Misto
de fidalgo e homem do povo, ele nos mostra uma singular via para
alcançar a santidade, amando a Deus com todo o coração, com
toda a alma e com toda a mente, e ao próximo como a nós mesmos.
São Martinho de Porres ou de Lima é um dos mais brilhantes luzeiros da Ordem de São Domingos e, sem sombra de dúvidas, exatamente por sua pequenez e humildade, um dos maiores santos da História da Igreja.
São Martinho de Porres ou de Lima é um dos mais brilhantes luzeiros da Ordem de São Domingos e, sem sombra de dúvidas, exatamente por sua pequenez e humildade, um dos maiores santos da História da Igreja.
As vastidões do Novo Mundo deslumbravam o homem europeu no longínquo despontar do século XVI. Terras férteis, abundantes riquezas naturais e a esperança de um futuro promissor tornaram-se em pouco tempo uma atração irresistível para os fidalgos ibéricos, que viam nas Américas uma oportunidade de expandir a Igreja de Deus, os domínios do Rei e abrilhantar a honra da sua estirpe.
O
entusiasmo que os animava não carecia de fundamento, pois Deus
parecia sorrir aos bravos expedicionários, soprando vento favorável
nas velas de suas frágeis naus e coroando com o êxito temerárias
empresas, movidas muitas vezes pelo desejo de conquistar almas para
Cristo, mas muitas outras também por motivos bem menos elevados.
O
que reservava a Providência para essas terras infindas, habitadas
por povos das mais diversas índoles? O que desejava Ela para aqueles
nativos, ora pacíficos, ora belicosos, ora de temperamento selvagem,
ora dotados de cultura e técnicas muito desenvolvidas? Algo mais
elevado que qualquer consideração política ou sociológica:
dar-lhes o tesouro da Fé, a Celebração Eucarística, a graça
santificante infundida através dos Sacramentos.
Fruto
da heroica ação dos missionários, logo começaram a surgir no Novo
Continente Santos dos mais ilustres, que perfumavam com o bom odor de
Jesus Cristo os novos domínios e faziam expandir neles, pela oração
ou pelo apostolado, as sementes do Reino. Pensemos, por exemplo, na
Lima quinhentista. Nela conviviam Santa Rosa, terciária
dominicana, hoje padroeira da América Latina, São João Macías,
evangelizador infatigável, ou esse modelo de Pastor que foi São
Turíbio de Mongrovejo.
Contemporâneo
de todos eles, superando-os no dom dos milagres e em
manifestações sobrenaturais, brilhou no convento dominicano
do Santo Rosário um humilde irmão leigo chamado Martinho de
Porres. "Misto de fidalgo e homem do povo, suas virtudes
esplendentes contribuíram para conferir à civilização peruana do
seu tempo uma beleza e uma ordenação católicas até hoje
insuperáveis".
Desejo
de servir, à imitação do próprio Cristo
Nasceu
ele a 9 de dezembro de 1579 na florescente Lima do tempo colonial,
capital do vice-reinado do Peru, filho natural de João de Porres,
cavaleiro espanhol, e Ana Velázquez, panamenha livre, de origem
africana.
Em
sua infância, experimentou ora as larguezas e as exigências da vida
nobre ao lado do pai, em Guayaquil - atual Equador -, ora a
simplicidade e o trabalho junto à mãe, em Lima, sem apegar-se a um
modo de vida nem reclamar do outro. Mas tanto em uma quanto em outra
circunstância ele se sentia atraído pela vida de piedade, servindo
como coroinha nas Missas paroquiais ou passando noites em claro, de
joelhos, rezando diante de Jesus Crucificado.
Contando
apenas 14 anos dirigiu-se ao Convento do Rosário e fez um pedido ao
provincial dos Pregadores, Frei João de Lorenzana. Que desejaele ao
bater à porta daquela casa de Deus? Tornar-se um servidor dos
frades, na qualidade de oblato (doado), como então eram
designados aqueles que se dedicavam às tarefas domésticas e se
hospedavam nas dependências dos dominicanos. O superior, discernindo
nele um chamado autêntico, recebeu-o de bom grado.
Doravante
suas funções seriam varrer salões e claustros, a enfermaria, o
coro e a igreja da grande propriedade, que abrigava por volta de 200
religiosos, entre noviços, irmãos leigos e sacerdotes, alguns deles
doutos. De maneira alguma Frei Martinho se envergonhava dessa
condição. Sua visão sobrenatural das coisas fazia-o compreender
bem a glória que há em servir, à imitação do próprio Cristo
Jesus, que Se encarnou para nos dar exemplo de completa submissão.
Após
dois anos no exercício dessas árduas tarefas, vinculado à
comunidade apenas como terciário, um irmão o chama à portaria. Ali
estão à sua espera o superior e seu pai que, regressando de um
longo período a serviço do vice-rei, no Panamá, quer reencontrar o
filho.
Indignado
por vê-lo ocupando posição tão humilde, o fidalgo exige do
provincial que promova seu filho pelo menos a irmão leigo. O prior
acede, mas os olhos de Frei Martinho, em lugar de se iluminarem de
contentamento, ficam umedecidos por lágrimas. Era a sua humildade
que falava mais alto, levando-o a implorar ao superior que não o
privasse
da alegria de poder dedicar-se à comunidade como vinha fazendo até então.
da alegria de poder dedicar-se à comunidade como vinha fazendo até então.
Vocação
de remediar os males alheios
No
dia 2 de junho de 1603 ele faz a profissão solene dos votos
religiosos, recebendo, além das funções de sineiro, barbeiro e
encarregado da rouparia, o cuidado da enfermaria. Ali exerce também,
à falta de médico, o ofício de cirurgião, cujos rudimentos
aprendera antes de ingressar no convento.
Seus
diagnósticos certeiros sobre o verdadeiro estado dos doentes logo
começam a se comprovar pelos fatos, muitas vezes contra as
aparências. Por exemplo, a um enfermo que todos consideram já às
portas da morte anuncia que dessa vez não morrerá; e de fato, em
poucos dias encontrava-se curado. Em outra ocasião, vendo Frei
Lourenço de Pareja caminhando pelo claustro, comunica-lhe que em
breve deixará seu corpo mortal e chama um sacerdote para
administrar-lhe os Sacramentos. Instantes depois de recebê-los, o
frade expira em seu leito.
Incontáveis
curas milagrosas por ele realizadas fazem sua fama ultrapassar os
muros do Convento do Rosário. Pequenos e grandes, espanhóis e
índios, ricos e pobres vêm pedir auxílio ao santo enfermeiro.
Começa
assim a manifestar-se a vocação de Martinho, que "parece
ter sido a de remediar os males alheios", não poupando
esforços para dar-lhes bom exemplo, conforto físico e espiritual no
exercício de suas funções.
"Desculpava
as faltas dos outros; perdoava duras injúrias, convencido de que era
digno de penas maiores por seus pecados; procurava com todas as suas
forças trazer para o bom caminho os pecadores; assistia comprazido
os enfermos; proporcionava alimento, vestuário e remédios aos
fracos; favorecia com todas as suas forças os camponeses, os negros,
os mestiços que naquele tempo desempenhavam os mais humildes
ofícios, de tal maneira que foi chamado pela voz popular Martinho da
Caridade".
Frequentes
manifestações sobrenaturais
De
onde vinham estas qualidades incomuns? Sem dúvida, de uma
intensa espiritualidade, pois "uma vida como a de Martinho,
consagrada por inteiro ao serviço do próximo, com perfeito
esquecimento de si, não se explica sem uma intensa vida interior,
sem o estímulo da caridade que, [...] mesmo sob o peso da fadiga,
não chega a sentir cansaço".
Uma
noite, quando a hora já ia avançada, o cirurgião Marcelo Rivera,
hóspede do convento, o procura sem conseguir encontrar. Pergunta a
este, pergunta àquele, mas ninguém o vira. Acha-o, por fim, na sala
capitular, "suspenso no ar, com os braços em cruz, com suas
mãos coladas às de um Santo Cristo crucificado, que está num
altar. E mantinha todo o corpo junto ao do Santo Crucifixo, como que
O abraçando. Estava elevado a cerca de três metros do solo".
Incontáveis
testemunhas presenciaram fatos semelhantes. Assim, por exemplo, numa
noite em que poucos conseguiam conciliar o sono no prédio do
noviciado, devido a uma epidemia que prostrava com altas febres a
maioria dos frades, ouve-se de uma das celas:
-
Ó, Frei Martinho! Gostaria de ter uma túnica para trocar-me!
É
Frei Vicente que, revolvendo-se no leito, entre os suores da febre,
clama pelo enfermeiro, sem esperança de ser atendido, pois as portas
daquele prédio já estavam trancadas e Frei Martinho vivia fora do
mesmo. Mas, mal termina de falar, vê o irmão enfermeiro junto a
ele, trazendo nas mãos uma camisa limpa e bem passada. Assustado,
pergunta-lhe como fizera para entrar.
-
Não cabe a vós saber isso - responde com bondade Frei Martinho,
fazendo com o dedo sinal de silêncio.
Não
longe dali o mestre de noviços, Frei André de Lisón, ouve a voz de
Frei Martinho e coloca-se no corredor para verificar por onde
entrara. Passa-se o tempo, e nada! Resolve então abrir a porta da
cela do doente: estava sozinho e dormia um sono profundo... A
admiração estende-se por todo o convento.
Frei
Francisco Velasco, Frei João de Requena e Frei João de Guia também
recebem visitas semelhantes. Em outra ocasião, um frade, caminhando
pelo claustro, vê passar pelos ares um facho luminoso, fixa as
vistas e discerne Frei Martinho voando envolto em luz.
Certa
madrugada, ao toque do sino, toda a comunidade se reúne na igreja,
como de costume, para cantar Matinas. De súbito, um clarão vindo do
fundo ilumina todo o recinto sagrado. Voltam-se para trás os
religiosos e descobrem o foco de tão intensa luminosidade: o rosto
de Frei Martinho que, tendo descido para ajudar o sacristão, ali
estava ouvindo o cântico sacro.
"Deus
seja louvado por utilizar tão vil instrumento"
Fatos
como estes ocorrem em quantidade e tornam-se públicos e notórios.
Aos poucos a fama do Santo se espalha por toda Lima, chegando
inclusive até o vice-rei e o Arcebispo. Nada disso, contudo,
perturba sua humildade. De maneira alguma consente em perder o
convívio com o sobrenatural, voltando-se para si mesmo a fim de
desfrutar uma glória humana que passa "como um sonho da
manhã" (Sl 89, 5).
Em
certa ocasião ele vai visitar a esposa de seu antigo mestre de
barbearia, a qual padecia de grave enfermidade. Convidando-o a
sentar-se aos pés de seu leito, ela estica discretamente o braço
até tocar com a mão na ponta do hábito do Santo. No mesmo
instante, sente-se curada e exclama, pervadida de admiração:
-
Tão grande servo de Deus sois, Frei Martinho, que até vossas vestes
têm poder de curar! Com a esperteza própria à humildade, responde
o Santo:
- Aqui está a mão de Deus, senhora. Ele a curou, através do hábito de nosso pai, São Domingos. Deus seja louvado por utilizar tão vil instrumento para operar tamanha maravilha, e porque o hábito de nosso pai não perde seu valor e devoção, mesmo vestido por tão grande pecador como eu.
"Não
sou digno de estar na casa de Deus"
Outro
episódio, desta vez ocorrido dentro dos muros do convento, atesta a
mansidão de Frei Martinho em suportar as fraquezas que por vezes
seus irmãos de hábito manifestavam. Ele as sofria com excepcional
cordura, tomando-as sempre como merecidas e úteis para a expiação
de seus pecados.
Aconteceu
que um antigo religioso acamado mandou chamá-lo na enfermaria, mas
como Frei Martinho estivesse ocupado num assunto urgente, demorou um
pouco a chegar. Enquanto escoavam-se os minutos o doente tomou-se de
impaciência e começou a deblaterar contra o Santo, dizendo toda
espécie de injúrias, externando queixas descabidas, fruto do
egoísmo.
Logo
acudiu ele e pediu desculpas, mas teve de ouvir uma nova catilinária,
desta vez pronunciada em alta voz, de modo que os outros frades
também escutaram. Preocupados, alguns irmãos se aproximaram e um
deles, ao ver Frei Martinho ajoelhado junto ao doente, perguntou-lhe
o que estava acontecendo.
-
Padre - respondeu o humilde Irmão -, estou recebendo
cinzas sem ser a quarta-feira delas. Este padre me ofereceu o pó de
minha baixeza e me pôs a cinza de minhas culpas diante de mim, e eu,
agradecido por tão importante lembrança, não lhe beijo as mãos
porque não sou digno de colocar nelas os meus lábios, mas fico aos
seus pés de sacerdote. E, creia-me, este dia foi proveitoso para mim
porque dei-me conta de que não sou digno de estar na casa de Deus e
entre os seus servos.
Numa
fase de privação pela qual passava a comunidade, o padre prior
encontrava-se muito aflito por não dispor da quantia necessária
para sanar as dívidas da casa, que eram numerosas. Frei Martinho
então perguntou-lhe se não queria vendê-lo como escravo, pois
devia valer um preço considerável e se sentiria muito honrado por
ser útil ao convento.
O
sacerdote, comovido com esta atitude heroica de amor à Ordem,
respondeu-lhe:
- Que Deus te pague, Frei Martinho, mas o Senhor, que te trouxe até aqui, Se encarregará de resolver o problema.
O
caminho que Cristo nos ensina
A
vida do despretensioso irmão transcorria serena, consumindo-se em
longas vigílias de oração junto ao crucifixo e serviços na
aparência muito comuns, mas sempre feitos com a intenção de
glorificar a Deus, sendo amiúde coroados por milagres. Faltando um
mês para completar 60 anos, uma febre violenta e frequentes desmaios
o obrigaram a guardar repouso. Tudo indicava aproximar-se o fim de
seu estado de prova.
A
notícia se espalhou pela cidade e sua cela logo se tornou objeto de
contínua peregrinação. Nessa mesma noite ele entrou em agonia. Os
circunstantes o viam debater-se com gestos violentos e, estreitando
em seu peito o crucifixo, increpar o maligno:
-
Vai embora, maldito! Não me hão de vencer tuas ameaças!
Três
dias depois, a 03 de novembro de 1639, diante dos seus irmãos de
vocação que junto dele recitavam o Credo, nasceu São Martinho de
Porres para a verdadeira vida, deixando atrás de si um rastro
luminoso que ainda hoje suscita a veneração de incontáveis fiéis.
"Este
santo varão que, com seu exemplo de virtude, atraiu tantos à
Religião, agora também, três séculos após sua morte, faz
elevarem-se aos Céus nossos pensamentos", lembrou São João
XXIII ao canonizá-lo. Pois, com o exemplo de sua vida ele nos
demonstra ser possível alcançar a santidade pelo caminho que Cristo
nos ensina: amando a Deus, em primeiro lugar, com todo o coração,
com toda a alma e com toda a mente; e, em segundo, ao próximo como a
nós mesmos.
(Revista
Arautos do Evangelho, Novembro/2013, n. 143, p. 33 à 37)
Um comentário:
Ganhei uma imagem de San Martín de Porres de uma irmã da pastoral social acreditando ser São Benedito fiquei muito feliz.depois vi embaixo da imagem ser San Martín de Porres.igualmente feliz fiquei ao conhecer suas obras e servidão à Deus!
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