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Encontre o (a) Santo (a), Beato (a), Venerável ou Servo (a) de Deus

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Serva de Deus Zélia Pedreira Abreu e a Beata Nhá Chica.










          Uma santa visitando outra... O dom profético de Nhá Chica. 
Certa vez, a Beata Nhá Chica recebeu em sua pequenina casa o nobre conselheiro do Império, João Pedreira do Couto Ferraz. Era o ano de 1873. Ele, casado com Elisa Amália de Bulhões Pedreira, fazia-se acompanhar, entre outras pessoas, de sua filha primogênita que na ocasião contava 15 anos de idade e alimentava o desejo de consagrar-se ao Senhor. Era a jovem Zélia, nascida a 05 de abril de 1857.
A família encontrava-se no vizinho povoado de Caxambu para desfrutar das suas ricas águas minerais. A boa fama de sábia conselheira da beata Nhá Chica, que naquele tempo já trespassara os limites da pequena vila Baependi, atraia muitos à sua procura. Aquela ditosa família acorreu ao encontro da piedosa serva de Deus para recomendar às suas orações a jovem menina desejosa de Deus.
Nhá Chica recebeu-os em sua modesta casa e logo depois de «um dedo de prosa» já conhecia as aflições daquela família. Recolheu-se então ao seu quartinho e à intimidade da oração à sua «Sinhá», modo carinhoso como se referia à pequenina imagem da Senhora da Conceição que herdara de sua mãe. Os hóspedes esperavam na sala. Pouco tempo depois, voltou a velha senhora e, sem transparecer sombra alguma de dúvida, pronunciou o oráculo profético:

- «Ela vai se casar! Terá muitos filhos e no fim da sua vida será toda de Nosso Senhor».
Regressaram a Caxambu, mas não se esqueceram das palavras proféticas de Nhá Chica.
Zélia recebera primorosa educação literária, artística e científica e revelava especial pendor para o estudo dos idiomas. Falava e escrevia corretamente o francês, o inglês, o espanhol e o italiano. Conhecia ainda o alemão, o latim e o grego.

«Ela vai se casar!»
O ingresso na vida religiosa feminina não era algo fácil, visto que naquela altura não eram muitas as casas religiosas femininas no Brasil e o noviciado era normalmente feito na Europa. Por esses ou outros motivos, o certo é que Zélia não ingressou então na Vida Religiosa, mas pelo contrário, cerca de três anos depois, em 27 de julho de 1876 casou-se com o Dr. Jerônimo de Castro Abreu Magalhães, engenheiro civil e homem de particular espírito religioso.

Após uma temporada em Petrópolis, o casal fixou-se na Fazenda Santa Fé, na Vila do Carmo de Cantagalo, Província do Rio de Janeiro. Lá se constituía em um autêntico lar cristão. Na Fazenda havia uma capela, na qual inúmeras vezes ao dia Zélia era encontrada rezando. Os escravos da fazenda sempre iniciavam o trabalho do dia com uma oração guiada por ela e seu esposo no pátio da fazenda onde havia um coreto. Zélia muito se preocupava com a vida espiritual deles, por isso, sempre participavam da missa, se confessavam e recebiam sólida catequese, oferecida por Zélia e Jerônimo. Ela mesma os catequizava: adultos e crianças.
Eles nunca tratavam seus escravos como propriedade. Na fazenda dos servos de Deus eles viviam em liberdade e recebiam salário. Quando foi assinada a Lei Áurea em 13 de maio de 1888, que abolia a escravidão negra no Brasil, eles permaneceram na Fazenda Santa Fé, pois sempre viveram e foram tratados como pessoas livres. Na fazenda, o piedoso casal construiu uma enfermaria para tratar dos escravos doentes e periodicamente vinha um médico, e Zélia mesma com seus filhos iam visitá-los e inclusive tratar deles.




«Terá muitos filhos»
Desse feliz matrimônio nasceram treze filhos, dos quais quatro faleceram em tenra idade. Os demais, três homens e seis mulheres abraçaram a Vida Religiosa em diferentes Ordens e Congregações: um lazarista, um jesuíta e um franciscano; quatro doroteias e duas irmãs do Bom Pastor.

Sabe-se que também o casal sempre desejou consagrar-se ao Senhor, mas Jerônimo não pode, morreu em 1909, deixando viúva sua amada esposa que, quatro anos mais tarde em 1913, depois de cuidar do seu pai até a morte, entrou com uma permissão especial, para o Convento das Servas do Santíssimo Sacramento, estabelecido em 1912 no Largo do Machado, no Rio de Janeiro. Contudo, uma de suas filhas gravemente enferma e seu jovem filho, Fernando, jesuíta, não tendo ainda os votos perpétuos, fizeram com que Zélia esperasse ainda mais um pouco para concretizar sua plena consagração a Cristo.
Somente em 1918, após vender todos os seus bens e doá-los aos pobres e à Igreja, cumprindo assim a ordem do Evangelho (Mt 19,21) de vender tudo e dar aos pobres para depois seguir a Jesus Cristo mais de perto, Zélia pode concretizar a sua consagração há tantos anos predita profeticamente por Nhá Chica: «… no fim da sua vida, ela será toda de Nosso Senhor».


Zélia, não achando suficiente ter renovado nove vezes o sacrifício de entregar seus filhos a Deus, entregou a si mesma, como sua maior prova de amor. Passou então a chamar-se Irmã Maria do Santíssimo Sacramento, ao tomar o hábito religioso em 22 de janeiro 1918.
Ela terminou sua edificante e modelar existência, a 8 de setembro de 1919, em justa fama de santidade. Foi sepultada em um simples jazigo no Cemitério São João Batista, no bairro do Botafogo, no Rio de Janeiro. Em 1937 por causa do grande número de fiéis que frequentemente iam rezar no seu túmulo, resolveram transladar os seus restos mortais para a Igreja de Nossa Senhora de Copacabana. A transladação seria muito discreta e constaria somente de uma Missa na Paróquia, celebrada pelos seus três filhos. Quando, porém a multidão soube da transladação acorreu ao Cemitério e o número de fiéis era tão grande que parecia uma procissão, o trânsito parou e no dia seguinte todos os jornais noticiaram o que havia ocorrido. A igreja não comportou todo o povo e por isso uma grande multidão se acomodou nas ruas laterais da Paróquia.
Um dos seus filhos, o franciscano, Frei João José Pedreira de Castro, visitou em 07 de janeiro de 1953 a Igreja da Conceição, onde se encontram os restos mortais da Beata Francisca Paula de Jesus – Nhá Chica e registrou o seguinte depoimento: «Tive hoje mais uma vez a oportunidade de visitar o túmulo de Nhá Chica. É sempre com profunda emoção que me achego deste túmulo que encerram os despojos venerandos de quem em vida só teve uma preocupação: a piedade e a caridade. Alma simples do povo, Nhá Chica avantajou-se prodigiosamente. Acentuo esse advérbio, quer em vista dos muitos prodígios (profecias, graças, quiçá milagres), que dão atestados terem sidos recebidos por sua intercessão durante a sua vida e após a sua morte, quer relativamente à sua personalidade (…) Permita a providência divina que a Autoridade Eclesiástica tenha por bem aprovar sempre mais e promover a devoção de Nhá Chica, esse maravilhoso exemplo de uma cristã que soube objetivar em si plenamente o evangelho». Já no céu, frei João vê elevada às honras dos altares a Beata Nhá Chica e com certeza, aguarda o mesmo para sua piedosa mãe.
Inúmeras são as graças alcançadas pela intercessão da Serva de Deus Zélia, esta grande mãe de família, viúva, filha fiel e toda de Deus. Mas, não só! Também são incontáveis as graças alcançadas pela intercessão de seu piedoso esposo, Jerônimo.


Processo de Beatificação
No dia 20 de janeiro de 2014, o Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Orani João Tempesta inaugurou oficialmente o processo de beatificação do casal Jerônimo e Zélia que poderá ser o primeiro casal brasileiro a receber o título de beatos da Igreja.
As relíquias de ambos foram transladadas para a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, na Gávea, onde estão expostas para veneração pública. Um dia foi predita tal santidade junto à pequena capela de Nossa Senhora da Conceição, edificada pela Beata Nhá Chica, agora aguarda o reconhecimento oficial da Igreja, repousando noutro templo dedicado ao mesmo orago.




Servos de Deus, Zélia e Jerônimo podem se transformar no primeiro casal de bem-aventurados do Brasil

Quando se casaram, no dia 27 de julho de 1876, na Chácara da Cachoeira, no Rio de Janeiro, Zélia e Jerônimo, então com 19 e 25 anos, não imaginavam que estavam prestes a escrever uma bela história de amor. Em 33 anos de casados, os dois tiveram 13 filhos. Quatro deles morreram ainda pequenos e nove, três homens e seis mulheres, seguiram a vocação religiosa. Entre os homens, um tornou-se Lazarista, outro Franciscano e o terceiro Jesuíta. Das seis mulheres, quatro ingressaram na Congregação das Irmãs de Santa Doroteia e duas na Congregação do Bom Pastor. Mas a bela história de amor a que me referi no começo da matéria ainda não chegou ao fim.

Com a morte de Jerônimo em 1909, aos 58 anos, Zélia resolveu vender tudo o que tinha, dar aos pobres e ingressar no Convento das Servas do Santíssimo Sacramento. Foi quando passou a ser chamada de Irmã Maria do Santíssimo Sacramento. “Mesmo tendo excelentes condições financeiras, os valores evangélicos sempre prevaleceram na casa de Zélia e Jerônimo. Os dois conseguiram transmitir aos filhos uma espiritualidade muito rica”, destaca dom Roberto Lopes, delegado para a Causa dos Santos da Arquidiocese do Rio de Janeiro. “A morte não conseguiu separá-los. Mesmo depois de mortos, Zélia e Jerônimo continuam unidos pelas virtudes heroicas”, enfatiza.

Um dado curioso da biografia de Zélia é que, aos 15 anos, ela conheceu Nhá Chica em Baependi, Minas Gerais. Apesar de jovem, a menina já manifestava o desejo de ingressar na vida religiosa. Foi quando seu pai, João Pedreira do Couto Ferraz, a levou para conversar com Francisca de Paula de Jesus, a Nhá Chica. Embora fosse um católico ardoroso, o pai de Zélia não gostaria que a filha ingressasse tão cedo numa ordem religiosa. Depois de conversar com a menina e pedir a intercessão de Nossa Senhora da Conceição, de quem era devota, Nhá Chica disse a Zélia que ela seria freira, sim, mas não agora. Antes, se casaria com um homem santo e seria mãe de uma grande prole.

Modelos de vida cristã – Jerônimo de Castro Abreu Magalhães nasceu em Magé, na Baixada Fluminense, no dia 26 de julho de 1851. Depois de estudar Ciências Humanas na Alemanha, formou-se em Engenharia Civil pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro, em 1873. Sua futura esposa, Zélia Pedreira Abreu Magalhães, nasceu em Niterói, em 5 de abril de 1857. Poliglota, aprendeu a falar e a escrever fluentemente em quatro idiomas: inglês, francês, espanhol e italiano. Depois de passar a lua de mel em Petrópolis, região serrana do Rio, o casal fixou residência na Fazenda Santa Fé, no município do Carmo, que pertencia à aristocrática família Abreu Magalhães.

Uma das primeiras medidas que Jerônimo tomou ao assumir a propriedade foi desativar a senzala. No lugar dela, ergueu moradia para os 500 empregados da fazenda. Doze anos antes da assinatura da Lei Áurea pela princesa Isabel, que aboliu a escravatura no Brasil, em 13 de maio de 1888, Jerônimo concedeu alforria para os escravos da Santa Fé. Também pagava salário e oferecia atendimento médico a eles. Zélia não ficou atrás. Construiu uma capela e, todos os dias, mandava celebrar missa. Ela própria se encarregou da formação catequética dos empregados e de seus familiares. Exortava a todos em Santa Fé que recebessem os sacramentos do Batismo e do Matrimônio.

Santo casal – Zélia tornou-se freira em 22 de janeiro de 1918 e morreu em 8 de setembro de 1919. Seu jazigo no Cemitério São João Batista, em Botafogo, logo virou lugar de romaria e devoção. A primeira tentativa de beatificá-la aconteceu no ano de 1937. Na ocasião, a ideia era reverenciar apenas a matriarca da família. Os restos mortais de Zélia – ou Irmã Maria do Santíssimo Sacramento, como ficou mais conhecida – chegaram a ser trasladados para a Paróquia Nossa Senhora de Copacabana, mas o caso foi arquivado sem motivo aparente. Décadas depois, os postuladores da Congregação das Causas dos Santos do Vaticano recomendaram à Arquidiocese do Rio de Janeiro que o processo contemplasse também Jerônimo. “Zélia não foi santa sozinha. O marido dela também é”, argumentaram.

“A vida exemplar de Zélia e Jerônimo é um testemunho contundente e irrefutável de que é possível, sim, ser santo nos dias de hoje. Não apenas e tão somente na vida consagrada, como padre, freira ou religioso, mas também e, principalmente, na vida cotidiana, como pai amoroso e mãe dedicada. Os dois souberam viver a santidade em plenitude”, salienta padre João Geraldo Bellocchio, presidente da Associação Cultural Zélia e Jerônimo e pároco da Igreja Nossa Senhora da Conceição, na Gávea. É lá que estão expostos os restos mortais do casal para veneração pública até a conclusão do processo de beatificação.

Em defesa da família – Por sua inegável dedicação à caridade, Zélia e Jerônimo podem se tornar o primeiro casal brasileiro a ser beatificado. No mundo inteiro, são apenas dois os casais de beatos: os italianos Luigi Beltrame e Maria Corsini Quatrocchi e os franceses Luís Martin e Zélia Guérin, os pais de Santa Teresinha do Menino Jesus. O primeiro casal foi beatificado pelo papa João Paulo II, em 2001, e o segundo por Bento XVI, sete anos depois. Na Paróquia Nossa Senhora da Conceição, o número de famílias que pedem a intercessão de Zélia e Jerônimo tem crescido nos últimos meses. Os pedidos são os mais variados possíveis e vão desde casar e ter filhos até arranjar emprego e largar o vício.

Um dos relatos que mais tocou padre João Bellocchio é o de uma moradora da Rocinha, que se inscreveu no Curso de Crisma da paróquia. Por mais que ela tentasse convencer o companheiro a se casar na Igreja e regularizar a situação, o rapaz permanecia irredutível. “Era do tipo que não podia sequer ouvir falar de padre”, brinca o pároco. Quando soube da história de Zélia e Jerônimo, resolveu fazer a novena. Um dia, ao chegar a casa, o marido se virou para ela e, do nada, perguntou: “E aí, já marcou a data do casório?”. Por um momento, ela pensou que o sujeito estivesse de brincadeira. Não estava. Para felicidade de padre João Bellocchio, os dois se casaram ali mesmo, na paróquia.


Das devotas de Zélia e Jerônimo, a aposentada Cecília Duprat de Britto Pereira, 86, é a mais fervorosa. Sobrinha-neta do casal, ela conta que, na adolescência, pegou crupe, infecção bacteriana que podia levar à morte. Seu irmão já havia morrido da doença, um ano antes. Mesmo assim, sua mãe não esmorecia e, todas as noites, pedia a intercessão de Tia Zélia. “Naquela noite, mamãe dormiu rezando o terço. No dia seguinte, eu estava totalmente curada”, relata Cecília. No caso de Zélia e Jerônimo, santo de casa faz milagre, sim.





sábado, 28 de novembro de 2015

SANTA CATARINA DE ALEXANDRIA e a Serenidade.



Santa Catarina de Alexandria inspirou 
a espiritualidade de muitos santos e santas
que foram-lhe devotados. 
     Sobre a morte da Santa Catarina, o Abbé Daras, na "Vida dos Santos", tem essa narração:

     "Maximiliano, imperador, ordenou a morte de Santa Catarina. Foi ela conduzida ao lugar do suplício em meio a uma multidão, sobretudo de mulheres de alta condição, que choravam a sua sorte. A virgem caminhava com grande calma. Antes de morrer, fez a seguinte oração: ‘Senhor Jesus Cristo, meu Deus, eu vos agradeço terdes firmado meus pés sobre o rochedo da fé e terdes dirigido meus passos na via da salvação. Abri agora vossos braços feridos sobre a cruz, para receber minha alma, que eu sacrifico à glória de Vosso Nome. Lembrai-vos, Senhor, que somos feitos de carne e sangue. Perdoai-me as faltas que cometi por ignorância e lavai minha alma no sangue que vou derramar por vós. Não deixeis meu corpo, martirizado por vosso amor, em poder dos que me odeiam. Baixai vosso olhar sobre esse povo e dai-lhe o conhecimento da verdade. Enfim, Senhor, exaltai em vossa infinita misericórdia aqueles que Vos invocarão por meu intermédio, para que Vosso Nome seja para sempre bendito’.
     "Em seguida mandou que os soldados cumprissem as ordens, e sua cabeça foi decepada de um só golpe. Era o dia 25 de novembro. Numerosos milagres logo foram constatados. Os anjos, como ela o desejara, transportaram seu corpo para a santa montanha do Sinai, a fim de que repousasse onde Deus escrevera sobre pedra sua Lei, que ela guardava tão fielmente escrita em seu coração".

     Esse trecho é de uma tal elevação que quase se lamenta ter que comentá-lo. Eu ficaria mais satisfeito deixando assim o texto brilhando no céu, no horizonte, suspenso, sem apoio nenhum na realidade, emitindo luzes. Mas já que é preciso comentar, vamos aos pormenores.
     "Ela foi conduzida ao lugar do suplício em meio a uma multidão, sobretudo de mulheres de alta condição, que choravam a sua sorte".
    Se pensarmos que são sobretudo as senhoras de alta condição que encabeçam as extravagâncias hoje em dia, vemos como as situações têm mudado. E quanto ainda tem de possibilidades um país onde as senhoras de alta condição acompanham, ao lugar do suplício, solidarizando-se com ela, chorando junto com ela, uma mártir que foi fulminada pela cólera do imperador. Um imperador onipotente, que pode mandar matar todos aqueles que se desagradarem de alguma atitude dele. Entretanto, essas damas vão todas, com Santa Catarina, e vão chorando.
     O bonito, para verem a diversidade dos dons do Espírito Santo e dos efeitos da graça, é que elas vão chorando e está bem que elas vão chorando. Mas contrasta com isso, pela sublimidade, com esse dom das lágrimas que as mulheres tiveram nesse momento, o fato de que Santa Catarina não chorava. Ela permanecia quieta, e com uma grande calma. Ela caminhava de encontro à morte inundada de graças do Espírito Santo de outra natureza, por onde ela não chorava para si aquilo que a graça queria que as outras chorassem para ela. E como deveria ser impressionante esse cortejo de damas, andando, no meio dos soldados, e ela no meio, a única calma, a aconselhar a todas que tivessem tranquilidade, que tivessem consolação, até chegar o momento em que ela devia morrer.
     Aí, no fim da vida, ela faz uma oração. Essa oração é muito bonita e tem aquela forma especial de beleza que tem certas coisas muito bonitas quando não são inteiramente consequentes na sua lógica: é um conjunto de afirmações, como raios de luz que procedem de um mesmo foco, mas que brilham com uma beleza própria no horizonte. Vejam aqui a ideia dela: "Senhor Jesus Cristo, meu Deus"... ... é para afirmar que Ele era o Deus dela e que ela não reconhecia outro Deus senão Ele. A primeira coisa que ela diz no momento de morrer, a primeira palavra, o primeiro pensamento dela é para essa primeira graça:
     "Eu vos agradeço por terdes firmado meus pés sobre os rochedos da fé, e terdes dirigido meus passos na via da salvação".
     Quer dizer, eu vos agradeço por ter pertencido a Vós. Vós que sois a fonte de minha salvação, Vós que sois o ponto de partida de todo o bem que pode haver em mim, Vós que, se eu sou boa, é porque Vós sois bom e porque Vós me destes o ser boa: eu Vos agradeço a fé que me destes e a firmeza que me destes na fé; eu Vos agradeço o amor à virtude que me destes e a firmeza que Vós me destes no amor à virtude. Isso é o primeiro que Vos agradeço, reconhecendo que tudo que em mim há, à vossa iniciativa eu devo.
     "Abri agora vossos braços feridos sobre a cruz para receber minha alma que eu sacrifico à glória de Vosso Nome".
     Pode haver uma coisa mais bela do que isso? O Divino Crucificado, com os braços todos sangrando, que os desprende da cruz para receber a alma dela que sai também inundada do sangue do martírio para ser recebida por Ele. Que maravilhosa intimidade! Que encontro do Mártir dos mártires com uma mártir heroica e grandiosa! Que ideia do sangue dela misturando-se ao Sangue infinitamente precioso de Nosso Senhor Jesus Cristo! Que noção do Corpo Místico de Cristo há nisso! Que sacratíssima e augustíssima intimidade com Nosso Senhor! Ela tinha de tal maneira a ideia de que a alma dela estava unida a Ele, que a morte selava essa união, que ela pedia que Ele a abraçasse, logo que ela entrasse na eternidade. Que certeza de ir para o Céu!     [...]
     Vamos pedir que em todas as ocasiões da vida tenhamos essa calma diante do risco e calma que seja levada até o sacrifício extremo, caso essa seja a vontade de Nossa Senhora.


Fontes:
Plinio Corrêa de Oliveira, Santo do Dia, 24 de novembro de 1965  e  blog Heroínas da Cristandade. 

SÃO JOÃO BATISTA SCALABRINI Bispo e Fundador dos Scalabrinianos.



João Batista Scalabrini, nasceu perto de Como, Itália, em oito de julho de 1839. A sua família era humilde, honesta e cristã. Ele desejou tornar-se padre e entrou no seminário diocesano, no qual se distinguiu pela inteligência e perseverança. Foi ordenado sacerdote em 1863. Iniciou o apostolado como professor do seminário e colaborador em paróquias da região. Possuía alma de missionário, mas não conseguiu realizar sua vontade de ser um deles na Índia.

Scalabrini foi designado pároco da paróquia urbana de São Bartolomeu em 1871. Seu ministério foi marcante e priorizou a catequese da infância e da juventude. Atento aos inúmeros problemas sociais do seu tempo, escreveu vários livros e publicou até um catecismo.

Ao ser nomeado bispo de Piacenza, ficou surpreso. Tinha trinta e seis anos e lá permaneceu quase trinta como pastor sábio, prudente e zeloso. Reorganizou os seminários, cuidando da reforma dos estudos eclesiásticos. Foi incansável na pregação, administração dos sacramentos e na formação do povo.

Scalabrini, como excelente observador da realidade de sua época, fundou um instituto para surdos-mudos e uma organização assistencial para mulheres abandonadas das zonas rurais, pertencentes à sua diocese. Mas o trabalho que mais o instigou e para o qual não media esforços foi o que desenvolveu com os migrantes. Entre os anos de 1850 e 1900, foram milhões de europeus que deixaram seus lares e pátria em busca da sobrevivência. Para eles o bispo Scalabrini criou a Casa dos Migrantes.

Um dia, ele estava na estação ferroviária e viu centenas de migrantes esperando, com suas trouxas, o trem que os levaria ao porto de embarque. A situação de pobreza e abandono desses irmãos infelizes marcou para sempre seu coração. Em seguida, Scalabrini recebeu uma carta de um emigrante da América do Sul, suplicando que um padre fosse para aquele continente, porque, como dizia, "aqui se vive e se morre como os animais".
A partir daquele momento, Scalabrini foi o apóstolo dos italianos que abandonaram a própria pátria. Em 1887, fundou a Congregação dos Missionários de São Carlos Borromeu, conhecidos atualmente como padres scalabrinianos, para a assistência religiosa, moral e social aos emigrantes em todo o mundo, e criou a Sociedade São Rafael, um movimento leigo a serviço dos migrantes.

Ele próprio planejou e realizou viagens para visitar os missionários na América Latina, pois queria que estivessem estimulados e encorajados a dar a assistência religiosa e social aos emigrantes. Percebendo que sua obra não estava completa, em 1895 fundou a Congregação das Missionárias de São Carlos Borromeu, hoje das irmãs scalabrinianas, e concedeu reconhecimento diocesano às Irmãs Apóstolas do Sagrado Coração, enviando-as para o trabalho com os emigrantes italianos do Brasil em 1900. Apesar de todo esse trabalho, jamais descuidou de sua diocese.

Scalabrini dizia que sua inspiração tinha origem na ilimitada fé em Jesus Cristo presente na eucaristia e na oferta dele na cruz. Morreu no dia 1º de junho de 1905, na cidade de Piacenza, Itália, deixando esta mensagem aos seus filhos e filhas: "Levai onde quer que esteja um migrante o conforto da fé e o sorriso de sua pátria. Devemos sair do templo, se quisermos exercer uma ação salutar dentro do templo". O Papa São João Paulo II beatificou-o com o título de "Pai dos Migrantes" em 1997.

Foi solenemente canonizo pelo Francisco, na Praça de São Pedro, no dia 09 de outubro de 2022.

(fonte: portal paulinas.org.br)




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Segundo texto biográfico

JOÃO BATISTA SCALABRINI nasceu em Fino Mornasco, Província de Como (Itália), no dia 8 de Julho de 1839. Terminado o curso de Filosofia e Teologia no Seminário de Como, recebeu a Ordenação sacerdotal a 30 de Maio de 1863. Nos primeiros anos de sacerdócio foi professor e depois reitor do Seminário; em seguida assumiu a paróquia de S. Bartolomeu. Com apenas 36 anos de idade foi consagrado Bispo de Placência, no dia 30 de Janeiro de 1876.

A sua atividade pastoral e social foi bastante vasta: realizou pessoalmente cinco visitas pastorais às 365 paróquias da diocese, muitas delas localizadas longe e em situações de difícil acesso; celebrou três Sínodos, um deles dedicado ao culto eucarístico para incentivar a adoração perpétua; reorganizou os Seminários, cuidando da reforma dos estudos eclesiásticos; foi infatigável na administração dos sacramentos, na pregação e na educação do povo ao amor ativo à Igreja e ao Papa, no culto da verdade, da unidade e da caridade. Nesta virtude, em particular, desvelou-se na assistência aos doentes de cólera, na visita às famílias empobrecidas e na generosidade ao perdão.

Definido por Pio IX «apóstolo do catecismo », quis que este fosse ensinado em todas as paróquias, incentivando a catequese dos adultos; fundou a primeira revista catequética italiana.

Impressionado, desde o início do seu episcopado, pelo desenrolar dramático da emigração italiana, D. Scalabrini fez-se apóstolo dos milhões de italianos que abandonavam a própria pátria. Com a aprovação de Leão XIII, no dia 28 de Novembro de 1887 fundou a Congregação dos Missionários de São Carlos (Scalabrinianos), para a assistência religiosa, moral, social e legal dos emigrantes. Em 1895 fundou, com esta mesma finalidade, a Congregação das Irmãs Missionárias de São Carlos, e abriu o campo da emigração também para as Irmãs Apóstolas do Sagrado Coração. Mais recentemente, em 1961, fruto dos seus ensinamentos nasceram as Missionárias Seculares Scalabrinianas.

A enorme atividade de D. Scalabrini tinha origem e encontrava inspiração profunda na ilimitada fé em Jesus Cristo, presente na Eucaristia e em oferta contínua na Cruz; extraordinária também foi a sua devoção a Nossa Senhora, sempre recordada nas suas homilias e muitas vezes visitada nos santuários marianos.

Morreu no dia 1 de Junho de 1905, tendo pronunciado estas palavras: «Senhor, estou pronto, vamos!». De facto tinha cumprido o seu programa: «Fazer-se tudo para todos».


(Fonte: site vatican.va)

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

RELÍQUIAS: O CORPO FÍSICO TOCADO PELA SANTIDADE.



Que religião manteria guardados os ossos de pessoas mortas, colocando-os em exposição e esperando que as pessoas viessem beijá-los? O que são as relíquias e por que são tão importantes para os católicos? Eles realmente acreditam na autenticidade destas relíquias?

Uma relíquia é algo associado a uma pessoa que foi canonizada ou beatificada, sendo, portanto santa. Existem três categorias de relíquias:


Relíquia de primeira classe da
Beata Nhá Chica. 

Uma relíquia de primeira classe é um pedaço dos restos mortais da pessoa. Pode ser um fragmento de osso, cabelo, pele ou sangue. A relíquia é extraída quando o corpo do santo é exumado como parte do processo de canonização. 

Relíquias de segunda classe
 de Santa Teresa de Jesus 


Uma relíquia de segunda classe é algum objeto ou parte de um objeto que foi regularmente usado pelo santo durante sua vida terrena. Há muitas relíquias de segunda classe. Podem ser pertences do santo, como roupas, móveis... 


Uma relíquia de terceira classe é um pedaço de pano que tocou uma relíquia de primeira classe. Relíquias de terceira classe são normalmente incluídas como partes de cartões de oração produzidos em massa e itens de devoção. Um pano toca a relíquia de primeira classe, em seguida, retiram-se em vários pedaços para que um grande número de pessoas possa ter contato físico com o santo.

A própria Sagrada Escritura valoriza bastante a relíquia de um (a) santo (a). É significativo o episódio do morto que ressuscita quando seu corpo, jogado às pressas no túmulo do profeta Eliseu toca os restos mortais do santo profeta (II Reis 13, 21). O corpo mumificado de José também foi transportado pelo povo hebreu quando saíram do Egito e sepultado em Siquém, como sinal do respeito e consideração que tinham por ele (conf. em Josué 24, 32). 

A relíquia de um santo, em si, não teria valor algum se não fosse a certeza de que aquele corpo ou objeto pertenceu a alguém que está glorificado no Céu, vendo a Deus face a face. Isso é grande coisa, pois uma alma santa está envolvida em glória e pela presença de Deus. Sendo assim, por conseguinte, confere a seu corpo, parte dele ou a objetos por ele tocados, uma graça sacramental (não é sacramento) especial, pois Deus se compraz quando seus amados eleitos, que já estão com Ele no paraíso, são respeitados e lembrados aqui na terra. 
A Igreja reconhece a legitimidade do culto às relíquias dos santos desde o início do cristianismo, quando venerava as relíquias dos santos mártires (conferir em Catecismo da Igreja Católica 1674 e 1675). 
Claro que de forma alguma há "idolatria" nisso e que não "adoramos" os santos. Nós católicos apenas os respeitamos e honramos, pois são exemplos de como é possível ser discípulo de Cristo e ser seu imitador aqui na terra. 


quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Beatos Frederico de Berga e 25 Companheiros, Capuchinhos e Mártires. Beatificados no dia 24 de novembro de 2015.

Dois dos novos beatos mártires: Frei Frederico de Berga e Frei Eloi de Bianya. 

O Cardeal Angelo Amato, Prefeito da Congregação das Causas dos Santos, presidiu na manhã de sábado (21/11), na Catedral de Barcelona, Espanha, à celebração Eucarística de Beatificação de Frederico de Berga e seus 25 companheiros mártires, sacerdotes e Irmãos leigos, assinados por ódio à fé, entre junho de 1936 e fevereiro de 1937.

Os novos Beatos, assassinados em nove conventos da Catalunha, saqueados e incendiados, deram testemunho da sua fé, conduta moral e vida de oração:

No momento da prisão, eles declararam sua identidade e seu estado religioso, decididos a oferecer as vidas por Jesus Cristo e, com o coração, prontos para cumprir a vontade de Deus.

O primeiro da lista, Frei Frederico de Berga foi guardião, missionário na América Central e Provincial por um triênio. O Bispo de Vic o definiu como "o pregador mais apostólico" da sua diocese.

No início da revolução, era guardião no convento de Arenys. Em Barcelona, participou ativamente da rede clandestina da Igreja, que ali se formava. Pouco antes de morrer, em fevereiro de 1937, havia distribuído milhares de comunhões, correndo risco de vida.

Celebrava a Eucaristia em casas particulares, onde se reuniam pequenos grupos de fiéis, sem utilizar ornamentos e vasos sagrados, com a permissão da Santa Sé.



Companheiros de martírio

Entre seus companheiros capuchinhos, destaca-se Frei Eloi de Bianya, talvez a figura mais amada de todo o grupo dos mártires.

Era irmão porteiro do convento de Sarriá. Ele nunca reclamava; era sempre sorridente e simpático; tinha uma vida interior muito intensa, apesar dos muitos apertos e humilhações.

Frei Eloi foi preso na estação ferroviária, junto com outros três frades, quando estava para partir para a sua cidade natal.

Entre os jovens estudantes assassinados, encontrava-se Frei Marçal de Villafranca, o mais jovem de quatro coirmãos frades. Tinha dezenove anos. Ao ser preso, despediu-se dos seus confrades, dizendo: "Não sofram pelo que me puder acontecer. A minha consciência está em paz com Deus".

Outros mártires foram também Frei Modesto de Mieres e Frei Ángel de Ferrieres, um teólogo idoso e um jovem irmão leigo, que se refugiaram na casa de outro frade, próximo ao convento de Sarriá. Frei Ángel poderia ter escapado, mas não quis abandonar o Frei Modesto e outro frade enfermo, acamado. Frei Modesto compôs uma oração que juntos recitavam todos os dias. Finalmente, denunciados por alguns vizinhos, foram presos e assassinados nas proximidades do convento.

Alguns dos novos mártires foram missionários na Colômbia, Filipinas, Nicarágua e Costa Rica.

O último Capuchinho a morrer foi o Frei Frederico de Berga, em 16 de fevereiro de 1937. Em maio de 1937, o governo da República assumiu o controle da situação de Barcelona e os assassinatos cessaram.

Porém, a Igreja continuou a viver na clandestinidade até o fim da guerra em 1939. (JSG)



Eis os nomes daqueles que compõem esta cândida lista de mártires:

P. Frederic de Berga (Martí Tarrés Puigpelat)
P. Modest de Mieres (Joan Bover Teixidó)
P. Zacaries de Llorenç del Penedés (Sebastiá Sonet Romeu)
P. Remigi del Papiol (Esteve Santacana Armengol)
P. Anselm d'Olot (Laurentí Basil Matas)
P. Benigne de Canet de Mar (Miquel Sagré Fornaguera)
P. Josep de Calella de la Costa (Joan Vila Colomé)
P. Martí de Barcelona (Jaume Boguñá Casanova)
P. Rafael Maria de Mataró (Francesc de Paula Soteras Culla)
P. Agustí de Montclar de Donzell (Josep Alsina Casas)
P. Doroteu de Vilalba dels Arcs (Jordi Sampé Tarragó)
P. Alexandre de Barcelona (Jaume Nájera Gherna)
P. Tarsici de Miralcamp (Josep Vilalta Saumell)
P. Vincenç de Besalú (Julià Gebrat Marcé)
P. Timoteu de Palafrugell (Jesús Miquel Girbau)
Fr. Miquel de Bianya (Pelai Ayats Vergés)
Fr. Jordi de Santa Pau (Manuel Collellmir Senties)
Fr. Bonaventura de Arroyo Cerezo (Tomás Díaz Díaz)
Fr. Marçal del Penedès (Carles Canyes Santacana)
Fr. Eudald d'Igualada (Lluís Estruch Vives).
Fr. Paciá Maria de Barcelona (Francesc Maria Colomer Presas)
Fr. Ángel de Ferreries (Josep Coll Martí)
Fr. Cebrià de Terrassa (Ramon Gros Ballvé)
Fr. Eloi de Bianya (Joan Ayats Plantalech
Fr. Prudenci de Pomar de Cinca (Gregori Charlez Ribera)
Fr. Félix de Tortosa (Joan Bonavida Dellà)


Vamos conhecer alguns destes frades mais de perto.

Fr. Frederic de Berga, que é o primeiro na lista, foi guardião, missionário na América Central e Provincial por um triênio. O Bispo de Vic tinha se referido a ele como “o pregador mais apostólico” que havia na sua diocese. No início da revolução, era guardião no convento de Arenys. Após ter se escondido por alguns dias nos montes, chegou a Barcelona e participou ativamente da rede clandestina da Igreja que estava se formando. Pouco antes da morte, em fevereiro de 1937, calculava de ter distribuído, sempre com perigo de vida, cerca de 1200 comunhões. Celebrava a Eucaristia em casas particulares, onde se reuniam pequenos grupos de fiéis, fazendo uso da permissão da Santa Sé de celebrar sem ornamentos nem vasos sagrados. Foi descoberto durante uma busca na casa onde tinha sido acolhido.

Fr. Eloi de Bianya é talvez a figura mais amada de todo o grupo dos mártires. Era irmão porteiro do convento de Sarriá. O pai de um frade atual, que o conheceu, havia se referido a ele como “o homem que menos me falou e mais me comunicou”. Foi acolhido na casa do Sr. Maurici Serrahima, vizinho do convento, que em suas memórias deixou esta belíssima descrição: “Muito se falou sobre Fr. Eloi, e com razão. (…) Tinha em seu rosto um sorriso bom e ao mesmo tempo docemente irônico. (…) Era uma figura de homem agradável de se ver e de se ter por perto. As simpatias que tinha suscitado na portaria do convento eram imensas, e todos o conheciam. Sorria e sabia fazer alguma brincadeira quando era conveniente. Mas nele devia existir uma vida interior muito intensa, da qual devia provir o equilíbrio em tudo.  Não incomodava e não fazia barulho. Não falava se não lhe falassem. E, quando falava, fazia-o com uma suavidade que desejava ser apenas discreta, mas frequentemente acabava sendo impressionante. Não uma palavra de lamentação nem de protesto. Durante a sua permanência em nossa casa, jamais falou de vingança, melhor, nem mesmo de fazer justiça. ‘Estes homens, (dizia, referindo-se àqueles que se lançaram na loucura dos incêndios e dos assassinatos) são boa gente. Sofreram muito, passaram muitos apertos e humilhações. Estou certo de que foram fiéis à esposa, lutaram pela própria família. O que estão fazendo agora é a primeira má ação que fazem. E o fazem porque são convictos de que assim melhorarão o destino dos pobres. Nós os encontraremos no céu…’. Não garanto que tenha dito literalmente estas palavras. Mas com certeza sei que era isso que elas significavam quando me falava”. Fr. Eloi foi preso na estação ferroviária junto a três outros frades quando tentava partir à sua cidade natal.

Entre os jovens estudantes assassinados, pode-se evidenciar Fr. Marçal de Villafranca, o mais jovem de quatro irmãos frades. Tinha dezenove anos. Após duas buscas dos revolucionários que estavam procurando seus irmãos mais velhos, a família decidiu transferir-se a um outro bairro, mas uma vizinha seguiu-os e denunciou-lhes ao comitê da zona e foram presos. Despedindo-se da mãe, disse: “Mamãe, não sofra pelo que pode me acontecer. A minha consciência está em paz com Deus”.


Fr. Modest de Mieres e Fr. Ángel de Ferrieres eram um teólogo idoso e um jovem frade leigo que se refugiaram na casa de um outro frade, próximo ao convento de Sarriá. A casa foi submetida a várias buscas, durante as quais eles se passaram por parentes da família. Fr. Ángel poderia ter escapado, mas não quis abandonar Fr. Modest e um outro frade enfermo, acamado. Fr. Modest compôs uma oração que juntos recitavam todos os dias: “Neste momento e certamente na hora da morte, se não me encontrar em circunstâncias adequadas, com o auxílio da divina graça, que humildemente tenho confiança que concedereis, aceito, ó meu Deus, voluntariamente, com todo o prazer, humildemente e de todo coração, aquela morte que quiserdes enviar-me. Qualquer que seja, uno a minha morte à morte santíssima de nosso Senhor Jesus Cristo, que, neste momento, está  se renovando no santo sacrifício da Missa, e assim unida, eu a ofereço, ó meu Deus, suplicando-vos humildemente que vos digneis aceitá-la benignamente, apesar de minha pequenez e miséria, em relação à morte de nosso Senhor Jesus Cristo, pela remissão de todas as minhas culpas e pecados, e das culpas e pecados de todos os homens”. Finalmente, denunciados por alguns vizinhos, foram presos e assassinados nas proximidades do convento.

Alguns dos novos mártires foram missionários: Fr. Anselm d’Olot e Fr. Benigne de Canet estiveram em Caquetá (Colômbia); Fr. Zacaries de Llorenç concluiu seus estudos em Pasto (Colômbia) e foi ordenado sacerdote em Bogotá; Fr. Remigi del Papiol esteve em Manila (Filipinas), no vicariato de Bluefields (Nicarágua) e na Costa Rica; e Fr. Frederic de Berga esteve na Costa Rica.

Dos 26 que são beatificados nesta ocasião, 17 morreram entre julho e agosto. Em seguida, a perseguição começou a perder intensidade. O último a morrer foi Fr. Frederic de Berga, em 16 de fevereiro de 1937. Em maio de 1937, o governo da República assumiu o controle da situação de Barcelona, e os assassinatos praticamente cessaram. Apesar disso, a Igreja continuou a viver na clandestinidade até o fim da guerra em 1939.



(Da Redação Gaudium Press, Com Informações RV)

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Beatas Teresa de Santo Agostinho e Companheiras, Virgens e Mártires (Mártires de Compiègne, França)



A escritora Gertrud von le Fort mostrou em seu livro A ÚLTIMA AO CADAFALSO (Ed. Quadrante, SP), o quão perversa e sanguinária foi a Revolução Francesa (1789) que nada teve de “Igualdade, liberdade e fraternidade”, como se propaga, mas foi a encarnação diabólica do mal na França, especialmente contra a Igreja Católica.

O texto abaixo mostra o assassinato covarde e revoltante de 16 irmãs carmelitas de Compiègne, na guilhotina, acusadas maldosamente de serem “subversivas” e inimigas da Revolução. Como, se eram enclausuradas? Foi o ódio de Satanás contra aquelas que ofereciam a Deus a sua vida para aplacar a cólera de Deus na França. Leia este relato e depois o livro todo, para não ser enganado.

“São cerca de oito horas da tarde. É verão e o céu ainda está claro. A multidão comprime-se em volta da guilhotina, erguida no centro da antiga Place du Thrône, atual Barriére de Vincennes. Junto dos degraus que conduzem ao cadafalso, o carrasco, Charles-Henri Sanson, espera respeitosamente de pé, flanqueado por dois ajudantes. O calor é opressivo, e em toda a praça reina um odor mefítico de sangue. Vindos da cidade, despontam os carroções. Hoje são dois, e vêm bastante cheios: ao todo, serão quarenta vítimas. Recebem-nas as exclamações e ameaças habituais, mas o barulho logo se abafa em murmúrios de espanto. Acontece que, entre os condenados, se veem diversas mulheres de capa branca: são as dezesseis carmelitas do convento de Compiègne, Ao contrário dos seus companheiros de infortúnio, não deixam pender a cabeça nem choram ou gritam; trazem o rosto erguido, e a linha firme do corpo é sublinhada pelas mãos amarradas às costas. E cantam: aos ouvidos de todos, ressoam as notas quase esquecidas da Salve Rainha em latim e do Te Deum. Até para o mais empedernido dos basbaques presentes, é um espetáculo inaudito.

Quando os carroções param ao pé do cadafalso, o burburinho faz-se silêncio absoluto. Até essas mulheres histéricas, as chamadas “fúrias da guilhotina”, que sempre estão na primeira fila dos espectadores, emudecem.

As primeiras a descer são as carmelitas. Uma delas, a priora, Madre Teresa de Santo Agostinho, aproxima-se do carrasco e pede-lhe que lhes conceda uns minutos para poderem renovar os seus votos e que a deixe ser a última a sofrer a execução, para que possa animar cada uma das suas filhas até o fim. Sanson, o carrasco, alma delicada, concorda de bom grado.

Todas juntas, cantam o Veni Creator Spiritus. A seguir, renovam os seus votos religiosos. Enquanto rezam, uma voz de mulher sussurra na multidão: “Essas boas almas, vejam se não parecem anjos! Pela minha fé, se essas mulheres não forem diretas ao paraíso, é porque o paraíso não existe!… “.

A priora recua até a base da escada. Tem nas mãos uma estatueta de cerâmica da Virgem Maria com o Menino Jesus ao colo. A primeira a ser chamada, a mais jovem de todas, é a noviça Constança. Ajoelha-se diante da Madre e pede-lhe a bênção. Segundo uma testemunha, ter-se-ia também acusado nesse momento de não haver terminado o ofício do dia.

Com um sorriso, a Madre diz-lhe: “Vai, minha filha, confiança! Acabarás de rezá-Io no Céu”…, e dá-lhe a beijar a imagem. Constança sobe rapidamente os degraus, entoando o salmo Laudate Dominum omnes gentes, “Louvai o Senhor, todos os povos”. “Ia alegre, como se se dirigisse para uma festa”. O carrasco e seus ajudantes, com gesto profissional, dispõem-na debaixo da guilhotina. Ouve-se o golpe surdo do contrapeso, o ruído seco da lâmina que cai, o baque da cabeça recolhida num saco de couro. Sem solução de continuidade, o corpo é lançado ao carroção funerário.

Uma por uma, as freiras ajoelham-se diante da priora e pedem-lhe a bênção e permissão para morrer. Cantam o hino iniciado por Constança. Quando chega a vez da Irmã de Jesus Crucificado, que tem 78 anos, os jovens ajudantes do carrasco têm de descer para ajudá-la a vencer os degraus. Ela diz-lhes afavelmente: “Meus amigos, eu vos perdoo de todo o coração, tal como desejo que Deus me perdoe”.

Só falta a Madre. Com gesto simples e firme, beija a estatuazinha e confia-a a primeira pessoa que tem ao lado*. Tem 41 anos, um rosto expressivo, nem muito bonito nem feio; o porte é, mais do que altivo, descontraído. Os olhos castanhos, sofridos, mas irradiando bondade, procuram os do Pe. Lamarche, que as confessara no dia anterior na prisão e que se encontra entre a multidão. Como quem tem pressa em concluir uma tarefa urgente, sobe por sua vez os degraus. Agora tudo terminou. Pode-se cortar o silêncio como se fosse um queijo. Muitos dos assistentes choram baixinho. Anos mais tarde, encontrar-se-ão – registrados em cartas pessoais, diários íntimos e memoriais – os ecos da emoção que experimentaram e dos efeitos que ela lhes causou: muitos sentiram a necessidade de mudar de vida, de retomar a prática dos sacramentos, um ou outro de ingressar num convento… Um deles, um menino que presenciara a cena das janelas de um prédio situado em frente da guilhotina, guardou dela uma impressão tão profunda que, anos mais tarde, quando fazia o serviço militar, carregava sempre consigo as obras de Santa Teresa de Ávila e acabou por fazer-se sacerdote. “O amor vence sempre”, costumava dizer a Madre priora; “o amor vence tudo”.

(*) Essa imagem foi devolvida mais tarde à Ordem e encontra-se hoje no Carmelo de Compiègne, novamente fundado em 1867.

Os corpos foram levados às pressas para o antigo convento dos agostinianos do Faubourg de Picpus. Lá foram lançados na fossa comum e cobertos de cal viva. Hoje há ali um gramado cercado de ciprestes, com uma simples cruz de ferro. É um lugar de silêncio e oração.


Na capelinha anexa a esse cemitério, há uma lápide que traz o nome das dezesseis mártires beatificadas em 27 de maio de 1906 por São Pio X.













SÃO BERNARDO TOLOMEI, Presbítero e Fundador da Congregação Olivetana, ligada à Ordem Beneditina.




Bernardo nasceu em Sena em 1272. Pertencia a uma família nobre. Depois de uma profunda crise de fé, por intercessão de Santa Maria, ele foi curado de uma doença visual, aumentando profundamente sua fé.

Assim, em 1313, decidiu dedicar-se à vida eremítica com dois amigos seus que antes eram comerciantes: Patrício Patrizi e Ambrosio Piccolomini. Abandonaram Sena e se retiraram a Accona, a uma propriedade de sua família.

«Lecionava na universidade, tinha uma atividade pública, renunciou a tudo porque quis servir unicamente a Deus», explica o postulador de sua causa, o Dom Reginaldo Grégorie, osb, membro da Congregação Beneditina Santa Maria do Monte Oliveto.

Estes três homens mudaram seus nomes, dedicaram-se à oração, à penitência e à solidão eremítica. Realizavam trabalhos manuais, faziam meditações bíblicas com o método da lectio divina.


Almas dedicadas a Jesus e Maria

Seis anos mais tarde, enquanto orava, Bernardo teve a visão de alguns monges vestidos de branco que eram ajudados a subir por umas escadas, segurando as mãos de Jesus e Maria. Depois se dirigiu ao bispo de Arezzo, Dom Guido Tarlati, para obter a autorização canônica para criar uma nova comunidade.

Assim nasceu, em 1319, no deserto de Accona, o mosteiro de Santa Maria do Monte Oliveto. O nome recorda o Monte das Oliveiras, onde Jesus orou e velou com seus discípulos antes de sua Paixão. Os monges desta nova comunidade se guiavam sob a regra de São Bento. Adotaram o hábito branco em honra de Maria.

«Nossos mosteiros são lugares de silêncio absoluto”. São lugares de oração, estudo, solidão e renúncia, que impressionam os jovens», assegura o Pe. Reginaldo.

Atualmente, este ramo dos beneditinos tem comunidades no Brasil, França, Grã-Bretanha, Guatemala, Irlanda, Israel, Itália, Coreia do Sul e Estados Unidos.

Apesar de ser o fundador, Bernardo não queria ser abade. O primeiro foi Patrizio Patrizi. Cada ano, o mosteiro deveria ter um abade diferente. Três anos depois, Bernardo foi nomeado abade e os monges o renovaram neste cargo durante 27 anos, como constatou Bento XVI na homilia da canonização.

«Tinha um grande senso de governo, sabia guiar as almas, tinha grande autoridade moral», assegura seu postulador.

Em 21 de janeiro de 1344, Bernardo obteve do Papa Clemente VI, residente nesse meio em Avignon, a aprovação pontifícia. A nova congregação já contava com 10 mosteiros.

Uma grande peste açoitou a Itália em 1348 e durante ela, Bernardo deixou a vida eremítica para assistir os monges enfermos. Nesse mesmo ano ele morreu, contagiado pela mesma enfermidade.

Bernardo foi sepultado junto com outros 82 monges que faleceram por causa da mesma peste, em uma fossa comum. As escavações não permitiram que se reconhecessem seus restos, razão pela qual neste momento não existe um túmulo do santo.

Um longo processo de canonização

Bernardo Tolomei não foi propriamente beatificado. Em 1644, o Papa Urbano VIII promulgou o culto ab immemorabili, reconhecendo o que equivale hoje à beatificação. Em 1768, um decreto pontifício confirmou a heroicidade de suas virtudes.

A suspensão de algumas ordens religiosas durante o Movimento de Unificação Italiana levou a que se atrasasse sua canonização. A solicitude para seu processo foi retomada em 1968.

Atribuíam-se quatro milagres à intercessão de Tolomei, mas segundo afirma seu postulador, suas provas se perderam no final do século XVIII, durante a Revolução Francesa.

Finalmente, o milagre para que Bernardo fosse declarado santo se realizou em 1946, com o jovem Giuseppe Rigolin, de 18 anos, que sofreu de peritonite.

Seus familiares se confiaram ao então Beato Bernardo e depois de poucas horas desapareceram os sintomas sem nenhuma intervenção cirúrgica. Anos depois, ele ingressou como monge desta congregação com o nome de Plácido.

Bernardo deixou vários escritos: 48 cartas e uma homilia. Vários fragmentos foram publicados neste domingo por ocasião de sua canonização: «Estes escritos dão fé de sua sabedoria espiritual e de uma notável competência administrativa e jurídica; revelam seu temperamento e o definem implicitamente como um monge que havia sido um sincero seguidor da Regra de São Bento», assegura seu postulador.

«Permitem perceber sua humanidade, sua sensibilidade, seu espírito eclesial e comunitário, seu conhecimento das Sagradas Escrituras», diz o Pe. Reginaldo Gregorie.



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Segundo texto biográfico

Em berço de ouro

Bernardo, filho de Mino Tolomei e de Fulvia Tancredi, nasceu em Sena (Itália), em 1272. Recebeu na pia batismal o nome de Giovanni; Bernardo será mais tarde seu nome monástico. Pelo nascimento, pertencia a uma das mais poderosas famílias daquela cidade toscana em plena expansão: os Tolomei faziam parte, com efeito, daquela aristocracia do dinheiro que construiu sua fortuna e conquistou sua nobreza mediante a prática de florescentes atividades comerciais e bancárias. Como a maioria dessas famílias, eles possuíam, numa das praças centrais de sua bela cidade de Sena, um palácio com muitas torres, sinal de poder e meio de defesa devido às inúmeras disputas que opunham as famílias umas às outras.

Sabe-se que o banco moderno viu a luz do dia na Itália precisamente nessa época. Eram, pois, banqueiros os ancestrais de nosso santo, e junto com outros senenses e florentinos, foram pioneiros nesse ramo de futuro promissor! Desde 1255, os Tolomei possuíam o invejado título de campsores domini Papæ, «cambistas do senhor Papa», qualificação que lhes abria as portas e os cofres de numerosas outras instituições eclesiásticas, mas que poderia também colocá-los em situação delicada com a orientação política de sua própria cidade.
Com efeito, Sena pertencia ao partido pró-imperial, chamado gibelino, naqueles anos dos últimos sobressaltos do longo conflito entre o Papado e o Imperador: basta lembrar a qüerela chamada do Sacerdócio e do Império que teve uma profunda repercussão naquela Itália então fragmentada numa infinidade de poderes locais – as Comunas italianas eram governadas como pequenas repúblicas autônomas – tornando-se, por conseguinte, um dos principais pontos dessa rivalidade tanto política como religiosa entre o Sucessor de Pedro e o Soberano germânico muito presente na Península.
Os historiadores descrevem com profusão a Itália daquela época como uma sociedade dominada por uma verdadeira cultura da violência, desgastada por uma atmosfera de guerrilha permanente entre as Comunas, conforme a cor da obediência política de cada uma, fosse ela ao Papa ou ao Imperador, entre famílias rivais dentro de uma mesma Comuna, entre classes sociais em luta pelo poder.
Banqueiros do Papa e cidadãos de Sena interditada pelos Pontífices Alexandre IV e Urbano IV, pode-se facilmente adivinhar o conflito de interesses para nossos Tolomei, conflito rapidamente resolvido em benefício de suas atividades financeiras: abraçando o partido pontifício, eles se exilaram de sua própria cidade por alguns anos, o tempo necessário para que o vento mudasse de direção e o partido imperial fosse derrotado. Depois do retorno à cidade, tiveram que reconstruir seu palácio destruído e aceitar a exclusão do governo da Comuna usurpado pelos representantes do popolo, isto é, a burguesia ascendente. Giovanni-Bernardo nasceu precisamente nesses anos de relativo declínio político dos seus. Estava, por conseguinte, em boa escola para aprender ao mesmo tempo o peso do dinheiro e do poder, que raramente predispõem para a santidade, e a precariedade dos sucessos deste mundo.


Escola de santidade

Reconheçamos que somos muito mal informados sobre a infância e a formação de nosso santo. Podemos supor que, à semelhança dos jovens de seu meio, tenha se beneficiado de uma ótima educação, ainda bastante marcada pelas categorias da antiguidade clássica e comportando também uma sólida formação jurídica, visto que a prática do direito estava então se tornando um traço essencial da sociedade italiana. A mais antiga crônica olivetana o qualifica de miles atque doctor eximius, «cavaleiro e doutor exímio». O título de doctor o tornava não necessariamente um professor, mas alguém que se qualificou em direito e, por isso mesmo, estava preparado para exercer toda espécie de função pública. Sua qualidade de miles, cavaleiro, não era apenas uma distinção honorífica: significava sua pertença ao exército comunal e sua capacidade de combater a cavalo. Ignoramos em que medida o jovem Giovanni terá sido chamado a colocar em ação tais habilidades militares, mas não devemos subestimar esse aspecto.

Embora cidadão de Sena, Giovanni estava também na escola dos santos, pois a cidade não trepidava somente com o barulho dos negócios ou das lutas políticas. Palpitava igualmente por meio de uma corrente mística, na qual se conjugavam um gosto renovado pela pobreza evangélica e a penitência, notadamente na escola do Poverello de Assis e seus irmãos menores, e uma atração pela vida solitária, tudo isso num ambiente de piedade leiga.
Giovanni Tolomei era membro da confraria dos flagelantes (disciplinati), de Santa Maria della Scala, associação de leigos que se reuniam no grande hospital do mesmo nome, defronte à catedral de Sena: os confrades alimentavam a vida espiritual por meio de vários exercícios de piedade, sobretudo renovando periodicamente, em espírito e em atos, a participação na Paixão de Cristo, isto é, se autoflagelando; também participavam regularmente da Eucaristia. Além disso, no contexto daquela importante instituição hospitalar, se dedicavam às obras de caridade, prestando ajuda aos doentes. O ingresso nessa comunidade leiga representava igualmente a aceitação de uma forma de integração social: de fato, a confraria era aberta a todos os cristãos de Sena, sem distinção de classe nem de riqueza (muitos confrades não sabiam ler, podia-se até mesmo encontrar nela membros de famílias rivais). Portanto, um lugar para reaprender a fraternidade evangélica muito acima das desigualdades sociais tão fortes.
Para Giovanni, em todo caso, foi o tempo em que nasceu sua amizade com duas personagens, Patrizio Patrizi e Ambrogio Piccolomini, que iriam se tornar, mais tarde, companheiros de sua aventura espiritual. Ora, Patrizio pertencia à classe dos mercadores, desse popolo que havia tomado o poder em Sena em detrimento das famílias aristocráticas. Os três iriam se tornar íntimos companheiros para o resto da vida. Podemos discernir aí um traço da santidade de Giovanni-Bernardo: um homem de fraternidade, de amizade, de reconciliação.

Um êxodo

Em 1313, quando as lutas entre as facções haviam recomeçado na Península, em seguida à chegada à Itália do Imperador Henrique IV de Luxemburgo, Giovanni Tolomei – já com quarenta anos – fez uma escolha decisiva, uma escolha de ruptura com aquela sociedade em conflito permanente: na companhia de seus dois amigos, abandonou Sena e partiu para o «deserto», na ocorrência um lugar chamado Accona, trinta quilômetros ao sudoeste de Sena, na região das crete – literalmente, terras argilosas, melhor dizendo, uma região de colinas de pedra porosa bastante acidentadas – num terreno que recebera em herança. Ali, no isolamento daquele local acidentado, acessível por um lado só, em meio a bosques de pinheiros, carvalhos e oliveiras, nossos três companheiros levavam uma vida penitente, de tipo eremítico, mas igualmente marcada por uma forte dimensão fraterna, experiência que um antigo cronista olivetano assim descreve: «Eles eram assíduos à oração, muito observantes do silêncio e solícitos em render louvor a Deus». Ainda hoje são veneradas as grutas que escavaram para si na colina. Para significar seu novo gênero de vida, os três amigos se revestiram com um hábito pobre; e ainda mais, aqueles senhores abastados aprenderam a viver do trabalho de suas mãos, edificando eles mesmos a capelinha na qual rezavam o ofício e mandavam celebrar os santos mistérios por padres de sua escolha. 

Entretanto, logo o «deserto» começou a ficar povoado, como costuma acontecer com esse tipo de experiências. Esse crescimento provocou uma transformação da experiência, sua institucionalização. Ao que parece, a intervenção da Igreja terá tido um papel determinante nesse processo. Pois – fator geral – para usar legitimamente um hábito não secular e levar uma vida de «conversão», requeria-se, conforme as legislações estabelecidas pelo IV Concílio do Latrão (1215) e pelo II Concílio de Lião (1274), ou entrar numa ordem já constituída ou adotar uma regra aprovada, essencialmente a regra de São Bento, para os monges, a de Santo Agostinho, para os cônegos, ou mesmo a de São Francisco. Naqueles tempos, quando a Inquisição estava em plena atividade, era melhor não se esquivar às normas vigentes e se arriscar a ser comparado a uma seita herética. Além do mais – fator particular – o período em que o grupo de Acona se constituiu, coincidia com o início do pontificado do Papa de Avinhão, João XXII (1316-1334). Este Papa iria perseguir com o maior rigor os franciscanos chamados espirituais, considerados gravemente desviados em razão de seu apego à exigência de pobreza absoluta recomendada por São Francisco em seu testamento. Ora, esses espirituais eram muito presentes na Toscana. Portanto, com toda certeza, o grupo informal dos solitários de Acona, com seus hábitos de penitência, terá sido em algum momento assimilado àqueles espirituais, pois uma crônica trata de uma inquisição que os teria visado. A sequência dos acontecimentos manifestaria que a comparação era sem fundamento.

Na mesma ocasião, Giovanni se beneficiou de um ensinamento celeste; concretamente, ele teve a visão de uma «escada de prata», na qual uma multidão de irmãos, revestidos com hábitos brancos e guiados por anjos, subiam ao céu em direção a Cristo e sua Mãe, ambos também revestidos de um branco cintilante.  Nessa experiência mística pode-se ver um convite aos companheiros de Acona para abandonarem sua situação indefinida e se submeteram às sábias diretivas da Igreja, adotando a escada da vida monástica ou da humildade (RB 7), assumindo a regra beneditina como norma. Terá sido naquele momento que Giovanni mudou de nome, colocando-se sob o patrocínio do ilustre Abade de Claraval, cantor da Virgem e modelo de uma vida monástica reformada; de fato, naquela época, o monaquismo tradicional, tanto beneditino como cisterciense, andava meio em crise.



Uma fundação beneditina: Santa Maria do Monte Oliveto

Bernardo, em companhia de Patrizio, foi então procurar o Bispo de Arezzo, diocese da qual dependia o território de Acona. A 26 de março de 1319, o Bispo Guido Tarlati emitiu, a pedido dos dois senenses, a Carta de fundação de um futuro mosteiro instituído «em honra da Virgem gloriosa, sob a Regra de São Bento e a observância monástica, e que será chamado Santa Maria do Oliveto de Acona». Depois disso, a 29 de março, os três fundadores – Ambrogio se juntara aos dois primeiros – receberam, ainda em Arezzo, seus hábitos brancos das mãos do monge João de Sasso, assim procedendo em nome do Bispo Guido; de imediato fizeram profissão, «prometendo viver sempre no dito mosteiro [de Acona], sem nada de próprio, na castidade e sob a obediência ao Abade do Mosteiro, segundo a regra de São Bento». Finalmente, como último ato dessa fundação, possível de acompanhar quase minuto a minuto graças aos documentos de arquivo que lhe perpetuaram a memória, a 1º de abril de 1319, domingo de Ramos, o Presbítero Restauro, ele também delegado pelo Bispo, foi a Acona onde os novos monges, vestidos de branco, reencontraram seus companheiros: tendo indicado o local mais propício para a construção do mosteiro, ali fincou a cruz e colocou a primeira pedra.

Realcemos em primeiro lugar os embasamentos espirituais daquela instituição nascente. A devoção marial é claramente objeto de uma insistência. Mas percebe-se como esta devoção está intimamente ligada ao culto para com a humanidade do Salvador, inscrita notadamente na escolha do nome do Mosteiro: Santa Maria do Oliveto, provavelmente porque o local era plantado de oliveiras, mas também, pois a segunda parte do nome logo teria o acréscimo de Monte Oliveto, nítida referência ao Monte das Oliveiras e, portanto, à Páscoa de Cristo. A esse respeito, as datas dos acontecimentos fundadores são bastante eloquentes. A Carta foi assinada pelo Bispo Guido na segunda-feira, 26 de março, à luz da Anunciação, e a cruz foi fincada em Acona no dia dos Ramos. O programa, marial e cristocêntrico, da vida monástica que então se inaugurava não poderia ser definido em termos mais transparentes: com Maria, unir-se ao Salvador em sua paixão para ter parte em sua glória, subir com ele e nele, pela humildade, obediência e pobreza, a escada que sua cruz gloriosa ergueu entre o céu e a terra.

No plano jurídico, o aspecto que salta à vista é a opção preferencial pela regra beneditina, a confirmar a evolução cenobítica daquele grupo de solitários e seu desejo de garantir, em seu fervor ainda noviço, a sabedoria de uma observância monástica conhecida por sua longevidade e seu comedimento. Convém ressaltar que o voto de pobreza – «sem nada de próprio» – de acordo com a interpretação beneditina, diferente da prática (ou da teoria) das ordens mendicantes, é entendida como uma renúncia pessoal e não comunitária.

Mas se a fundação está situada na tradição beneditina, pela escolha da regra, percebe-se também um propósito decidido de originalidade, de justa autonomia dentro dessa tradição. Com efeito, pode-se notar como esse novo Mosteiro se inscreve no seio da Igreja: tudo foi recebido pelo ministério do Bispo, Carta, consagração pela entrega do hábito e profissão dos votos, cruz e pedra de fundação. O Mosteiro nascente foi submetido à jurisdição do Bispo de Arezzo que confirmaria os Abades e faria as visitas. Tudo parecia concebido para evitar uma dependência do monaquismo anterior. Essa consciência que os fundadores tinham de sua liberdade dentro da tradição beneditina, eles a manifestariam claramente pela escolha do hábito branco, que os distinguia evidentemente dos monges negros, mas, sobretudo, e de modo mais surpreendente, pelo abaciado temporário com duração de um ano. Influência da duração dos cargos públicos nas instituições comunais italianas? Meio de evitar a nomeação de Abades comendatários? A motivação não está completamente elucidada.

No entanto, somente depois de três recusas sucessivas fundamentadas numa deficiência da vista, desculpa que escondia, sem dúvida, um motivo mais profundo de humildade, Bernardo Tolomei terminou aceitando esta missão que todos, logicamente, queriam vê-lo assumir: ele seria o quarto Abade da família monástica que engendrou. Sinal da confiança que usufruía em meio a seus irmãos: não obstante a norma fixada, ele seria reeleito ano após ano, até sua morte. Tanto quanto se possa julgar, sua maneira de conduzir os outros, firme e por vezes categórica, era igualmente temperada de discrição e de humildade: ele queria ser uma pai, um animador, mesmo tendo as qualidades de um chefe. Nas decisões, sempre se colocava no meio dos irmãos, nunca acima: «os irmãos e eu,» era uma fórmula que empregava com frequência. Os epítetos que atribuía a si próprio – «abade embora indigno do Mosteiro de Santa Maria de Monte Oliveto», «irmão Bernardo, pecador» – ressoam sob sua pena de maneira inteiramente diversa das normas de estilo ou fórmulas ocas.


Fecundidade: a Congregação olivetana

Sob o abaciado de Bernardo, o Mosteiro teve uma imensa irradiação, pois no espaço de dois decênios, foram feitas diversas fundações atendendo à solicitação de Bispos ou nobres leigos que desejavam se beneficiar da presença daqueles novos monges brancos. Não por acaso a cidade de Sena foi a primeira atendida, com o Mosteiro de São Bento perto da Porta Tufi, fora das muralhas: as marcas deixadas nos três fundadores por sua cidade de origem são inegáveis. Seguiram-se Arezzo, Florença, Gubbio, Foligno, Roma...

Nas fundações então realizadas manifestava-se outra originalidade da instituição olivetana: para manter a coesão do conjunto e fortalecer a comunhão entre todos os irmãos, ficou decidido que as fundações no presente e no futuro seriam sujeitas a Monte Oliveto tamquam membra capiti, «como membros à cabeça», de acordo com uma fórmula paulina em uso na eclesiologia da época.
O conjunto das casas devia formar com o Mosteiro-fonte uma única família monástica, um só corpo, tendo à frente o único Abade de Monte Oliveto, podendo os monges, por ocasião do Capítulo Geral anual, serem solicitados a se transferirem de um lugar para outro no interior daquela única família. Seria, no entanto, falso, considerar essa organização da novel Congregação olivetana apenas sob o aspecto jurídico de centralização: se, em certo sentido, ele expressa corretamente a realidade, não dá conta de sua dimensão histórica, passando ao lado das motivações espirituais que presidiram semelhante escolha. Com efeito, essa concepção original e fecunda da família monástica como um corpo único manifesta a expressão exata, por parte de Bernardo e de seus primeiros companheiros, de um desejo radical de comunhão, de uma recusa veemente de toda força de desagregação, de separação, de toda forma de apropriação. «Nós ordenamos – diz um capítulo das Constituições – que a comunhão na caridade seja guardada com todas as forças e fortalecida dia a dia pelos irmãos».
Não esqueçamos o meio de onde proveio nosso Tolomei, não esqueçamos, sobretudo, a força das correntes centrífugas que perpassavam a sociedade civil e das quais Bernardo fizera a experiência, todas aquelas lutas de partidos, rivalidades citadinas, hostilidades familiares, aquela cultura de exclusão e de excomunhão mútuas. À vista do contexto social desagregador que os cercava, os monges brancos do Monte Oliveto, do «Monte das Oliveiras», pretendiam dessa forma manifestar o sinal escatológico de uma família que já se reunia na unidade da Jerusalém celeste.

A 21 de janeiro de 1344, o Papa Clemente VI (1342-1352), antigo beneditino de La Chaise-Dieu, emitiu em Avinhão duas Cartas Apostólicas que confirmavam esse estatuto e constituíam o ato de nascença, no seio da Ordem de São Bento, da Congregação olivetana: contava ela então cento e sessenta monges. Além da organização muito unificada em torno do Mosteiro de Monte Oliveto e do Capítulo Geral, havia ainda uma limitação geográfica precisa: a Congregação poderia se desenvolver somente na Itália, in partibus dumtaxat Italiæ. Foi o que aconteceu durante cinco séculos.


Páscoa

Com quase setenta e dois anos, talvez o fundador aspirasse ver-se desincumbido da responsabilidade que lhe onerava os ombros e cujo peso só fazia aumentar. Seus irmãos não tinham o mesmo entendimento: a 4 de maio de 1347, o Capítulo concedia a seu Abade Bernardo uma total delegação de poder, «tendo plena confiança que, em virtude de sua santidade, ele não se afastaria da vontade de Deus nem da salvação das almas de seus irmãos e filhos». Precioso testemunho da reputação de santidade que aureolava o fundador ainda em vida.

No final daquele mesmo ano, o bacilo da peste se introduzira na Itália, transportado pelas galeras genovesas das margens do Mar Negro. Tal pandemia, a terrível e famosa «peste negra», de 1348-1349, um dos mais calamitosos flagelos da Idade Média, que faria a Europa perder cerca de um terço de sua população, foi acompanhada por uma verdadeira crise moral de que dão testemunho todos os contemporâneos: doentes frequentemente abandonados à sua triste sorte, até mesmo pelos parentes mais próximos, padres recusando-se a administrar os sacramentos por medo de ficarem contagiados.


Em meio a esta provação, a confiança expressa pela Congregação em seu Abade se revelou plenamente justificada: longe de procurar abrigo, este interpreta a última vontade de Deus a seu respeito no serviço de seus irmãos prestes a morrer. Deixando a solidão de Monte Oliveto, Bernardo, num surpreendente retorno às fontes de sua vocação, foi para Sena, no Mosteiro da Porta Tufi, onde permaneceu junto a seus filhos mais expostos a fim de assegurar-lhes o auxílio de sua presença e o testemunho de sua ternura paternal.
A 20 de agosto de 1348, de acordo com a data tradicional, entregou sua alma a Deus no meio dos seus, durante aquela epidemia que levou no total oitenta monges, a metade da nova Congregação. O corpo de Bernardo desapareceu, talvez sepultado no anonimato de uma fossa comum. O longo retiro no «Monte das Oliveiras» deu todo o seu fruto de oferenda pascal, a subida da escada de prata vista em sonho se concretizou sobre a cruz. São Bernardo Tolomei se tornou assim, segundo as palavras do Papa Bento XVI durante a homilia da canonização, «um autêntico mártir da caridade».

Dom Bernard-Marie Buchoud, OSB é monge olivetano da Abadia do Mesnil-Saint-Loup (França)

(1) N. do T. – A Congregação olivetana tem dois Mosteiros em Ribeirão Preto (SP): um de monges (Abadia de Nossa Senhora do Monte Oliveto) e outro de monjas (Mosteiro Regina Pacis); e um Mosteiro de monges na cidade de São Paulo (Priorado de Nossa Senhora da Esperança).

Dom Giorgio Picasso, OSB Oliv.