Bernardo nasceu
em Sena em 1272. Pertencia a uma família nobre. Depois de uma profunda crise de
fé, por intercessão de Santa Maria, ele foi curado de uma doença visual,
aumentando profundamente sua fé.
Assim, em 1313,
decidiu dedicar-se à vida eremítica com dois amigos seus que antes eram
comerciantes: Patrício Patrizi e Ambrosio Piccolomini. Abandonaram Sena e se
retiraram a Accona, a uma propriedade de sua família.
«Lecionava na universidade, tinha uma
atividade pública, renunciou a tudo porque quis servir unicamente a Deus»,
explica o postulador de sua causa, o Dom Reginaldo Grégorie, osb, membro da
Congregação Beneditina Santa Maria do Monte Oliveto.
Estes três
homens mudaram seus nomes, dedicaram-se à oração, à penitência e à solidão
eremítica. Realizavam trabalhos manuais, faziam meditações bíblicas com o
método da lectio divina.
Almas dedicadas a Jesus e Maria
Seis anos mais
tarde, enquanto orava, Bernardo teve a visão de alguns monges vestidos de
branco que eram ajudados a subir por umas escadas, segurando as mãos de Jesus e
Maria. Depois se dirigiu ao bispo de Arezzo, Dom Guido Tarlati, para obter a
autorização canônica para criar uma nova comunidade.
Assim nasceu, em
1319, no deserto de Accona, o mosteiro de Santa
Maria do Monte Oliveto. O nome recorda o Monte das Oliveiras, onde Jesus
orou e velou com seus discípulos antes de sua Paixão. Os monges desta nova
comunidade se guiavam sob a regra de São Bento. Adotaram o hábito branco em honra de Maria.
«Nossos mosteiros são lugares de silêncio absoluto”.
São lugares de oração, estudo, solidão e renúncia, que impressionam os jovens», assegura o
Pe. Reginaldo.
Atualmente, este
ramo dos beneditinos tem comunidades no Brasil, França, Grã-Bretanha,
Guatemala, Irlanda, Israel, Itália, Coreia do Sul e Estados Unidos.
Apesar de ser o fundador, Bernardo não queria ser abade. O
primeiro foi Patrizio Patrizi. Cada ano, o mosteiro deveria ter um abade
diferente. Três anos depois, Bernardo foi nomeado abade e os monges o renovaram
neste cargo durante 27 anos, como constatou Bento XVI na homilia da
canonização.
«Tinha um grande senso de governo, sabia
guiar as almas, tinha grande autoridade moral», assegura seu postulador.
Em 21 de janeiro
de 1344, Bernardo obteve do Papa Clemente VI, residente nesse meio em Avignon,
a aprovação pontifícia. A nova congregação já contava com 10 mosteiros.
Uma grande peste
açoitou a Itália em 1348 e durante ela, Bernardo deixou a vida eremítica para
assistir os monges enfermos. Nesse mesmo ano ele morreu, contagiado pela mesma
enfermidade.
Bernardo foi
sepultado junto com outros 82 monges que faleceram por causa da mesma peste, em
uma fossa comum. As escavações não permitiram que se reconhecessem seus restos,
razão pela qual neste momento não existe um túmulo do santo.
Um longo processo de canonização
Bernardo Tolomei
não foi propriamente beatificado. Em 1644, o Papa Urbano VIII promulgou o culto
ab immemorabili, reconhecendo o que
equivale hoje à beatificação. Em 1768, um decreto pontifício confirmou a
heroicidade de suas virtudes.
A suspensão de
algumas ordens religiosas durante o Movimento de Unificação Italiana levou a
que se atrasasse sua canonização. A solicitude para seu processo foi retomada
em 1968.
Atribuíam-se
quatro milagres à intercessão de Tolomei, mas segundo afirma seu postulador,
suas provas se perderam no final do século XVIII, durante a Revolução Francesa.
Finalmente, o
milagre para que Bernardo fosse declarado santo se realizou em 1946, com o
jovem Giuseppe Rigolin, de 18 anos,
que sofreu de peritonite.
Seus familiares
se confiaram ao então Beato Bernardo e depois de poucas horas desapareceram os
sintomas sem nenhuma intervenção cirúrgica. Anos depois, ele ingressou como
monge desta congregação com o nome de Plácido.
Bernardo deixou
vários escritos: 48 cartas e uma homilia. Vários fragmentos foram publicados
neste domingo por ocasião de sua canonização: «Estes escritos dão fé de sua sabedoria espiritual e de uma notável
competência administrativa e jurídica; revelam seu temperamento e o definem
implicitamente como um monge que havia sido um sincero seguidor da Regra de São
Bento», assegura seu postulador.
«Permitem perceber sua humanidade, sua
sensibilidade, seu espírito eclesial e comunitário, seu conhecimento das
Sagradas Escrituras», diz o Pe. Reginaldo Gregorie.
****************
Segundo texto biográfico
Em
berço de ouro
Bernardo,
filho de Mino Tolomei e de Fulvia Tancredi, nasceu em Sena (Itália), em 1272.
Recebeu na pia batismal o nome de Giovanni; Bernardo será mais tarde seu nome
monástico. Pelo nascimento, pertencia a uma das mais poderosas famílias daquela
cidade toscana em plena expansão: os Tolomei faziam parte, com efeito, daquela
aristocracia do dinheiro que construiu sua fortuna e conquistou sua nobreza
mediante a prática de florescentes atividades comerciais e bancárias. Como a
maioria dessas famílias, eles possuíam, numa das praças centrais de sua bela
cidade de Sena, um palácio com muitas torres, sinal de poder e meio de defesa
devido às inúmeras disputas que opunham as famílias umas às outras.
Sabe-se que
o banco moderno viu a luz do dia na Itália precisamente nessa época. Eram,
pois, banqueiros os ancestrais de nosso santo, e junto com outros senenses e
florentinos, foram pioneiros nesse ramo de futuro promissor! Desde 1255, os
Tolomei possuíam o invejado título de campsores
domini Papæ, «cambistas do senhor
Papa», qualificação que lhes abria as portas e os cofres de numerosas outras
instituições eclesiásticas, mas que poderia também colocá-los em situação
delicada com a orientação política de sua própria cidade.
Com efeito,
Sena pertencia ao partido pró-imperial, chamado gibelino, naqueles anos dos últimos sobressaltos do longo conflito
entre o Papado e o Imperador: basta lembrar a qüerela chamada do Sacerdócio e
do Império que teve uma profunda repercussão naquela Itália então fragmentada
numa infinidade de poderes locais – as Comunas italianas eram governadas como
pequenas repúblicas autônomas – tornando-se, por conseguinte, um dos principais
pontos dessa rivalidade tanto política como religiosa entre o Sucessor de Pedro
e o Soberano germânico muito presente na Península.
Os
historiadores descrevem com profusão a Itália daquela época como uma sociedade
dominada por uma verdadeira cultura da violência, desgastada por uma atmosfera
de guerrilha permanente entre as Comunas, conforme a cor da obediência política
de cada uma, fosse ela ao Papa ou ao Imperador, entre famílias rivais dentro de
uma mesma Comuna, entre classes sociais em luta pelo poder.
Banqueiros
do Papa e cidadãos de Sena interditada pelos Pontífices Alexandre IV e Urbano
IV, pode-se facilmente adivinhar o conflito de interesses para nossos Tolomei,
conflito rapidamente resolvido em benefício de suas atividades financeiras:
abraçando o partido pontifício, eles se exilaram de sua própria cidade por
alguns anos, o tempo necessário para que o vento mudasse de direção e o partido
imperial fosse derrotado. Depois do retorno à cidade, tiveram que reconstruir
seu palácio destruído e aceitar a exclusão do governo da Comuna usurpado pelos
representantes do popolo, isto é, a burguesia ascendente. Giovanni-Bernardo
nasceu precisamente nesses anos de relativo declínio político dos seus. Estava,
por conseguinte, em boa escola para aprender ao mesmo tempo o peso do dinheiro
e do poder, que raramente predispõem para a santidade, e a precariedade dos
sucessos deste mundo.
Escola
de santidade
Reconheçamos
que somos muito mal informados sobre a infância e a formação de nosso santo.
Podemos supor que, à semelhança dos jovens de seu meio, tenha se beneficiado de
uma ótima educação, ainda bastante marcada pelas categorias da antiguidade
clássica e comportando também uma sólida formação jurídica, visto que a prática
do direito estava então se tornando um traço essencial da sociedade italiana. A
mais antiga crônica olivetana o qualifica de miles atque doctor eximius, «cavaleiro e doutor exímio». O título
de doctor o tornava não
necessariamente um professor, mas alguém que se qualificou em direito e, por
isso mesmo, estava preparado para exercer toda espécie de função pública. Sua
qualidade de miles, cavaleiro, não
era apenas uma distinção honorífica: significava sua pertença ao exército
comunal e sua capacidade de combater a cavalo. Ignoramos em que medida o jovem
Giovanni terá sido chamado a colocar em ação tais habilidades militares, mas
não devemos subestimar esse aspecto.
Embora
cidadão de Sena, Giovanni estava também na escola dos santos, pois a cidade não
trepidava somente com o barulho dos negócios ou das lutas políticas. Palpitava
igualmente por meio de uma corrente mística, na qual se conjugavam um gosto
renovado pela pobreza evangélica e a penitência, notadamente na escola do Poverello de Assis e seus irmãos
menores, e uma atração pela vida solitária, tudo isso num ambiente de piedade
leiga.
Giovanni
Tolomei era membro da confraria dos flagelantes (disciplinati), de Santa Maria della Scala, associação de leigos que
se reuniam no grande hospital do mesmo nome, defronte à catedral de Sena: os
confrades alimentavam a vida espiritual por meio de vários exercícios de
piedade, sobretudo renovando periodicamente, em espírito e em atos, a
participação na Paixão de Cristo, isto é, se autoflagelando; também
participavam regularmente da Eucaristia. Além disso, no contexto daquela
importante instituição hospitalar, se dedicavam às obras de caridade, prestando
ajuda aos doentes. O ingresso nessa comunidade leiga representava igualmente a
aceitação de uma forma de integração social: de fato, a confraria era aberta a
todos os cristãos de Sena, sem distinção de classe nem de riqueza (muitos
confrades não sabiam ler, podia-se até mesmo encontrar nela membros de famílias
rivais). Portanto, um lugar para reaprender a fraternidade evangélica muito
acima das desigualdades sociais tão fortes.
Para
Giovanni, em todo caso, foi o tempo em que nasceu sua amizade com duas
personagens, Patrizio Patrizi e Ambrogio Piccolomini, que iriam se tornar, mais
tarde, companheiros de sua aventura espiritual. Ora, Patrizio pertencia à
classe dos mercadores, desse popolo que havia tomado o poder em Sena em
detrimento das famílias aristocráticas. Os três iriam se tornar íntimos
companheiros para o resto da vida. Podemos discernir aí um traço da santidade
de Giovanni-Bernardo: um homem de fraternidade, de amizade, de reconciliação.
Um
êxodo
Em 1313,
quando as lutas entre as facções haviam recomeçado na Península, em seguida à chegada
à Itália do Imperador Henrique IV de Luxemburgo, Giovanni Tolomei – já com
quarenta anos – fez uma escolha decisiva, uma escolha de ruptura com aquela
sociedade em conflito permanente: na companhia de seus dois amigos, abandonou
Sena e partiu para o «deserto», na ocorrência um lugar chamado Accona, trinta
quilômetros ao sudoeste de Sena, na região das crete – literalmente, terras
argilosas, melhor dizendo, uma região de colinas de pedra porosa bastante
acidentadas – num terreno que recebera em herança. Ali, no isolamento daquele
local acidentado, acessível por um lado só, em meio a bosques de pinheiros,
carvalhos e oliveiras, nossos três companheiros levavam uma vida penitente, de
tipo eremítico, mas igualmente marcada por uma forte dimensão fraterna,
experiência que um antigo cronista olivetano assim descreve: «Eles eram
assíduos à oração, muito observantes do silêncio e solícitos em render louvor a
Deus». Ainda hoje são veneradas as grutas que escavaram para si na colina. Para
significar seu novo gênero de vida, os três amigos se revestiram com um hábito
pobre; e ainda mais, aqueles senhores abastados aprenderam a viver do trabalho
de suas mãos, edificando eles mesmos a capelinha na qual rezavam o ofício e
mandavam celebrar os santos mistérios por padres de sua escolha.
Entretanto,
logo o «deserto» começou a ficar povoado, como costuma acontecer com esse tipo
de experiências. Esse crescimento provocou uma transformação da experiência,
sua institucionalização. Ao que parece, a intervenção da Igreja terá tido um
papel determinante nesse processo. Pois – fator geral – para usar legitimamente
um hábito não secular e levar uma vida de «conversão», requeria-se, conforme as
legislações estabelecidas pelo IV Concílio do Latrão (1215) e pelo II Concílio
de Lião (1274), ou entrar numa ordem já constituída ou adotar uma regra
aprovada, essencialmente a regra de São Bento, para os monges, a de Santo
Agostinho, para os cônegos, ou mesmo a de São Francisco. Naqueles tempos,
quando a Inquisição estava em plena atividade, era melhor não se esquivar às
normas vigentes e se arriscar a ser comparado a uma seita herética. Além do
mais – fator particular – o período em que o grupo de Acona se constituiu,
coincidia com o início do pontificado do Papa de Avinhão, João XXII
(1316-1334). Este Papa iria perseguir com o maior rigor os franciscanos
chamados espirituais, considerados gravemente desviados em razão de seu apego à
exigência de pobreza absoluta recomendada por São Francisco em seu testamento.
Ora, esses espirituais eram muito presentes na Toscana. Portanto, com toda
certeza, o grupo informal dos solitários de Acona, com seus hábitos de
penitência, terá sido em algum momento assimilado àqueles espirituais, pois uma
crônica trata de uma inquisição que os teria visado. A sequência dos
acontecimentos manifestaria que a comparação era sem fundamento.
Na mesma
ocasião, Giovanni se beneficiou de um ensinamento celeste; concretamente, ele
teve a visão de uma «escada de prata», na qual uma multidão de irmãos,
revestidos com hábitos brancos e guiados por anjos, subiam ao céu em direção a
Cristo e sua Mãe, ambos também revestidos de um branco cintilante. Nessa experiência mística pode-se ver um
convite aos companheiros de Acona para abandonarem sua situação indefinida e se
submeteram às sábias diretivas da Igreja, adotando a escada da vida monástica
ou da humildade (RB 7), assumindo a regra beneditina como norma. Terá sido
naquele momento que Giovanni mudou de nome, colocando-se sob o patrocínio do
ilustre Abade de Claraval, cantor da Virgem e modelo de uma vida monástica reformada;
de fato, naquela época, o monaquismo tradicional, tanto beneditino como
cisterciense, andava meio em crise.
Uma
fundação beneditina: Santa Maria do Monte Oliveto
Bernardo, em
companhia de Patrizio, foi então procurar o Bispo de Arezzo, diocese da qual
dependia o território de Acona. A 26 de março de 1319, o Bispo Guido Tarlati
emitiu, a pedido dos dois senenses, a Carta de fundação de um futuro mosteiro
instituído «em honra da Virgem gloriosa,
sob a Regra de São Bento e a observância monástica, e que será chamado Santa
Maria do Oliveto de Acona». Depois disso, a 29 de março, os três fundadores
– Ambrogio se juntara aos dois primeiros – receberam, ainda em Arezzo, seus
hábitos brancos das mãos do monge João de Sasso, assim procedendo em nome do
Bispo Guido; de imediato fizeram profissão, «prometendo viver sempre no dito mosteiro [de Acona], sem nada de
próprio, na castidade e sob a obediência ao Abade do Mosteiro, segundo a regra
de São Bento». Finalmente, como último ato dessa fundação, possível de acompanhar
quase minuto a minuto graças aos documentos de arquivo que lhe perpetuaram a
memória, a 1º de abril de 1319, domingo de Ramos, o Presbítero Restauro, ele
também delegado pelo Bispo, foi a Acona onde os novos monges, vestidos de
branco, reencontraram seus companheiros: tendo indicado o local mais propício
para a construção do mosteiro, ali fincou a cruz e colocou a primeira pedra.
Realcemos em
primeiro lugar os embasamentos espirituais daquela instituição nascente. A
devoção marial é claramente objeto de uma insistência. Mas percebe-se como esta
devoção está intimamente ligada ao culto para com a humanidade do Salvador,
inscrita notadamente na escolha do nome do Mosteiro: Santa Maria do Oliveto,
provavelmente porque o local era plantado de oliveiras, mas também, pois a
segunda parte do nome logo teria o acréscimo de Monte Oliveto, nítida
referência ao Monte das Oliveiras e, portanto, à Páscoa de Cristo. A esse
respeito, as datas dos acontecimentos fundadores são bastante eloquentes. A
Carta foi assinada pelo Bispo Guido na segunda-feira, 26 de março, à luz da
Anunciação, e a cruz foi fincada em Acona no dia dos Ramos. O programa, marial
e cristocêntrico, da vida monástica que então se inaugurava não poderia ser
definido em termos mais transparentes: com Maria, unir-se ao Salvador em sua
paixão para ter parte em sua glória, subir com ele e nele, pela humildade,
obediência e pobreza, a escada que sua cruz gloriosa ergueu entre o céu e a
terra.
No plano
jurídico, o aspecto que salta à vista é a opção preferencial pela regra
beneditina, a confirmar a evolução cenobítica daquele grupo de solitários e
seu desejo de garantir, em seu fervor ainda noviço, a sabedoria de uma
observância monástica conhecida por sua longevidade e seu comedimento. Convém
ressaltar que o voto de pobreza – «sem
nada de próprio» – de acordo com a interpretação beneditina, diferente da
prática (ou da teoria) das ordens mendicantes, é entendida como uma renúncia
pessoal e não comunitária.
Mas se a
fundação está situada na tradição beneditina, pela escolha da regra, percebe-se
também um propósito decidido de originalidade, de justa autonomia dentro dessa
tradição. Com efeito, pode-se notar como esse novo Mosteiro se inscreve no seio
da Igreja: tudo foi recebido pelo ministério do Bispo, Carta, consagração pela
entrega do hábito e profissão dos votos, cruz e pedra de fundação. O Mosteiro
nascente foi submetido à jurisdição do Bispo de Arezzo que confirmaria os
Abades e faria as visitas. Tudo parecia concebido para evitar uma dependência
do monaquismo anterior. Essa consciência que os fundadores tinham de sua
liberdade dentro da tradição beneditina, eles a manifestariam claramente pela
escolha do hábito branco, que os distinguia evidentemente dos monges negros,
mas, sobretudo, e de modo mais surpreendente, pelo abaciado temporário com
duração de um ano. Influência da duração dos cargos públicos nas instituições
comunais italianas? Meio de evitar a nomeação de Abades comendatários? A
motivação não está completamente elucidada.
No entanto,
somente depois de três recusas sucessivas fundamentadas numa deficiência da
vista, desculpa que escondia, sem dúvida, um motivo mais profundo de humildade,
Bernardo Tolomei terminou aceitando esta missão que todos, logicamente, queriam
vê-lo assumir: ele seria o quarto Abade da família monástica que engendrou.
Sinal da confiança que usufruía em meio a seus irmãos: não obstante a norma
fixada, ele seria reeleito ano após ano, até sua morte. Tanto quanto se possa
julgar, sua maneira de conduzir os outros, firme e por vezes categórica, era
igualmente temperada de discrição e de humildade: ele queria ser uma pai, um
animador, mesmo tendo as qualidades de um chefe. Nas decisões, sempre se
colocava no meio dos irmãos, nunca acima: «os irmãos e eu,» era uma fórmula que
empregava com frequência. Os epítetos que atribuía a si próprio – «abade embora indigno do Mosteiro de
Santa Maria de Monte Oliveto», «irmão
Bernardo, pecador» – ressoam sob sua pena de maneira inteiramente diversa
das normas de estilo ou fórmulas ocas.
Fecundidade:
a Congregação olivetana
Sob o
abaciado de Bernardo, o Mosteiro teve uma imensa irradiação, pois no espaço de
dois decênios, foram feitas diversas fundações atendendo à solicitação de
Bispos ou nobres leigos que desejavam se beneficiar da presença daqueles novos
monges brancos. Não por acaso a cidade de Sena foi a primeira atendida, com o
Mosteiro de São Bento perto da Porta Tufi, fora das muralhas: as marcas
deixadas nos três fundadores por sua cidade de origem são inegáveis. Seguiram-se
Arezzo, Florença, Gubbio, Foligno, Roma...
Nas
fundações então realizadas manifestava-se outra originalidade da instituição
olivetana: para manter a coesão do conjunto e fortalecer a comunhão entre todos
os irmãos, ficou decidido que as fundações no presente e no futuro seriam
sujeitas a Monte Oliveto tamquam membra
capiti, «como membros à cabeça», de acordo com uma fórmula paulina em uso
na eclesiologia da época.
O conjunto
das casas devia formar com o Mosteiro-fonte uma única família monástica, um só
corpo, tendo à frente o único Abade de Monte Oliveto, podendo os monges, por
ocasião do Capítulo Geral anual, serem solicitados a se transferirem de um
lugar para outro no interior daquela única família. Seria, no entanto, falso,
considerar essa organização da novel Congregação olivetana apenas sob o aspecto
jurídico de centralização: se, em certo sentido, ele expressa corretamente a
realidade, não dá conta de sua dimensão histórica, passando ao lado das
motivações espirituais que presidiram semelhante escolha. Com efeito, essa
concepção original e fecunda da família monástica como um corpo único manifesta
a expressão exata, por parte de Bernardo e de seus primeiros companheiros, de
um desejo radical de comunhão, de uma recusa veemente de toda força de
desagregação, de separação, de toda forma de apropriação. «Nós ordenamos – diz um capítulo das Constituições – que a comunhão na caridade seja guardada com
todas as forças e fortalecida dia a dia pelos irmãos».
Não
esqueçamos o meio de onde proveio nosso Tolomei, não esqueçamos, sobretudo, a
força das correntes centrífugas que perpassavam a sociedade civil e das quais
Bernardo fizera a experiência, todas aquelas lutas de partidos, rivalidades
citadinas, hostilidades familiares, aquela cultura de exclusão e de excomunhão
mútuas. À vista do contexto social desagregador que os cercava, os monges
brancos do Monte Oliveto, do «Monte das Oliveiras», pretendiam dessa forma
manifestar o sinal escatológico de uma família que já se reunia na unidade da
Jerusalém celeste.
A 21 de
janeiro de 1344, o Papa Clemente VI (1342-1352), antigo beneditino de La
Chaise-Dieu, emitiu em Avinhão duas Cartas Apostólicas que confirmavam esse
estatuto e constituíam o ato de nascença, no seio da Ordem de São Bento, da
Congregação olivetana: contava ela então cento e sessenta monges. Além da
organização muito unificada em torno do Mosteiro de Monte Oliveto e do Capítulo
Geral, havia ainda uma limitação geográfica precisa: a Congregação poderia se
desenvolver somente na Itália, in partibus
dumtaxat Italiæ. Foi o que aconteceu durante cinco séculos.
Páscoa
Com quase
setenta e dois anos, talvez o fundador aspirasse ver-se desincumbido da
responsabilidade que lhe onerava os ombros e cujo peso só fazia aumentar. Seus
irmãos não tinham o mesmo entendimento: a 4 de maio de 1347, o Capítulo
concedia a seu Abade Bernardo uma total delegação de poder, «tendo plena confiança que, em virtude de sua
santidade, ele não se afastaria da vontade de Deus nem da salvação das almas de
seus irmãos e filhos». Precioso testemunho da reputação de santidade que
aureolava o fundador ainda em vida.
No final
daquele mesmo ano, o bacilo da peste se introduzira na Itália, transportado
pelas galeras genovesas das margens do Mar Negro. Tal pandemia, a terrível e
famosa «peste negra», de 1348-1349, um dos mais calamitosos flagelos da Idade
Média, que faria a Europa perder cerca de um terço de sua população, foi
acompanhada por uma verdadeira crise moral de que dão testemunho todos os
contemporâneos: doentes frequentemente abandonados à sua triste sorte, até
mesmo pelos parentes mais próximos, padres recusando-se a administrar os
sacramentos por medo de ficarem contagiados.
Em meio a
esta provação, a confiança expressa pela Congregação em seu Abade se revelou
plenamente justificada: longe de procurar abrigo, este interpreta a última
vontade de Deus a seu respeito no serviço de seus irmãos prestes a morrer.
Deixando a solidão de Monte Oliveto, Bernardo, num surpreendente retorno às
fontes de sua vocação, foi para Sena, no Mosteiro da Porta Tufi, onde
permaneceu junto a seus filhos mais expostos a fim de assegurar-lhes o auxílio
de sua presença e o testemunho de sua ternura paternal.
A 20 de
agosto de 1348, de acordo com a data tradicional, entregou sua alma a Deus no
meio dos seus, durante aquela epidemia que levou no total oitenta monges, a
metade da nova Congregação. O corpo de Bernardo desapareceu, talvez sepultado
no anonimato de uma fossa comum. O longo retiro no «Monte das Oliveiras» deu
todo o seu fruto de oferenda pascal, a subida da escada de prata vista em sonho
se concretizou sobre a cruz. São Bernardo Tolomei se tornou assim, segundo as
palavras do Papa Bento XVI durante a homilia da canonização, «um autêntico mártir da caridade».
Dom Bernard-Marie Buchoud, OSB é monge
olivetano da Abadia do Mesnil-Saint-Loup (França)
(1) N. do T. – A Congregação olivetana
tem dois Mosteiros em Ribeirão Preto (SP): um de monges (Abadia de Nossa
Senhora do Monte Oliveto) e outro de monjas (Mosteiro Regina Pacis); e um
Mosteiro de monges na cidade de São Paulo (Priorado de Nossa Senhora da
Esperança).
Dom Giorgio Picasso, OSB Oliv.
Um comentário:
Uma beleza de artigo de Dom Giorgio Picasso, OSB Oliv. Instrutivo e inspirador. Que São Bernardo Tolomei interceda por todos nós.
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