MADRE VITÓRIA DA
ENCARNAÇÃO nasceu na cidade do Salvador, então capital do Brasil colonial, em 6
de março de 1661, sendo batizada no mesmo ano na antiga Sé da Bahia. Foram seus
pais, Bartolomeu Nabo Correia e Luísa Bixarxe. Teve um irmão e três irmãs.
Conforme escreveu Dom Sebastião Monteiro da Vide (1720), a casa desta família
era um exemplo de lar cristão.
Em 1675, quando
Vitória estava com 14 anos, seu pai desejou enviá-la, juntamente com sua irmã
mais velha, Maria da Conceição, para um convento nos Açores, em Portugal, porém
a menina se recusou, dizendo que preferia que lhe cortassem a cabeça de que ser
enviada para um convento.
Em 1677, quando
foi fundado o primeiro mosteiro feminino no Brasil, o Mosteiro de Santa Clara
do Desterro da Bahia, Vitória, então com 16 anos de idade, ainda dava mostras
de aversão à vida religiosa, preocupando seus pais com seu comportamento.
Vivia em
Salvador, naquela época, um jesuíta de muita piedade a quem o povo venerava
como santo já em vida e tinha fama de ser um profeta, o padre João de Paiva.
Foi a ele que o pai de Vitória recorreu aflito para queixar-se do comportamento
de sua filha em relação à religião, pedindo ao padre que rezasse por ela. O
padre João o acalmou dizendo que a menina seria, no futuro, uma grande
religiosa.
Passaram-se
alguns anos e Vitória começou a ter frequentes sonhos com a Mãe de Deus e seu
Divino Filho. Neles a Virgem lhe apresentava o Menino e chamava-a para a vida
consagrada. Em outros momentos via o Divino Menino a colher flores no caminho
para o convento e a chamava para lá. Tais sonhos se repetiram inúmeras vezes,
porém, Vitória não quis seguir o que a Virgem e o Menino pediam.
Numa terrível
noite do ano de 1686, quando Vitória estava com 25 anos de idade, teve um sonho
horrendo, no qual se via nos porões sujos e cheios de lodo de uma grande
embarcação que navegava em alto mar. Viu neste sonho que estava acompanhada de
pessoas impiedosas que caminhavam para a perdição. Enquanto que na parte de
cima da embarcação haviam muitos religiosos contentes pois caminhavam para a
salvação. Seu Anjo da Guarda então lhe explicava que os navegantes da parte
superior eram os que faziam a vontade de Deus e estavam salvos, enquanto que os
que estavam nos porões, assim como ela, eram os que caminhavam para a perdição.
Ao acordar
daquele sonho aterrador, Vitória pensou em sua vida, arrependeu-se de sua
recusa à religião e tomou a firme decisão de consagrar-se totalmente a Deus e
passar o resto da vida fazendo Sua santa vontade. Ajoelhou-se aos pés de seu
pai para pedir-lhe a bênção e implorou-lhe para que o mesmo fizesse o que fosse
preciso pra que ela entrasse para o convento.
Naquele mesmo
ano, num domingo pela manhã, em 29 de setembro, dia de São Miguel Arcanjo (uma
de suas grandes devoções), Vitória foi acolhida no noviciado das monjas
clarissas do Mosteiro do Desterro da Bahia e juntamente com ela, foi acolhida
também a sua irmã, Maria da Conceição. Recebeu neste dia o nome religioso de
Vitória da Encarnação. No ano seguinte (1687), conforme seu desejo, fez
profissão Solene em 21 de outubro, dia em que se celebrava na cidade de
Salvador a festa das Onze Mil Virgens.
Mostrou-se
grande em suas virtudes. Desapegada de tudo o que é mundano, quis fazer-se a
menor de todas e aquela que servia a todas. Dotada de imensa caridade para com
os mais desvalidos, desejou viver como uma escrava a adotou para si o estilo de
vida das servas que viviam no mosteiro servindo as religiosas. Fazia suas
refeições sentada no chão, como era costume entre os escravos da época, corria
para fazer os trabalhos que ninguém queria, e por querer ser a menor de todas,
foi diversas vezes ridicularizada e até mesmo agredida, levando uma bofetada de
uma das servas a quem ela tanto servia e quis se fazer semelhante. Cuidava
daquelas que adoeciam, levando-as para sua própria cela e de lá só saiam quando
completamente curadas. Suportou diversas humilhações calada e com paciência,
pois considerava-se digna de todas aquelas ofensas.
Viveu inteiramente
dedicada aos pobres, doentes e desamparados que procuravam o mosteiro em busca
de socorro. Pela sua grande caridade recebeu dos pobres o apelido de “madre
Esmoler”. Quando exercia o cargo de porteira, grande quantidade de pessoas
dirigia-se à portaria para pedir-lhe algum auxílio. Atendeu a todos quantos
podia, e de dentro da clausura recomendava aos seus familiares que cuidassem
daqueles pobres e doentes que ela não poderia socorrer, mas que vinha a saber
que estavam necessitados. Doou em vida tudo o que possuía aos pobres, inclusive
a cama na qual dormia, passando então a dormir no chão sobre uma esteira de
palha. Por esse motivo, não morreu em sua própria cela. Quando estava prestes a
falecer foi levada para a cela de outra monja pois suas coirmãs não quiseram
deixá-la morrer no chão.
Dotada de dons
místicos, se transfigurava quando fazia a via-sacra, todas as sextas-feiras do
ano. Um desses eventos foi testemunhado pelas outras religiosas quando
participava de uma procissão do Senhor Bom Jesus dos Passos no corredor da
clausura, e foi narrado por Dom Sebastião em seu livro. Conforme o mesmo
escreveu, “brotavam nas faces
duas rosas, com cuja púrpura avivando-se o desmaiado e penitente do rosto,
arrebatava as atenções das que a viam, não podendo reprimir as lágrimas da
devoção que lhes causava esta devota penitente”.
Tinha tanto
desejo de imitar ao Divino Esposo em seus sofrimentos, que castigava-se com
cilícios e disciplinas duríssimas, chegando a converter os pecadores que
passavam pela via próxima ao convento e que ouviam o barulho daquelas
chibatadas. Fazia rigorosos jejuns e quando comia algo que lhe agradava o
paladar, misturava cinzas à comida para estragar o sabor.
Em uma noite viu
o Senhor a andar pelo corredor do mosteiro com sua pesada cruz às costas. Ao
encontrá-lo, Ele disse-lhe: “Esposa
minha, vem e segue meus passos”. Desde então começou a carregar uma grande
cruz às costas durante as madrugadas das sextas-feiras. Foi a Madre Vitória a
responsável pela difusão da devoção ao Senhor Bom Jesus dos Passos na cidade de
Salvador e mandou construir dentro da clausura do mosteiro uma capela a Ele
dedicada.
Amou tanto as
almas do purgatório que sufragava-as diariamente com orações e oferecia-lhes
todas as missas em seu favor. Conforme narrou seu biógrafo, muitas almas se
mostraram a ela em seus sofrimentos no purgatório e também voltavam para
agradecer-lhe pelas orações em seu favor, quando de lá saíam para o Céu,
resplandecentes de luz.
Tinha o dom da
revelação e profecia. Era capaz de saber o local exato em que uma pessoa, tida
por desaparecida, se encontrava, assim como de prever acontecimentos futuros.
Chegou a descrever eventos que aconteceriam por ocasião e após sua morte. Tinha
também a capacidade de encontrar objetos e animais desaparecidos. Passava maior
parte da noite em vigília diante do Santíssimo Sacramento e por esse motivo foi
chamada, pelo seu biógrafo o arcebispo da Bahia, de “tocha acesa no Divino Amor”.
Teve por
companheiras mais próximas em seus exercícios penitenciais duas outras monjas,
também biografadas por fama de santidade, a saber, Madre Maria da Soledade e
Madre Margarida da Coluna. Era frequentemente tentada pelo demônio por meio de
visões aterradoras e desses terríveis combates espirituais sempre saía
vitoriosa. Alguns deles ocorreram quando estava junto à estas companheiras. Em
um deles a Madre Maria da Soledade foi lançada de cima do coro para baixo sem
sofrer muitos danos físicos.
Sentindo que
aproximava-se ou dia de sua morte fez diversas recomendações às suas irmãs. Uma
delas foi o pedido de ser levada à sepultura pelas mãos das servas a quem ela
tanto amava. Outro pedido feito foi o de não ser enterrada com o hábito que
usava em vida, pois não queria levar para o túmulo nada que tivesse lhe
pertencido neste mundo e pediu que cada uma das irmãs doasse a ela uma peça do
hábito religioso com o qual ela seria enterrada.
Após 29 anos de
clausura e de total consagração de sua vida à Cristo e ao próximo, faleceu numa
sexta-feira, às 15 horas, 19 de julho de 1715, acompanhada do padre e das irmãs
que a assistiam. No momento de sua morte as religiosas disseram ter sentido uma
maravilhosa fragrância de rosas a inundar as dependências do mosteiro. E
durante o rito das exéquias um misterioso passarinho foi visto voando pelos
corredores do mosteiro numa velocidade jamais vista para um pássaro comum. Os
que ali se encontravam narraram este fato a que Dom Sebastião dissera ser “a alma da Madre Vitória voando para as
mansões celestiais”.
Ao se espalhar a
notícia de sua morte, uma grande multidão se aglomerou diante do convento. Logo
toda a cidade ficou a saber, pois diziam ter morrido a “santa da Bahia”. Muitos
levavam lenços, medalhas, terços e outros objetos e pediam que as religiosas os
tocassem no corpo da “santa”. Esses objetos eram guardados por essas pessoas e
eram tidos como verdadeiras relíquias. Como a quantidade de pessoas às portas
do convento crescia cada vez mais durante aquela noite, e não paravam de chamar
pelas religiosas para que tocassem seus objetos ao corpo da madre, se viram
obrigadas a não mais saírem à portaria e não puderam atender mais a nenhum
deles.
Seu corpo foi
velado durante toda a noite na capela que a mesma havia mandado construir em
honra ao Senhor dos Passos, e foi enterrado no dia seguinte no cemitério
conventual. Ao tentarem, as irmãs, levarem o corpo para a sepultura, o esquife
tornou-se tão pesado que não se movia do lugar. Ao se lembrarem do pedido da
madre de que fosse levada à sepultura pelas mãos das servas, chamaram-nas para
que levassem o corpo. Quando estas levantaram o esquife, parecia não haver nele
corpo algum, pois o mesmo estava leve como que quase sem peso algum.
Inúmeros foram
os milagres narrados pelos seus devotos logo após sua morte. Sendo crescente o
número desses supostos milagres, o então arcebispo da Bahia tratou de
interrogar as religiosas do Desterro sobre a vida que teve a Madre Vitória. Em
1720, apenas cinco anos após a sua morte, Dom Sebastião Monteiro da Vide
publicou em Roma a biografia da “santa da Bahia” com o título “História da Vida
e Morte da Madre Soror Victória da Encarnação”.
O zeloso
arcebispo jesuíta pretendia solicitar a abertura da sua causa de beatificação e
chegou a compará-la à Santa Rosa de Lima. Porém faleceu em 1722. Anos mais
tarde, com a perseguição do Marquês de Pombal aos Jesuítas e proibição de
muitos dos seus escritos no Brasil, diversos livros se perderam. Isso
dificultou a difusão da sua história. Mas a memória da Madre Vitória não se
apagou dentro do convento em que viveu, nem nas mentes daqueles que pela
tradição oral ou pelos poucos escritos que restaram, vieram a saber da sua vida
e fama de santidade. E muitos ainda esperam vê-la elevada à honra dos altares.
Seus restos
mortais encontram-se na igreja do Convento de Santa Clara do Desterro e estão
depositados acima de uma das portas que ligam o coro de baixo à nave da igreja.
Em busca da beatificação
Cinco anos após
o falecimento da Madre Vitória, devido sua fama de santidade e ao grande número
de curas milagrosas por sua intercessão, o então arcebispo da Bahia, o jesuíta
Dom Sebastião Monteiro da Vide, desejando torná-la conhecida e promover sua causa
de beatificação, publicou em Roma sua biografia com o título “História da Vida
e Morte da Madre Soror Vitória da Encarnação”.
Com a morte de
Dom Sebastião e as dificuldades de comunicação da época, assim como a diversos
outros problemas como a expulsão dos jesuítas do Brasil pelo Marquês de Pombal
e a perseguição às ordens religiosas que se seguiram nos anos posteriores
culminando com a extinção de alguns mosteiros, entre eles o das clarissas da
Bahia, a causa da Madre Vitória não seguiu adiante. Muitos escritos de jesuítas
foram proibidos de circular e a biografia da madre quase desapareceu. Mas a
tradição oral e a discreta devoção nutrida pelos fiéis que frequentavam o
convento do Desterro mantiveram viva a sua memória e 300 anos após seu
falecimento a Madre Vitória continua sendo lembrada como a primeira religiosa
do Brasil com fama de santidade.
Três séculos se
passaram e o interesse dos devotos na beatificação da Madre Vitória resistiu. O
Arcebispo de São Salvador da Bahia e Primaz do Brasil, Dom Murilo Krieger, fez
um pedido à Congregação para a Causa dos Santos de abertura oficial da sua
causa de beatificação. No dia 07 de julho de 2016, a Congregação para a causa
dos Santos emite o decreto 'nihil obstat' que autoriza a abertura do processo
de beatificação da Madre Vitória e dá a ela o título de Serva de Deus. Enquanto
isso seus devotos e admiradores permanecem em oração nos dias 19 de cada mês
diante do seu túmulo, no Convento do Desterro, esperando que em breve esta fiel
filha de São Francisco e Santa Clara seja elevada às honras dos altares.
No dia 29 de
setembro desse ano, na festa de São Miguel Arcanjo no Convento do Desterro, foi
celebrada a Santa Missa por ocasião do aniversário de 330 anos de entrada da
Madre Vitória para a vida religiosa e o dia em que mudou o nome de Vitória
Bixarxe para Vitória da Encarnação. A baixo segue a oração à Serva de Deus e
fotos do Convento.
Para os que
desejarem conhecer o Convento do Desterro ou saber mais informações sobre a
serva de Deus, eis o endereço:
Convento do
Desterro
Rua Santa Clara, s/n - Nazaré
CEP: 40040-450 Salvador-BA
Como ponto de
referência aos que não conhecem, o convento fica na esquina da Avenida Joana
Angélica com a Rua Santa Clara, a poucos metros da estação de metrô Campo da
Pólvora, no bairro de Nazaré, região central de Salvador.
Ou ainda pela
página no Facebook:
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