
mais ativa. Na fazenda Chacabuco, de seus pais, andava a cavalo montada de lado
como uma grande dama. Era difícil ultrapassá-la nos passeios a galope com seus
irmãos e primos. Nas férias, no balneário de Algarrobo, perto de Valparaíso -
num ambiente de pudor e compostura hoje difícil de imaginar - era ela uma
ousada nadadora. Jogava tênis. Fazia caminhada com as amigas.
Juanita em sua Primeira Comunhão |
Mas sobretudo
contemplava. Em carta a uma amiga, escrevia: “Não podes imaginar paisagens mais bonitas que as que víamos... colinas
cobertas de árvores e no fundo uma abertura onde se via o mar, sobre o qual se
refletiam nuvens de diversas cores. E, por trás, o sol ocultando-se. Não podes
imaginar coisa mais bela, que faz pensar em Deus, que criou a terra tão
formosa. Que será o Céu? - pergunto-me muitas vezes”.
E à Madre Priora
do Carmelo que a iria acolher, contava: “O
mar, em sua imensidade, me faz pensar em Deus, na sua infinita grandeza. Sinto
então uma sede do infinito”. Estando
já no Carmelo, e sabendo que sua mãe passaria férias de novo na mesma praia,
lhe escrevia: “Cada vez que a senhora
olhar o mar, ame a Deus por mim, mãezinha querida”.
Teresa de los Andes (a primeira, à esquerda, sentada) com um grupo de jovens (amigos e parentes seus) |
Festejada por todos
Suas
companheiras de aula a descrevem como sendo uma moça alegre e amável, suave no
trato, de maneiras muito finas, firme e constante na ação. Entretida e
divertida por seu caráter alegre e sem complicações. Muito bonita, com belos
olhos azuis, nariz bem cortado, tez branca, bastante alta. Todas a festejavam.
Tinha uma bela voz de contralto e sempre lhe pediam que cantasse.
Durante as
férias na fazenda, muito cedo se dirigia à capela para saudar o Senhor
Sacramentado e tocar o harmônio como forma de oração. Durante as tardes, após o
rosário em família, pediam-lhe para tocar também o harmônio, o que ela fazia
com encanto de todos, mas sobretudo de Deus. Escrevia muito bem, e no colégio
obtinha as melhores notas em literatura, história, religião e filosofia. Suas
colegas sempre procuravam sua companhia e a chamavam carinhosamente de Mater
admirabilis.
O afeto e o carinho familiar que uma sociedade
perdeu
Teresa de los Andes com sua irmã, Rebeca, que um dia também será carmelita descalça. |
Na vida hostil,
impura e materialista de nossos dias, é difícil entender o que era o afeto
existente nas famílias católicas, há poucas décadas. Vejamos, a título de
amostra, alguns trechos de uma carta que Juanita escreveu a seu pai, o qual
ficara no campo trabalhando, enquanto a família passava férias de verão no
balneário de Algarrobo. Depois de narrar-lhe belos passeios e exercícios de
natação, Juanita manifesta a seu pai seu filial carinho: "Como o senhor
vê, paizinho, não falta mais que o senhor para sermos felizes. Enquanto nós nos
divertimos aqui, o senhor está trabalhando, de sol a sol, para nos proporcionar
comodidade. Não temos, paizinho, meio de lhe pagar, pois é grande demais seu
sacrifício. Mas nós, seus filhos, compreendemo-lo e o enchemos de carinho e
cuidados, pois achamos que esta é a melhor maneira de agradecer a um pai. Por
que não vem aqui pelo menos por uns dias? Não sabe a tristeza que me dá quando
vejo as outras meninas felizes com seus papais. Por favor, venha, pois nós o
temos tão pouco durante o ano!"
Em outra carta,
assim se despede do pai: "Receba, paizinho, abraços e beijos de mamãe e de
meus irmãos, mais mil beijos e carinhos desta sua filha que mais lhe quer e que
se lembra a cada momento de seu paizinho querido.”.
O Pai, por sua
vez, mostra a reciprocidade do afeto, numa carta escrita depois de a ter
autorizado a entrar no Carmelo:
“Minha filhinha
querida, recebi as duas cartas pelo que muito te agradeço, embora me façam
tanto sofrer, ao pensar que quem me escreve e que me toca desta forma a alma
vai se separar de mim para sempre. Mas o sacrifício está feito e eu o ofereci a
Deus para que me perdoe por aquilo em que eu O tenha ofendido na minha vida. E
como o sacrifício é tão grande, Ele o vê e o terá em conta. Minha querida
filhinha, não sabes o bem tão grande que tuas cartas me fazem, não só agora,
mas antes mesmo de tua resolução, porque via nelas tanto carinho e ternura.
Elas me deram nova vida e desejo de trabalhar por teus irmãos (...) Feliz, tu,
mil vezes, minha filhinha, que te consideras feliz e sentes essa paz de alma
que tão poucos podem sentir e que há tanto tempo foge de mim. Só desfruto algo
dela depois das férias que passamos juntos na intimidade (...) Não creias em
nenhum momento, minha querida filhinha, que me tenha arrependido de haver-te
dado meu consentimento. Muito pelo contrário. Pois creio que as preces de uma
alma tão pura como a tua serão ouvidas por Deus, e elas me acompanharão o resto
de minha vida e serão meu melhor refúgio para me preservar dos muitos perigos.
E não te esqueças jamais que meu pensamento te acompanhará noite e dia (...)
Que Deus me mande todas as provas e sofrimentos e os afaste de ti. Não te
canses, minha filhinha, de continuar pedindo por teu pobre papai... Para ti, um
milhão (de beijos e abraços) de teu pai que não te esquece um instante”.
Única foto de Teresa como noviça, vestida com o hábito das noviças. Alguém deve ter conseguido essa foto em um momento de distração da superiora e da santa. |
As graças místicas iluminaram toda a sua vida
Aos dez anos a
pequena Juanita fez sua Primeira Comunhão. Desde então, como ela revelou a seu
confessor, o padre Antônio Falgueras, SJ, “Nosso
Senhor me falava depois de comungar; dizia-me coisas das quais eu não
suspeitava. E quando eu Lhe perguntava, me revelava coisas que iam suceder e
que de fato aconteciam. Mas eu achava que ocorria o mesmo com todas as pessoas
que comungavam”.
Em carta a seu
pai, pedindo permissão para ser carmelita, narra: “Desde pequena amei muito a Santíssima Virgem, a quem confiava todos os
meus assuntos. Só com Ela me desafogava. Ela correspondeu a esse carinho;
protegia-me, e escutava sempre o que eu lhe pedia. E Ela me ensinou a amar
Nosso Senhor (...) Um dia (...) ouvi a voz do Sagrado Coração que me pedia que
eu fosse toda d'Ele. Não creio que isso tenha sido uma ilusão, porque nesse
mesmo instante me vi transformada: aquela que procurava o amor das criaturas,
não desejou senão o de Deus”.
Já no Carmelo de
Los Andes, escreve ao Padre Colom, SJ: “Também
Nosso Senhor se apresenta a mim, às vezes, interiormente e me fala. Durante
aproximadamente uma semana, vi-O na agonia, mas de uma maneira tal como jamais
teria sonhado. Sofri muito, porque essa imagem me aparecia constantemente e me
pedia que O consolasse. Depois foi o Sagrado Coração, no tabernáculo, com o
rosto muito triste. E, por último, no dia do Sagrado Coração, apresentou-Se a
mim com uma ternura e beleza tal que minha alma se abrasava em seu amor”.
Escrava de Maria, grandes provações
A jovem Juanita
ingressou no convento de Los Andes no dia 7 de maio de 1919, tomando o nome de
Irmã Teresa de Jesus. Recebeu o hábito de noviça em 14 de outubro do mesmo ano. No dia 8 de
dezembro, consagrou-se como escrava de Maria, segundo o método ensinado por São
Luís Grignion de Montfort. Doravante, seus atos e sacrifícios seriam todos para
Nossa Senhora. “Combinei com a Santíssima
Virgem que Ela passasse a ser meu sacerdote, que me oferecesse a cada momento
pelos pecadores e pelos sacerdotes, mas banhada com o sangue do Coração de
Jesus”... - escreveu.
No curto tempo
passado por Juanita no convento, sua superiora, com um extraordinário senso das
almas, determinou que continuasse seu apostolado por meio de cartas à sua
família e às suas amigas. Os resultados não se fizeram esperar. Sua mãe se fez
terciária carmelita. Sua irmã menor, Rebeca, ingressou no mesmo convento, meses
após a morte da Irmã Teresa. Várias de suas amigas, moças da melhor sociedade,
tinham por ela tal estima e admiração que decidiram também consagrar suas vidas
a Jesus, no Carmelo ou em outros institutos religiosos. Atravessando crises e
ambientes adversos, perduram até hoje os efeitos de seu bom exemplo, atraindo
muitas jovens para a vida contemplativa e para as atividades de apostolado
leigo na sociedade.
No dia 1º de
abril de 1920, a Irmã Teresa adoeceu gravemente. Ante a iminência de sua morte,
e dada a santidade de sua vida, a superiora permitiu que fizesse os votos de
carmelita professa e Esposa de Cristo, in articulo mortis, no dia 07 desse mês.
Mas estavam por
vir as grandes provações espirituais que uma vítima expiatória costuma receber.
Quis Deus que ela, como outros santos, sofresse a terrível sensação de ter sido
não só abandonada mas condenada por Ele. Assim, ardendo em febre, fazia
esforços para retirar seu escapulário e afastar os objetos de piedade que a
rodeavam. Num tom de voz acabrunhador, exclamou: “Nunca pensei que a Santíssima Virgem fosse me abandonar”! Depois
de certo tempo de luta terrível, foi-se acalmando aos poucos, até que num
momento disse sorrindo, como se tivesse uma visão: “Meu esposo”! ... Morreu suavemente três dias depois, em 12 de
abril de 1920.
O santo corpo de Teresa de los Andes sendo velado. Observem a serenidade do rosto |
De forma
inesperada, o povo da cidade de Los Andes acorreu em grande número ao velório
dessa até então desconhecida freira, que vivera apenas onze meses no Carmelo.
Todos pediam para tocar seus objetos de piedade no corpo da "santa",
todos recebiam graças de paz, de benquerença, de afervoramento e de piedade.
Em 3 de abril de
1987, S.S. João Paulo II beatificou a Irmã Teresa. Sua fama de santidade
cresceu de forma impressionante no Chile e em todo o mundo, sem que ninguém se
preocupasse em difundi-la. Por fim, o mesmo Papa a canonizou, no dia 21 de
março de 1993. Um imponente santuário foi construído em sua honra, tendo como
fundo de quadro uma grandiosa vista da Cordilheira dos Andes.
(Revista Arautos
do Evangelho, Fev/2003, n. 14 e Março/2003, n. 15)
Foto do painel de sua canonização |
Santuário de Santa Teresa de Los Andes, no Carmelo onde passou seus últimos meses de vida. |
Túmulo de Teresa de Los Andes |
Rebeca, irmã de Teresa de Los Andes, que que também se tornou carmelita descalça. |
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