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segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Servo de Deus Júlio Maria de Lombaerde, Presbítero, Missionário e Fundador de Três Famílias Religiosas.


Servo de Deus Padre Júlio
Maria de Lombaerde
Nasceu dia 7 de Janeiro de 1878 na aldeia de Beveren, município de Waregem na Bélgica. Foi batizado dia 08 de janeiro, apressadamente, pois nasceu doentio e inspirando cuidados. Dizia-se francês e falava com orgulho do povo vivo, espirituoso, guerreiro e inteligente que eram os franceses, aliás pátria de São Luís. “Quero ter o santo orgulho de saber bem a minha língua”, dizia ele.

Júlio Emílio filho de José De Lombaerde e Sidônia Steelandt, era o primogênito de oito irmãos, dos quais morreram sete de crupe, antes dos sete anos, escapando apenas ele e o nono irmão, chamado Aquiles, que também se tornou missionário.

Seu pai descendia de família militar emigrante de Lombardia. Homem simples, trabalhador e muito alegre. Gostava de livros e era habilidoso carpinteiro. Morreu de úlcera no estômago em 19/09/1890. Sua mãe era flamenga, descendente de holandeses, gênio expansivo e alegre. Quando menina quis entrar para o convento como sua irmã, mas acabou se casando e tornou-se mãe aos 30 anos. Quando enviuvou, protestara não mais casar-se, mas com a decisão dos filhos de abraçar a vida religiosa, resolveu e casou-se com Charles Callens.

Padre Júlio Maria passou a infância em Waregem onde fez o curso primário. Sua formação pré-primária foi feita por religiosas num jardim de infância da cidade. Foi lá que despertou a vontade de ser missionário. Fez a Primeira Comunhão em 1889 e no mesmo ano foi crismado. Guardava com todo cuidado sua fotografia com a mãe do dia da Primeira Comunhão, motivo de festa e orgulho para toda a família. 

Aos 15 anos foi estudar no Instituto São José em Torhout, na Bélgica. Uma escola destinada para a formação de professores e dirigida por sacerdotes diocesanos. Nesta época, sua mãe se casou com Charles Callens que não pôde (ou não quis) pagar os estudos de Júlio e o rapazinho então resolveu vender a mobília da casa para estudar. “Era um peralta”. Neste colégio recobrou a vontade de ser missionário e lia assiduamente as revistas missionárias, sua principal distração. Recebeu formação rija e firme, mas bem gostava das brincadeiras nas horas permitidas.

Padre Júlio na época que era
da Instituto dos "Padres Brancos"
(missionários na África)
Júlio Emílio era compenetrado e maduro nas horas sérias, nas horas de recreio, o amigo expansivo de todos, moço vivo e dado aos divertimentos. Ficou neste colégio apenas um ano e em 1895 partiu com um Padre Branco para Boxtel, na Holanda a fim de iniciar sua vida missionária. Em 19/10/1895 parte para a África apesar da tristeza dos familiares e desmaio de sua mãe. Aí nasceu o desejo do seu irmão Aquiles de ser missionário na África também. Em primeiro de novembro Júlio vestia o hábito de irmão branco em Maison Carrée com o nome de Optato Maria


Passou algum tempo na solidão em Iril Ali, como cozinheiro e carpinteiro, e a 18/04/1897 consagrou-se definitivamente como missionário. Em 2/11/1897 foi enviado para Arris e passou por vários lugares da África até 1901. Neste tempo resolveu ser sacerdote, cumprindo uma promessa pela cura que Nossa Senhora lhe concedeu. Já era um homem de barbas longas e cheias. Visitou sua mãe e sua família em dezembro de 1901 e em fevereiro do ano seguinte já estava em Grave (Holanda) junto ao Pe. João Berthier, na “Obra das Vocações Tardias”, para se tornar sacerdote. (02/02/1902).

Este seminário foi fundado em 1895 pelo Pe. João Maria Berthier, um missionário francês que foi para a Holanda para iniciar uma vida de extrema pobreza num quartel de soldados, velho e feio. Júlio Emílio lá entrou e logo foi encarregado das aulas de matemática e francês. “Quem ali vivia no berço da nascente congregação praticava todos os heroísmos da pobreza”. Em 1908, já havia 12 padres na congregação, entre eles o Pe. Júlio De Lombaerde, ordenado a 13 de junho daquele ano. Foi este também o ano da morte do fundador (16 de outubro). Meses depois, estava pronta sua biografia. Autor: Pe. Júlio Maria.

A comunidade cresceu sobremaneira e o espaçoso seminário era agora pequeno demais para 40 sacerdotes e mais de 100 estudantes. Padre Júlio Maria foi enviado para Wakken, na Bélgica, para iniciar um Seminário Menor de Missões e aí sentiu a necessidade de um clero religioso cheio de zelo para cuidar e afervorar as paróquias. Nunca abandonou o amor e o fervor por Nossa Senhora, sobre a qual leu e escreveu grandes obras teológicas. Era seu amante apaixonado.

Na França, na Bélgica e na Holanda, pregou com amor e ardor, ousadia e veemência apostólicas. Fez missões paroquiais numerosas, durante quatro anos, mobilizando e trazendo à prática religiosa centenas, milhares de pessoas, reconstituindo famílias, atendendo horas a fio a pessoas que, fazia muitos anos, não se confessavam, legitimando uniões conjugais que ainda não tinham recebido o sacramento do matrimônio, libertando as pessoas de vícios e pecados.

Muito entusiasmado com a “vida religiosa consagrada” (a vida de padres e irmãos, freiras e irmãs vivendo em comunidade, fraternalmente, seguindo uma regra de vida aprovada pela Igreja, e consagrando-se a Deus através dos votos de pobreza, obediência e castidade), Padre Júlio Maria aproveitava as missões e o clima de fervor religioso que, por causa delas, se experimentava, e procurava levar ou orientar para o convento aqueles e aquelas que se sentiam vocacionados. Na linguagem de pregador popular, ele gostava de dizer: “Temos três modos de ir para o céu: através da vida matrimonial, através do celibato no meio do mundo (celibato sacerdotal ou leigo) ou através da vida religiosa consagrada. Mas quem escolhe a vida de casado, é como se fosse para o céu a pé; o que vai pelo celibato no meio do mundo, é como se fosse a cavalo; mas quem vai pela vida religiosa consagrada, é como se fosse de automóvel”. Ele entusiasmava rapazes e moças a serem religiosos, porque ele mesmo estava entusiasmado com isso. Foram muitas as vocações que conseguiu despertar ou firmar. E a cura milagrosa de uma mãe paralítica, que permitira sua filha única ir para o convento, fez com que suas pregações sobre as vocações sacerdotais e religiosas se tornassem extraordinariamente persuasivas.

Pe. Júlio Maria estava no auge de seu trabalho de missionário paroquial na França, Bélgica e Holanda, com grandes planos que incluíam seminários para os jovens que procuravam a Congregação da Sagrada Família, muitos roteiros missionários, e a redação e publicação de uma série de livros sobre Nossa Senhora e a maneira de servi-la, quando, sem ele esperar, sem explicações, aparentemente sem razão plausível, ele teve de interromper tudo o que estava fazendo e vir para o Brasil. 

Seus Superiores religiosos, por motivos que ele nunca soube exatamente quais eram, resolveram enviá-lo para as missões amazônicas. Não seria ele, tão convicto de seu voto de obediência e do mistério da Divina Providência, que iria questionar a ordem recebida ou pedir satisfações. Encerrou o estava fazendo, desfez os compromissos que ainda viriam, arrumou as malas e zarpou para o desconhecido. Não conhecia a língua portuguesa, não sabia praticamente nada sobre o país, não havia sido preparado para a nova missão… mas entregou-se às mãos de Deus e Nossa Senhora. E veio. Despediu-se dos dirigidos e alunos, foi dar um abraço aos familiares, especialmente a Aquiles, o irmão mais novo e embarcou no dia 25/09/1912, junto com os padres Scholl e Burgard e mais dois irmãos religiosos: Micael e Ambrósio.

Foi quase um mês de viagem. Chegaram a Recife dia 15/10/1912. Grande era a apreensão dos cinco “heróis”, sem conhecer a língua, sem saber nada dos costumes da terra, missionários despreparados. Pe. Júlio Maria “aprendeu” a língua “só Deus sabe como”. (É bom dizer que, depois, reaprendeu-a, e falava e escrevia bastante bem e com absoluta fluência o português, apesar do sotaque às vezes pesado, que não impedia, entretanto, que o povo o entendesse perfeitamente bem.) 

Antes de partir para Belém, de onde iria para Macapá, seu destino final, passou dois meses e meio em S. Gonçalo, a 15 km de Natal, RN, onde trabalhavam os Padres Paulsen e Belchold, velhos companheiros e irmãos de hábito – quer dizer, de Congregação. Aí aprendeu mais ou menos a falar português e alguma coisa dos costumes da missão. Foi, então, para Belém, PA. (Naquele tempo, Macapá pertencia ao Pará.) Em Belém, ficou hospedado algum tempo com os padres barnabitas (franceses), com quem pôde refazer e completar o curso de português e aprender algo mais sobre o Brasil e seu povo.

Em 27/02/1913, desembarcou afinal em Macapá, onde foi recebido amigavelmente por dois outros irmãos de hábito e bons companheiros, o Pe. José Lauth e o Pe. Hermano. Começou logo seu trabalho. Ele viera para “salvar almas”, e era isso mesmo que ele queria fazer. Mas o povo era muito pobre e necessitado de quase tudo em termos de saúde, de instrução, de alimentação. Muita malária, úlceras, gripes, pneumonia… Como o Pe. Júlio tinha certo conhecimento de medicina, começou, juntamente com o trabalho religioso de evangelização, a cuidar também dos corpos, das necessidades materiais das pessoas. 

Conseguiu tanto que se tornou um ídolo do povo. O Prefeito e outras pessoas importantes da cidadezinha solicitaram ao governo e obtiveram um decreto que outorgava ao Pe. Júlio Maria a administração da farmácia e do posto médico de Macapá. Isto abriu para o missionário as portas das casas de família. E sua presença era tão boa que se tornou amigo e conquistou a simpatia de todos. Ia freqüentemente às escolas e era “adorado” pelas crianças. Em 02/05/1913, foi nomeado, por decreto do Governo do Pará, diretor das Escolas Reunidas, “com todos os direitos e privilégios”, inclusive os vencimentos do cargo. Desse modo, ele era o médico, o farmacêutico, o mestre-escola, o amigo e pai dos pobres, o encanto das criancinhas.

Paralelamente a tudo isso, ele rezava muito, administrava os sacramentos, celebrava a missa todos os dias e catequizava. Dava catecismo, de manhã, para as crianças; de tarde, para os jovens e, de noite, para os adultos. Em seu trabalho missionário, visitou vários lugares da Amazônia, foi até ao Tumuc-Humac. Ficava embevecido com a majestade da floresta, mas passou muitas dificuldades. O grande companheiro e amigo era o caboclo Canoza. Rústico, mas fiel, corajoso e conhecedor dos segredos da floresta, era o guia nas caminhadas, defendia os missionários. Salvou o Pe. Júlio num desastre de canoa e, outra vez, matou uma onça brava que investiu contra os padres. À noite, dormia ao pé das redes dos missionários, pronto para levantar-se ao primeiro chamado. Era o sacristão, o guarda vigilante, o amigo de todas as horas.

Em Macapá, preocupado com tantas crianças abandonadas e “tanta inocência perdida” (o abuso sexual contra menores não é de hoje, infelizmente); sofrendo com tanta infelicidade precoce, Pe. Júlio resolveu arranjar Irmãs que cuidassem da educação e formação geral dessa meninada. Bateu em muitas portas, mas não encontrou nenhuma Congregação feminina que pudesse ir para lá. Então, de repente, veio-lhe a idéia de que, se nenhuma Congregação podia ir para lá, por que não fundar uma Congregação nova, com gente de lá mesmo? Havia uma pobreza enorme de pessoal, mas “para Deus nada é impossível” – pensava o Pe. Júlio. Daí nasceu a Congregação das Filhas do Coração Imaculado de Maria. Era o ano de 1916. Por enquanto, as Irmãs formavam um Pio Sodalício, mas com ideal definido, “Constituições” e regra de vida escritas pelo Pe. Júlio, que se transformou em “mestre espiritual”, que vivia, juntamente com aquelas primeiras candidatas à vida religiosa, uma espiritualidade forte, fortemente marcada pelo Coração de Maria. A Congregação seria um dia aprovada pela Santa Sé, mas até lá, muito sofrimento, muita incompreensão. Por causa da sua ousadia, Pe. Júlio teve de sofrer muito. “Foi crucificado vivo”, diz um de seus biógrafos. Ele não se queixava, não costumava desabafar. Mas, informações posteriores à sua morte, afirmam que, naqueles anos, sua vida se transformou num verdadeiro martírio, apesar do desenvolvimento da Congregação. Talvez como um preço disso mesmo.

Aos sofrimentos morais, acrescente-se a morte de uma das Irmãs, doenças de outras, doença do próprio Fundador que teve de ficar um ano e meio de repouso por causa da sezão e de feridas grandes e graves numa das pernas. Pe. Júlio, porém, interpretava tudo isso como fatos e provações providenciais, que serviam para a formação das suas religiosas. Na medida mesmo desses padecimentos, ia florescendo, como nunca, o amor a Jesus sacramentado, o espírito de oração e o amor ao sacrifício. Foi dentro dessa situação que nasceu uma alma santa, filha do coração abrasado do Pe. Júlio Maria e que foi uma bênção para a jovem Congregação: a Irmã Celeste. Viveu apenas dois anos dentro da comunidade religiosa, mas deixou um exemplo de espiritualidade inapagável, de amor e sacrifício, de doação de si, de generosidade e fortaleza. O Pe. Júlio atribuía à intercessão da Irmã Celeste a cura miraculosa das feias feridas, que nenhum remédio conseguia sarar, de sua perna. Cura efetuada da noite para o dia. Literalmente, da noite para o dia, depois de recorrer fervorosamente à intercessão de sua querida filha espiritual.

De qualquer maneira, uma epidemia de febres assolou Macapá, matando em poucos meses, várias irmãs e alunas do Colégio. Por causa disso, decidiu-se mudar as Irmãs e o Colégio de Macapá para Pinheiro, a 36km de Belém. Colégio e Congregação se desenvolveram e três anos depois, já podiam viver por conta própria, já não precisavam tanto do Fundador fisicamente junto delas. Desde então, o Pe. Júlio resolveu concluir seus planos: fundar uma Congregação masculina de padres e missionários. Conseguiu, com muita luta e paciência, a necessária autorização do Conselho de sua Congregação de origem e começou a dedicar-se mais integralmente aos planos da nova obra. Buscou um Bispo que acreditasse nele e na obra que queria fazer.

Encontrou Dom Carloto Távora, Bispo de Caratinga, MG, e rumou para o Sul. Com viagem marcada e tudo preparado, eis que seu Superior lhe pede que fique um tempo no Nordeste, em Alecrim (Natal, RN), de onde se transferia o Pe. Theodoro Kok para Pinheiro, que iria cuidar da Congregação fundada pelo Pe. Júlio Maria. Sempre obediente, Pe. Júlio permaneceu em Alecrim, na paróquia, de setembro de 1926 a fevereiro de 1928. Em 29/02/1928, Pe. Júlio Maria embarca, afinal, para o Rio de Janeiro, onde se encontrou com Dom Carloto que o recebeu com o maior respeito e carinho e o levou para Caratinga. Pe. Júlio recusou a oferta de paróquias em cidades mais importantes e maiores. Fez questão de escolher Manhumirim, na época uma cidade pequenina, modesta, embora na Zona da Mata mineira, rica em café. Manhumirim lembrava ao Pe. Júlio a pequenez e o anonimato de Grave, na Holanda, onde o Fundador de sua Congregação, que ele amava tanto, quis começar a fundação. Ótimo lugar para uma instituição que precisava de aprender a amar e viver a pobreza e a humildade.

Pe. Júlio chegou a Manhumirim no dia 24/3/1928. Hospedou-se com o Pe. La Barrera, vigário da cidade. Havia uma igreja nova em construção, construção que se arrastava havia longos anos. A vida paroquial, como um todo, ia no mesmo ritmo. O velho vigário, já cansado, não podia fazer muita coisa. Pe. Júlio ficou ali, procurando conhecer a situação, observando e aprendendo. Limitou-se, durante um mês e pouco, antes de tomar posse, a celebrar a missa, observar as coisas, planejar. A posse aconteceu em fins de abril. Apaixonado por Nossa Senhora, quis marcar sua entrada na paróquia com um Mês de Maria vibrante, piedoso e muito bonito. Pediu que se improvisasse no interior da igreja nova, ainda em construção, um altar para coroação de Nossa Senhora. Movimentou as crianças e as famílias, que se sentiam renovados com a nova liderança paroquial. Os festejos entusiasmados em honra de Maria Santíssima preocuparam os protestantes, numerosos na cidade e no município, que reagiram, espalhando entre o povo um folheto contra o culto a Maria. Pe. Júlio resolveu aproveitar a ocasião e dar uma resposta séria e firme, baseada na teologia e na Bíblia. Usou para isso o jornal da cidade. Católicos e protestantes notaram logo que estavam diante de um líder, que não apenas fazia festas e celebrava missas, mas que tinha cabeça, tinha poder de fogo intelectual, manejava com segurança e facilidade a palavra escrita. Todos perceberam sua envergadura. Os católicos vibravam. Os protestantes sentiram o peso da mão do novo pároco e missionário.

Padre Júlio (abaixo, ao centro, da barba) e a Congregação
Mariana em Manhumirim
Não eram tempos de ecumenismo, infelizmente. Eram, antes, tempos de polêmicas e anátemas. Em Manhumirim, as posições se definiram e se antagonizaram. Quem era católico, começou a ser mais firmemente católico; quem era protestante, maçom, espírita teve de se decidir. Não era mais possível ser católico e espírita, católico e maçom. Os protestantes, aliás, sempre foram claramente protestantes. Estávamos diante de um catolicismo militante, aguerrido. Certamente, houve nisso coisas boas e más. Não nos compete aqui nenhum julgamento histórico. Mas é certo que o Pe. Júlio expressava bem uma posição que era a de grandes homens de Igreja naquele tempo, como o Pe. Leonel Franca, S.J. Era preciso – continua sendo preciso – catequizar os católicos, mostrar-lhes sua Igreja, as razões de sua fé e de sua esperança, de modo que eles pudessem decidir-se esclarecidamente, em moral e em doutrina.

O jornal de Manhumirim não queria desagradar nem ao padre, nem aos protestantes. Seu diretor pediu ao Pe. Júlio que escrevesse sobre outras coisas. O Pe. Júlio, porém, achou que os ataques protestantes ao culto de Nossa Senhora tinha sido espalhados entre os católicos e não podiam deixar de ser respondidos. Foi então que resolveu fundar um jornal e um jornal combativo, a que deu o nome de O LUTADOR. O primeiro número saiu em 25 de novembro de 1928 e nunca mais deixou de ser editado. As lutas de O LUTADOR variaram nesses 72 anos, mas ele sempre lutou por algumas causas fundamentais para o Reino de Deus. Com linguagens diferentes, com enfoques diversos, mas sem perder de vista a meta final, os objetivos básicos.

Pe. Júlio era um homem diante do qual a gente tinha de tomar posição. A favor ou contra. Os paroquianos se entusiasmaram com o novo vigário. A Igreja encheu-se de fiéis. Cresceu a vida sacramental, sobretudo a vida eucarística. Organizou-se a Liga Católica para os homens, foi infundida vida nova às Filhas de Maria para as moças, à Congregação Mariana para os rapazes ou adultos de sexo masculino, os Vicentinos foram grandemente estimulados. Pe. Júlio fundou a Congregação dos Missionários Sacramentinos de Nossa Senhora. Depois, a Congregação das Irmãs Sacramentinas de Nossa Senhora, pensando especialmente na educação da juventude feminina, na preparação das mães de família. Com o tempo, pensando no atendimento à saúde da população carente, juntamente com os Vicentinos, construiu o Hospital S. Vicente de Paulo. Diante da necessidade de preparar a juventude masculina para um catolicismo mais sólido e uma vida sócio-política mais consciente, fundou o Colégio Pio XI, que marcou época, não só na cidade, mas em ampla região, tendo mantido durante muitos anos um internato famoso, com alunos que vinham da redondeza, mas também do Espírito Santo e do Rio de Janeiro. Mais tarde ainda, fundou um Patronato Agrícola, uma casa de Aprendizado Doméstico e deu todo apoio aos Vicentinos na fundação e manutenção de um Asilo para inválidos.

Enquanto isso, entregava-se de corpo e alma à paróquia, à formação dos seminaristas e religiosos de sua Congregação, assim como, com a colaboração da Co-fundadora das Irmãs Sacramentinas, a Madre Beatriz Frambach, ia trabalhando incansavelmente na formação e desenvolvimento da nova Congregação feminina, que vicejava com força invejável, com frutos de piedade e santidade admiráveis.
Para homens como o Pe. Júlio Maria não faltam amigos nem adversários. Sua ação em Manhumirim não podia deixar de ter repercussão política. Fizeram tudo para envolvê-lo em lutas partidárias. Pe. Júlio não apenas não tinha ambições políticas, no sentido de poder e influência direta na condução da sociedade, mas só usava sua força em defesa dos interesses religiosos de seus fiéis. Mesmo assim, os Partidos se dividiram diante dele. Houve ameaças de todo o tipo e tentaram assassinar o Padre, num domingo, dentro da própria igreja.

Essas coisas, porém, não abalavam o Pe. Júlio, que parecia ter nervos de ferro. Nunca o víamos exaltado ou dando mostras de preocupação por causa dessas coisas. A vida, no Seminário, na Paróquia, na residência e no Colégio das Irmãs, continuava igual. A agitação ficava do lado de fora e passaria. Embora os mais informados soubessem que nem tudo estava num mar de rosas. As Irmãs sobretudo, com sua sensibilidade feminina, sofriam muito. Os políticos se agitavam e sempre que podiam, buscavam o apoio do padre. Se não conseguiam ou se encontravam resistência (o Pe. Júlio apoiava sempre os católicos – aqueles que ele julgava bons católicos), punham-se contra ele. O vigário jamais usava o púlpito para fazer campanhas partidárias ou pessoais. De qualquer modo, o Fundador tinha o apoio indefectível de Dom Carloto, sempre firme, decidido, apesar de silencioso. Isto trazia ao vigário muita tranqüilidade. Mas em 1933, Dom Carloto morre no Rio. Pe. Júlio Maria fica sem sua cobertura tão importante. O sucessor do amigo, Dom José Parreira Lara, era também um homem de Deus, e embora tenha vindo para a Diocese de Caratinga trazendo na bagagem muitas denúncias e queixas contra o Pe. Júlio e sua Congregação, não pôde deixar de exclamar, depois da primeira visita ao Seminário de Manhumirim: “O dedo de Deus está aqui!”

Nesse meio tempo, a Congregação masculina do Pe. Júlio Maria, crescia e se espalhava por Minas Gerais. Os missionários estavam marcados pelo espírito de pobreza e desapego, por enorme disposição para o trabalho pastoral, e suas paróquias eram sempre movimentadas e piedosas, eucarísticas e marianas. Por seu lado, O LUTADOR se difundia pelo Brasil afora, entrava praticamente em todos os Estados, especialmente os do Sudeste e do Sul, e chegava a atingir mais de 900 cidades, levando o nome, as lutas, a doutrina do Padre Júlio Maria e aumentando seu prestígio no país.
Enquanto essas coisas iam acontecendo (e era muita coisa que acontecia em torno do Pe. Júlio Maria De Lombaerde), ele ia escrevendo e publicando, além do jornal O LUTADOR – que redigia praticamente sozinho e era, quase exclusivamente, uma folha religiosa e apologética para esclarecimento dos católicos diante das objeções ou ataques, por vezes violentos, dos “inimigos” da Igreja – muitos livros de apologética, mas sobretudo de espiritualidade ou doutrina mariana e eucarística. No jornal e nos livros que nasciam do jornal, Pe. Júlio utilizava um estilo polêmico, irônico, agressivo até, mais por motivo jornalístico, por causa do gosto natural que os leitores têm por esse tipo de literatura e que, de fato, acabou fazendo dele – segundo uma avaliação da Editora Vozes, naquela época – o autor católico mais lido no Brasil. É bom notar que as Vozes publicaram, nesse tempo, muitos livros do Pe. Júlio Maria e tinham dados comerciais para afirmar o que afirmaram.

Simultaneamente, o Fundador mantinha cerrada correspondência espiritual com seus religiosos e com as Irmãs Sacramentinas. Nessa época, estava impedido, por prudência e por obediência, de se corresponder com as que então chamávamos “as Irmãs do Norte”. Essas Irmãs do Norte, ou seja, as Filhas do Coração Imaculado de Maria cresceram muito e se desenvolveram espiritual e materialmente, difundindo-se por várias unidades da Federação. Só depois da morte do Pe. Júlio, muitos anos aliás após sua morte é que começamos a nos relacionar mais freqüente e intimamente com elas. Hoje, somos cada vez mais uma família julimariana, formada pelas Filhas do Coração Imaculado de Maria (FCIM), as Irmãs Sacramentinas de Nossa Senhora e os Missionários de Nossa Senhora do SS. Sacramento.

Na década de 30, o Pe. Júlio Maria, enquanto construía o novo e grande prédio do Seminário Apostólico de seus missionários, sofreu muito por causa das perseguições político-religiosas, teve de assistir à invasão de sua gráfica e a seu empastelamento, e depois, sofreu anos e anos de censura prévia, durante a ditadura Vargas, que, de vez em quando, obrigava O LUTADOR a atrasar sua postagem e a refazer ou cortar textos já compostos laboriosamente, ainda na base do “tipo” catado a mão, um por um. Mas o jornal não deixava de sair afinal, embora às vezes com grandes tarjas negras, apagando textos censurados.

A Congregação se espraiou nesse tempo pelas Dioceses de Aterrado, hoje Diocese de Luz, MG, com o apoio e aprovação de Dom Manuel Nunes Coelho, então seu Bispo diocesano. Tivemos uma casa em Belo Horizonte e a paróquia de Cachoeirinha, ainda nos tempos de Dom Cabral. Nesse tempo, os nossos estudantes vieram cursar teologia no então grande e prestigioso Seminário Provincial do Coração Eucarístico de Jesus. Ainda nessa época, abrimos um Seminário Menor em Dores do Indaiá, e assumimos a paróquia aí e em Bom Despacho, ambas na Diocese de Aterrado (Luz), assim como a direção do Colégio dos Padres na cidade de Patos de Minas. A Congregação do Pe. Júlio Maria crescia e dava um belo testemunho de amor à Igreja, à Eucaristia e Maria Santíssima.

Uma atitude que distinguia as obras do Pe. Júlio: ele procurava não confiar nas seguranças humanas. Fazia questão de entregar tudo o que fazia à Divina Providência. Quando começou a construção do grande prédio do Colégio Pio XI, claro que tinha perspectivas financeiras. Mas não tinha tostão em caixa. E a obra não teve de ser interrompida nenhuma vez, por falta de dinheiro.
Apesar de sua nunca bem entendida sua paixão pela França (ele se dizia francês, apesar de ser belga e flamengo, falava com notável entusiasmo dos heróis franceses, da literatura francesa, da língua francesa que ele fazia questão de dizer que sabia, porque temos de conhecer “nossa língua”); apesar disso, quis se abrasileirar, desde os tempos de Macapá, no sentido que quis entender o povo, amar o Brasil e sua gente, fundar uma Congregação religiosa brasileira (a sua foi a primeira Congregação religiosa masculina brasileira e continuou sendo a única durante décadas). E mais que isso, em 1940 requereu sua naturalização.

Ser brasileiro, deixar de ser francês, foi um grande sacrifício, um exercício de “kénosis”, de esvaziamento afetivo por amor de Cristo, como um testemunho de despojamento pessoal em nome do amor ao povo ao qual dedicou praticamente toda sua vida sacerdotal. (Ele veio para o Brasil quatro anos apenas depois de ordenado padre, e nunca mais voltou à Europa, nem em visita, durante mais de 32 anos que viveu ainda.) O título de cidadão brasileiro lhe foi entregue solenemente em 31/10/1941, pelo Juiz de Direito de Manhumirim.

Tanto trabalho e tanta dedicação marcaram suas Congregações assim como a população da paróquia. Mas, por outro lado, iam-lhe desgastando a saúde. Não era velho. Tinha apenas 66 anos. Estava longe de dar mostras de decrepitude. Entretanto, em 1944, começou a falar da morte próxima. Começou a preocupar-se com a sucessão. Resolveu ir preparando melhor aqueles que poderiam continuar sua obra. A Congregação, porém, era muito nova: tinha apenas 15 anos e começara do nada. De qualquer maneira, o Fundador dizia aos noviços antes do último retiro pregado à comunidade (de 11 a 19/12/1944): “Quero fazer um ano de preparação para a morte. Sinto que não irei muito longe”.  Fazia, então, freqüentemente, menção à morte e ao céu. Cinco dias antes de morrer, eram indescritíveis os carinhos paternais e a expansão com que tratava seus filhos espirituais.

No dia 24 de dezembro de 1944, domingo, celebrou a missa das 5h 30min na Matriz do Bom Jesus, Manhumirim, estimulando todos a uma fervorosa comunhão naquela noite do nascimento de Nosso Senhor. Lá pelas 7h, partiu de automóvel para a fazenda S. José, em Vargem Grande, propriedade que ele adquirira recentemente para ajudar na manutenção do Seminário. Viajaram com ele três Irmãs Sacramentinas que iam conhecer o local de uma futura residência e escola, para as crianças da Vargem Grande. Um dia dedicado ao trabalho pastoral e à preparação da nova casa das Irmãs.

À tarde, quando ia voltar para Manhumirim, o tempo chuvoso e a estrada de terra escorregadia não aconselhavam que fizessem a viagem. Ele, porém, achava que deveria ir, por ser véspera de Natal, e ele iria celebrar a missa da meia-noite. Saiu apesar do risco. Provavelmente não avaliasse o tamanho do perigo, porque não era motorista e andava muito pouco de carro. O motorista, por sua vez, era jovem e inexperiente e não teve coragem de enfrentar a ordem do Pe. Júlio Maria, que fez questão de descer a serra. Aconteceu o desastre, o carro capotou duas ou três vezes na ribanceira e o Pe. Júlio ficou preso entre a ferragem do automóvel e um tronco de árvore. Os outros passageiros e o chofer não sofreram praticamente nada, fisicamente. Mas o padre não conseguiu libertar-se, e, comprimido, ia sendo sufocado, sem ar. Resistiu ainda algum tempo, pedindo que providenciassem alguém que o pudesse tirar dali: “Depressa, depressa, minha filha!” – dizia ele a uma das Irmãs. Mas o socorro veio tarde demais. E ele morreu, pronunciando estas palavras: “Meu Deus, meu Deus! Nossa Senhora do Carmo! Meu Deus!”

Ficou o exemplo de sua vida. Entre as muitas coisas que realizou, certamente sobressai o jornal O LUTADOR, que ele amou tanto e ao qual deu parte substancial de sua vida nos anos de Manhumirim, e a Editora que daí nasceu.


(Este texto é uma resenha e um rearranjo do livro “Pe. Júlio Maria, sua vida e sua missão”, de Dom Antônio Afonso de Miranda, o primeiro religioso da Congregação do Pe. Júlio Maria escolhido para ser bispo, hoje Bispo Emérito de Taubaté, SP, e que foi o primeiro biógrafo do seu Fundador.)




Corpo do Padre Júlio Maria em seus funerais. 

Exumação e reconhecimento oficial dos restos mortais
do Padre Júlio Maria, para o início do processo canônico
de Beatificação. 

A alegria das três famílias religiosas por ele fundadas
pelo início do processo de Beatificação/Canonização. 

Oração para pedir graças a Deus pela intercessão do Servo
de Deus Padre Júlio Maria de Lombaerde. 

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