“Deus soube fazer jorrar a verdade de meus
próprios erros e apoderou-se de mim pelos meios mais inesperados. E agora, com
a sua graça, minha fé é íntima, consciente e tão profunda, que as pessoas ou
coisas que me fazem sofrer por ela, não podem mais perturbá-la.”
Em 16 de outubro
de 1866, nascia em Paris, Elisabeth Arrighi, jovem de boa condição financeira,
bem educada e de boa família católica. Elisabeth se casou em 31 de julho de
1899, com Félix Leseur, médico, jornalista e – hoje diríamos – um ativista
agnóstico e anticlerical.
Assim conta
Félix: “No momento de nosso casamento, me
comprometera a respeitar as crenças de minha mulher e deixá-la praticar em
liberdade. Mas logo comecei a suportar impacientemente outras convicções que
não eram as minhas negações, e, como a neutralidade religiosa é uma burla nas
relações particulares assim como nas instituições publicas, tomei Elisabeth
como objeto do meu proselitismo às avessas. Pus-me a atacar a sua crença, esforcei-me
para arrancar-lhe e , – que Deus me perdoe!- quase o consegui “.
Sua campanha
ardorosa para esta conversão às avessas de sua esposa, a conduziu a certo
esfriamento da prática religiosa. Assim ele buscava influenciá-la através de
livros, que ele pensava que poderiam “ajudar”. Assim, deu-lhe livros de Renan,
“História das origens do Cristianismo”, “A Vida de Jesus”.
Mas estes
tiveram o efeito contrário. Sua alma
reagiu diante da apostasia e retornou para Deus, começando para ela uma fase
nova: freqüência dos sacramentos, ascese, oração e de formação.
Se Félix tem sua
biblioteca anticatólica, ela inicia sua própria, com a leitura de São Jerônimo,
São Tomás, São Francisco de Sales, Santa Teresa.
Ela escrevera: “Comecei a estudar filosofia e muito me
interessa. Esse estudo esclarece muita coisa e põe em ordem o espírito. Não
compreendo que não se faça dele o complemento de toda educação feminina.”
Os Leseur são um
casal de seu tempo, de uma Paris efervescente: amigos, jantares, viagens
internacionais. Cercados de amigos, mas praticamente todos partilhavam da
aversão religiosa e da incredulidade de Félix.
Este seu
percurso interior é extremamente só. E a Nosso Senhor, ela diz na oração: “Sede Senhor, o caro Companheiro da minha
solidão interior, o Hóspede divino de minha alma, vivei nela e dai-lhe sem
cessar, na comunhão e na oração, as vossas mais íntimas graças. Fazei de mim o
apóstolo do vosso Coração pela prece, pelo sofrimento e pela ação”.
E sua Vida
Espiritual vai se aprofundando. Ela vai se tornando contemplativa, orante.
Verdadeira mística, sem nada de extraordinário, exceto seu amor a Deus.
Aos amigos, aos
incrédulos, buscará ajudar com suas palavras, com suas respostas cheias de
convicção, com sua amabilidade e com sua amizade. Mas especialmente com sua
oração e sacrifício. Ela diz: “Deus se
encarrega de fazer por nós, e melhor que nós, o que sonhamos empreender. A
influência que quiséramos exercer, Ele a emprega no bem das almas, enquanto nós
Lhe oferecemos unicamente o nosso silêncio, a nossa fraqueza e inércia
aparente.“
Para seu amado
Félix, ela deseja que reencontre a Deus. Redobra as orações, os sacrifícios: “Meu Deus, dar-me-eis um dia… em breve.. a
alegria imensa de uma plena comunhão de alma com meu caro marido, de uma mesma
fé e uma mesma existência completamente orientada para vós? Quero por esta
intenção, redobrar as orações, mais que nunca suplicar, sofrer e oferecer a
Deus comunhões e sacrifícios, a fim de obter essa graça tão desejada".
Elisabeth sempre
teve uma saúde frágil, e durante sua vida, as enfermidades se sucederam. Muitas
vezes a obrigaram a longos repousos e a várias intervenções cirúrgicas. Deus a
vai conduzindo ao Calvário: “Sofrer
parece ser verdadeiramente minha vocação e o apelo íntimo de Deus para minha
alma. E depois, sofrer me permite fazer obra de reparação, de obter – eu espero
– as grandes graças que eu desejo tanto para minhas almas queridas, para as
almas.”
Em meio a esta
solidão interior e sofrimento físico, Deus lhe dá um grande conforto, durante
uma visita ao famoso Hôtel-Dieu, de Beaune, ela conhece uma religiosa, Irmã
Marie Goby, que será sua amiga. Que consolo uma verdadeira amizade espiritual.
O contato epistolar entre as duas trará a Elisabeth muito consolo, já que com
ela podia abrir sua alma.
Diz Nosso
Senhor: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida por seus
amigos” (Jo 15,13). E Elisabeth ama profundamente seu esposo Félix, ama com
aquele verdadeiro amor… Assim escreve: “Meu
caro Félix, nem minha família, nem essas outras almas pelas quais tão pouco
posso fazer, sabem talvez a que ponto eu as amo. Na “querida eternidade”, no
centro do amor mesmo, é que gozaremos inteiramente esses afetos. Mas, meu Deus,
como se pode amar quando não se ama em Vós?“
E, por amor,
desejava que ele conhecesse a Verdade do Evangelho, que ele experimentasse a
felicidade que ela vivia, felicidade da Vida em Deus. Assim, em um momento
decisivo, quando foi decidido que ela seria submetida a uma operação cirúrgica,
ela faz com Nosso Senhor um “Pacto íntimo entre minha alma e Deus, meu coração
e o Coração de Jesus”. E nesta oração, de coração a Coração, que repetirá nos
últimos anos de sua vida, ela se oferece por Félix, ela se oferece pela
conversão do seu esposo.
“Meu bom Salvador, entre o Vosso Coração e o
meu é que se deve fazer esse pacto de amor, que Vos dará uma alma, e a mim,
para a eternidade, aquele que amo e quero comigo no Céu”.
Assim, escreverá
posteriormente Félix: “No momento em que
foi decidida a operação que se tinha que fazer, concluíra com Deus uma espécie
de PACTO oferecendo sua vida em troca da minha conversão. O seu sacrifício era
absoluto e estava convencida que Deus o havia aceitado e que a chamaria para Si
prematuramente. Mas, estava também persuadida que ele asseguraria a minha
conversão. (…), ela própria me declarara algumas semanas antes de sua morte.
Conversávamos uma tarde sobre Sua crença na vida futura e na Comunhão dos
Santos, e ela terminou com esta afirmação dita com autoridade um tanto solene:
‘VIRÁS ENCONTRAR-ME, ESTOU CERTA”
A PROFECIA DE
ELISABETH LESEUR A SEU MARIDO
Deixemos que
seja o próprio Félix Leseur a contar-nos:
- Hei de morrer antes de ti – disse-me ela
a queima-roupa, ao terminar uma conversa.
– Por que me
dizeis isto? – respondi – como o sabeis?
–Sei, com todas as doenças que tenho tido e
os vestígios profundos que elas deixam em meu organismo, isto é certo.
– Mas não, as
saúdes delicadas são em geral as mais duráveis e a tua não está tão
comprometida como o supões.
– Sim, morrerei
antes de ti. E, quando eu morrer, hás de te converter e quando estiveres
convertido, te farás religioso. Serás Dom Leseur ou o Padre Leseur. Serás o
Padre Leseur.
– Mas é absurdo
o que dizes. Conheces minhas idéias e meu agnosticismo só tem se acentuado,
assim como a minha hostilidade.
– Verás – disse ela certamente para
terminar – verás.
Depois de longos
sofrimentos, Elisabeth morre no dia 03 de maio de 1914, nos braços de seu amado
Félix.
Mas, tudo estava
por começar… A grande mudança só estava começando na vida de Félix Leseur.
Assim, ele contará:
“Depois de sua
morte, quando tudo parecia acabado para mim, achei o TESTAMENTO ESPIRITUAL, que
redigira em minha intenção, e, por indicação de minha cunhada, seu DIÁRIO.
Mergulhei-me nessa leitura, li-o, reli-o e uma revolução operou-se em todo meu
ser moral. Compreendi a beleza celeste daquela alma, que aceitara seus
sofrimentos, os oferecera, mais até, que se oferecera e sacrificara
principalmente por minha conversão”.
“Pouco a pouco,
se abriram os olhos da fé. Senti Elisabeth, na aparência desaparecida, no
entanto guiando-me.”
“Elisabeth me
conduzia à verdade, e continua, bem o sinto no meu íntimo, a sustentar meus
passos para uma união ainda maior com Deus”
Em 1917, Félix
publica o Diário da sua Elisabeth, fazendo que o mundo conhecesse a preciosa
obra que Deus realizou na alma de sua esposa. E o segredo de Elisabeth, sua
vida interior, que durante toda sua vida fora desconhecida para todos,
especialmente para Félix, agora se fazia conhecida…
Assim, Deus
realizava os desejos mais profundos que Elisabeth deixou escrito: “Que Ele me
conceda a graça de ser apóstolo, e de fazer conhecer às almas, por meus
exemplos e meus atos, a força e a vida que Ele traz a uma alma e como pode
transformar um ente humano, mesmo fraco como eu. O Espírito Divino que fez de
pescadores ignorantes, apóstolos de coração ardente, pode servir-se de mim para
fazer algum bem; isso rogo-lhe com ardor.”
Frei Marie-Albert Leseur
Em 1919, Félix
entra no noviciado dos Dominicanos, seu nome religioso será Frei Marie-Albert
Leseur, e em 08 de julho de 1923, menos de dez anos após a morte de Elisabeth,
ele é ordenado sacerdote.
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Frei Marie-Albert Leseur |
Dedicar-se-á a
fazer conhecida a vida e espiritualidade de sua esposa, que ele assim descreve:
“A existência de Elisabeth Leseur não apresenta, sem dúvida, fatos
sensacionais; ela decorreu muito simplesmente no amor de Deus e do próximo, na
unidade confiante da família e do lar, no cumprimento dos deveres de estado, de
todos os deveres, na aceitação do sofrimento físico e moral, muitas vezes mu
ito
penoso, na resignação e submissão à vontade de Deus”; ela “prova que, uma
senhora, tendo parte na vida mundana do século XX, casada com um incrédulo, é
possível ter uma religião ativa e esclarecida, fortalecida na oração,
inspirando seus atos e elevando-a aos cumes da perfeição cristã. Ela se torna
assim, para qualquer senhora no mundo, um guia seguro, um apoio sólido, e seu
exemplo é, nesse ponto de vista, um argumento apologético de primeira ordem”.
Ele se
encarregará da publicação de seus escritos íntimos, cartas, etc., e de preparar
a sua causa de beatificação, até sua morte em 1950.
O processo de beatificação de Elisabeth Leseur
O Postulador
geral da Ordem dos Pregadores está buscando dar um novo impulso a causa de
beatificação da Serva de Deus Elisabeth Leseur (1866-1914).
Hoje mais que
nunca, precisamos do seu testemunho de fidelidade, sua profunda vida interior e
sua vivência do Evangelho na vida cotidiana. Sua mensagem é atual e necessária
ao nosso tempo atribulado.
Portanto,
pedimos a todos que receberam graças (físicas ou espirituais), a todos que
foram tocados pela vida e pelos escritos da Serva de Deus, o favor de entrarem
em contato com a Postulação Geral dos Dominicanos:
Frei Llewellyn
Muscat O.P.
postulatio@curia.op.org
Rezemos ao
Senhor que nos conceda a graça da beatificação da Serva de Deus Elisabeth Leseur.