Na vida da pequena
princesa negra Chikaba, exemplo admirável e patente de como uma alma fiel à Lei
natural impressa em seu coração pode chegar ao conhecimento de Deus.
É doutrina corrente que
Deus sempre dá às suas criaturas — inclusive às que vivem em condições muito
adversas como a heresia e o paganismo — as condições necessárias para a
salvação. Ele o faz por meio da lei natural, que é impressa em todos os
corações. Sendo fiel a essa lei, uma alma reta pode chegar ao conhecimento de
Deus.
Disso temos exemplo num
caso de uma menina nascida na África de pais adoradores do sol, que desde os
albores da vida se punha a questão: “Quem criou o mundo e tudo o que existe?”
Por meio dessa lei que habitava no fundo do seu coração, ela praticava uma
religião natural, e chegou ao conhecimento de Deus antes de chegar à luz da fé
sobrenatural.
Trata-se da princesa
Chikaba, nascida nos finais do século XVII e princípios do XVIII na Costa do
Ouro, na África, e falecida como freira contemplativa na Espanha.
Filha de pequenos reis africanos
Nascida em 1676 no
pequeno reino da Costa do Ouro, ela era a caçula e a mais inteligente dos
quatro filhos dos soberanos da Mina Baixa de Ouro, pelo que todos julgavam que
sucederia ao pai no governo do país.
O Evangelho não havia
ainda penetrado naquela região e, no entanto, desde o uso da razão a princesa
Chikaba deu mostras de uma religiosidade natural fora do comum. Vendo os
campos, as flores, os pássaros, ela se perguntava, como fazia Santo Tomás de
Aquino aos cinco anos de idade, abismado diante da grandeza da Criação: “Quem rega a terra, mantém a erva fresca, e
dá colorido às flores?”.
Certo dia, um de seus
irmãos levou-a a um rito do culto ao sol, adorado por sua tribo. Mostrando-lhe
o astro-rei em todo o seu esplendor matutino, disse-lhe: “Vês ali o deus por quem perguntas, e a quem toda terra reverencia?”.
Não convencida, a menina respondeu sagazmente: “Mas, quem pôs ali essa estrela? Como é pequena para ser autora de
tanta grandeza!”.
Deslumbrados por sua
prematura sabedoria, os súditos de seu pai começaram a considerá-la uma espécie
de oráculo divino, e a consultá-la em suas dúvidas. Contudo, Chikaba fugia para
a solidão, a fim de meditar em todas essas coisas e, de certo modo, prestar ao seu modo um culto ao verdadeiro
Deus, que ainda não conhecia.
Aparece-lhe a Virgem Santíssima
Aos nove anos, chegando
junto a uma fonte natural, Chikaba se perguntou: “Quem a pôs aí?”. Ao levantar os olhos, viu diante de si uma Senhora
branca e formosa, que levava nos braços um Menino branco. Este sujeitava numa
das mãos uma longa fita, e acariciava a cabeça da menina com a outra. Essa
visão a marcou para sempre.
Certo dia, quando seu
irmão mais velho lhe expressou o temor de que seria ela, e não ele, a suceder
ao pai, ela o tranquilizou dizendo: “Sabes
que eu não hei de casar nesta terra com homem algum, mas, com um Menino muito
branco que conheço?”. Ela já estava enamorada do Menino Deus.
Reviravolta trágica, mas providencial
Foi então que a vida de
Chikaba teve uma reviravolta trágica, embora providencial. Concentrada em suas
elucubrações, ela se afastou um dia até uma praia desconhecida. Nesse momento, aportava
uma barca proveniente de um navio espanhol. Um dos seus ocupantes, vendo a
menina, capturou-a para levá-la como escrava.
Ao ver afastar a praia,
Chikaba compreendeu que a levavam para sempre ao desconhecido. Quis então
atirar-se às águas, mas nesse momento apareceu-lhe novamente a bela Senhora
branca, que a dissuadiu do que poderia ter resultado em sua morte.
Os tripulantes do navio,
vendo suas joias e o modo como Chikaba estava vestida, compreenderam que devia
ser alguém de certa relevância entre os seus. E começaram a tratá-la com mais
consideração.
Foi provavelmente algum
sacerdote presente no navio que, vendo a viva inteligência da menina, começou a
instruí-la nas verdades da fé. Chikaba assimilava sofregamente tudo isso, que
vinha de encontro aos seus mais caros anseios. De tal modo que, atracando o
barco em São Tomé para reabastecimento, ela foi ali batizada com o nome de
Teresa. Tinha então dez anos de idade.
Teresa Chikaba explicou
depois ao seu confessor a felicidade que representou para ela encontrar por fim
resposta a todas suas inquietudes religiosas. E que isso mitigou muito a dor
que sentia ao ver-se separada para sempre de seus entes queridos.
Na Espanha, confidente da Marquesa de Mancera
Mapa histórico da Costa
da Guine chamada Costa de OuroChegando à Espanha, seus captores julgaram que
aquela escrava, por sua origem e sua personalidade, merecia viver na corte real
de Madri. Consequentemente, ofereceram-na ao rei Carlos II, que a entregou ao
Marquês de Mancera [pintura ao lado] para que cuidasse de sua educação religiosa
e cívica.
Bem orientada por um
diretor espiritual, a adolescente progrediu tanto na virtude que passou a ser
confidente da marquesa. Esta, abandonando as diversões e os entretenimentos,
começou a passar com a escrava muitas horas diante do Santíssimo Sacramento.
Ora, essa preferência
por Chikaba provocou a inveja dos outros servidores, que começaram a insultá-la
e molestá-la, especialmente uma escrava turca, que tentou mesmo assassiná-la.
Atacada por mortal moléstia, a muçulmana se negava a converter-se. Chikaba, com
muita caridade e tato, conseguiu convencê-la a receber o batismo, após o qual a
turca morreu piedosamente.
Um tio tenta casar-se com ela
Alguns anos depois,
apareceu na corte de Carlos II um negro, também de origem nobre, chamado João
Francisco. Este havia sido capturado em seu país por franceses, e dado a Luís
XIV. Quando o Rei-Sol lhe deu a liberdade, João Francisco foi para a Espanha.
Lá sabendo que uma jovem
negra estava com os marqueses de Mancera, quis conhecê-la, vindo a descobrir
que era sua sobrinha.
Teresa teve assim
notícias de seus pais e irmãos, alguns deles já falecidos. E ficou alegremente
surpresa ao saber que todos eles tinham se tornados cristãos.
João Francisco quis
casar-se com ela, para voltarem juntos à sua pátria. Mas Chikaba recusou-se de
modo peremptório, pois estava resolvida a entregar-se inteiramente àquele
Menino branco, que já sabia que era o próprio Menino Jesus. O tio usou de
violência e quis levá-la à força, mas com a intervenção dos marqueses sua
tentativa fracassou.
À procura de um convento
Vendo a firme resolução
da jovem de entrar num convento, os marqueses encarregaram o nobre cavaleiro
Dom Diego Gamarra de procurar um em Madri ou nos arredores, que quisesse
recebê-la. Apesar das altas recomendações, todos os conventos se negavam a
recebê-la.
Isso constituiu um
profundo sofrimento para a jovem. Segundo dizem as Atas do Capítulo Provincial
dos Dominicanos, reunidos em Toro em 1749, São Domingos então “a consolou,
assegurando-lhe que se cumpririam seus desejos”.
Finalmente, Dom Diego
procurou a priora do Convento da Penitência de São Domingos, em Salamanca, que
concordou em receber a postulante. Isso ocorreu no ano de 1703.
Outra cruz estava
reservada a Teresa: o bispo local, Dom Francisco Calderón de la Barca, parente
do dramaturgo, proibiu que ela ingressasse como monja de coro, só a recebendo
como irmã leiga e servente. Isso significava que ela não podia compartilhar a
vida das outras monjas, nem, sobretudo, rezar com elas o Ofício Divino. Com
espírito de obediência, ela aceitou essa humilhação.
Aos poucos as irmãs
foram se edificando com a bondade de coração, piedade e caridade da jovem
postulante, mesmo para com aquelas que a tratavam mal por causa de sua cor.
Ocorreu então a uma das
freiras, Irmã Maria Teresa de São Jacinto, ensinar-lhe a rezar o Ofício Divino
segundo o rito dominicano, e outras orações próprias à Ordem. Isso foi
providencial, pois o bispo, reconhecendo a santidade daquela irmã leiga, não só
permitiu que fosse recebida no Noviciado, mas adiantou sua profissão religiosa.
Desse modo, no dia 29 de
junho de 1704, Chikaba, aos 28 anos de idade, converteu-se em Irmã Teresa
Juliana de São Domingos. Para reparar sua falta anterior, o próprio bispo quis
presidir à profissão solene.
Nesse dia a nova monja
teve uma visão de São Domingos, que recebeu seus votos. Como ela confessou mais
tarde, essa foi uma das três ou quatro vezes que o santo fundador lhe apareceu.
Aos poucos, a virtude
dessa santa negra começou a ser conhecida fora do convento, por suas
penitências e seus jejuns. E assim começaram as visitas ao parlatório, para ter
o privilégio de pedir-lhe conselhos e recomendar-se às suas orações. Teresa
passou a ser conhecida carinhosamente em Salamanca como “A Negrinha”, ou “La
negrita de la penitencia”.
O povo atribuía-lhe não
só diversas curas, mas também o fato de a cidade de Salamanca ter-se visto
livre dos bombardeios e saques durante a guerra com Portugal, em 1706. Nessa
ocasião, diante da proximidade dos bombardeios, Teresa havia posto numa das
janelas do convento uma imagem de São Vicente Ferrer como escudo protetor. E
recomendou aos habitantes da cidade que rezassem a ele pedindo proteção.
Os restos mortais da
Irmã Teresa Chikaba repousam no claustro do belíssimo Monastério dominicano de
Santa Maria de las Dueñas, em Salamanca (Espanha). [Foto PRC]
Transfiguração final
A irmã Teresa Chikaba
morreu em odor de santidade no dia 6 de dezembro de 1748, segundo ainda o
Capítulo de Toro, “tendo vivido setenta e dois anos sem mancha de pecado
mortal”. Seu biógrafo relata um prodígio que sucedeu nesse momento, e que
assombrou o doutor que a atendia: uma breve transfiguração converteu em
luminosamente branco seu rosto negro.
Os restos mortais da
irmã Teresa foram depositados no convento Santa Maria de las Duenas, em
Salamanca e, em 1961, foram guardados num sepulcro, aberto no claustro daquele
histórico monastério, com uma lápide de mármore negro.
Apesar de que em seu
tempo ninguém duvidasse de sua santidade, já transcorreram mais de 250 anos
desde a morte de Teresa Chikaba sem que a Igreja se tenha ainda pronunciado por
meio de sua beatificação e canonização. O que fazemos votos para que ocorra o
quanto antes, para sua glorificação, de sua raça, de sua terra natal, e de toda
a Igreja.
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Notas:
[i] Cfr. Dom Estêvão
Bettencourt, A Lei Natural, in
http://www.pr.gonet.biz/kb_read.php?head=0&num=565
[ii] Utilizamos para
este artigo a matéria publicada em
http://www.religionenlibertad.com/teresa-chikaba-la-negrita-de-la-penitencia-de-princesa-a-esclava-37378.htm
[iii] Cfr.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Costa_do_Ouro_(regi%C3%A3o)
Um comentário:
Ela e mesmo santa
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