Nascido em Alcântara, pequena cidade da
província de Estremadura, na Espanha, em 1499. Juan Garavito era seu nome de
batismo. Seu pai, homem de grande influência política e econômica, Don Alonso
Garavito, era advogado e governador da cidade; sua mãe, Dona María Vilela y
Salabria, era de família nobre, possuidora de forte personalidade e de grande
virtude. Juan estudou na escola local e, antes de concluir seus estudos de filosofia,
seu pai vem a falecer, em 1507. Com a idade de 12 anos, seu padrasto, Alonso
Barrantes, o envia para a Universidade de Salamanca, para a continuação de seus
estudos3.
Como religioso, procurou sempre mais uma vida de maior austeridade, escolhendo sempre os trabalhos mais humildes; era um jovem muito preocupado com a formação pessoal...
Logo se tornou um estudante singular,
pela sua aplicação às disciplinas acadêmicas, pela sua dedicação às pessoas
carentes nas suas visitas aos doentes nos hospitais e pela sua constante
inquietação sobre o sentido de sua vida e como consagrá-la a Deus de todo o
coração. Durante as férias de verão, não se interessa nos passeios costumeiros,
mas sim, passa a visitar os mosteiros do seu tempo e sonha em se consagrar a
Deus, mas as formas de vida religiosa do seu tempo não o satisfazem. Pede a
Deus, então, incessantemente que mostre o caminho, chegando um dia em que, após
o término de suas aulas, ao ficar em oração em uma Igreja , vê entrar
aqueles homens, todos com grande e extraordinária humildade de vida, vestidos
de marrom, com uma corda de três nós e "descalços"4. Como que impelido pelo Espírito Santo, lança-se ao
encontro dos frades, conta-lhes a angústia que sente e pede orientação e é
plenamente compreendido por Frei Francisco Fregenal da Custódia do Santo
Evangelho. Estamos em 1515, quando então Juan, aos 16 anos de idade, resolve
tornar-se "Franciscano Descalço", recebendo o hábito e o nome
de Pedro de Alcântara, no convento de Manjaretes, situado entre Castela e
Portugal.
Como religioso, procurou sempre mais uma
vida de maior austeridade, escolhendo sempre os trabalhos mais humildes; era um
jovem muito preocupado com a formação pessoal, preparando-se adequadamente por
um estudo tranqüilo e meditativo dos manuais de ciências eclesiásticas,
pastorais e ascético-místicos. Sobretudo alimentou sua formação com as obras
atribuídas a São Boaventura, os Fioretti de São Francisco e com o estudo da
Sagrada Escritura, especialmente os evangelhos, cujas passagens prediletas para
sua meditação e vida espiritual eram Mt 5,1-20 e Lc 6,20-30, todos os dois
textos sobre As bem-aventuranças5. Dizia aos seus confrades quando lia o Evangelho e
invocava o mistério da Encarnação: "Quando lerdes o Evangelho, juntai as
mãos e tende um profundo respeito. Esse livro trata do mistério sublime de um
Deus que se fez homem por nosso amor"6.
Sua cama, na qual dormia sentado e com a
cabeça encostada na parede, era uma pele estendida no chão. A vigília era uma
de suas práticas de austeridade mais radicais, sendo por este motivo escolhido
como "o Santo padroeiro dos guardas noturnos".
Infelizmente é muito difícil e
praticamente, para alguns, impossível recuperar o verdadeiro significado da
palavra penitência, no seu sentido original e franciscano, para os nossos dias7. Todos sabemos que qualquer movimento autêntico de
renovação espiritual na Igreja tem no Evangelho seu código e seu modelo. Neste
sentido, Pedro de Alcântara, assim como Francisco, descobre, na vida de
penitência, o real caminho evangélico (Mt 3,2; Lc 13,5) como metanóia:"uma
conversão que seja ao mesmo tempo teocêntrica (na direção de Deus), ética
(fugir do mal e praticar o bem) e afetiva (amor para com Deus)"8. Resgatando-se, deste modo, o sentido de uma verdadeira
vida de penitência, sendo São Pedro de Alcântara uma testemunha
extraordinariamente atual de uma pessoa que realizou uma radical inversão de
valores, deixando toda uma vida instintiva centrada no próprio "eu", entregando-se
totalmente à vontade de Deus: "Ide, caríssimos, dois a dois, por todas
as partes do mundo, anunciando aos homens a paz e a penitência"9. Penitência esta que gera insatisfação com a virtude já
conquistada e a necessidade de voltar sempre às origens para progredir. A
característica, por essência, de uma verdadeira penitência para Francisco como
para Pedro de Alcântara, é a alegria10, a alegria interior, humilde e entregue ao amor de
Deus. Toda conversão sincera é contagiante e alegre.
São Pedro de Alcântara, de personalidade
vigorosa e com o seu temperamento espanhol, apaixonou-se pela austeridade dos
Carceri e do Alverne11. Tornou-se o mais ascético dos franciscanos e um
pregador incansável. Em certo momento vai à sua presença um nobre famoso
chamado Conde de Oropesa, que muito se angustiava pelos males de sua época e
pela mediocridade dos homens. A resposta do santo se assemelha à de Francisco
quando respondeu a quem lhe perguntou se devia ou não repreender um pecador: "O
remédio é simples. Tu e eu devemos, em primeiro lugar, ser o que devemos ser;
em seguida, poderemos curar o que nos preocupa a nós mesmos. Que cada um faça o
mesmo e tudo irá bem. O problema é que todos nós falamos em reformar os outros
sem nunca reformarmos a nós mesmos"12.
A característica (...) de uma verdadeira
penitência (...) é a alegria, a alegria interior (...). Toda conversão sincera
é contagiante e alegre.
São Pedro de Alcântara manda que cada
cela deva ter apenas sete pés de comprimento13; que o número de frades em cada convento seja no máximo
oito; que andem sempre descalços; meditação diária de três horas e não receber
qualquer espórtula para celebrar missa. Era um religioso extraordinário como
pregador de missões populares, franciscano de espírito e por convicção; o que
possuía era apenas um hábito surrado, um breviário para as orações, um
crucifixo tosco e um bastão, companheiro das viagens. Sua alimentação era a
mais parca possível e jejuava constantemente. Recusava qualquer condução, indo
sempre a pé por toda parte e sempre antes de suas atividades na cidade onde se
encontrava, procurava a obediência do Guardião do convento franciscano do
local.
3. Homem de altíssima contemplação
"Ensina ele, com admirável
discernimento, que a oração e a vida ativa não são de forma nenhuma
incompatíveis, mas que, pelo contrário, uma e outra devem se ligar numa fecunda
aliança, e que a segunda é um fruto excelente da primeira"14. Escolhido como o "ilustre
doutor e mestre da teologia mística", pelo Sumo Pontífice Gregório XV15 e que "manda pintar uma imagem de São Pedro de
Alcântara com o Espírito Santo em forma de pomba a lhe instilar nos ouvidos
quando escrevia". Título este concedido a São Pedro de Alcântara, não
sem merecimento, pelos seus inúmeros frutos à nossa Igreja: seus incontáveis
sermões ao povo simples durante as Santas Missões16; sua direção espiritual fecunda a religiosos (as) e aos
mais carentes; seus escritos que se estenderam a toda a Espanha, à Europa e
posteriormente a todas as terras de missão; reforma as Clarissas e a Ordem
Terceira de São Francisco; vai a Carlos V e Joana da Áustria, que o desejavam
como confessor; sempre a pé dirige-se às famílias, aos pobres e doentes
levando-lhes consolo; colabora e auxilia outras ordens religiosas por
intermédio de sua amizade com Padre Luís de Granada, Dominicano, com S.
Francisco de Borja, Jesuíta, com Santa Teresa D'Ávila, Carmelita, da qual é
diretor espiritual e conselheiro na reforma do Carmelo17.
Dotado por Deus de um conhecimento intuitivo e infuso, de um senso para as coisas espirituais, de um profundo espírito de oração e contemplação, a sua simples presença era um poderoso sermão. Bastava ele se apresentar em público para realizar muitas conversões. Gostava de modo particular de falar aos pobres, baseando-se sempre nos textos sapienciais e nos profetas do Antigo Testamento. Nunca se deixou impressionar pelo entusiasmo do povo, sempre fugindo para a solidão e o silêncio com Deus.
Possuía apenas um hábito surrado, um
breviário para as orações, um crucifixo tosco e um bastão, companheiro das
viagens.
Quanto ao apetite pelo fantástico, eis
como ele o coloca no justo lugar: "Meu irmão, os êxtases não constituem
a santidade. Sirvamos a Deus em espírito e em verdade. Apeguemo-nos
às devoções sólidas, pratiquemos a lei de Deus e as boas obras; o resto não é
nada. Não alimentemos curiosidades pelas revelações; não procuremos saber as
coisas ocultas; leiamos a Sagrada Escritura e não tenhamos outro cuidado senão
o de cumprir o que Deus nos manda. É preciso ser pressuroso em ocultar os
favores e os dons que Deus nos faz, exceção feita apenas para o diretor
espiritual. Por isso S. Bernardo diz que o homem devoto deve ter escrito na
cela estas palavras: 'Meu segredo é meu exclusivamente, meu segredo é meu'. É
bom que uma pessoa perita na matéria nos diga que a experiência mística muitas
vezes não é mais do que um belo precipício"18.
Certa vez, surpreendido pela noite, bate
humildemente à porta de um convento franciscano onde predominava o relaxamento
religioso. A pessoa e a santidade de São Pedro eram certamente importunas.
Acolhem-no para cobri-lo de insultos e injúrias, cercando-o e ameaçando
flagelá-lo publicamente como hipócrita. Frei Pedro de Alcântara, com toda a
humildade, se despoja do hábito considerando-se digno das injúrias e ajoelha-se
sem dizer palavra. A turma recua diante do corpo descarnado, coberto de
cicatrizes e chagado pelo cilício. Retiram-se frios de terror e admiração. Frei
Pedro se levanta e retorna o caminho, agradecendo a Deus por tê-lo feito sofrer
por seu amor e de seus irmãos.
"A humilhação é o pão dos
santos" – gostava de dizer. "O demônio detesta as vigílias, os
jejuns, as orações, a pobreza voluntária, a humildade e sobretudo a
superioridade da alma que ama a Deus"19.
Homem alto de estatura, maneiras nobres,
fisionomia regular e simpática, impondo respeito e, acima de tudo, uma energia
de ferro temperada com doçura: "Era muito afável, embora de poucas
palavras, exceto quando interrogado. Sua conversa era agradável, possuía um
espírito encantador"20. Pregava as verdades fundamentais usando de imagens
grandiosas e simples, que todo o povo compreendia: "Imitai os peixes do
mar: no meio das tempestades eles não procuram sair do oceano, mas mergulham
nas profundezas; assim também, no meio da algazarra e dos desafios do mundo,
afundai-vos na contemplação divina"21.
"Meu irmão, os êxtases não
constituem a santidade. Sirvamos a Deus em espírito e em verdade. Apeguemo-nos
às devoções sólidas, pratiquemos a lei de Deus e as boas obras; o resto não é
nada".
Mesmo ordenado sacerdote em 1524, e
ocupando os mais variados encargos: professor, guardião, definidor e
provincial, sua insistência até o fim da vida consistiu em ser Frade Menor ,
fugindo sempre dos palácios dos grandes, quando solicitado como orientador
espiritual e do próprio povo que o louvava como santo ainda em vida. Em todos os seus
trabalhos, ele deu o exemplo mais rigoroso da aceitação dos conselhos
evangélicos, como na questão de se usar um único hábito.
O contexto da época de S. Pedro de
Alcântara é marcado por grandes conflitos tanto com o protestantismo como com a
filosofia humanística nascente. Tudo pedia uma reforma das concepções e formas
de ver o mundo e a própria vida religiosa. Com o Papa Leão X, tem-se a
necessidade de "uma reforma na cabeça e nos membros", já não
bastava mais o exemplo individual, precisava-se de novas formas de ser Igreja
no mundo. E para realizar este propósito, Frei Pedro usará energia de aço,
começando por sua própria família franciscana.
Frei Pedro deixa sua província de origem,
São Gabriel, e inicia o movimento que posteriormente se chamará de "Alcantarinos".
Mas esta atitude não foi compreendida pelos seus confrades. Para eles,
"ele era um hipócrita, um traidor, perturbador da paz, ambicioso e foram
procurá-lo para lhe dizer tudo isso e ele respondeu: 'meus irmãos,
concedei-me uma oportunidade para a boa intenção do meu zelo neste sentido, e
se estais convencidos de que é melhor que ele não tenha êxito, não poupeis
nenhum esforço para interromper esta minha empresa', eles não pouparam
nenhum esforço mesmo, mas apesar disso a 'reforma' se difundiu cada vez
mais"22.
Desde então, passou a ser ridicularizado
por todos por causa de sua forma de vida mais austera. Quando questionado sobre
a pequenez da cela, ele responde: "Por que discutir a pequenez da cela
quando o olho repousa nos horizontes sem limites e se tem o infinito por
claustro?" Retira-se por um longo período em deserto, no convento de
Santo Onofre da Lapa, e estuda com afinco as constituições de sua Ordem
religiosa e a Regra do Seráfico Pai Francisco em profunda oração e contemplação,
marcando as balizas da reforma e pedindo a graça de Deus para tão ousado
propósito. Porém a prova mais dura era no interior de seu coração: ser
martirizado pela sua própria família religiosa, a qual tanto amava pelo fervor
e a tradição heróica ao longo da história da Igreja e que seu gesto não
deixaria de ser visto como presunção, ingratidão e mesmo traição. Passando por
cima desses escrúpulos, entregou-se com todo o seu ser à missão que Deus lhe
havia confiado.
Procura de imediato a bênção do Papa, que
o recebeu friamente, prevenido pelos superiores maiores, pois temia os
desvarios que uma ascese fantasiosa traz consigo. A causa parecia perdida
quando, na segunda audiência, vendo o Papa o ardor evangélico daquele pobre
frade, concede-lhe a liberdade de ação e a abertura de conventos alcantarinos.
Quanto ao modo como os frades deveriam se comportar frente às críticas e
calúnias, Frei Pedro aconselhava sempre muita humildade e evitar sobretudo as
polêmicas estéreis: "A primeira resposta que devem dar aos adversários
para confundi-los e aos amigos para confirmá-los é sofrer pacientes e sem
murmurações as calúnias e reprimendas. Em seguida podem mostrar-lhes, com ar
sereno, tranqüilo, submisso e modesto, a obrigação que eles têm de aspirar à
perfeição no seguimento de Cristo e de imitar o Seráfico Fundador"23.
"Por que discutir a pequenez da cela quando o olho repousa
nos horizontes sem limites e se tem o infinito por claustro”?
O heroísmo humano e a santidade destes
frades levaram a reforma alcantarina a progredir rapidamente. Chegou a contar
20 províncias, 22 frades canonizados. Lançou missionários pelas terras virgens
do Novo Mundo, em especial o nosso Brasil com Frei Henrique de Coimbra...,
África, Filipinas, China e Japão, onde o martírio do sangue aureolou o martírio
da verdadeira penitência.
5. São Pedro de Alcântara e Santa Teresa de Jesus (de Ávila)
No decreto de canonização de S. Pedro de
Alcântara lemos: "Ele ajudou Santa Teresa com zelo infatigável no
estabelecimento da reforma do Carmelo, de modo que, segundo testemunho da
virgem ilustre, deve ser considerado como o principal promotor desta reforma. Para tal empreendimento, fez
muitas viagens, suportou muitas fadigas e apareceu inúmeras vezes à Santa para
aconselhá-la"24.
Em 1560 ao decorrer de uma viagem, Frei
Pedro chegou a Ávila. Santa Teresa ainda se encontrava no convento da
Encarnação e, segundo alguns confessores e sacerdotes, ela estava "enganada
pelos maus espíritos e demônios". Frei Pedro vai ao seu encontro e a
compreende, dissipa suas perplexidades; transmite-lhe a segurança inabalável de
que suas visões e orações provinham realmente de Deus e fala com o confessor,
sacerdotes e o próprio Bispo dela a favor das mesmas.
Várias vezes retorna a Ávila para
socorrer Teresa frente aos eclesiásticos e lhe escreve várias cartas de
encorajamento que endereça: "À magnífica e religiosa Senhora dona
Teresa de Ahumada, em Ávila, que Nosso Senhor a faça santa". Exorta-a
a obedecer mais a Deus do que aos homens, e começa a procurar ele mesmo as
primeiras candidatas à nova fundação. Em um texto clássico escrito à Santa ele
diz: "Estou admirado que a Senhora está chamando doutos para resolver
uma questão que não é da competência deles. As controvérsias e os casos de
consciência podem ser da alçada dos canonistas e dos teólogos; mas as questões
com relação à vida perfeita não são tratadas senão por aqueles que professam
tal gênero de vida. Para se poder tratar de uma matéria é preciso conhecê-la...
'cuidado com' aqueles que pouco confiam em Deus, que seguem apenas regras de
prudência humana... Não louvo simplesmente a pobreza, senão aquela que
toleramos pacientemente por causa do amor de Nosso Redentor Crucificado, e muito
mais aquela que é desejada e assumimos espontaneamente por seu amor25.
Por oito vezes em sua Vida , escrita
por ela mesma, nos capítulos 27,30,32,35 e 38 a santa menciona Frei Pedro, traça-lhe o
retrato, exalta sua intervenção e colaboração a serviço da reforma carmelitana.
No dia 24 de agosto de 1562, S. Pedro de Alcântara participa da primeira missa
celebrada na capela do novo convento de São José. Nos tempos conturbados que se
sucederam, Santa Teresa foi várias vezes fortalecida e confortada por diversas
visões (aparições) do santo, que na época já havia falecido.
O estudo da vida e obra de S. Pedro de
Alcântara é uma tarefa árdua, devido às dificuldades históricas de investigação
e pesquisa. Graças a Santa Teresa, com seu testemunho pessoal, temos documentos
e textos autênticos que revelam um pouco de sua personalidade e
espiritualidade. Pois mesmo já sendo reconhecido como santo pela coerência de
vida e autenticidade de sua via mística, continuou a ser criticado por sonhar
com 'utopias' e desconsiderar a constituição frágil do ser humano, suas
limitações e, principalmente, que a Regra de São Francisco não pedia tanto, que
os tempos estavam se modernizando26.
Aos frades temerosos com sua ausência,
após a morte, e com o futuro da reforma, ele os conforta: "Meus filhos,
ponham em Deus toda a esperança, é a Ele e a ninguém mais que cabe o direito de
cuidar dos frades e de remediar suas necessidades. Ninguém até hoje se viu
abandonado por haver confiado n'Ele"27.
Era festa de São Lucas, Domingo, dia 18
de outubro de 1562, em meio a conselhos sobre a reforma e como conduzi-la, ele
admoesta seus confrades: "Meus filhos, recomendo-lhes a pobreza. Jesus
Cristo no-la deixou por herança quando nasceu nu no estábulo e nu morreu na
cruz. Nosso Pai Francisco no-la prescreveu. Vivam no mundo como pobres e
estrangeiros. Ah! Quem futuramente tiver outras maiores pretensões andará
enganado!... Que a oração seja seu exercício ordinário. Ela é o fundamento de
toda a virtude que devem praticar. Ponham em Deus todos os pensamentos e todos
os cuidados. Sirvam-No fielmente. Ele não os abandonará. Falo-lhes de
experiência. Tive êxito à medida que confiei na Providência. Não os espante o
rigor da vida. Que o calvário que sobem não lhes pareça repugnante ou difícil.
Não receiem trabalhar por Deus. Ele lhes dará a coragem da execução. Amem a
penitência. Que a Regra seráfica seja o espelho de suas ações. Em toda
tribulação consolem-se com as palavras de nosso Pai São Francisco: 'Grandes
coisas prometemos, maiores nos estão prometidas'"28.
Entoaram, os frades, o Miserere,
Frei Pedro respondia entre lágrimas. Por fim, arrebatado de amor, ergue-se como
se houvesse recuperado as forças todas, ajoelha-se e entoa o salmo 141: "Clamei
ao Senhor com minha voz". Tranqüilamente, entrega a alma, murmurando o
verso: "Alegrei-me quando me disseram: iremos à casa do Senhor".
O relógio dava o meio-dia. Frei Pedro estava com 63 anos de idade e 47 de vida
religiosa franciscana. É enterrado aos pés do altar da Igreja de San Andrés del
Monte, em Arenas29.
“Nosso Senhor me disse um
dia que nada do que pedisse em nome do seu servidor seria negado: Eu já pedi
muitas vezes para ele apresentar a Deus meus pedidos e sempre fui ouvida"
(Santa Teresa
de Jesus).
Como herança literária, o santo nos
deixou a obra intitulada Pequeno Tratado de Oração e da Meditação, que é
um de seus textos mais comentado e estudado. Publicado por volta de 1556,
traduzido em muitas línguas, marcou época na literatura espiritual. Recomendado
por Santa Teresa no capítulo XXX de sua Vida, por São Francisco de Sales
e pela rainha Cristina de Suécia, humanista afamada e muitos santos no decorrer
da história30.
Seu túmulo logo virou lugar de
peregrinação e cenário de muitos milagres. O Papa Gregório XV o beatificou no
dia 18 de abril de 1622. E Clemente IX o canonizou no dia 28 de abril de 1669. A festa, estendida
para a Igreja Universal, foi fixada em 19 de outubro.
Santa Teresa escreve no capítulo 27 de
sua Vida: "Nosso Senhor me disse um dia que nada do que pedisse
em nome do seu servidor seria negado: Eu já pedi muitas vezes para ele
apresentar a Deus meus pedidos e sempre fui ouvida".
Conclusão
Hoje, com toda a nossa perspectiva
histórica, com a valiosa contribuição das ciências humanas e da Teologia, temos
muito que questionar sobre o radicalismo deste santo, ou até mesmo, muitos
diriam, desumano em seu ascetismo radical. Mas não seria o caso, tirando os
excessos, de questionarmos nossos pré-conceitos contra os personagens do
'passado', nós os 'modernos'? Na situação histórica atual, não se pode negar
que o elemento basilar da vida humana que se deve privilegiar, é o empenho
ascético, no real sentido desta palavra, concreto e diário, para uma conduta
pessoal autêntica e um estilo de vida comunitário conseqüente. Não devemos, no
entanto, confundir ascese – em sua expressão de uma verdadeira vida de
penitência – com "mortificação", pois ao observarmos com ternura a
vida de São Pedro de Alcântara, encontraremos escondida uma imagem humana
plenamente positiva, transparecendo o convite que todos nós podemos trabalhar a
nossa natureza, e não estamos entregues irremediavelmente aos nossos instintos
ou àquilo que viemos a ser através dos condicionamentos da sociedade ou da
educação. Outra lição do nosso santo é que toda penitência evangélica se ordena
à caridade: amor a Deus e ao próximo como sentido pleno de uma vida humana,
exigindo uma verdadeira e incondicional adesão e radicalidade à pessoa de
Cristo. Sabemos o quanto é difícil esta realidade em nossa cultura atual com a
valorização excessiva da liberdade, da vontade pessoal, do corpo, da
auto-realização, onde aplaudimos o triunfo do poder, do bem-estar, da soberba,
da tirania e da prepotência das paixões. São Pedro de Alcântara nos faz, neste
contexto, um forte questionamento: não será uma triste realidade a abundância
de nossas fraquezas e fragilidades ao não sabermos mais como encontrar um
sentido para nossas vidas?
São Pedro de Alcântara ao mesmo tempo nos
transmite e convida à excelência da mensagem cristã, pois que: "Ao
longo dos séculos, nunca faltaram homens e mulheres que, dóceis ao apelo do Pai
e à moção do Espírito Santo, escolheram este caminho de especial seguimento de
Cristo, para se dedicarem a Ele de coração 'indiviso'"31.
Belíssima imagem de São Pedro de Alcântara existente na igreja matriz da cidade de Russas, no Estado do Ceará (Brasil). |
Que Deus nos dê a graça de hoje, assim
como São Pedro de Alcântara e tantos outros santos anônimos da América Latina,
respondermos à nossa vocação com todo o coração, não temendo as críticas ou
erros de nossa condição histórica e, assim como eles, sermos verdadeiros em
nossa entrega, pois como está escrito: "Nosso Deus é um fogo
devorador" (Hb 12,29).
Que nossa Mãe Maria Aparecida e São Pedro
de Alcântara nos abençoem e a toda a nossa Igreja no Brasil, e fortaleçam o
testemunho de toda esta imensa Família Franciscana difundida por todos os
recantos deste nosso país, nas comemorações destes 500 anos, "pois não
temos apenas uma história gloriosa para recordar e narrar, mas uma grande
história a construir"32.
Datas importantes referentes ao Brasil33
1826 – 31 de maio: Leão XII proclama São Pedro de Alcântara Padroeiro do Brasil, com festa e oitava litúrgica.
1829 – 19 de março: solene proclamação na
Capela Imperial Brasileira, inauguração e bênção da imagem do Padroeiro e
pregação de Frei Francisco de Monte Alverne.
1843 – 16 de março: D. Pedro II, por um
decreto, demarca o terreno da futura Petrópolis/RJ, para uma Igreja com a
invocação de São Pedro de Alcântara.
1846 – Criação da Paróquia de São Pedro
de Alcântara, Petrópolis, RJ.
1876 – 12 de março: lançamento da pedra
fundamental da futura catedral gótica de São Pedro de Alcântara.
1946 – 13 de abril: criação da Diocese de
Petrópolis. A Igreja de São Pedro de Alcântara torna-se catedral34.
Endereço do Autor:
Caixa Postal 90023
Petrópolis/RJ BRASIL
25689-900
1 Estudante de Teologia no Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (ITF), Frade da Vice-Província Franciscana de Nossa Senhora da Assunção, Bacabal/MA, a quem dedica este artigo com louvor e gratidão.
2 Cf. Nota divulgada no Boletim Irmão Sol (n. 02, abril de 1999), da Família Franciscana do Brasil, citando a revista norte-americana TIMES. Francisco sendo uma das dez personalidades mais cotadas do milênio, em companhia do cientista Albert Einstein e do músico Wolfgang Amadeus Mozart...
3 Cf. AA.VV., Diccionario de Historia Eclesiástica de España. Madrid 1972, vol. I A-C, p. 1698-1699.
4 Cf. GEMELLI, Agostinho. O Franciscanismo. Vozes, Petrópolis 1944. Os capítulos III e IV, "Os séculos XV e XVI", p. 132-179.
5 Cf. San Pedro de Alcántara. Madrid, BAC, 1996, p. 29. Este é o primeiro volume da coleção: "Místicos Franciscanos Espanõles".
6 PIAT, Frei ESTEFÂNIO, José. São Pedro de Alcântara. Vozes, Petrópolis 1962, p. 23.
7 Cf. Dicionário Franciscano. Vozes/CEFEPAL, Petrópolis 1993, p. 551. Verbete: Penitência.
8 Id., ibid., p. 552.
9 Cf. 1 Cel 23,29; Adm 10,3; 24,3; Test. 8,26. Francisco ainda diz que quem não faz penitência é um falso frade: 1Rnb 8,8; 19,2. Estes textos se encontram nas Fontes Franciscanas. Vozes/CEFEPAL, Petrópolis 1991.
10 Cf. Testamento de São Francisco 3: Fontes Franciscanas, op. cit., p. 167.
11 Carceri: são cavernas na encosta de uma montanha para onde Francisco e seus confrades se retiravam para a oração, e o Monte Alverne é o local onde Francisco recebeu os estigmas de Cristo em seu corpo.
12 Cf. SÃO PEDRO DE ALCÂNTARA, Tratado de Oração e Meditação. Vozes, Petrópolis 1951, p. 25.
13 SANTA TERESA DE JESUS, Livro da Vida. Paulinas, São Paulo 1983, p. 218. Aí se diz, no capítulo 27, ter o comprimento de 1,37m. Vale aqui a observação do Bispo de Óstia ao participar do Capítulo da Porciúncula (2 Cel 63): "Olhem onde dormem os frades. Que será de nós, miseráveis, que tanto abusamos do supérfluo?”
14 Cf. Vida Franciscana, revista de divulgação interna da Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil. São Paulo, Ano XIX, 1962, n. 29, onde consta a mensagem do Papa João XXIII por ocasião do IV Centenário do falecimento de São Pedro de Alcântara e a mensagem da CRB do Brasil.
15 Id., ibid., p. 8: Tratado de Oração..., op. cit., p. 12.
16 A tradição de fincar o Cruzeiro no encerramento das Missões teve sua origem com o próprio São Pedro de Alcântara. Devoção profundamente enraizada em terras latino-americanas; e inclusive o hábito de fazer o sinal da cruz sempre que se vê uma cruz ou uma Igreja.
17 GEMELLI, Agostinho. O franciscanismo. Vozes, Petrópolis
1944, p. 154.
18 PIAT, op. cit., p. 47.
19 Id., ibid., p. 34.
20 Cf. SANTA TERESA, Livro da Vida, op. cit., p. 219.
21 PIAT, op. cit., p. 58.
22 São Pedro de Alcântara, em: Vida dos Santos de Butler. Vozes, Petrópolis 1992, Vol. X (Outubro), p. 193.
23 PIAT, op. cit., p. 83.
24
Cf. Tratado de Oração..., op. cit., p. 35.
25 Id., ibid., p. 32-34.
26 Cf. Sacrum Commercium 53-55, in: Fontes Franciscanas, op. cit., p. 1070-1071.
27 PIAT, op. cit., p. 100.
28 Id., ibid., p. 104.
29 Cf. San Pedro de Alcántara, BAC, op. cit., p. LXXV.
30 Cf. PIAT, op. cit., p. 54.
31 Cf. Vita Consecrata 1, p. 5 (Doc. Pontifício sobre a Vida Consagrada).
32 Cf. Vita Consecrata 110, p. 214 (Ed. Paulinas, São Paulo 1996).
33 PIAT, op. cit., p. 111–113.
34 Desde novembro de 1998, o Santuário de São Pedro de Alcântara tem seu site, com Biografia e Textos do Santo e Programa do V Centenário: http://www.planalfa.es/santuario.
25 Id., ibid., p. 32-34.
26 Cf. Sacrum Commercium 53-55, in: Fontes Franciscanas, op. cit., p. 1070-1071.
27 PIAT, op. cit., p. 100.
28 Id., ibid., p. 104.
29 Cf. San Pedro de Alcántara, BAC, op. cit., p. LXXV.
30 Cf. PIAT, op. cit., p. 54.
31 Cf. Vita Consecrata 1, p. 5 (Doc. Pontifício sobre a Vida Consagrada).
32 Cf. Vita Consecrata 110, p. 214 (Ed. Paulinas, São Paulo 1996).
33 PIAT, op. cit., p. 111–113.
34 Desde novembro de 1998, o Santuário de São Pedro de Alcântara tem seu site, com Biografia e Textos do Santo e Programa do V Centenário: http://www.planalfa.es/santuario.
3 comentários:
Que grande devoção que eu tenho a São Pedro de Alcântara! São Pedro de Alcântara, rogai por nós! Pela Igreja e pelo Papa e por todos os sacerdotes e vocações. Por toda a humanidade por quem Cristo morreu na Cruz para nossa salvação. Maria Eugénia.
Muito bom o texto, tem muitos detalhes...
A reforma que ele fez foi na própria ordem ou surgiu um novo movimento???
Santo e abençoado dia. Podem me indicar um livro da vida de São Pedro Alcantara para poder ler? Queria muito e não acho. Ficarei grato se indicarem.
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