Gabrielle Bossis (Nantes, 26 de
fevereiro de 1874 — 9 de junho de 1950) atriz e escritora católica francesa e
uma grande mística do século XX.
Gabrielle Bossis nasceu
numa família francesa abastada, em Nantes, a 26 fevereiro de 1874. Pertencia à
nobreza francesa e foi educada num ambiente culto e refinado. Seu pai
chamava-se Auguste Bossis, um rico capitalista, sua mãe Clémence Barthélemy e
os seus irmãos eram Auguste, Clémence e Marie. Foi enfermeira da Cruz Vermelha
na primeira guerra mundial.
Foi escritora, diretora e
atriz de teatro de sucesso. Por toda a existência levou uma vida de devoção e
piedade intensa assistindo à Missa diariamente, visitas frequentes ao
Santíssimo Sacramento, Hora Santa às quintas-feiras, reza do Santo Rosário
diariamente, prática frequente de mortificações corporais e interiores.
Segundo ela própria, em
1936, começou a ter "locuções interiores" que durariam até a sua
morte, e anotou-as em dez cadernos manuscritos, que viriam a constituir os sete
fascículos da sua obra principal, “Lui et moi” (“Ele e eu”). Em 1949 uma parte
desta obra foi publicada, com a condição de se manter a autoria no anonimato. A
obra foi prefaciada pelo bispo de Nantes e pelo decano da Faculdade de Teologia
do Instituto Católico de Paris, que não se pronunciaram sobre a origem divina
das locuções, mas afiançaram a inteira ortodoxia católica do seu conteúdo bem
como a utilidade da obra.
Faleceu no dia 9 de junho
de 1950, em consequência de um câncer e foi sepultada em Fresne.
"ELE E EU - VIVER
COM DEUS" - trata-se de uma pequena joia da espiritualidade, uma grande
obra mística, que pode fazer muito bem às almas sedentas.
Mais sobre Gabrielle
Bossis
Gabrielle Bossis
(1874-1950) era até pouco tempo desconhecida no Brasil. Foi uma católica
francesa, natural de Nantes, onde sempre viveu, mais exatamente em Fresne sur
Loire, a cerca de 60 quilômetros daquela cidade. Leiga, permaneceu solteira,
apesar de numerosos pedidos de casamento. De família abastada, sempre teve um
bom padrão de vida, vivendo de rendimentos deixados pelos pais, o que lhe
permitiu também muitas obras de caridade. Sua família era muito religiosa e ela
estudou num colégio de freiras. Era a mais moça de quatro irmãos. Em 1898
perdeu o pai, passando a morar com a mãe e uma irmã, igualmente solteira.
Muito
viva e expansiva, era extraordinariamente dotada para todas as formas de arte:
pintura, música escultura, canto, trabalhos manuais, dança. Gostava dos esportes
da época: bicicleta e equitação. Não era de uma beleza clássica, mas tinha
muito charme, sendo inteligente, dinâmica e alegre. Conciliava seus sentimentos
religiosos com uma vida social um pouco refinada. Em 1908 morreu sua mãe e em
1912 faleceu a irmã. Passou a morar sozinha. Trabalhou num atelier de
decorações litúrgicas para as Missões, que ela ajuda com importantes
contribuições. Ensinou regularmente catecismo e participou em outras atividades
paroquiais. Obteve o diploma de enfermeira, que exerceu durante a Primeira
Guerra Mundial.
Em 1923 Gabrielle está
com quase 50 anos. Eis que o pároco de Fresne, que a conhecia desde a
adolescência e tinha seguido seu crescimento espiritual, lhe pede que escreva
uma peça teatral para os jovens. É um tipo de apostolado meio desconhecido no
Brasil, mas muito difundido na época na França: peças teatrais edificantes, em
nível paroquial. Ela escreve uma peça em que ela própria vai atuar, cantando e
dançando com vários jovens paroquianos, atores improvisados.
A representação
conquista o público e o pároco organiza diversas outras representações e empresta
a "troupe" a outras paróquias, tendo sempre um grande sucesso.
Começa a missão de Gabrielle de escritora e atriz. De 1923 a 1936 vai compor
16 comédias em três atos e 14 "saynètes" ou balets. Todas têm um
sentido moral e reflexões espirituais, sendo apresentadas em teatros paroquiais
e de movimentos religiosos. Ela sempre atua nos espetáculos. Vai ficando famosa
e viaja com seu grupo amador por toda a França, até 1948, quando pela idade e
por seu estado de saúde tem que parar. As peças teatrais são editadas e os
livros tornam-se um grande sucesso de venda, recebendo vários prêmios. Os
constantes deslocamentos a obrigavam muitas vezes a dormir nos trens ou num
banco nas estações ferroviárias, tinha que renunciar ao sono e a refeições
regulares, suportar o calor tórrido e o frio glacial. Tudo visava o apostolado.
As despesas eram todas pagas com seu bolso. E sabia conciliar o intenso
trabalho com uma vida de oração constante.
Em 1936, após 13 anos de
apostolado em cena, com 62 anos de idade, Gabrielle aceita um convite para
apresentações no Canadá. Até então ela não tinha nenhum diário, era muito
impetuosa e dinâmica para se observar e se descrever. Eis que na viagem de ida
num grande transatlântico, começa a escrever um diário da viagem. É aí que
irrompe com muita naturalidade uma Voz sobrenatural em sua vida. Ela se põe à
escuta da Voz e começa o diálogo, que coloca no papel. "Ele e eu". É
o diálogo de Jesus com Gabrielle. Certas descobertas recentes parecem revelar
que estes diálogos com a Voz divina são de fato anteriores a 1936, mas neste
ano é que os diálogos se acentuaram e passaram a ser habituais. Neste momento é
que seus escritos se transformam em mensagens, em autêntica missão:
"Eu não te peço se
não isso: "escrever". Não é muito difícil? Eu estou contigo. Seja
Minha fiel. Eu sou teu Fiel".
"Quanta doçura nos
primeiros diálogos transcritos por Gabrielle", diz Lúcia Barocchi,
biógrafa de Gabrielle Bossis. "É a época em que quase que o Senhor a
"corteja", em que quer conquistar todo lugar no seu coração para
ligá-la a Ele. Ternamente responde às suas perguntas, participa de seus
problemas, entra quase que na ponta dos pés nas situações humanas mais
humildes. É comovedor perceber esta divina sensibilidade no timbre cheio de
benevolência e delicado, que Gabrielle registra". Depois a pressão torna-se
cada vez maior, mais exigente, busca conduzi-la para uma vida sempre mais
profunda, ávida de união eterna. De página em página o Interlocutor invisível
dispensa uma delicada lição de Amor que orienta Gabrielle no caminho das
virtudes fundamentais e a encoraja a tentar os esforços decisivos para seu
crescimento interior.
O Senhor que a deseja longe do mundo e das distrações
"mundanas", a lança contudo no mundo do apostolado teatral, em que
sua atenção era toda para Ele, para que ela lhe traga almas. Ele a exorta
sempre à vida de oração - e mesmo no turbilhão de sua vida com muitas viagens
ela será fiel à via-sacra cada manhã, uma hora de adoração, a Hora santa nas
quintas-feiras, visitas repetidas ao Santíssimo Sacramento, o Angelus e o
Rosário, a Missa diária, o que a obriga por vezes a grandes sacrifícios
(estando na Córsega, teve um domingo que precisou caminhar sete quilômetros a
pé para poder ir à missa):
"... Eu oferecia os
perfumes intensos desta terra Córsega à Santíssima Virgem, e como não sentisse
a fadiga da subida contínua, Ele me disse: Vês que tudo é fácil no Amor. E eu
sentia Sua Presença à minha esquerda."
A Voz divina exorta
igualmente Gabrielle à mortificação do espírito e da carne,
"cilícios" em todos os sentidos.
O diário vai sempre prosseguindo.
Ela não fala quase dos acontecimentos de sua vida, ignorando acontecimentos que
se passam em volta, como a Segunda Guerra Mundial, registra quase que apenas
diálogos espirituais. Muita coisa escreve de joelhos durante a Hora Santa
semanal na igreja paroquial. A salvação das almas, a paixão pelos pecadores, a
vida sacramental, a caridade, tudo está lá na lição deste Mestre que ensina o
amor e pede o amor. Ele a todo momento manifesta sua ternura. Há páginas de
muita profundidade e simplicidade. Há algo com Santa Teresa do Menino Jesus -
nascida um ano antes dela - e seu caminho da infância espiritual.
Mas será mesmo Cristo que
fala a Gabrielle? Ela mesma tem momentos de dúvida, considerando sua
indignidade. Mas a própria Voz vence suas dúvidas:
"O pensamento de tua
indignidade te faz duvidar que seja Eu que te fala? Não teme, se verá bem que
não é por causa de teus méritos que Eu te falo, mas pela necessidade de Minha
misericórdia.
Duvidas que seja Eu? Faz
como se fosse verdade... Que é que escreverias se eu não te ditasse?"

Patrick de Laubier,
professor da Universidade de Genebra, membro leigo do Pontifício Conselho
Justiça e Paz (nos últimos anos foi ordenado sacerdote), autor de várias
obras, entre as quais "Jesus, mon Frère", ensaio sobre as conversas
espirituais de Gabrielle Bossis, observa que ela, sem formação teológica
particular, teria sido incapaz por si mesma de tratar, como trata, de pontos de
ordem espiritual e teológica particularmente importantes, recebendo uma notável
iluminação. "Como escrever mil e cento e quatro páginas de conversações
sobre tantos assuntos sem cometer nenhum erro teológico, com uma felicidade de
expressão e uma profundidade espiritual tão original, sem o atribuir Àquele que
lhe fala? Se notará, aliás, a dificuldade para Gabrielle Bossis de crer em sua
missão e de medir a extraordinária vocação à qual foi chamada". Laubier vê
no diário de Gabrielle Bossis como mensagem particularmente importante o Amor
universal de Cristo e diz que a particularidade mais revolucionária de Ele e Eu
reside na constante tensão "missionária" de Cristo, que quer quase
"ultrapassar" o limite para se unir a nós, para nos converter.
Gabrielle não é tanto aquela que recebe, mas a que retransmite as mensagens ardentes
que Cristo lança a cada um de nós.
De fato, as mensagens de
Cristo não são dirigidas unicamente a Gabrielle e ele a partir de 24 de outubro
de 1944 começa a pedir a publicação delas em livro. Gabrielle concorda, desde
que seu nome não aparecesse. Um papel importante na publicação da obra terá o
Pe. Alphonse de Parvillez, SJ (1881 -1970), autor espiritual conceituado,
colaborador da revista "Études", conhecido por sua ligação com o
grande escritor Daniel-Rops (colaborou para a sua volta à Igreja e o orientou
para a História da Igreja). Ele é amigo de Gabrielle desde 1929 e fica
encarregado de encontrar um editor. Os tempos difíceis da guerra impedem isso.
Só em 1948 o Pe. de Parvillez vai encontrar a editora, a conhecida Beauchesne.
Nesse ínterim, o próprio bispo de Nantes, Mons. Villepelet, mostra interesse e
mesmo impaciência pela publicação. Quando ela recebe as provas do livro, o
Interlocutor divino abre-se numa comovedora efusão, "uma das mais belas
páginas do diário" para Lúcia Barocchi:
"Sim, fica muito
alegre e reza para que cada uma destas lihas tenha sua ressonância de passos
nas almas. Oh, Minha Filha, podes saber o caminho que terá este livrinho?
Pede-me para ir aos mais miseráveis, estes paralíticos espirituais, estes
desolados sem esperança, estes mudos diante de Deus, estes possuídos do desejo
de dinheiro. Pede que Eu passe por intermédio deste livrinho como Eu passava
outrora, curando, atraindo a Mim.. (...) Ah! Que venham se alimentar nele e
respirar mais forte!".
A obra sai em julho de
1949 com prefácio do bispo Mons. Villepelet, apresentação do Pe. Jules
Lebreton, SJ, antigo decano da Faculdade de Teologia do Instituto Católico de
Paris e introdução do Pe. de Parvillez, SJ. Nenhum dos três se pronuncia sobre
a origem divina das locuções, mas garantem a perfeita ortodoxia e utilidade dos
textos. O Pe. Lebreton nota que Gabrielle, tendo se perguntado se as palavras
que anotava vinham do Senhor ou dela mesma, Cristo lhe responde: "Mas
mesmo que estas palavras saíssem de teu natural humano, não sou eu que criou
este natural? Não deves tu tudo tornar a levar a mim? De mim, a raiz de teu
ser. Minha pobre filhinha". E o Pe. Lebreton acrescenta: "A dúvida
era legítima; mas a resposta foi boa. É preciso acrescentar que Deus, que criou
a alma, a santifica e a move por sua graça. Mais a vida espiritual se
desenvolve, mais esta ação é poderosa, mais também ela é manifesta. O termo ao
qual aspira o cristão que quer ser inteiramente fiel à graça, é descrito em
toda verdade por São Paulo: "Não sou eu mais que vivo, é Cristo que vive
em mim". O Pe. de Parvillez explica por sua vez a natureza da obra:
"São "palavras interiores", percebidas por uma alma como vindas
de Cristo, e notadas por ela logo. Nada de aparições, nem de audição externa;
tudo se passa além do mundo dos sentidos, numa região mais profunda".
Enfim, o livro alcança
bastante sucesso e Gabrielle começa - ainda convalescendo de uma cirurgia para
a retirada de um tumor no seio - a preparar logo um volume II com o material de
seus cadernos. Ela está com 76 anos. Sente-se fatigada. Em março de 1950 os
médicos descobrem que o tumor atingiu os pulmões. Gabrielle Bossis morre,
depois de muitos sofrimentos, mas de forma muito consciente, num dia
significativo: na noite da festa de "Corpus Christi, 9 de junho. É
sepultada com o hábito de terciária franciscana, num túmulo por ela escolhido
anos antes e no qual mandara gravar a seguinte inscrição: "Oh, Cristo, meu
irmão \ trabalhar junto de Ti \ sofrer contigo \ morrer contigo \ sobreviver em
Ti".
O II volume de "Ele
e Eu” sairá em dezembro de 1950, com um belo prefácio de Daniel Rops (que
consta da antologia publicada agora em português pela Quadrante). Os volumes
III a VII foram saindo gradualmente, até 1953, organizados pelo Pe. de
Parvillez, a partir dos dez cadernos deixados por Gabrielle. O vol. VI é
precedido de uma biografia de Gabrielle por sua amiga, a sra. Pierre de
Bouchaud.
De 1953 para cá a obra de
Gabrielle Bossis tem feito seu caminho, embora sem muito estrondo. A autora vai
se tornando conhecida. O conceituado "Dictionnaire de Spiritualité" a
menciona no verbete "Palavras interiores" ("Paroles
intérieures"), de André Derville, que lembra outras místicas do séc. XX e
a compara a Santa Brígida da Suécia, Santa Gertrudes Magna, Santa Catarina de Sena,
Santa Margarida Maria Alocoque, Marina de Escobar, Maria di Agreda. Em 1999
Patrick de Laubier publica seu ensaio teológico, que acima mencionamos,
"Jesus mon frère", e em 2005 sai na Itália uma biografia mais
completa de Gabrielle, "Luit e Gabrielle Bossis", de Lúcia Barocchi,
figura conhecida do laicato italiano (o cardeal Camillo Ruini escreve o
prefácio do livro). Está agora surgindo na França uma "Associação
Gabrielle Bossis", montando um site (www.gabriellebossis.fr) em que se pede
orações pela beatificação de Gabrielle.
Para concluir,
percorramos alguns dos textos de "Ele e Eu - Viver com Deus" (Quadrante):
20 de janeiro de 1939. Soissons. "Difunde a
alegria por onde quer que passes". Na minha solidão, pensava comigo mesma:
"Ah, se Ele estivesse comigo neste vagão". Ele: "Tu não me vês,
mas estou aqui. Sempre estou contigo" (p. 14).
13 de janeiro de 1939.
"Aumenta, aumenta a intensidade dos teus sentimentos de Fé, de Esperança e
de Caridade! Pensas que, se me pedisses com frequência que te faça santa, Eu
poderia deixar de atender-te? Exercita-te na esperança e na reparação, pois não
há arte que se possa adquirir sem exercício" (p. 16).
19 de dezembro de 1936.
"Há momentos em que duvidas de que seja Eu quem te fala, tão simples e
tuas próprias te parecem as minhas palavras. Mas por acaso não somos tu e Eu
uma e a mesma coisa?" (p. 17).
Argel, 23 de abril de
1937. "Não te canses de Mim. Eu não me canso de ti" (p. 20).
1937. Admirava-me de que Ele me tivesse cumulado de
tantos bens durante toda a minha vida, ao passo que a outras... Enfim disse-me
com suma delicadeza: "Perdoas-me por ter-te amado tanto?" (p. 21).
1938. "Diz-me bom dia a cada amanhecer, logo
que acordares. Como se estivesses entrando no céu" (p. 26).
21 de maio de 1938. Nantes, de volta a casa.
"Que se possa julgar a tua alma pela ordem da tua casa" (p. 36).
1937. "Quando recebes com um sorriso as
pequenas contrariedades da vida diária, curas as minhas chagas" (p. 41).
12 de maio de 1937.
"Eu ando à procura de sofrimentos que se queiram unir aos meus" (p.
42).
1938. Eu pensava na morte e me perguntava:
"Que farei [nessa hora]? Serei capaz, ao menos, de dizer bom dia ao meu
Deus? Ele, com vivacidade: "Serei Eu quem te desejará bom dia" (p.
45).
1 de abril de 1938. No
metrô: "Fala comigo, fala comigo!" (p. 51).
25 de maio de 1937.
Renne, no trem: "Por que haverias de viver na solidão, se Eu quero que
vivas em público? E depois, com muito carinho: "Minha filhinha tão amada
leva-me, leva-me aos outros. Sobrenaturaliza" (p. 52).
1938. "Com os
outros, podes falar pensando em outra coisa, mas comigo, não!" (p. 55).
1940. Na bela igreja do
século XIII. "Evita pensar que Eu exijo que as almas sejam perfeitas para
recebê-las no meu Coração. Dai-vos a mim com todas as vossas misérias e
negligências e com as vossas faltas de cada momento. Reconhecei-as aos meus pés
e pedi perdão por elas, e estai seguros de serdes os filhos queridos do meu
Amor" (p. 60).
19 de abril de 1940.
"A Eucaristia é o presente do céu; nada tem valor neste mundo fora
dela" (p. 65).
Fonte: