Nasceu dia 7 de
Janeiro de 1878 na aldeia de Beveren, município de Waregem na Bélgica. Foi
batizado dia 08 de janeiro, apressadamente, pois nasceu doentio e inspirando
cuidados. Dizia-se francês e falava com orgulho do povo vivo, espirituoso,
guerreiro e inteligente que eram os franceses, aliás pátria de São Luís. “Quero ter o santo orgulho de saber bem a
minha língua”, dizia ele.
Júlio Emílio
filho de José De Lombaerde e Sidônia Steelandt, era o primogênito de oito irmãos,
dos quais morreram sete de crupe, antes dos sete anos, escapando apenas ele e o nono irmão, chamado Aquiles, que também se tornou missionário.
Seu pai
descendia de família militar emigrante de Lombardia. Homem simples, trabalhador
e muito alegre. Gostava de livros e era habilidoso carpinteiro. Morreu de
úlcera no estômago em 19/09/1890. Sua mãe era flamenga, descendente de
holandeses, gênio expansivo e alegre. Quando menina quis entrar para o convento
como sua irmã, mas acabou se casando e tornou-se mãe aos 30 anos. Quando
enviuvou, protestara não mais casar-se, mas com a decisão dos filhos de abraçar
a vida religiosa, resolveu e casou-se com Charles Callens.
Padre Júlio
Maria passou a infância em Waregem onde fez o curso primário. Sua formação
pré-primária foi feita por religiosas num jardim de infância da cidade. Foi lá
que despertou a vontade de ser missionário. Fez a Primeira Comunhão em 1889 e no
mesmo ano foi crismado. Guardava com todo cuidado sua fotografia com a mãe do
dia da Primeira Comunhão, motivo de festa e orgulho para toda a família.
Aos 15 anos foi estudar no Instituto São José em Torhout, na Bélgica. Uma escola destinada para a formação de professores e dirigida por sacerdotes diocesanos. Nesta época, sua mãe se casou com Charles Callens que não pôde (ou não quis) pagar os estudos de Júlio e o rapazinho então resolveu vender a mobília da casa para estudar. “Era um peralta”. Neste colégio recobrou a vontade de ser missionário e lia assiduamente as revistas missionárias, sua principal distração. Recebeu formação rija e firme, mas bem gostava das brincadeiras nas horas permitidas.
Aos 15 anos foi estudar no Instituto São José em Torhout, na Bélgica. Uma escola destinada para a formação de professores e dirigida por sacerdotes diocesanos. Nesta época, sua mãe se casou com Charles Callens que não pôde (ou não quis) pagar os estudos de Júlio e o rapazinho então resolveu vender a mobília da casa para estudar. “Era um peralta”. Neste colégio recobrou a vontade de ser missionário e lia assiduamente as revistas missionárias, sua principal distração. Recebeu formação rija e firme, mas bem gostava das brincadeiras nas horas permitidas.
Padre Júlio na época que era da Instituto dos "Padres Brancos" (missionários na África) |
Passou algum tempo na solidão em Iril Ali, como cozinheiro e carpinteiro, e a 18/04/1897 consagrou-se definitivamente como missionário. Em 2/11/1897 foi enviado para Arris e passou por vários lugares da África até 1901. Neste tempo resolveu ser sacerdote, cumprindo uma promessa pela cura que Nossa Senhora lhe concedeu. Já era um homem de barbas longas e cheias. Visitou sua mãe e sua família em dezembro de 1901 e em fevereiro do ano seguinte já estava em Grave (Holanda) junto ao Pe. João Berthier, na “Obra das Vocações Tardias”, para se tornar sacerdote. (02/02/1902).
Este seminário
foi fundado em 1895 pelo Pe. João Maria Berthier, um missionário francês que
foi para a Holanda para iniciar uma vida de extrema pobreza num quartel de
soldados, velho e feio. Júlio Emílio lá entrou e logo foi encarregado das aulas
de matemática e francês. “Quem ali vivia no berço da nascente congregação
praticava todos os heroísmos da pobreza”. Em 1908, já havia 12 padres na
congregação, entre eles o Pe. Júlio De Lombaerde, ordenado a 13 de junho
daquele ano. Foi este também o ano da morte do fundador (16 de outubro). Meses
depois, estava pronta sua biografia. Autor: Pe. Júlio Maria.
A comunidade
cresceu sobremaneira e o espaçoso seminário era agora pequeno demais para 40
sacerdotes e mais de 100 estudantes. Padre Júlio Maria foi enviado para Wakken,
na Bélgica, para iniciar um Seminário Menor de Missões e aí sentiu a
necessidade de um clero religioso cheio de zelo para cuidar e afervorar as
paróquias. Nunca abandonou o amor e o fervor por Nossa Senhora, sobre a qual
leu e escreveu grandes obras teológicas. Era seu amante apaixonado.
Na França, na
Bélgica e na Holanda, pregou com amor e ardor, ousadia e veemência apostólicas.
Fez missões paroquiais numerosas, durante quatro anos, mobilizando e trazendo à
prática religiosa centenas, milhares de pessoas, reconstituindo famílias,
atendendo horas a fio a pessoas que, fazia muitos anos, não se confessavam,
legitimando uniões conjugais que ainda não tinham recebido o sacramento do
matrimônio, libertando as pessoas de vícios e pecados.
Muito
entusiasmado com a “vida religiosa consagrada” (a vida de padres e irmãos,
freiras e irmãs vivendo em comunidade, fraternalmente, seguindo uma regra de
vida aprovada pela Igreja, e consagrando-se a Deus através dos votos de
pobreza, obediência e castidade), Padre Júlio Maria aproveitava as missões e o
clima de fervor religioso que, por causa delas, se experimentava, e procurava levar
ou orientar para o convento aqueles e aquelas que se sentiam vocacionados. Na
linguagem de pregador popular, ele gostava de dizer: “Temos três modos de ir
para o céu: através da vida matrimonial, através do celibato no meio do mundo
(celibato sacerdotal ou leigo) ou através da vida religiosa consagrada. Mas
quem escolhe a vida de casado, é como se fosse para o céu a pé; o que vai pelo
celibato no meio do mundo, é como se fosse a cavalo; mas quem vai pela vida
religiosa consagrada, é como se fosse de automóvel”. Ele entusiasmava rapazes e
moças a serem religiosos, porque ele mesmo estava entusiasmado com isso. Foram
muitas as vocações que conseguiu despertar ou firmar. E a cura milagrosa de uma
mãe paralítica, que permitira sua filha única ir para o convento, fez com que
suas pregações sobre as vocações sacerdotais e religiosas se tornassem
extraordinariamente persuasivas.
Pe. Júlio Maria
estava no auge de seu trabalho de missionário paroquial na França, Bélgica e
Holanda, com grandes planos que incluíam seminários para os jovens que
procuravam a Congregação da Sagrada Família, muitos roteiros missionários, e a
redação e publicação de uma série de livros sobre Nossa Senhora e a maneira de
servi-la, quando, sem ele esperar, sem explicações, aparentemente sem razão
plausível, ele teve de interromper tudo o que estava fazendo e vir para o
Brasil.
Seus Superiores religiosos, por motivos que ele nunca soube exatamente quais eram, resolveram enviá-lo para as missões amazônicas. Não seria ele, tão convicto de seu voto de obediência e do mistério da Divina Providência, que iria questionar a ordem recebida ou pedir satisfações. Encerrou o estava fazendo, desfez os compromissos que ainda viriam, arrumou as malas e zarpou para o desconhecido. Não conhecia a língua portuguesa, não sabia praticamente nada sobre o país, não havia sido preparado para a nova missão… mas entregou-se às mãos de Deus e Nossa Senhora. E veio. Despediu-se dos dirigidos e alunos, foi dar um abraço aos familiares, especialmente a Aquiles, o irmão mais novo e embarcou no dia 25/09/1912, junto com os padres Scholl e Burgard e mais dois irmãos religiosos: Micael e Ambrósio.
Seus Superiores religiosos, por motivos que ele nunca soube exatamente quais eram, resolveram enviá-lo para as missões amazônicas. Não seria ele, tão convicto de seu voto de obediência e do mistério da Divina Providência, que iria questionar a ordem recebida ou pedir satisfações. Encerrou o estava fazendo, desfez os compromissos que ainda viriam, arrumou as malas e zarpou para o desconhecido. Não conhecia a língua portuguesa, não sabia praticamente nada sobre o país, não havia sido preparado para a nova missão… mas entregou-se às mãos de Deus e Nossa Senhora. E veio. Despediu-se dos dirigidos e alunos, foi dar um abraço aos familiares, especialmente a Aquiles, o irmão mais novo e embarcou no dia 25/09/1912, junto com os padres Scholl e Burgard e mais dois irmãos religiosos: Micael e Ambrósio.
Foi quase um mês
de viagem. Chegaram a Recife dia 15/10/1912. Grande era a apreensão dos cinco
“heróis”, sem conhecer a língua, sem saber nada dos costumes da terra,
missionários despreparados. Pe. Júlio Maria “aprendeu” a língua “só Deus sabe
como”. (É bom dizer que, depois, reaprendeu-a, e falava e escrevia bastante bem
e com absoluta fluência o português, apesar do sotaque às vezes pesado, que não
impedia, entretanto, que o povo o entendesse perfeitamente bem.)
Antes de partir para Belém, de onde iria para Macapá, seu destino final, passou dois meses e meio em S. Gonçalo, a 15 km de Natal, RN, onde trabalhavam os Padres Paulsen e Belchold, velhos companheiros e irmãos de hábito – quer dizer, de Congregação. Aí aprendeu mais ou menos a falar português e alguma coisa dos costumes da missão. Foi, então, para Belém, PA. (Naquele tempo, Macapá pertencia ao Pará.) Em Belém, ficou hospedado algum tempo com os padres barnabitas (franceses), com quem pôde refazer e completar o curso de português e aprender algo mais sobre o Brasil e seu povo.
Antes de partir para Belém, de onde iria para Macapá, seu destino final, passou dois meses e meio em S. Gonçalo, a 15 km de Natal, RN, onde trabalhavam os Padres Paulsen e Belchold, velhos companheiros e irmãos de hábito – quer dizer, de Congregação. Aí aprendeu mais ou menos a falar português e alguma coisa dos costumes da missão. Foi, então, para Belém, PA. (Naquele tempo, Macapá pertencia ao Pará.) Em Belém, ficou hospedado algum tempo com os padres barnabitas (franceses), com quem pôde refazer e completar o curso de português e aprender algo mais sobre o Brasil e seu povo.
Em 27/02/1913,
desembarcou afinal em Macapá, onde foi recebido amigavelmente por dois outros
irmãos de hábito e bons companheiros, o Pe. José Lauth e o Pe. Hermano. Começou
logo seu trabalho. Ele viera para “salvar almas”, e era isso mesmo que ele
queria fazer. Mas o povo era muito pobre e necessitado de quase tudo em termos
de saúde, de instrução, de alimentação. Muita malária, úlceras, gripes,
pneumonia… Como o Pe. Júlio tinha certo conhecimento de medicina, começou,
juntamente com o trabalho religioso de evangelização, a cuidar também dos
corpos, das necessidades materiais das pessoas.
Conseguiu tanto que se tornou um ídolo do povo. O Prefeito e outras pessoas importantes da cidadezinha solicitaram ao governo e obtiveram um decreto que outorgava ao Pe. Júlio Maria a administração da farmácia e do posto médico de Macapá. Isto abriu para o missionário as portas das casas de família. E sua presença era tão boa que se tornou amigo e conquistou a simpatia de todos. Ia freqüentemente às escolas e era “adorado” pelas crianças. Em 02/05/1913, foi nomeado, por decreto do Governo do Pará, diretor das Escolas Reunidas, “com todos os direitos e privilégios”, inclusive os vencimentos do cargo. Desse modo, ele era o médico, o farmacêutico, o mestre-escola, o amigo e pai dos pobres, o encanto das criancinhas.
Conseguiu tanto que se tornou um ídolo do povo. O Prefeito e outras pessoas importantes da cidadezinha solicitaram ao governo e obtiveram um decreto que outorgava ao Pe. Júlio Maria a administração da farmácia e do posto médico de Macapá. Isto abriu para o missionário as portas das casas de família. E sua presença era tão boa que se tornou amigo e conquistou a simpatia de todos. Ia freqüentemente às escolas e era “adorado” pelas crianças. Em 02/05/1913, foi nomeado, por decreto do Governo do Pará, diretor das Escolas Reunidas, “com todos os direitos e privilégios”, inclusive os vencimentos do cargo. Desse modo, ele era o médico, o farmacêutico, o mestre-escola, o amigo e pai dos pobres, o encanto das criancinhas.
Paralelamente a
tudo isso, ele rezava muito, administrava os sacramentos, celebrava a missa
todos os dias e catequizava. Dava catecismo, de manhã, para as crianças; de
tarde, para os jovens e, de noite, para os adultos. Em seu trabalho
missionário, visitou vários lugares da Amazônia, foi até ao Tumuc-Humac. Ficava
embevecido com a majestade da floresta, mas passou muitas dificuldades. O
grande companheiro e amigo era o caboclo Canoza. Rústico, mas fiel, corajoso e
conhecedor dos segredos da floresta, era o guia nas caminhadas, defendia os
missionários. Salvou o Pe. Júlio num desastre de canoa e, outra vez, matou uma
onça brava que investiu contra os padres. À noite, dormia ao pé das redes dos
missionários, pronto para levantar-se ao primeiro chamado. Era o sacristão, o
guarda vigilante, o amigo de todas as horas.
Em Macapá,
preocupado com tantas crianças abandonadas e “tanta inocência perdida” (o abuso
sexual contra menores não é de hoje, infelizmente); sofrendo com tanta
infelicidade precoce, Pe. Júlio resolveu arranjar Irmãs que cuidassem da
educação e formação geral dessa meninada. Bateu em muitas portas, mas não
encontrou nenhuma Congregação feminina que pudesse ir para lá. Então, de
repente, veio-lhe a idéia de que, se nenhuma Congregação podia ir para lá, por
que não fundar uma Congregação nova, com gente de lá mesmo? Havia uma pobreza
enorme de pessoal, mas “para Deus nada é impossível” – pensava o Pe. Júlio. Daí
nasceu a Congregação das Filhas do Coração Imaculado de Maria. Era o ano de
1916. Por enquanto, as Irmãs formavam um Pio Sodalício, mas com ideal definido,
“Constituições” e regra de vida escritas pelo Pe. Júlio, que se transformou em
“mestre espiritual”, que vivia, juntamente com aquelas primeiras candidatas à
vida religiosa, uma espiritualidade forte, fortemente marcada pelo Coração de
Maria. A Congregação seria um dia aprovada pela Santa Sé, mas até lá, muito
sofrimento, muita incompreensão. Por causa da sua ousadia, Pe. Júlio teve de
sofrer muito. “Foi crucificado vivo”, diz um de seus biógrafos. Ele não se
queixava, não costumava desabafar. Mas, informações posteriores à sua morte,
afirmam que, naqueles anos, sua vida se transformou num verdadeiro martírio,
apesar do desenvolvimento da Congregação. Talvez como um preço disso mesmo.
Aos sofrimentos
morais, acrescente-se a morte de uma das Irmãs, doenças de outras, doença do
próprio Fundador que teve de ficar um ano e meio de repouso por causa da sezão
e de feridas grandes e graves numa das pernas. Pe. Júlio, porém, interpretava
tudo isso como fatos e provações providenciais, que serviam para a formação das
suas religiosas. Na medida mesmo desses padecimentos, ia florescendo, como
nunca, o amor a Jesus sacramentado, o espírito de oração e o amor ao
sacrifício. Foi dentro dessa situação que nasceu uma alma santa, filha do
coração abrasado do Pe. Júlio Maria e que foi uma bênção para a jovem
Congregação: a Irmã Celeste. Viveu apenas dois anos dentro da comunidade
religiosa, mas deixou um exemplo de espiritualidade inapagável, de amor e
sacrifício, de doação de si, de generosidade e fortaleza. O Pe. Júlio atribuía
à intercessão da Irmã Celeste a cura miraculosa das feias feridas, que nenhum
remédio conseguia sarar, de sua perna. Cura efetuada da noite para o dia.
Literalmente, da noite para o dia, depois de recorrer fervorosamente à
intercessão de sua querida filha espiritual.
De qualquer
maneira, uma epidemia de febres assolou Macapá, matando em poucos meses, várias
irmãs e alunas do Colégio. Por causa disso, decidiu-se mudar as Irmãs e o
Colégio de Macapá para Pinheiro, a 36km de Belém. Colégio e Congregação se
desenvolveram e três anos depois, já podiam viver por conta própria, já não
precisavam tanto do Fundador fisicamente junto delas. Desde então, o Pe. Júlio
resolveu concluir seus planos: fundar uma Congregação masculina de padres e
missionários. Conseguiu, com muita luta e paciência, a necessária autorização
do Conselho de sua Congregação de origem e começou a dedicar-se mais
integralmente aos planos da nova obra. Buscou um Bispo que acreditasse nele e
na obra que queria fazer.
Encontrou Dom
Carloto Távora, Bispo de Caratinga, MG, e rumou para o Sul. Com viagem marcada
e tudo preparado, eis que seu Superior lhe pede que fique um tempo no Nordeste,
em Alecrim (Natal, RN), de onde se transferia o Pe. Theodoro Kok para Pinheiro,
que iria cuidar da Congregação fundada pelo Pe. Júlio Maria. Sempre obediente,
Pe. Júlio permaneceu em Alecrim, na paróquia, de setembro de 1926 a fevereiro
de 1928. Em 29/02/1928, Pe. Júlio Maria embarca, afinal, para o Rio de Janeiro,
onde se encontrou com Dom Carloto que o recebeu com o maior respeito e carinho
e o levou para Caratinga. Pe. Júlio recusou a oferta de paróquias em cidades
mais importantes e maiores. Fez questão de escolher Manhumirim, na época uma
cidade pequenina, modesta, embora na Zona da Mata mineira, rica em café.
Manhumirim lembrava ao Pe. Júlio a pequenez e o anonimato de Grave, na Holanda,
onde o Fundador de sua Congregação, que ele amava tanto, quis começar a
fundação. Ótimo lugar para uma instituição que precisava de aprender a amar e
viver a pobreza e a humildade.
Pe. Júlio chegou
a Manhumirim no dia 24/3/1928. Hospedou-se com o Pe. La Barrera, vigário da
cidade. Havia uma igreja nova em construção, construção que se arrastava havia
longos anos. A vida paroquial, como um todo, ia no mesmo ritmo. O velho
vigário, já cansado, não podia fazer muita coisa. Pe. Júlio ficou ali,
procurando conhecer a situação, observando e aprendendo. Limitou-se, durante um
mês e pouco, antes de tomar posse, a celebrar a missa, observar as coisas,
planejar. A posse aconteceu em fins de abril. Apaixonado por Nossa Senhora,
quis marcar sua entrada na paróquia com um Mês de Maria vibrante, piedoso e muito
bonito. Pediu que se improvisasse no interior da igreja nova, ainda em
construção, um altar para coroação de Nossa Senhora. Movimentou as crianças e
as famílias, que se sentiam renovados com a nova liderança paroquial. Os
festejos entusiasmados em honra de Maria Santíssima preocuparam os
protestantes, numerosos na cidade e no município, que reagiram, espalhando
entre o povo um folheto contra o culto a Maria. Pe. Júlio resolveu aproveitar a
ocasião e dar uma resposta séria e firme, baseada na teologia e na Bíblia. Usou
para isso o jornal da cidade. Católicos e protestantes notaram logo que estavam
diante de um líder, que não apenas fazia festas e celebrava missas, mas que
tinha cabeça, tinha poder de fogo intelectual, manejava com segurança e
facilidade a palavra escrita. Todos perceberam sua envergadura. Os católicos
vibravam. Os protestantes sentiram o peso da mão do novo pároco e missionário.
Não eram tempos
de ecumenismo, infelizmente. Eram, antes, tempos de polêmicas e anátemas. Em
Manhumirim, as posições se definiram e se antagonizaram. Quem era católico,
começou a ser mais firmemente católico; quem era protestante, maçom, espírita
teve de se decidir. Não era mais possível ser católico e espírita, católico e
maçom. Os protestantes, aliás, sempre foram claramente protestantes. Estávamos
diante de um catolicismo militante, aguerrido. Certamente, houve nisso coisas
boas e más. Não nos compete aqui nenhum julgamento histórico. Mas é certo que o
Pe. Júlio expressava bem uma posição que era a de grandes homens de Igreja
naquele tempo, como o Pe. Leonel Franca, S.J. Era preciso – continua sendo
preciso – catequizar os católicos, mostrar-lhes sua Igreja, as razões de sua fé
e de sua esperança, de modo que eles pudessem decidir-se esclarecidamente, em
moral e em doutrina.
O jornal de
Manhumirim não queria desagradar nem ao padre, nem aos protestantes. Seu
diretor pediu ao Pe. Júlio que escrevesse sobre outras coisas. O Pe. Júlio,
porém, achou que os ataques protestantes ao culto de Nossa Senhora tinha sido
espalhados entre os católicos e não podiam deixar de ser respondidos. Foi então
que resolveu fundar um jornal e um jornal combativo, a que deu o nome de O
LUTADOR. O primeiro número saiu em 25 de novembro de 1928 e nunca mais deixou
de ser editado. As lutas de O LUTADOR variaram nesses 72 anos, mas ele sempre
lutou por algumas causas fundamentais para o Reino de Deus. Com linguagens
diferentes, com enfoques diversos, mas sem perder de vista a meta final, os
objetivos básicos.
Pe. Júlio era um
homem diante do qual a gente tinha de tomar posição. A favor ou contra. Os
paroquianos se entusiasmaram com o novo vigário. A Igreja encheu-se de fiéis.
Cresceu a vida sacramental, sobretudo a vida eucarística. Organizou-se a Liga
Católica para os homens, foi infundida vida nova às Filhas de Maria para as
moças, à Congregação Mariana para os rapazes ou adultos de sexo masculino, os
Vicentinos foram grandemente estimulados. Pe. Júlio fundou a Congregação dos
Missionários Sacramentinos de Nossa Senhora. Depois, a Congregação das Irmãs
Sacramentinas de Nossa Senhora, pensando especialmente na educação da juventude
feminina, na preparação das mães de família. Com o tempo, pensando no
atendimento à saúde da população carente, juntamente com os Vicentinos,
construiu o Hospital S. Vicente de Paulo. Diante da necessidade de preparar a
juventude masculina para um catolicismo mais sólido e uma vida sócio-política
mais consciente, fundou o Colégio Pio XI, que marcou época, não só na cidade,
mas em ampla região, tendo mantido durante muitos anos um internato famoso, com
alunos que vinham da redondeza, mas também do Espírito Santo e do Rio de
Janeiro. Mais tarde ainda, fundou um Patronato Agrícola, uma casa de
Aprendizado Doméstico e deu todo apoio aos Vicentinos na fundação e manutenção
de um Asilo para inválidos.
Enquanto isso,
entregava-se de corpo e alma à paróquia, à formação dos seminaristas e
religiosos de sua Congregação, assim como, com a colaboração da Co-fundadora
das Irmãs Sacramentinas, a Madre Beatriz Frambach, ia trabalhando
incansavelmente na formação e desenvolvimento da nova Congregação feminina, que
vicejava com força invejável, com frutos de piedade e santidade admiráveis.
Para homens como
o Pe. Júlio Maria não faltam amigos nem adversários. Sua ação em Manhumirim não
podia deixar de ter repercussão política. Fizeram tudo para envolvê-lo em lutas
partidárias. Pe. Júlio não apenas não tinha ambições políticas, no sentido de
poder e influência direta na condução da sociedade, mas só usava sua força em
defesa dos interesses religiosos de seus fiéis. Mesmo assim, os Partidos se
dividiram diante dele. Houve ameaças de todo o tipo e tentaram assassinar o
Padre, num domingo, dentro da própria igreja.
Essas coisas,
porém, não abalavam o Pe. Júlio, que parecia ter nervos de ferro. Nunca o
víamos exaltado ou dando mostras de preocupação por causa dessas coisas. A
vida, no Seminário, na Paróquia, na residência e no Colégio das Irmãs,
continuava igual. A agitação ficava do lado de fora e passaria. Embora os mais
informados soubessem que nem tudo estava num mar de rosas. As Irmãs sobretudo,
com sua sensibilidade feminina, sofriam muito. Os políticos se agitavam e
sempre que podiam, buscavam o apoio do padre. Se não conseguiam ou se
encontravam resistência (o Pe. Júlio apoiava sempre os católicos – aqueles que
ele julgava bons católicos), punham-se contra ele. O vigário jamais usava o
púlpito para fazer campanhas partidárias ou pessoais. De qualquer modo, o
Fundador tinha o apoio indefectível de Dom Carloto, sempre firme, decidido, apesar
de silencioso. Isto trazia ao vigário muita tranqüilidade. Mas em 1933, Dom
Carloto morre no Rio. Pe. Júlio Maria fica sem sua cobertura tão importante. O
sucessor do amigo, Dom José Parreira Lara, era também um homem de Deus, e
embora tenha vindo para a Diocese de Caratinga trazendo na bagagem muitas
denúncias e queixas contra o Pe. Júlio e sua Congregação, não pôde deixar de
exclamar, depois da primeira visita ao Seminário de Manhumirim: “O dedo de Deus
está aqui!”
Nesse meio
tempo, a Congregação masculina do Pe. Júlio Maria, crescia e se espalhava por
Minas Gerais. Os missionários estavam marcados pelo espírito de pobreza e
desapego, por enorme disposição para o trabalho pastoral, e suas paróquias eram
sempre movimentadas e piedosas, eucarísticas e marianas. Por seu lado, O
LUTADOR se difundia pelo Brasil afora, entrava praticamente em todos os
Estados, especialmente os do Sudeste e do Sul, e chegava a atingir mais de 900
cidades, levando o nome, as lutas, a doutrina do Padre Júlio Maria e aumentando
seu prestígio no país.
Enquanto essas
coisas iam acontecendo (e era muita coisa que acontecia em torno do Pe. Júlio
Maria De Lombaerde), ele ia escrevendo e publicando, além do jornal O LUTADOR –
que redigia praticamente sozinho e era, quase exclusivamente, uma folha
religiosa e apologética para esclarecimento dos católicos diante das objeções
ou ataques, por vezes violentos, dos “inimigos” da Igreja – muitos livros de
apologética, mas sobretudo de espiritualidade ou doutrina mariana e
eucarística. No jornal e nos livros que nasciam do jornal, Pe. Júlio utilizava
um estilo polêmico, irônico, agressivo até, mais por motivo jornalístico, por
causa do gosto natural que os leitores têm por esse tipo de literatura e que,
de fato, acabou fazendo dele – segundo uma avaliação da Editora Vozes, naquela
época – o autor católico mais lido no Brasil. É bom notar que as Vozes
publicaram, nesse tempo, muitos livros do Pe. Júlio Maria e tinham dados
comerciais para afirmar o que afirmaram.
Simultaneamente,
o Fundador mantinha cerrada correspondência espiritual com seus religiosos e
com as Irmãs Sacramentinas. Nessa época, estava impedido, por prudência e por
obediência, de se corresponder com as que então chamávamos “as Irmãs do Norte”.
Essas Irmãs do Norte, ou seja, as Filhas do Coração Imaculado de Maria
cresceram muito e se desenvolveram espiritual e materialmente, difundindo-se
por várias unidades da Federação. Só depois da morte do Pe. Júlio, muitos anos
aliás após sua morte é que começamos a nos relacionar mais freqüente e
intimamente com elas. Hoje, somos cada vez mais uma família julimariana,
formada pelas Filhas do Coração Imaculado de Maria (FCIM), as Irmãs
Sacramentinas de Nossa Senhora e os Missionários de Nossa Senhora do SS. Sacramento.
Na década de 30,
o Pe. Júlio Maria, enquanto construía o novo e grande prédio do Seminário
Apostólico de seus missionários, sofreu muito por causa das perseguições
político-religiosas, teve de assistir à invasão de sua gráfica e a seu
empastelamento, e depois, sofreu anos e anos de censura prévia, durante a
ditadura Vargas, que, de vez em quando, obrigava O LUTADOR a atrasar sua
postagem e a refazer ou cortar textos já compostos laboriosamente, ainda na
base do “tipo” catado a mão, um por um. Mas o jornal não deixava de sair
afinal, embora às vezes com grandes tarjas negras, apagando textos censurados.
A Congregação se
espraiou nesse tempo pelas Dioceses de Aterrado, hoje Diocese de Luz, MG, com o
apoio e aprovação de Dom Manuel Nunes Coelho, então seu Bispo diocesano.
Tivemos uma casa em Belo Horizonte e a paróquia de Cachoeirinha, ainda nos
tempos de Dom Cabral. Nesse tempo, os nossos estudantes vieram cursar teologia
no então grande e prestigioso Seminário Provincial do Coração Eucarístico de Jesus.
Ainda nessa época, abrimos um Seminário Menor em Dores do Indaiá, e assumimos a
paróquia aí e em Bom Despacho, ambas na Diocese de Aterrado (Luz), assim como a
direção do Colégio dos Padres na cidade de Patos de Minas. A Congregação do Pe.
Júlio Maria crescia e dava um belo testemunho de amor à Igreja, à Eucaristia e
Maria Santíssima.
Uma atitude que
distinguia as obras do Pe. Júlio: ele procurava não confiar nas seguranças
humanas. Fazia questão de entregar tudo o que fazia à Divina Providência. Quando
começou a construção do grande prédio do Colégio Pio XI, claro que tinha
perspectivas financeiras. Mas não tinha tostão em caixa. E a obra não teve de
ser interrompida nenhuma vez, por falta de dinheiro.
Apesar de sua
nunca bem entendida sua paixão pela França (ele se dizia francês, apesar de ser
belga e flamengo, falava com notável entusiasmo dos heróis franceses, da
literatura francesa, da língua francesa que ele fazia questão de dizer que
sabia, porque temos de conhecer “nossa língua”); apesar disso, quis se
abrasileirar, desde os tempos de Macapá, no sentido que quis entender o povo,
amar o Brasil e sua gente, fundar uma Congregação religiosa brasileira (a sua
foi a primeira Congregação religiosa masculina brasileira e continuou sendo a
única durante décadas). E mais que isso, em 1940 requereu sua naturalização.
Ser brasileiro,
deixar de ser francês, foi um grande sacrifício, um exercício de “kénosis”, de
esvaziamento afetivo por amor de Cristo, como um testemunho de despojamento
pessoal em nome do amor ao povo ao qual dedicou praticamente toda sua vida
sacerdotal. (Ele veio para o Brasil quatro anos apenas depois de ordenado
padre, e nunca mais voltou à Europa, nem em visita, durante mais de 32 anos que
viveu ainda.) O título de cidadão brasileiro lhe foi entregue solenemente em
31/10/1941, pelo Juiz de Direito de Manhumirim.
Tanto trabalho e
tanta dedicação marcaram suas Congregações assim como a população da paróquia.
Mas, por outro lado, iam-lhe desgastando a saúde. Não era velho. Tinha apenas
66 anos. Estava longe de dar mostras de decrepitude. Entretanto, em 1944,
começou a falar da morte próxima. Começou a preocupar-se com a sucessão.
Resolveu ir preparando melhor aqueles que poderiam continuar sua obra. A
Congregação, porém, era muito nova: tinha apenas 15 anos e começara do nada. De
qualquer maneira, o Fundador dizia aos noviços antes do último retiro pregado à
comunidade (de 11 a 19/12/1944): “Quero
fazer um ano de preparação para a morte. Sinto que não irei muito longe”. Fazia, então, freqüentemente, menção à morte e
ao céu. Cinco dias antes de morrer, eram indescritíveis os carinhos paternais e
a expansão com que tratava seus filhos espirituais.
No dia 24 de
dezembro de 1944, domingo, celebrou a missa das 5h 30min na Matriz do Bom Jesus,
Manhumirim, estimulando todos a uma fervorosa comunhão naquela noite do
nascimento de Nosso Senhor. Lá pelas 7h, partiu de automóvel para a fazenda S.
José, em Vargem Grande, propriedade que ele adquirira recentemente para ajudar
na manutenção do Seminário. Viajaram com ele três Irmãs Sacramentinas que iam
conhecer o local de uma futura residência e escola, para as crianças da Vargem
Grande. Um dia dedicado ao trabalho pastoral e à preparação da nova casa das
Irmãs.
À tarde, quando
ia voltar para Manhumirim, o tempo chuvoso e a estrada de terra escorregadia
não aconselhavam que fizessem a viagem. Ele, porém, achava que deveria ir, por
ser véspera de Natal, e ele iria celebrar a missa da meia-noite. Saiu apesar do
risco. Provavelmente não avaliasse o tamanho do perigo, porque não era
motorista e andava muito pouco de carro. O motorista, por sua vez, era jovem e
inexperiente e não teve coragem de enfrentar a ordem do Pe. Júlio Maria, que
fez questão de descer a serra. Aconteceu o desastre, o carro capotou duas ou
três vezes na ribanceira e o Pe. Júlio ficou preso entre a ferragem do
automóvel e um tronco de árvore. Os outros passageiros e o chofer não sofreram
praticamente nada, fisicamente. Mas o padre não conseguiu libertar-se, e,
comprimido, ia sendo sufocado, sem ar. Resistiu ainda algum tempo, pedindo que
providenciassem alguém que o pudesse tirar dali: “Depressa, depressa, minha
filha!” – dizia ele a uma das Irmãs. Mas o socorro veio tarde demais. E ele
morreu, pronunciando estas palavras: “Meu Deus, meu Deus! Nossa Senhora do
Carmo! Meu Deus!”
Ficou o exemplo
de sua vida. Entre as muitas coisas que realizou, certamente sobressai o jornal
O LUTADOR, que ele amou tanto e ao qual deu parte substancial de sua vida nos
anos de Manhumirim, e a Editora que daí nasceu.
(Este texto é
uma resenha e um rearranjo do livro “Pe. Júlio Maria, sua vida e sua missão”,
de Dom Antônio Afonso de Miranda, o primeiro religioso da Congregação do Pe.
Júlio Maria escolhido para ser bispo, hoje Bispo Emérito de Taubaté, SP, e que
foi o primeiro biógrafo do seu Fundador.)
Corpo do Padre Júlio Maria em seus funerais. |
Exumação e reconhecimento oficial dos restos mortais do Padre Júlio Maria, para o início do processo canônico de Beatificação. |
A alegria das três famílias religiosas por ele fundadas pelo início do processo de Beatificação/Canonização. |
Oração para pedir graças a Deus pela intercessão do Servo de Deus Padre Júlio Maria de Lombaerde. |
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