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terça-feira, 28 de agosto de 2018

SÃO PIO X, PAPA. O Papa da Eucaristia, grande defensor da ortodoxia católica (20 de agosto)


São Pio X, o Papa da Eucaristia. Amo essa
foto:  doçura e firmeza no olhar. 
A evangelização, a catequese, estiveram muito presente em seu pontificado. Basta recordar que foi ele quem publicou e fez difundir por toda a Igreja o Catecismo que, inclusive leva seu nome: Catecismo de São Pio X.
Mas, a divulgação da doutrina católica através da difusão do Catecismo não foi a única ação que deixou marcas na história da Igreja.
São Pio X promoveu reformas pastorais quanto à participação dos fiéis no culto. Entre elas está a promoção do culto eucarístico. Ainda no começo do Século XX, ele via no Sacramento da Eucaristia um modo de os fiéis se aproximarem mais de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Antes dele a comunhão sacramental era uma prática pouco comum, raramente realizada. Foi São Pio X quem promoveu a devoção da comunhão frequente e reduziu a idade mínima para poder receber a Eucaristia. Isso facilitou a prática precoce da comunhão para as crianças: A partir dos sete anos já se poderia comungar.
São Pio X foi o único Papa dos tempos modernos que exerceu intensamente, por muitos anos, seu munus sacerdotal. Ele foi capelão e pároco em pequenas paróquias rurais. Tendo chegado à Cátedra de Pedro, ele espalhou pelo mundo sua experiência sacerdotal.




Giuseppe Melchiorre Sarto
 Nasceu em Riese, na Província italiana de Treviso, de uma família modesta, sendo o segundo dos dez filhos de Giovanni Battista Sarto e de Margherita Sanson. Foi ordenado aos 23 anos, em 1858. Estudou direito canônico e a obra de SantoTomás de Aquino.
 Como sacerdote, iniciou seu serviço para a Igreja como capelão em Tombolo, onde começou a correr sua fama de ser um inspirado pregador. Dedicava-se muito ao trabalho. Quando ainda moço, dormia somente 4 horas por noite e julgava que isso lhe era suficiente.


Dom Giuseppe Sarto
Em 10 de Novembro de 1884 foi elevado a Bispo de Mântua, e em 1896 a Patriarca de Veneza sendo eleito Papa em 04 de Agosto de 1903 com 55 dos 60 votos possíveis no conclave.

Ainda jovem sacerdote, ao lado de seu trabalho pastoral incansável, ele tinha uma paixão pitoresca pela construção das chamadas meridianas, um tipo muito simples de aparelho que indica as horas do dia. Com a característica especial de ter a precisão de um aparelho comandado pelo sol.


Cardeal Sarto
Porém, esta curiosidade da vida de São Pio X foi deixada de lado com o surgimento de cargos que lhe absorviam cada vez mais: pároco em Salzano, os trabalhos no seminário e na cúria de Treviso, os encargos do episcopado e do patriarcado veneziano e o encargo maior que ele teve: dirigir a Barca de Pedro. Quando, em certa ocasião, considerou-se tão isolado que um dia lembrando o Profeta Isaías suspirou: “De gentibus non est vir mecum!”. O que, numa tradução livre poderia caracterizá-lo inteiramente: “Estou sozinho!”.


São Pio X, sagrado Sucessor de Pedro
O Papa

Foi o primeiro Pontífice eleito no século passado. A história de São Pio X conta também com características do tempo em que viveu. Ele foi o último pontífice a ser eleito por causa do chamado “veto laical”.

No conclave de agosto de 1903 era considerado também papável o Cardeal Rampolla, Secretário de Estado. Por causa de seus relacionamentos, sua eleição foi vetada pelo Cardeal Puzyna, Arcebispo de Cracóvia, em nome do imperador austro-húngaro. Assim, o Cardeal Giuseppe Sarto, Patriarca de Veneza, foi escolhido Papa e adotou o nome de Pio X.

O seu lema era “Restaurar todas as coisas em Cristo”, expresso na sua encíclica “Ad Diem Illum”.

Foi um defensor intransigente da ortodoxia doutrinária e governou a Igreja Católica com mão firme numa época em que enfrentava um laicismo forte, além das diversas tendências do modernismo que ele considerava como síntese de todas as heresias nos campos dos estudos bíblicos e da teologia.

São Pio X introduziu reformas na liturgia e codificou a Doutrina da Igreja Católica. Facilitou a participação dos fiéis na Eucaristia. Como um Papa pastoral, encorajou modos de vida que refletissem os valores cristãos.

Ele foi o grande incentivador da prática da comunhão eucarística frequente e permitiu o acesso precoce das crianças à Eucaristia, quando da chegada à chamada idade da razão.

Foi um promotor incansável do estudo do canto gregoriano e do catecismo. Criou a Pontifícia Comissão Bíblica e colocou as bases do Código de Direito Canônico, promulgado em 1917 após a sua morte. Publicou 16 encíclicas.


Morte de São Pio X
A lápide

No dia 20 de agosto de 1914, aos setenta e nove anos, Pio X morreu. Seus biógrafos são unânimes em dizer que: “o coração paterno e sensível do Papa não suportou a tristeza  e a dor pelo início da I Guerra Mundial”.  O povo, de imediato, passou a venerá-lo como um santo.





Na lápide do seu túmulo na Basílica de São Pedro no Vaticano, lê-se: A sua tiara era formada por três coroas: pobreza, humildade e bondade.

Foi beatificado em 1951 e canonizado em 3 de Setembro de 1954 pelo Papa Pio XII. É considerado um dos maiores Papas da Igreja.







*  *  *


Acréscimos após a biografia: sua espiritualidade e relevantes obras pelo bem e santificação da Igreja:



O Papa da Comunhão das Crianças
São Pio X, o Papa da Eucaristia e da Comunhão das Crianças.

Um grande Papa canonizado pela Igreja, São Pio X, dedicou precisamente às crianças não pouca atenção e esforço pastoral. No dia 8 de agosto de 1910 emanava-se o Decreto “Quam singulari”, através do qual o Santo Padre Pio X estabelecia que se podia admitir as crianças à Primeira Comunhão já a partir da idade de sete anos.
Tratou-se de um acontecimento muito importante para a pastoral das crianças, pois sem a necessidade de esperar mais tempo, elas podiam assim aproximar-se da Comunhão Eucarística, depois de terem recebido nas respectivas paróquias a devida preparação que lhes permitia aprender os primeiros elementos fundamentais da fé cristã. Com efeito, já naquela época a idade da discrição tinha sido estabelecida por volta dos sete anos, quando a criança já consegue distinguir o pão comum do Pão eucarístico, verdadeiro Corpo de Cristo.

Juntamente com São Pio X, muitos de nós estão convencidos de que esta prática de permitir que as crianças recebam a Primeira Comunhão já a partir dos sete anos de ida e confere à Igreja copiosas graças do Céu. Além disso, não se pode esquecer que na Igreja primitiva o sacramento da Eucaristia se administrava até aos recém-nascidos, imediatamente depois do Batismo, sob as espécies de umas poucas gotas de vinho.

Permitir que as crianças possam receber Jesus Eucarístico quanto antes possível representou, durante muitos séculos, um dos alicerces mais firmes da pastoral destinada aos mais pequeninos no seio da Igreja; este hábito foi restabelecido por São Pio X na sua época, tendo por isso sido elogiado pelos seus Sucessores e, ainda mais vezes, pelo nosso Santo Padre João Paulo II.

O cânone 914 do Código de Direito Canônico acolheu plenamente o pensamento do Sumo Pontífice: “Os pais, em primeiro lugar, e aqueles que fazem as suas vezes, assim como o pároco, têm a obrigação de procurar fazer com que as crianças que já alcançaram o uso da razão se preparem convenientemente e se nutram quanto antes, depois da Confissão sacramental, com este alimento divino”.

Recentemente, o Santo Padre João Paulo II voltou a refletir sobre aquela decisão de São Pio X, com palavras de admiração; e fê-lo no seu livro intitulado: “Levantai-vos, vamos!”: “Um testemunho comovedor de amor pastoral pelas crianças foi dado pelo meu predecessor São Pio X, com a sua decisão acerca da Primeira Comunhão. Ele não somente reduziu a idade necessária para aproximar-se da Mesa do Senhor, fruto este de que eu mesmo gozei em maio de 1929, mas ofereceu também a possibilidade de receber a Comunhão até mesmo antes de ter completado sete anos de idade, caso a criança em questão demonstre um discernimento que se possa considerar suficiente. A Sagrada Comunhão antecipada foi uma decisão pastoral que merece ser recordada e elogiada. Ela produziu muitos frutos de santidade e de apostolado entre as crianças, favorecendo o surgimento de mais vocações sacerdotais” (João Paulo II, “¡Levantaos! ¡Vamos!”, Plaza Janés, Barcelona 2004, pág. 97).
Nós sacerdotes, chamados por Deus a conservar o Santo Sacramento do altar em união com os nossos Bispos, podemos e devemos cuidar que sobretudo as crianças sejam os primeiros destinatários deste imenso dom: a Eucaristia, que Deus depositou nas nossas frágeis mãos de argila, nas nossas mãos consagradas.





Eleição e coroação de São Pio X

Transcorridos os 11 dias de orações, prescritos para sufrágio da alma do Papa Leão XIII, recém-falecido, os cardeais da Santa Igreja (em número de 62, na época) iniciaram o Conclave — reunião do Colégio cardinalício com o objetivo de eleger o novo Papa.

Os primeiros escrutínios indicavam a escolha do Cardeal Rampolla — que fora colaborador direto de Leão XIII. Mas no dia 1º de agosto foi comunicado aos cardeais, no Conclave, o veto do Imperador da Áustria, Francisco José. Veto que, segundo uma tradição, poderia ser exercido pelo Imperador austríaco.

Devido a isso, o Cardeal Giuseppe Sarto, de Veneza, passou a ser o preferido. Entretanto, num exercício de autêntica humildade, pedia aos cardeais que nele não votassem. Mas ele era o escolhido também pela Divina Providência. No sétimo turno da votação, o Cardeal Sarto, por insistência de vários de seus pares no Sacro Colégio, acabou aceitando(1) e foi eleito o 259º sucessor de São Pedro, por 50 votos a seu favor, no dia 4 de agosto de 1903.

O Cardeal Sarto, de cabeça baixa, ouviu o resultado do sufrágio. Segundo o costume, aproximou-se dele o Cardeal Decano e perguntou-lhe se aceitaria ou não a eleição à Sede Pontifícia.

Com os olhos banhados em lágrimas, e a exemplo de Nosso Senhor Jesus Cristo, respondeu: “Se não for possível afastar de mim esse cálice, que se faça a vontade de Deus. Aceito o Pontificado como uma cruz”.(2)

Após cinco dias, teve lugar a grandiosa cerimônia de coroação do sucessor de São Pedro, para a glória da Santa Igreja.





Magníficas obras pela restauração da Cristandade

O glorioso, árduo e fecundo pontificado desse Vigário de Cristo durou 11 anos. Nesse período, foram lançados mais de 3.000 documentos oficiais, com o objetivo de Instaurare omnia in Christo — conforme seu lema. E tem estreita analogia com esta sua afirmação: “Se alguém pedir uma palavra de ordem, sempre daremos esta e não outra: Restaurar todas as coisas em Cristo”.(3)

Nesse sentido de restaurar todas as coisas em Cristo, foram numerosas e admiráveis as obras empreendidas pelo Santo Pontífice para defender a Civilização Cristã gravemente ameaçada.

Em seu esplêndido livro de memórias, o Cardeal Merry del Val, Secretário de Estado de São Pio X, enumera de passagem algumas dessas obras:

“A reforma da Cúria Romana; a fundação do Instituto Bíblico; a construção de seminários centrais e a promulgação de leis para a melhor disciplina do clero; a nova disciplina referente à primeira comunhão e à comunhão freqüente; o restabelecimento da música sacra; a vigorosa resistência movida contra os fatais erros do chamado modernismo e a corajosa defesa da liberdade da Igreja na França, Alemanha, Portugal, Rússia e outros países, sem aludir a outros atos de governo, justificam certamente que Pio X tenha sido destacado como um grande Pontífice e um diretor humano excepcional. Posso testemunhar que todo esse enorme trabalho foi devido principalmente e — muitas vezes — exclusivamente à sua própria idéia e iniciativa. A História haverá de proclamá-lo como algo mais que um Papa cuja bondade ninguém seria capaz de discutir.

Os limites que me impus ao traçar estas breves Memórias me impedem de entrar a fundo no estudo das diversas e importantes questões a que mais acima me referi; mas há uma delas cuja importância creio merecer especial atenção neste curto relato, e esta é a compilação do novo Código de Direito Canônico”.(4)




*     *     *


Mansidão do cordeiro, força do leão

Uma palavra a respeito de uma característica em que se destacou no mais alto grau São Pio X: sua extrema bondade, ao lado de uma indomável energia. Sobre isso, nada melhor que darmos a palavra a quem o conheceu mais de perto, e devotadamente o serviu por 11 anos — seu próprio Secretário de Estado, o Cardeal Merry del Val:

“Seria um grande erro crer que esta característica [a bondade] tão atraente de Pio X o retratasse plenamente ou resumisse seus dotes e qualidades; nada mais longe da verdade. Ao lado dessa bondade, e de modo feliz combinada com a ternura de seu coração paternal, possuía uma indomável energia de caráter e uma força de vontade que podiam testemunhar, sem vacilação, os que realmente o conheceram, embora em mais de uma ocasião surpreendesse, e até causasse estranheza àqueles que somente haviam tido ocasião de experimentar sua delicadeza e reserva habituais.

Mantinha um absoluto senhorio de si e dominava os impulsos de seu ardente temperamento. Não vacilava em ceder em assuntos que não considerava essenciais, e até estava disposto a considerar e aceitar a opinião de outros se isso não implicasse em risco para algum princípio; mas não havia nele nenhuma debilidade.

Quando surgia alguma questão na qual se fazia necessário definir e manter os direitos e liberdade da Igreja, quando a pureza e integridade da verdade católica requeriam afirmação e defesa, ou era preciso sustentar a disciplina eclesiástica contra o relaxamento ou influência mundanas, Pio X revelava então toda a força e energia de seu caráter e o intrépido valor de um grande Pontífice consciente da responsabilidade de seu sagrado ministério e dos deveres que julgava ter que cumprir a todo custo.

Era inútil, em tais ocasiões, que alguém tratasse de dobrar sua constância; toda tentativa de intimidá-lo com ameaças, ou de afagá-lo com sedutores pretextos ou recursos meramente sentimentais, estava condenada ao fracasso”.(5)



A conjuração do movimento modernista

Esse santo varão, que derramava copiosas lágrimas considerando a paixão da Santa Igreja, era entretanto de uma severidade ímpar contra o mal. Depois de esgotar todos os recursos ao seu alcance para levar alguém à conversão, severamente condenava. Estava sempre disposto a perdoar, por assim dizer, maternalmente. Mas se a pessoa persistisse no erro e, pior, procurasse contaminar outros com seus desvios, o Santo Papa a reprovava energicamente. Foi o que ocorreu quando condenou o movimento modernista — “síntese de todas as heresias”, conforme o definiu —, que se infiltrara sub-repticiamente nas próprias fileiras católicas, com a finalidade de modernizar, adaptar e deturpar inteiramente o ensinamento tradicional da Igreja.

Assim, o Santo Padre lançou várias advertências aos mentores desse movimento, os quais não as levaram em consideração, pois se obstinavam no mal e procuravam corromper outros membros da Igreja e até mesmo da alta Hierarquia eclesiástica. Publicou então sua estupenda Encíclica Pascendi Dominici Gregis, de 08 de setembro de 1907, fulminando o modernismo. Tal documento completava a condenação já expressa no Decreto Lamentabili Sane Exitu, de 3 de julho do mesmo ano.



O neomodernismo de nossos tempos

Como se pôde observar, vem de há muito a tentativa de infiltração no interior da Santa Igreja, por parte de inimigos velados ou declarados, a fim de “modernizar”, adaptar aos novos tempos e adulterar o Magistério tradicional e infalível da Santa Igreja Católica Apostólica Romana.

Peçamos ao ínclito Papa São Pio X o discernimento, a argúcia, a energia e a combatividade que ele teve ao enfrentar destemidamente as raízes dos erros que, em nossos dias, professa o chamado progressismo católico, continuador do modernismo de sua época.


São Pio X condena o modernismo

“Os mais perigosos inimigos da Igreja”

“Não se afastará, portanto, da verdade quem os tiver como os mais perigosos inimigos da Igreja. Estes, em verdade, como dissemos, não já fora, mas dentro da Igreja, tramam seus perniciosos desígnios; e por isto, é por assim dizer nas próprias veias e entranhas dela que se acha o perigo, tanto mais ruinoso quanto mais intimamente eles a conhecem. Além de que, não sobre as ramagens e os brotos, mas sobre as mesmas raízes, que são a Fé e suas fibras mais vitais, é que meneiam eles o machado. Batida pois esta raiz da imortalidade, continuam a derramar o vírus por toda a árvore, de sorte que coisa alguma poupam da verdade católica, nenhuma verdade há que não intentem contaminar. E ainda vão mais longe; pois, pondo em obra o sem número de seus maléficos ardis, não há quem os vença em manhas e astúcias, porquanto fazem promiscuamente o papel ora de racionalistas, ora de católicos, e isto com tal dissimulação, que arrastam sem dificuldade ao erro qualquer incauto; e sendo ousados como os que mais o são, não há conseqüências de que se amedrontem e que não aceitem com obstinação e sem escrúpulos (nº 3) […].

Já não se trata aqui do velho erro, que à natureza humana atribuía um quase direito à ordem sobrenatural. Vai-se muito mais longe ainda; chega-se até a afirmar [na doutrina modernista] que a nossa santíssima religião, no homem Jesus Cristo assim como em nós, é fruto inteiramente da natureza. Nada pode vir mais a propósito para dar cabo de toda ordem sobrenatural” (nº 10). (Encíclica de São Pio X sobre as Doutrinas Modernistas, Pascendi Dominici Gregis, de 8-9-1907, Editora Vozes Ltda, Petrópolis, 1948, pp. 4-5; 10-11).

Notas:
1 Na contracapa da edição de julho de Catolicismo, vem descrito o papel fundamental representado pelo então Mons. Merry del Val (depois Cardeal) para convencer o Cardeal Sarto a aceitar o resultado da eleição.

2 P. Girolamo Dal-Gal, Pio X il Papa Santo, Libreria Editrice Fiorentina, Firenze, 1940, p. 135.

3 Op. cit., p. 133.

4 Cardeal Rafael Merry del Val, Memorias del Papa Pio X, Sociedad de Educación Atenas, S.A., Madrid, 1946, pp. 103-105.

5 Op. cit., pp. 45-46.





Fontes de pesquisa:





sexta-feira, 17 de agosto de 2018

SANTA CLARA DE MONTEFALCO, Virgem e Mística.



Clara de Montefalco é inimitável em sua experiência mística pessoal. Ela representa a inocência recolhida por Deus antes que a lama da terra chegasse a deteriorá-la ou corrompê-la. Em sua cândida figura, encontramos o amor puro e apaixonado pelo Senhor, o abandono dócil que permite a Deus plasmar a seu gosto as criaturas e realizar com elas coisas extraordinárias.

Santa Clara de Montefalco nasceu em Montefalco, em 1268. O nome de seus pais eram, Damiano e Iacopa Vengente, que tiveram 4 filhos no total. Sua irmã mais velha, Giovanna de 20 anos e sua amiga Andreola, estabeleceram uma Ermida, aonde se dedicaram a uma vida de oração e de sacrifício.
No ano 1274 recebeu aprovação das autoridades eclesiásticas e foi então que, Giovanna pôde receber mais irmãs à Ordem Agostiniana. A primeira candidata foi sua irmã Clara, de 6 anos de idade.
O exemplo de seus pais, que tinham uma grande devoção ao Senhor e a sua Mãe, e o de sua Irmã e sua companheira, contribuíram para que se desenvolvesse em Clara o desejo de amar e servir o Senhor através de uma vida de oração. Ela era uma menina muito viva a que todos viam que ultrapassava às meninas de sua idade. Era além disso, extremamente amorosa.
Desde que entrou para o convento mesmo sendo mais jovem que as demais, mantinha-se ao mesmo nível que suas duas companheiras, tanto na oração como na penitência.
Desde muito pequena, teve um ardente amor pelo Senhor, especialmente por sua Paixão. Este fogo interior foi o que lhe deu a energia, o zelo e a força, para viver uma vida que para muitos seria impossível. Desde pequena teve grande apetite, e tinha que lutar contra seus desejos de comer os pratos que mais gostava, jejuando constantemente, especialmente durante a Quaresma.
Ainda quando nenhuma Regra religiosa se estabeleceu, Clara praticou uma estrita obediência a sua irmã Giovanna, que era a líder do grupo. Uma vez, que Clara quebrou a Regra do silêncio dada por sua irmã, impôs-se a penitência de ficar sobre um cubo gelo, com os braços para cima rezando 100 vezes o Pai Nosso.
Em 1278 e dois anos depois de ter entrado para o Convento entrou Marina, amiga de Clara, e foi seguida de muitas outras pelo que tiveram que mudar-se a uma montanha perto da cidade, onde construíram outra Ermida.
Levantou-se uma grande perseguição contra elas, não só por parte de leigos da cidade, mas também pelos Franciscanos do lugar que diziam que a cidade era muito pequena para ter outra comunidade pedindo esmola. Mas o Senhor que é justo, moveu o oficial do Ducado a votar para que elas ficassem. Com a Ermida tendo o teto pela metade, passando frio e fome, a pequena comunidade era sustentada por sua fé e chamado, que era mais forte que a perseguição das pessoas da cidade.
Durante esta época poucas pessoas lhes davam algo para comer, e se sustentaram de ervas silvestres. Clara que tinha um dom para cozinhar, fazia bolos de plantas com tanto amor, que as irmãs recordavam estes tempos como tempos de fartura em vez de miséria.
Finalmente Giovanna obteve permissão para enviar algumas irmãs para pedir esmola. Clara que tinha 15 anos, insistiu tanto em ir que, venceu as objeções de sua irmã, e ela junto com Marina, saíram durante 40 dias em busca de esmolas; nunca retornavam sem ter completado seu encargo. Sua irmã Giovanna, pensando em proteger Clara, não lhe permitiu sair mas, e Clara esteve no convento pelo resto de seus anos.
Clara passava de oito a dez horas diárias em oração, e pelas noites caía de joelhos rezando o Pai Nosso. Praticava atos tão severos de mortificação, que sua irmã Giovanna teve que pôr restrições em suas práticas. Sempre estava procurando uma forma mais ascética de oração.
No ano de 1288, quando Clara tinha 20 anos. Parecia que estava chegando a alcançar a completa união com Jesus, quando o Senhor a provou adentrando-a em um deserto. Foi uma prova dada pelo Senhor para castigar seu orgulho e para que ela visse que sem Ele não podia fazer nada. Clara entrou no deserto. Perseguida por todo tipo de tentações, vítima das emoções. Sentia que Deus a tinha abandonado. Esta tortura durou onze anos de sua vida, através da qual esteve sem a assistência espiritual que ela desesperadamente ansiava. Clara carregava o peso de seus sentimentos de insegurança em seu coração. Como não recebia as penitências desejadas, começou a impor-lhe ela mesma, causando tanto dano físico que sua irmã teve que detê-la outra vez.
Em 22 de novembro de 1291, morre sua irmã Giovanna. Foi um golpe muito duro para Clara pois via em sua irmã o exemplo a seguir e a pessoa que a formava em sua vida espiritual. O representante do Bispo chegou para a eleição da nova Abadessa. As monjas unanimemente escolheram Clara. Sentindo-se totalmente indigna, rogou-lhes que escolhessem a alguma mais, que fora Santa e sábia, dizendo que ela não era nenhuma das duas coisas; mas sua petição não foi escutada.

Aceitou sua responsabilidade, embora se sentisse indigna, e se converteu em Madre, Mestra, e Diretora Espiritual. Ensinava a suas irmãs a oferecer ao Senhor todas suas necessidades individuais, para que fossem moldadas nas necessidades da comunidade, formando assim nelas um verdadeiro corpo, com uma vida em comum.
Balançando a oração e o trabalho necessário do mosteiro, trazia para a comunidade alegria e amor. Sensível àquelas que sentiam o chamado a mais oração, permitia-lhes fazê-lo, mas com a condição de que todo mundo teria que fazer trabalho manual.
Ela dirigia, pessoalmente, e incessantemente as irmãs em suas necessidades espirituais e corporais. Dizia: "Quem ensina à alma, a não ser Deus? Não há melhor instrução para o mundo que a que vem de Deus". Ajudava-as e instruía a reconhecer a voz do Espírito e a discernir Quem era o poder em suas vidas. Mas, quando era necessário, corrigia e admoestava as irmãs, fazendo-as conscientes dos perigos a suas almas. Velava por todas, até às custas de sua saúde.
A irmã Tomasa dizia: “Ela permanecia acordada até tarde da noite, mas sempre estava acordada desde muito cedo”. Como Clara foi tão provada e sofreu tantas lutas e dúvidas, podia falar com autoridade a outros. Através de sua experiência podia relacionar-se com a batalha espiritual sofrida por outros. Podia ministrar às pessoas fora da comunidade, que vinham a vê-la, contando com os dons de conhecimento e sabedoria que lhe tinha dado o Senhor.
Por seu amor e cuidado genuíno, Clara atraía ao mosteiro sacerdotes, teólogos, bispos, juízes, Santos e pecadores. Nunca descuidou suas responsabilidades para suas irmãs dentro do mosteiro por seu apostolado com aqueles de fora do claustro.

Clara tinha um amor muito grande pelos pobres e perseguidos. Enviava as irmãs externas com comida e medicamentos para os necessitados. Dava a amigos e inimigos igualmente, e às vezes mais aos inimigos. Assim como era amorosa, generosa e entregue, mais ainda era firme. Enfrentava a todos seus perseguidores com estas qualidades, nunca retrocedendo diante deles. Ela se atreveu a ser impopular, enfrentando o pensamento popular do mundo, assim como ao de suas próprias freiras, se ela pensava que estava incorreto. Testemunhas afirmam que ela tinha o dom de bilocação.
Embora ela era uma mística, geralmente em contemplação de seu Amado Senhor Jesus Cristo (especialmente em sua paixão), e em adoração estática a Deus Pai, ao Filho e o Espírito Santo na Santíssima Trindade, estava consciente do mundo a seu redor. Ela não estava afastada dele, mas envolta nele, orando e fazendo penitência por sua salvação.
O ano 1294 foi um ano decisivo na vida de Clara. Na festa da Epifania, depois de ter feito uma confissão geral diante de todas as irmãs, caiu em êxtase e permaneceu assim por várias semanas. As irmãs a mantinham com vida dando-lhe água e açúcar. Durante este tempo, Clara teve uma visão, em que se viu sendo julgada diante de Deus, viu o inferno com todas as almas perdidas sem esperança e o céu com os Santos, gozando perfeita felicidade na presença de Deus. Viu Deus em toda sua majestade. Revelou-lhe quão incondicionalmente fiel uma alma deve ser a ele para viver de verdade nele e com Ele. Ao recuperar-se, resolveu “nunca pensar ou dizer algo que a separasse de Deus”. Também dizia: “Se Deus não me protegesse, seria a pior mulher no mundo”.
No ano de 1303 conseguiu construir a Igreja que tanto sonhou, que não somente serviria ao convento, mas também à comunidade do povo. A primeira pedra foi abençoada em 24 Junho de 1303 pelo Bispo de Espoleto e nesse dia a Igreja foi dedicada à Santa Cruz. Clara teve também a visão de Jesus vestido como um peregrino pobre. Seu rosto arrasado pelo peso da cruz e seu corpo mostrando os sinais de um caminho duro carregando a cruz. Clara estava de joelhos tratando de evitar que Ele continuasse caminhando, e lhe perguntando: "Senhor, aonde vai?"; Jesus lhe respondeu: "procurei no mundo inteiro por um lugar forte onde plantar firmemente esta Cruz, e não encontrei nenhum". Clara o olha e toca a cruz, mostrando ao Senhor o desejo de tantos anos de compartilhar sua cruz. O rosto de Jesus já não estava exausto, mas brilhando de amor e de gozo. Sua viagem tinha terminado. Ele lhe diz: "Sim Clara, aqui encontrei um lugar para minha cruz; ao fim encontro alguém a quem posso confiar minha cruz", e a implantou em seu coração. A intensa dor que sentiu em todo seu corpo, ao receber a Cruz de Jesus em seu coração, permaneceu com ela. Desde esse primeiro momento, sempre esteve consciente da cruz, que não somente sentia mas sim a sentia com cada fibra de seu ser. Era parte dela, seu Amor Jesus e ela era um em sua Cruz.

"A vida de uma alma é o amor a Deus", dizia Clara. Ela orava para que todo aquele que ela conhecesse experimentasse a Nosso Senhor Jesus Cristo, profundamente em seu coração. Ela orava, sofria e ardia de paixão, como o fez nosso Senhor, porque lhe tinha entregue totalmente ao seu coração. Devido a suas penitências de tantos anos, seu corpo começou a debilitar-se e em Julho de 1308 já não pôde levantar-se mas de sua cama. O demônio a atacava incansavelmente, tratando de fazê-la sentir que ela era indigna de Deus; que Deus não a encontrava agradável, que se tinha equivocado em tudo o que ela havia dito e feito; levando assim muitas almas à perdição. Mas com a fortaleza do Senhor e sua fé não cedeu às insinuações do demônio.
Na noite de 15 de Agosto, chamou as freiras e lhes deixou seu último testamento espiritual: "Eu ofereço minha alma por todas vocês e pela morte de Nosso Senhor Jesus Cristo. Sejam abençoadas por Deus e por mim. E oro, minhas filhas, que vocês se comportem bem e que todo o trabalho que Deus me tem feito fazer por vocês seja abençoado. Sejam humildes, obedientes; sejam tais mulheres, que Deus seja louvado sempre através de vocês".
Depois de falar, pediu o Sacramento de Extrema Unção. Quando uma irmã estava morrendo era o costume que cada irmã fosse e fizesse o sinal da cruz na testa. Quando estavam fazendo nela, disse-lhes: "Porque me fazem o sinal da Cruz? Eu tenho Jesus crucificado em meu coração".


Cristo Crucificado impresso na pele de
Santa Clara de Montefalco. 



Na sexta-feira 16 de Agosto, à tarde, Clara pediu que viesse seu irmão Francisco. Nessa noite chegou e a encontrou muito cansada; mas na manhã seguinte, Clara parecia estar se recuperando. Francisco partia quando duas irmãs o chamaram e levaram a ver Clara, que sentada na cama, com a cor do rosto aceso e sorrindo, parecia recuperada. Deu a seu irmão aconselhamento espiritual, já que ela era sua diretora espiritual e mestra, falando longamente com ele. Um ambiente de alegria e celebração começou a se espalhar pelo convento, quando Clara chamou frei Tomaso, o capelão do convento, e lhe disse: "Eu confesso ao Senhor e a você todas minhas faltas e ofensas", e mais tarde, dizia a suas freiras: "Agora já não tenho nada mais que lhes dizer. Vocês estão com Deus porque eu vou com Ele". E se manteve assim, sentada na cama, seus olhos olhando o céu, sem mover-se. Passaram vários minutos e Francisco tomou o pulso; olhando às irmãs, chorando anunciou-lhe que Clara tinha morrido.

Corpo incorrupto de Santa Clara de Montefalco



Morreu no sábado 17 de Agosto, de 1308, às nove da manhã. As freiras imediatamente prepararam o corpo de Clara para que todos pudessem vê-la. Primeiro lhe tiraram o coração e o puseram em um caixa florida de madeira. A Missa funeral foi celebrada em 18 de Agosto. Nessa noite, as irmãs abriram o coração de Clara para prepará-lo e pô-lo em um relicário, para seu assombro, as palavras de Clara se fizeram vida; diante delas estavam as marcas da Paixão de Jesus.
Dentro do coração estava a forma perfeita de Jesus Crucificado, ainda a coroa de espinhos na cabeça e a ferida da lança no lado. Além disso, feitos de ligamentos ou tendões, os flagelos usados na flagelação, com as pontas mostrando as bolas de metal com os ossos para rasgar a carne e os ossos do Senhor. A notícia deste milagre se propagou imediatamente.
Berengário, vigário geral da diocese de Spoleto, incrédulo e ameaçador, correu em seguida a Montefalco para verificar pessoalmente as "invenções fantásticas" que corria entre o povo. Porém, frente à evidência se converteu em fervoroso admirador da serva de Deus, sendo seu primeiro biógrafo e um dos mais inflamados promotores do processo de canonização. O processo contou com a declaração de 486 testemunhas.
Outro achado foi o de 3 pedras dentro de sua bexiga. Quando as freiras investigaram mais, descobriram que as 3 pedras, do tamanho de uma noz, eram perfeitamente iguais em tamanho, forma e peso. Todas pesavam o mesmo, uma pesava tanto como dois, dois como três e uma como três. As irmãs interpretaram isto como um sinal do amor tão grande que Clara tinha para a Santíssima Trindade. O corpo de Clara produzia tal fragrância, que não puderam enterrá-la. Seu corpo, depois de 700 anos, nunca se decompôs.






O processo ordinário da vida da Santa Clara, suas virtudes, suas revelações e milagres testemunhados graças a sua intercessão depois de sua morte, começou em 1309. O processo Apostólico chegou ao Papa em 1328, mas sua canonização em São Pedro, ocorreu em oito de Dezembro de 1881, Festa da Imaculada Conceição, pelo Papa Leão XIII.
Na Igreja da Santa Cruz em Montefalco se conserva até hoje o corpo incorrupto da Santa Clara de Montefalco. Podem-se contemplar as relíquias de seu coração com as marcas da paixão e as três pedrinhas da bexiga.
No jardim do mosteiro (junto à Igreja), encontram-se umas árvores muito valiosas. Resulta que Jesus apareceu a Santa Clara no jardim com um cajado, que pediu a Sta. Clara que o plantasse. Perguntou-lhe como fazer já que não era uma planta. Jesus lhe disse que igual como se fosse uma planta. Em obediência, Sta. Clara planta o cajado e de repente se torna uma árvore milagrosa que deu frutos. A Santa utilizava suas sementes para fazer rosários com os quais orava pelos doentes e que se curavam.
Os descendentes da árvore milagrosa estão no jardim do convento de Montefalco. As irmãs do convento continuam até hoje fazendo estes rosários. Podem ser adquiridos na lojinha da igreja.



Fonte: https://www.acidigital.com/santos/santo.php?n=399
http://www.santarita-oar.org.br/index.php/calendarios/devocional/84-calendarios/1526-17-de-agosto-santa-clara-de-montefalco

quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Venerável Servo de Deus Pio XII, Papa - a proclamação do Dogma da Assunção de Maria ao Céu em Corpo e Alma






CONSTITUIÇÃO APOSTÓLICA DO PAPA PIO XII
MUNIFICENTISSIMUS DEUS

SOBRE A DEFINIÇÃO DO DOGMA DA ASSUNÇÃO
DE NOSSA SENHORA
 EM CORPO E ALMA AO CÉU
  




Introdução 
1. Deus munificentíssimo, que tudo pode, e cujos planos de providência são cheios de sabedoria e de amor, nos seus imperscrutáveis desígnios, entremeia na vida os povos e dos indivíduos as dores com as alegrias, para que por diversos caminhos e de várias maneiras tudo coopere para o bem dos que o amam (cf. Rm 8,28).
2. o nosso pontificado, assim como os tempos atuais, tem sido assediado por inúmeros cuidados, preocupações e angústias, devido às grandes calamidades e por muitos que andam afastados da verdade e da virtude. Mas é para nós de grande conforto ver como, à medida que a fé católica se manifesta publicamente cada vez mais ativa, aumenta também cada dia o amor e a devoção para com a Mãe de Deus, e quase por toda parte isso é estímulo e auspício de uma vida melhor e mais santa. E assim sucede que, por um lado, a santíssima Virgem desempenha amorosamente a sua missão de mãe para com os que foram remidos pelo sangue de Cristo, e por outro, as inteligências e os corações dos filhos são estimulados a uma mais profunda e diligente contemplação dos seus privilégios.
3. De fato, Deus, que desde toda a eternidade olhou para a virgem Maria com particular e pleníssima complacência, quando chegou a plenitude dos tempos (Gl 4,4) atuou o plano da sua providência de forma que refulgissem com perfeitíssima harmonia os privilégios e prerrogativas que lhe concedera com sua liberalidade. A Igreja sempre reconheceu esta grande liberalidade e a perfeita harmonia de graças, e durante o decurso dos séculos sempre procurou estudá-la melhor. Nestes nossos tempos refulgiu com luz mais clara o privilégio da assunção corpórea da Mãe de Deus.
4. Esse privilégio brilhou com novo fulgor quando o nosso predecessor de imortal memória, Pio IX, definiu solenemente o dogma da Imaculada Conceição. De fato esses dois dogmas estão estreitamente conexos entre si. Cristo com a própria morte venceu a morte e o pecado, e todo aquele que pelo batismo de novo é gerado, sobrenaturalmente, pela graça, vence também o pecado e a morte. Porém Deus, por lei ordinária, só concederá aos justos o pleno efeito desta vitória sobre a morte, quando chegar o fim dos tempos. Por esse motivo, os corpos dos justos corrompem-se depois da morte, e só no último dia se juntarão com a própria alma gloriosa.
5. Mas Deus quis excetuar dessa lei geral a bem-aventurada virgem Maria. Por um privilégio inteiramente singular ela venceu o pecado com a sua concepção imaculada; e por esse motivo não foi sujeita à lei de permanecer na corrupção do sepulcro, nem teve de esperar a redenção do corpo até ao fim dos tempos.
6. Quando se definiu solenemente que a virgem Maria, Mãe de Deus, foi imune desde a sua concepção de toda a mancha, logo os corações dos fiéis conceberam uma mais viva esperança de que em breve o supremo magistério da Igreja definiria também o dogma da assunção corpórea da virgem Maria ao céu.


Petições para a definição dogmática
7. De fato, sucedeu que não só os simples fiéis, mas até aqueles que, em certo modo, personificam as nações ou as províncias eclesiásticas, e mesmo não poucos Padres do concílio Vaticano pediram instantemente à Sé Apostólica esta definição.
8. Com o decurso do tempo essas petições e votos não diminuíram, antes foram aumentando de dia para dia em número e insistência. Com esse fim fizeram-se cruzadas de orações; muitos e exímios teólogos intensificaram com ardor os seus estudos sobre este ponto, quer em privado, quer nas universidades eclesiásticas ou nas outras escolas de disciplinas sagradas; celebraram-se em muitas partes congressos marianos nacionais e internacionais. Todos esses estudos e investigações mostraram com maior realce que no depósito da fé cristã, confiado à Igreja, também se encontrava a assunção da virgem Maria ao céu. E de ordinário a conseqüência foi enviarem súplicas em que se pedia instantemente a definição solene desta verdade.
9. Acompanhavam os fiéis nessa piedosa insistência os seus sagrados pastores, os quais dirigiram a esta cadeira de S. Pedro semelhantes petições em número muito considerável. Quando fomos elevado ao sumo pontificado, já tinham sido apresentadas a esta Sé Apostólica muitos milhares dessas súplicas, vindas de todas as partes do mundo e de todas as classes de pessoas: dos nossos amados filhos cardeais do Sacro Colégio, dos nossos veneráveis irmãos arcebispos e bispos, das dioceses e das paróquias.
10. Por esse motivo, ao mesmo tempo que dirigíamos a Deus intensas súplicas, para que concedesse à nossa mente a luz do Espírito Santo para decidirmos tão importante causa, estabelecemos normas especiais em que determinamos que se procedesse com todo o cuidado a um estudo mais rigoroso da matéria, e se reunissem e examinassem todas as petições relativas à assunção da santíssima virgem, enviadas à Sé Apostólica desde o tempo do nosso predecessor de feliz memória, Pio IX, até ao presente.[1]


Consulta ao episcopado
11. Mas como se tratava de assunto de tanta importância e transcendência, julgamos oportuno rogar direta e oficialmente a todos os nossos veneráveis irmãos no episcopado, que nos quisessem manifestar explicitamente a sua opinião. Para tal fim, no dia 1° de maio de 1946, dirigimos-lhes a carta encíclica "Deiparae Virginis Mariae" em que fazíamos esta pergunta: "Se vós, veneráveis irmãos, na vossa exímia sabedoria e prudência, julgais que a assunção corpórea da santíssima Virgem pode ser proposta e definida como dogma de fé, e se desejais que o seja, tanto vós como o vosso clero e fiéis".


Doutrina concorde do magistério da Igreja
12. E aqueles que "o Espírito Santo colocou como bispos para reger a Igreja de Deus" (At 20, 28) quase unanimemente deram resposta afirmativa a ambas as perguntas. Essa "singular concordância dos bispos e fiéis" [2] em julgar que a assunção corpórea ao céu da Mãe de Deus podia ser definida como dogma de fé, mostra-nos a doutrina concorde do magistério ordinário da Igreja, e a fé igualmente concorde do povo cristão ― que aquele magistério sustenta e dirige ― e por isso mesmo manifesta, de modo certo e imune de erro, que tal privilégio é verdade revelada por Deus e contida no depósito divino que Jesus Cristo confiou a sua esposa para o guardar fielmente e infalivelmente o declarar. [3] De fato, esse magistério da Igreja, não por estudo meramente humano, mas pela assistência do Espírito de verdade (cf. Jo 14,26), e portanto absolutamente sem nenhum erro, desempenha a missão que lhe foi confiada de conservar sempre puras e íntegras as verdades reveladas; e pelo mesmo motivo transmite-as sem contaminação e sem lhes ajuntar nem subtrair nada. "Pois ― como ensina o concílio Vaticano ― o Espírito Santo foi prometido aos sucessores de Pedro não para que, por sua revelação, expressem doutrinas novas, mas para que, com sua assistência, guardassem com cuidado e expusessem fielmente a revelação transmitida pelos apóstolos, ou seja o depósito da fé". [4] Por essa razão, do consenso universal do magistério da Igreja, deduz-se um argumento certo e seguro para demonstrar a assunção corpórea da bem-aventurada virgem Maria. Esse mistério, pelo que respeita à glorificação celestial do corpo da augusta Mãe de Deus, não podia ser conhecido por nenhuma faculdade da inteligência humana só com as forças naturais. É, portanto, verdade revelada por Deus, e por essa razão todos os filhos da Igreja têm obrigação de a crer firme e fielmente. Pois, como afirma o mesmo concílio Vaticano, "temos obrigação de crer com fé divina e católica, todas as coisas que se contêm na palavra de Deus escrita ou transmitida oralmente, e que a Igreja, com solene definição ou com o seu magistério ordinário e universal, nos propõe para crer, como reveladas por Deus".[5]


Testemunhos da crença na assunção
13. Desde tempos remotíssimos, pelo decurso dos séculos, aparecem-nos testemunhos, indícios e vestígios desta fé comum da Igreja; fé que se manifesta cada vez mais claramente.
14. Os fiéis, guiados e instruídos pelos pastores, souberam por meio da Sagrada Escritura que a virgem Maria, durante a sua peregrinação terrestre, levou vida cheia de cuidados, angústias e sofrimentos; e que, segundo a profecia do santo velho Simeão, uma espada de dor lhe traspassou o coração, junto da cruz do seu divino Filho e nosso Redentor. E do mesmo modo, não tiveram dificuldade em admitir que, à semelhança do seu unigênito Filho, também a excelsa Mãe de Deus morreu. Mas essa persuasão não os impediu de crer expressa e firmemente que o seu sagrado corpo não sofreu a corrupção do sepulcro, nem foi reduzido à podridão e cinzas aquele tabernáculo do Verbo divino. Pelo contrário, os fiéis iluminados pela graça e abrasados de amor para com aquela que é Mãe de Deus e nossa Mãe dulcíssima, compreenderam cada vez com maior clareza a maravilhosa harmonia existente entre os privilégios concedidos por Deus àquela que o mesmo Deus quis associar ao nosso Redentor. Esses privilégios elevaram-na a uma altura tão grande, que não foi atingida por nenhum ser criado, excetuada somente a natureza humana de Cristo.
15. Patenteiam inequivocamente esta mesma fé os inumeráveis templos consagrados a Deus em honra da assunção de nossa Senhora, e as imagens neles expostas à veneração dos fiéis, que mostram aos olhos de todos este singular triunfo da santíssima Virgem. Muitas cidades, dioceses e regiões foram consagradas ao especial patrocínio e proteção da assunção da Mãe de Deus. Do mesmo modo, com aprovação da Igreja, fundaram-se Institutos religiosos com o nome deste privilégio. Nem se deve passar em silêncio que no rosário de nossa Senhora, cuja reza tanto recomenda esta Sé Apostólica, há um mistério proposto à nossa meditação, que, como todos sabem, é consagrado à assunção da santíssima Virgem ao céu. 


Testemunho da liturgia
16. De modo ainda mais universal e esplendoroso se manifesta esta fé dos pastores e dos fiéis, com a festa litúrgica da assunção celebrada desde tempos antiquíssimos no Oriente e no Ocidente. Nunca os santos padres e doutores da Igreja deixaram de haurir luz nesta solenidade, pois, como todos sabem, a sagrada liturgia, "sendo também profissão das verdades católicas, e estando sujeita ao supremo magistério da Igreja, pode fornecer argumentos e testemunhos de não pequeno valor para determinar algum ponto da doutrina cristã".[6]
17. Nos livros litúrgicos em que aparece a festa da Dormição ou da Assunção de santa Maria, encontram-se expressões que de uma ou outra maneira concordam em referir que, quando a virgem Mãe de Deus passou deste exílio para o céu, por uma especial providência divina, sucedeu ao seu corpo algo de consentâneo com a dignidade de Mãe do Verbo encarnado e com os outros privilégios que lhe foram concedidos. É o que se afirma, para apresentarmos um exemplo elucidativo, no Sacramentário enviado pelo nosso predecessor de imortal memória Adriano I, ao imperador Carlos Magno. Nele se diz: "É digna de veneração, Senhor, a festividade deste dia, em que a santa Mãe de Deus sofreu a morte temporal; mas não pode ficar presa com as algemas da morte aquela que gerou no seu seio o Verbo de Deus encarnado, vosso Filho, nosso Senhor".[7]
18. Aquilo que aqui se refere com a sobriedade de palavras costumeiras na Liturgia romana, exprime-se mais difusamente nos outros livros das antigas liturgias orientais e ocidentais. O Sacramentário Galicano, por exemplo, chama a esse privilégio de Maria, "inexplicável mistério, tanto mais digno de ser proclamado, quanto é único entre os homens, pela assunção da virgem". E na liturgia bizantina a assunção corporal da virgem Maria é relacionada diversas vezes não só com a dignidade de Mãe de Deus, mas também com os outros privilégios, especialmente com a sua maternidade virginal, decretada por um singular desígnio da Providência divina: "Deus, Rei do universo, concedeu-vos privilégios que superam a natureza; assim como no parto vos conservou a virgindade, assim no sepulcro vos preservou o corpo da corrupção e o conglorificou pela divina translação".[8]


A festa da Assunção
19. A Sé Apostólica, herdeira do múnus confiado ao Príncipe dos apóstolos de confirmar na fé os irmãos (cf. Lc 22,32), com sua autoridade foi tornando cada vez mais solene esta celebração. Esse fato estimulou eficazmente os fiéis a irem-se apercebendo mais e mais da importância deste mistério. E assim, a festa da assunção, que ao princípio tinha o mesmo grau de solenidade que as restantes festas marianas, foi elevada ao rito das festas mais solenes do ciclo litúrgico. O nosso predecessor S. Sérgio I, ao prescrever as ladainhas, ou a chamada procissão estacional, nas festas de nossa Senhora, enumera simultaneamente a Natividade, a Anunciação, a Purificação e a Dormição.[9] A festa já se celebrava com o nome de assunção da bem-aventurada Mãe de Deus, no tempo de S. Leão IV Esse papa procurou que se revestisse de maior esplendor, mandando ajuntar-lhe a vigília e a oitava. E o próprio pontífice quis participar nessas solenidades, acompanhado de imensa multidão. [10] Na vigília já de há muito se guardava o jejum, como se prova com evidência do que afirma o nosso predecessor S. Nicolau I, ao tratar dos principais jejuns "que... desde os tempos antigos observava e ainda observa a santa Igreja romana".[11]
20. A Liturgia da Igreja não cria a fé católica, mas supõe-na; e é dessa fé que brotam os ritos sagrados, como da árvore os frutos. Por isso os santos Padres e doutores nas homilias e sermões que nesse dia fizeram ao povo, não foram buscar essa doutrina à liturgia, como a fonte primária; mas falaram dela aos fiéis como de coisa sabida e admitida por todos. Declararam-na melhor, explicaram o seu significado e o fato com razões mais profundas, destacando e amplificando aquilo a que muitas vezes os livros litúrgicos apenas aludiam em poucas palavras, a saber, que com esta festa não se comemora somente a incorrupção do corpo morto da santíssima Virgem, mas principalmente o triunfo por ela alcançado sobre a morte e a sua celeste glorificação à semelhança do seu Filho unigênito, Jesus Cristo.



Testemunho dos santos Padres
21. S. João Damasceno, que entre todos se distingue como pregoeiro dessa tradição, ao comparar a assunção gloriosa da Mãe de Deus com as suas outras prerrogativas e privilégios, exclama com veemente eloqüência: "Convinha que aquela que no parto manteve ilibada virgindade conservasse o corpo incorrupto mesmo depois da morte. Convinha que aquela que trouxe no seio o Criador encarnado, habitasse entre os divinos tabernáculos. Convinha que morasse no tálamo celestial aquela que o Eterno Pai desposara. Convinha que aquela que viu o seu Filho na cruz, com o coração traspassado por uma espada de dor de que tinha sido imune no parto, contemplasse assentada à direita do Pai. Convinha que a Mãe de Deus possuísse o que era do Filho, e que fosse venerada por todas as criaturas como Mãe e Serva do mesmo Deus".[12]
22. Condizem com essas palavras de s. João Damasceno as de muitos outros que afirmam a mesma doutrina. E não são menos expressivas, nem menos exatas, as palavras que se encontram nos sermões proferidos pelos santos Padres mais antigos ou da mesma época, ordinariamente por ocasião dessa festividade. Assim, para citar outro exemplo, s. Germano de Constantinopla julgava que a incorrupção do corpo da virgem Maria Mãe de Deus, e a sua assunção ao céu são corolários não só da sua maternidade divina, mas até da santidade singular daquele corpo virginal: "Vós, como está escrito, aparecestes 'em beleza'; o vosso corpo virginal é totalmente santo, totalmente casto, totalmente domicílio de Deus de forma que até por este motivo foi isento de desfazer-se em pó; foi, sim, transformado, enquanto era humano, para viver a vida altíssima da incorruptibilidade; mas agora está vivo, gloriosíssimo, incólume e participante da vida perfeita".[13] Outro escritor antiquíssimo assevera por sua vez: "A gloriosíssima Mãe de Cristo, Deus e Salvador nosso, dador da vida e da imortalidade, foi glorificada e revestida do corpo na eterna incorruptibilidade, por aquele mesmo que a ressuscitou do sepulcro e a chamou a si duma forma que só ele sabe".[14]
23. À medida que a festa litúrgica se foi espalhando, e celebrando mais devotamente, maior foi o número de bispos e oradores sagrados que julgaram de seu dever explicar com toda a clareza o mistério que se venerava nesta solenidade e mostrar como ela estava intimamente relacionada com as outras verdades reveladas.


Testemunho dos teólogos
24. Entre os teólogos escolásticos, não faltaram alguns, que, pretendendo penetrar mais profundamente nas verdades reveladas, e mostrar o acordo entre a chamada razão teológica e a fé católica, notaram a estreita conexão existente entre este privilégio da assunção da santíssima Virgem e as demais verdades contidas na Sagrada Escritura.
25. Partindo desse pressuposto, apresentam diversas razões para corroborar esse privilégio mariano. A razão primária e fundamental diziam ser o amor filial de Cristo para o levar a querer a assunção de sua Mãe ao céu. E advertiam mais, que a força dos argumentos se baseava na incomparável dignidade da sua maternidade divina e em todas as graças que dela derivam: a santidade altíssima que excede a santidade de todos os homens e anjos, a íntima união de Maria com o seu Filho, e sobretudo o amor que o Filho consagrava a sua Mãe digníssima.
26. Muitas vezes os teólogos e oradores sagrados, seguindo os passos dos santos Padres,[15] para explicarem a sua fé na assunção, serviram-se com certa liberdade de fatos e textos da Sagrada Escritura. E assim, para mencionar só alguns mais empregados, houve quem citasse a este propósito as palavras do Salmista: "Erguei-vos, Senhor, para o vosso repouso, vós e a Arca de vossa santificação" (Sl 131, 8); e na Arca da Aliança, feita de madeira incorruptível e colocada no templo de Deus, viam como que uma imagem do corpo puríssimo da virgem Maria, preservado da corrupção do sepulcro, e elevado a tamanha glória no céu. Do mesmo modo, ao tratar desta matéria, descrevem a entrada triunfal da Rainha na corte celeste, e como se vai sentar a direita do divino Redentor (Sl 44,10.14-16); e recordam a propósito a esposa dos Cantares "que sobe pelo deserto, como uma coluna de mirra e de incenso" para ser coroada (Ct 3,6; cf. 4,8; 6,9). Ambas são propostas como imagens daquela Rainha e Esposa celestial, que sobe ao céu com o seu divino Esposo.
27. Os doutores escolásticos vislumbram igualmente a assunção da Mãe de Deus não só em várias figuras do Antigo Testamento, mas também naquela mulher, revestida de sol, que o apóstolo s. João contemplou na ilha de Patmos (Ap 12, l s.). Porém, entre os textos do Novo Testamento, consideraram e examinaram com particular cuidado aquelas palavras: "Ave, cheia de graça, o Senhor é convosco, bendita sois vós entre as mulheres" (Lc 1,28), pois viram no mistério da assunção o complemento daquela plenitude de graça, concedida à santíssima Virgem, e uma singular bênção contraposta à maldição de Eva. 



Na teologia escolástica
28. Por esse motivo, nos primórdios da teologia escolástica, o piedosíssimo varão Amadeu, bispo de Lausana, afirmava que a carne da virgem Maria permaneceu incorrupta ― nem se pode crer que o seu corpo padecesse a corrupção -, porque se uniu de novo à alma, e juntamente com ela penetrou na corte celestial. "Pois ela era cheia de graça e bendita entre as mulheres (Lc 1,28). Só ela mereceu conceber o Deus verdadeiro do Deus verdadeiro, e sendo virgem deu-o à luz, amamentou-o, trouxe-o no regaço, e prestou-lhe todos os cuidados maternos".[16]
29. Entre os escritores sagrados que naquele tempo com vários textos, comparações e analogias tiradas das divinas Letras, ilustraram e confirmaram a doutrina da assunção em que piamente acreditavam, ocupa lugar primordial o doutor evangélico s. Antônio de Pádua. Na festa da assunção, ao comentar aquelas palavras de Isaías: "glorificarei o lugar dos meus pés" (Is 60,13), afirmou com segurança que o divino Redentor glorificou de modo mais perfeito a sua Mãe amantíssima, da qual tomara carne humana. "Daqui, vê-se claramente", diz, "que o corpo da santíssima Virgem foi assunto ao céu, pois era o lugar dos pés do Senhor". Pelo que, escreve o Salmista: "Erguei-vos, Senhor, para o vosso repouso, vós e a Arca da vossa santificação". E assim como, acrescenta ainda, Jesus Cristo ressuscitou triunfante da morte e subiu para a direita do Pai, assim também "ressuscitou a Arca da sua santificação, quando neste dia a virgem Mãe foi assunta ao tálamo celestial".[17]


No período áureo
30. Quando, na Idade Média, a teologia escolástica atingiu o maior esplendor, s. Alberto Magno, para demonstrar essa verdade, apresenta vários argumentos fundados na Sagrada Escritura, na tradição, na liturgia e em razões teológicas, e conclui: "Por estas e outras muitas razões e autoridades, é evidente que a bem-aventurada Mãe de Deus foi assunta ao céu em corpo e alma sobre os coros dos anjos. E cremos que isto é absolutamente verdadeiro".[18] E num sermão pregado em dia da Anunciação de nossa Senhora, ao explicar aquelas palavras do anjo: "Ave, cheia de graça...", o doutor universal compara a santíssima Virgem com Eva, e afirma clara e terminantemente que Maria foi livre das quatro maldições que caíram sobre Eva.[19]
31. O Doutor Angélico, seguindo as pisadas do mestre, ainda que nunca trate expressamente do assunto, no entanto sempre que se oferece a ocasião fala dele, e com a Igreja católica afirma que o corpo de Maria juntamente com a alma foi levado ao céu.[20]
32. É da mesma opinião, entre outros muitos, o Doutor Seráfico, o qual tem como certo que, assim como Deus preservou Maria santíssima da violação do pudor e da integridade virginal ao conceber e dar à luz o seu Filho, assim não permitiu que o seu corpo se desfizesse em podridão e cinzas.[21] Aplica a santíssima Virgem, em sentido acomodatício, aquelas palavras da Sagrada Escritura: "Quem é esta que sobe do deserto, cheia de gozo, e apoiada no seu amado?" (Ct 8,5), e raciocina desta forma: "Daqui pode concluir-se que ela está ali corporalmente (na glória celeste)... Porque... a sua felicidade não seria plena se ali não estivesse em pessoa; ora a pessoa não é só a alma, mas o composto; logo é claro que está ali segundo o composto, isto é, em corpo e alma; de outro modo não gozaria de felicidade plena".[22]


Na escolástica posterior
33. Na escolástica posterior, ou seja no século XV, são Bernardino de Sena, resumindo e ponderando cuidadosamente tudo quanto os teólogos medievais tinham escrito a esse propósito, não julgou suficiente referir as principais considerações que os antigos doutores tinham proposto, mas acrescentou outras novas. Por exemplo, a semelhança entre a divina Mãe e o divino Filho, no que respeita à perfeição e dignidade de alma e corpo ― semelhança que nem sequer nos permite pensar que a Rainha celestial possa estar separada do Rei dos céus ― exige absolutamente que Maria "só deva estar onde está Cristo".[23] Portanto, é muito conveniente e conforme à razão que tanto o corpo como a alma do homem e da mulher tenham alcançado já a glória no céu; e, finalmente, o fato de nunca a Igreja ter procurado as relíquias da santíssima Virgem, nem as ter exposto à veneração dos fiéis, constitui um argumento que é "como que uma experiência sensível" da assunção.[24]


Nos tempos modernos
34. Em tempos mais recentes, as razões dos santos Padres e doutores, acima aduzidas, foram usadas comumente. Seguindo o comum sentir dos cristãos, recebido dos tempos antigos s. Roberto Belarmino exclamava: "Quem há, pergunto, que possa pensar que a arca da santidade, o domicílio do Verbo, o templo do Espírito Santo tenha caído em ruínas? Horroriza-se o espírito só com pensar que aquela carne que gerou, deu a luz, alimentou e transportou a Deus, se tivesse convertido em cinza ou fosse alimento dos vermes".[25]
35. De igual forma s. Francisco de Sales afirma que não se pode duvidar que Jesus Cristo cumpriu do modo mais perfeito o divino mandamento que obriga os filhos a honrar os pais. E a seguir faz esta pergunta: "Que filho haveria, que, se pudesse, não ressuscitava a sua mãe e não a levava para o céu?"[26] E s. Afonso escreve por sua vez: "Jesus não quis que o corpo de Maria se corrompesse depois da morte, pois redundaria em seu desdouro que se transformasse em podridão aquela carne virginal de que ele mesmo tomara a própria carne".[27]
36. Quando já tinha aparecido em toda a sua luz o mistério que se celebra nesta festa, não faltaram doutores que, em vez de tratar das razões teológicas pelas quais se demonstrasse a absoluta conveniência de crença na assunção corpórea da Virgem santíssima, voltaram o pensamento para a fé da Igreja, mística esposa de Cristo, sem mancha nem ruga (cf. Ef 5,27), que o Apóstolo chama "coluna e sustentáculo da verdade" ( 1Tm 3,15). E apoiados nesta fé comum pensaram que seria temerária, para não dizer herética, a opinião contrária. S. Pedro Canísio, como outros muitos, depois de declarar que o termo assunção se referia à glorificação não só da alma mas também do corpo, e que a Igreja há muitos séculos venerava e celebrava solenemente este mistério mariano, observa: "Esta opinião é admitida há vários séculos e tão impressa na alma dos fiéis, é tão recomendada pela Igreja, que quem negasse a assunção ao céu do corpo de Maria santíssima nem sequer seria ouvido com paciência, mas seria vaiado como pertinaz, ou mesmo temerário, e imbuído mais de espírito herético do que católico".[28]
37. Pela mesma época, o Doutor Exímio estabelecia esta regra para a mariologia: "Os mistérios da graça que Deus operou na virgem Maria não se devem medir pelas leis ordinárias, senão pela onipotência divina, suposta a conveniência do fato e a não contradição ou repugnância com as Escrituras".[29] E apoiado na fé de toda a Igreja, podia concluir que o mistério da assunção devia crer-se com a mesma firmeza que o da imaculada conceição, e já então julgava que ambas as verdades podiam ser definidas. 


Fundamento escriturístico
38. Todos esses argumentos e razões dos santos Padres e teólogos apóiam-se, em último fundamento, na Sagrada Escritura. Esta nos apresenta a Mãe de Deus extremamente unida ao seu Filho, e sempre participante da sua sorte. Pelo que parece quase que impossível contemplar aquela que concebeu, deu à luz, alimentou com o seu leite, a Cristo, e o teve nos braços e apertou contra o peito, estivesse agora, depois da vida terrestre, separada dele, se não quanto à alma, ao menos quanto ao corpo. O nosso Redentor é também filho de Maria; e como observador perfeitíssimo da lei divina não podia deixar de honrar a sua Mãe amantíssima logo depois do Eterno Pai. E podendo ele adorná-la com tamanha honra, preservando-a da corrupção do sepulcro, deve crer-se que realmente o fez.
39. E convém sobretudo ter em vista que, já a partir do século II, os santos Padres apresentam a virgem Maria como nova Eva, sujeita sim, mas intimamente unida ao novo Adão na luta contra o inimigo infernal. E essa luta, como já se indicava no Protoevangelho, acabaria com a vitória completa sobre o pecado e sobre a morte, que sempre se encontram unidas nos escritos do apóstolo das gentes (cf. Rm 5; 6; l Cor 15,21-26; 54-57). Assim como a ressurreição gloriosa de Cristo constituiu parte essencial e último troféu desta vitória, assim também a vitória de Maria santíssima, comum com a do seu Filho, devia terminar pela glorificação do seu corpo virginal. Pois, como diz ainda o apóstolo, "quando... este corpo mortal se revestir da imortalidade, então se cumprirá o que está escrito: a morte foi absorvida na vitória" (1Cor 15,14).
40. Deste modo, a augustíssima Mãe de Deus, associada a Jesus Cristo de modo insondável desde toda a eternidade "com um único decreto" [30] de predestinação, imaculada na sua concepção, sempre virgem, na sua maternidade divina, generosa companheira do divino Redentor que obteve triunfo completo sobre o pecado e suas conseqüências, alcançou por fim, como suprema coroa dos seus privilégios, que fosse preservada da corrupção do sepulcro, e que, à semelhança do seu divino Filho, vencida a morte, fosse levada em corpo e alma ao céu, onde refulge como Rainha à direita do seu Filho, Rei imortal dos séculos (cf. 1Tm 1,17).



Oportunidade da definição
41. Considerando que a Igreja universal ― que é assistida pelo Espírito de verdade, que a dirige infalivelmente para o conhecimento das verdades reveladas ― no decurso dos séculos manifestou de tantas formas a sua fé; considerando que os bispos de todo o mundo quase unanimemente pedem que seja definida como dogma de fé divina e católica a verdade da assunção corpórea da santíssima Virgem ao céu; considerando que esta verdade se funda na Sagrada Escritura, está profundamente gravada na alma dos fiéis, e desde tempos antiquíssimos é comprovada pelo culto litúrgico, e concorda, inteiramente, com as outras verdades reveladas, e tem sido esplendidamente explicada e declarada pelos estudos, sabedoria e prudência dos teólogos ― julgamos chegado o momento estabelecido pela providência de Deus, para proclamarmos solenemente este privilégio insigne da virgem Maria.
42. Nós, que colocamos o nosso pontificado sob o especial patrocínio da santíssima Virgem, à qual recorremos em tantas circunstâncias tristes, nós, que consagramos publicamente todo o gênero humano ao seu imaculado Coração, e que experimentamos muitas vezes o seu poderoso patrocínio, confiamos firmemente que esta solene proclamação e definição será de grande proveito para a humanidade inteira, porque reverte em glória da Santíssima Trindade, a qual a virgem Mãe de Deus está ligada com laços muito especiais. É de esperar também que todos os fiéis cresçam em amor para com a Mãe celeste, e que os corações de todos os que se gloriam do nome de cristãos se movam a desejar a união com o corpo místico de Jesus Cristo, e que aumentem no amor para com aquela que tem amor de Mãe para com os membros do mesmo augusto corpo. E também é lícito esperar que, ao meditarem nos exemplos gloriosos de Maria, mais e mais se persuadam todos do valor da vida humana, se for consagrada ao cumprimento integral da vontade do Pai celeste e a procurar o bem do próximo. Enquanto o materialismo e a corrupção de costumes que dele se origina ameaçam subverter a luz da virtude, e destruir vidas humanas, suscitando guerras, é de esperar ainda que este luminoso e incomparável exemplo, posto diante dos olhos de todos, mostre com plena luz qual o fim a que se destinam a nossa alma e o nosso corpo. E, finalmente, esperamos que a fé na assunção corpórea de Maria ao céu torne mais firme e operativa a fé na nossa própria ressurreição.
43. E é para nós motivo de imenso regozijo que este fato, por providência de Deus, se realize neste Ano santo que está a decorrer, e que assim possamos, enquanto se celebra este jubileu maior, adornar com esta pedra preciosa a fronte da Virgem santíssima, e deixar um monumento, mais perene que o bronze, da nossa ardente devoção para com a Mãe de Deus.




Definição solene do dogma
44. "Pelo que, depois de termos dirigido a Deus repetidas súplicas, e de termos invocado a paz do Espírito de verdade, para glória de Deus onipotente que à virgem Maria concedeu a sua especial benevolência, para honra do seu Filho, Rei imortal dos séculos e triunfador do pecado e da morte, para aumento da glória da sua augusta mãe, e para gozo e júbilo de toda a Igreja, com a autoridade de nosso Senhor Jesus Cristo, dos bem-aventurados apóstolos s. Pedro e s. Paulo e com a nossa, pronunciamos, declaramos e definimos ser dogma divinamente revelado que: a imaculada Mãe de Deus, a sempre virgem Maria, terminado o curso da vida terrestre, foi assunta em corpo e alma à glória celestial".
45. Pelo que, se alguém, o que Deus não permita, ousar, voluntariamente, negar ou pôr em dúvida esta nossa definição, saiba que naufraga na fé divina e católica.
46. Para que chegue ao conhecimento de toda a Igreja esta nossa definição da assunção corpórea da virgem Maria ao céu, queremos que se conservem esta carta para perpétua memória; mandamos também que, aos seus transuntos ou cópias, mesmo impressas, desde que sejam subscritas pela mão de algum notário público, e munidas com o selo de alguma pessoa constituída em dignidade eclesiástica, se lhes dê o mesmo crédito que à presente, se fosse apresentada e mostrada.
47. A ninguém, pois, seja lícito infringir esta nossa declaração, proclamação e definição, ou temerariamente opor-se-lhe e contrariá-la. Se alguém presumir intentá-lo, saiba que incorre na indignação de Deus onipotente e dos bem-aventurados apóstolos Pedro e Paulo.
Dado em Roma, junto de São Pedro, no ano do jubileu maior, de 1950, no dia 1 ° de novembro, festa de todos os santos, no ano XII do nosso pontificado.

Eu PIO, Bispo da Igreja Católica assim definindo, subscrevi.


Notas
[1] Petitiones de Assumptione corporea B. Virginis Mariae in caelum definienda ad S. Sedem delatae, 2 vol. Typis Polyglottis Vaticanis, 1942. 
[2] Bula Ineffabilis Deus, Acta Pii IX, parte I, vol. 1, p. 615.
[3] Cf. Conc. Vat. I, Const. dogm. Dei Filius de fide catholica, cap. 4. 
[4] Conc. Vat. I, Const. dogm. Pastor aeternus de Ecclesia Christi, cap. 4.
[5] Conv Vat. I, Const. dogm. Dei Filius de feide catholica. cap. 3.
[6] Carta Encíclica Mediator Dei, AAS 39( 1947), p. 541.
[7] Sacramentário gregoriano.
[8] Menaei totius anni..
[9] Liber Pontificalis. 
[10] Ibid.
[11] Responsa Nicolai Papae 1 ad Consulta Bulgarorum, 13 nov. 866.
[12] S. João Damasc., Encomium in Dormitionem Dei Genetricis semperque Virginis Mariae, hom. II, 14; cf. também ibid. n. 3).
[13] S. Germ. Const., In Sanctae Dei Genitricis Dormitionem, sermo 1.
[14] Encomium in Dormitionem Sanctissimae Dominae nostrae Deiparae semperque Virginis Mariae [atribuído a S. Modesto de Jerusalém] n. 14.
[15] Cf. S. João Damasc., Encomium in Dormitionem Dei Genetricis semperque Virginis Mariae, hom. II, 2, 11; Encomium in Dormitionem... [atribuído a S. Modesto de Jerusalém].
[16] Amadeu de Lausana, De Beatae Virginis obitu, Assumptione in Caelum, exaltatione ad Filii dexteram.
[17] S. Antônio de Pádua, Sermones dominicales et in solemnitatibus. In Assumptione S. Mariae Virginis Sermo.
[18] S. Alberto Magno, Mariale sive quaestiones super Evang. "Missus est", q. 132.
[19] Idem, Sermones de Sanctis, sermo XV: In Annuntiatione B. Mariae; cf. também Mariale, q.132.
[20] Cf. Summa Theol. III, q. 27, a. 1. c.; ibid. q. 83, a. 5 ad 8; Expositio salutationis angelicae; In symb. Apostolorum expositio, art. 5; in IV Sent. D. 12, q. l, art. 3, sol. 3; D. 43, q. l, art. 3, sol. I e 2.
[21] Cf. S. Boaventura, De Nativitate B. Mariae Virginis, sermo 5. 
[22] S. Boaventura, De Assumptione B. Mariae Virginis, sermo 1.
[23] S. Bernardino de Sena, In Assumptione B. M. Virginis, sermo 2.
[24] Idem, l.c.
[25] S. Roberto Belarmino, Conciones habitae Lovanii, concio 40: De Assumptione B. Mariae Virginis.
[26] Oeuvres de S. François de Sales, Sermon autographe pour la fête de l'Assomption.
[27] S. Afonso Maria de Ligório, As glórias de Maria, parte II, disc. 1.
[28] S. Pedro Canísio, De Maria Virgine.
[29] E Suárez, In tertiam partem D. Thomae, q. 27, art. 2, disp. 3, sect. 5, n. 31.
[30] Bula Ineffabilis Deus, l.c, p. 599.