“O verdadeiro apóstolo tem
de sofrer e dar sangue de alma pela obra que deseja realizar” (São
João Batista de La Salle).
Organizador
do ensino primário católico gratuito
Era o ano de
1651. Na França, era a época do reinado do rei Luis XIV. Foi neste período que
nasceu, na cidade de Reims, João Batista de La Salle, filho de Luis de La Salle
– conselheiro de Luis XIV – e Nicole Moët. Era o mais velho de onze irmãos.
Nascido numa
família muito religiosa, La Salle desde cedo sentiu uma forte inclinação para o
sacerdócio. Aos dez anos entrou para o colégio dos “Bons Enfants” (Bons
Meninos). Foi nesta mesma época que pediu aos seus pais para ser sacerdote,
obtendo o seu consentimento. Logo entrou para o seminário de São Sulpício, em
Paris.
Quando tinha
quinze anos foi nomeado cônego da catedral de Reims, posição muito avançada
para um menino de sua idade, mas assumida com responsabilidade. Só para ter uma
idéia, do corpo de cônegos de Reims haviam saído quatro papas, 43 cardeais, 28
bispos e um santo. Estaria La Salle destinado a ser mais uma das personalidades
a fazer história?
Em 1678, após
licenciar-se em Filosofia e em Teologia, La Salle ordenou-se sacerdote,
celebrando a sua primeira missa na catedral de Reims. Após ordenado sacerdote,
La Salle passou a ser diretor espiritual de algumas Comunidades Religiosas,
além de continuar o seu ofício na Catedral.
Nesse época, em
Rouen, uma senhora fundara uma escola gratuita para meninas órfãs. Em Reims,
quiseram imitar esse exemplo, mas para os meninos. Adrien Nyel, encarregado de
iniciar as suas funções de educador nessa cidade, foi hospedado por São João
Batista, que escreveu então: “Se, [antes de abraçar minha vocação], eu soubesse
que a simples caridade que eu tomava para com os mestres de escola,
transformar-se-ia no dever de morar com eles, eu os teria abandonado. Porque
como eu colocava abaixo de meus criados as pessoas que trabalhavam em escolas,
o único pensamento de que seria obrigado a viver com eles me pareceria
insuportável”.
E assim começou
a missão de São João Batista. A organização do ensino primário católico
gratuito, e dos Irmãos das Escolas Cristãs.
Em 1679 surgiu a
primeira escola lassalista. Foi muito difícil, especialmente em se tratando de
encontrar mestres, uma vez que naquele tempo não havia tanta facilidade em se
conseguir professores, e ainda os mesmos não eram formados.
Aos poucos a
obra foi crescendo e novas escolas gratuitas foram surgindo. Nyel, porém, era
um sonhador e não se preocupou muito com o tamanho da expansão da obra. E logo
acabou deixando La Salle sozinho para tomar conta de tudo.
Com a
preocupação de preparar bem os professores, La Salle tomou a decisão de
reuni-los na casa de sua família. Mas, sendo homens rudes, não foram bem
aceitos e La Salle acabou alugando uma pequena casa onde poderia morar com eles
e ao mesmo tempo iniciá-los na arte de educar. Estava, assim, criada a primeira
Escola Normal, e também o núcleo da congregação dos Irmãos das Escolas Cristãs
(Irmãos Lassalistas).
Sofrimentos e injúrias
Foram muitas as
dificuldades: os mestres não demonstravam vocação, nem perseverança. Além
disso, as escolas de La Salle, por serem gratuitas, recebiam franca oposição
das outras escolas que eram pagas. Os donos de escolas pagas saqueavam as
escolas lassalistas, queimavam o material, quebravam tudo... além de
processarem La Salle diversas vezes alegando maus tratos para com os alunos.
Uma das ações de
La Salle foi doar todos os seus bens aos pobres, além de renunciar ao cargo de
Cônego em favor de um sacerdote muito pobre. Os próprios irmãos não gostaram
nada disso e murmuraram contra o santo achando “um absurdo” mesmo ter abjurado
de toda a sua fortuna, podendo utilizá-la para eles mesmos que passavam
necessidade. Porém, La Salle desejava outra coisa: que sua obra fosse
totalmente dirigida pela Divida Providência e não por “recursos financeiros”. A
partir do momento em que fez isso, os Irmãos e as escolas passaram a viver
confiando apenas na providência de Deus. E, felizmente, embora às vezes tenha
faltado comida, sempre tiveram alguma coisa com que repartir com quem precisava
mais do que eles.
Organizado o
Instituto e as escolas, começaram as perseguições dos mestres-leigos. Seu
hábito simples mereceu-lhe vaias na rua e a injúria de lhe lançarem lama no
rosto.
Amarguras até “entrar na terra prometida dos
eleitos”
Mais tarde,
difundindo a comunhão freqüente, e recebendo cheio de alegria e submissão a
bula “Unigenitus”, João Batista é atacado pelos jansenistas, e abandonado pelos
próprios irmãos. Idoso e alquebrado por suas austeridades, em 1717, la Salle
pensa em descansar no noviciado de Saint Yon, mas o padre que o serve em suas
doenças, o maltrata. E dois dias antes de sua morte, em suas querelas
religiosas, o arcebispo de Rouen tira-lhe todos os poderes, como a um padre
indigno.
“Espere — diz
João Batista com um sorriso — que logo serei libertado do Egito, para ser
introduzido na verdadeira terra prometida dos eleitos”. E ele conseguiu isso,
na Sexta-Feira Santa de 1719.
Relaxamento do empenho apostólico
Para bem
situarmos a pessoa de São João Batista de la Salle em meio às vicissitudes por
ele vividas, devemos considerar que, naquela época, em virtude das guerras de
religião — muito exacerbadas na França — entre protestantes e católicos, que
desorganizaram profundamente a estrutura eclesiástica da Igreja Católica, de um
lado; de outro, em virtude do fato de que os efeitos salutares da
Contra-Reforma haviam passado, estava se reintroduzindo nos fiéis, e também no
clero, um grave relaxamento de costumes e de empenho apostólico.
Como resultado
dessa tibieza, procurava-se muito o apostolado junto aos mais ricos, aos
nobres, às pessoas importantes da corte, aos magistrados, enfim, às pessoas
que, a qualquer título, tivessem um situação social. Em contrapartida,
desdenhava-se o apostolado junto aos pobres e, especialmente, os meninos
carentes. Noutros termos, favorecia-se antes as relações que pudessem trazer
vantagens, com detrimento para a gente desprovida de recursos. Resultado,
imensa quantidade de crianças do povo crescia sem ter formação ou ensino
religioso.
À procura dos abandonados
Ora, São João
Batista de la Salle nascera numa família de magistrados e, portanto, de certa
categoria. Além disso, tornou-se cônego, e os cônegos naquele tempo possuíam
rendas. Poderia ele, portanto, seguir o movimento geral e candidatar-se com seu
título de cônego para freqüentar meios mais gabaritados que os dele. Poderia
almejar uma boa carreira eclesiástica, eventualmente como bispo, talvez
cardeal. Entretanto, São João Batista de la Salle segue uma orientação diversa.
Pessoa modelar
que era, abnegado, desinteressado dos bens desse mundo, vai procurar aqueles
que estão sendo abandonados, e constituiu uma congregação religiosa de irmãos
leigos, especialmente destinados a ensinar a religião para as crianças.
Catequista primoroso
Há outro aspecto
que merece ainda mais nossa consideração. São João Batista de la Salle foi um exímio professor de catecismo, e
desempenhou essa função santamente,
ou seja, perfeitamente. Existem modos
de lecionar o catecismo em nível primário, de maneira que se marque o rumo da
alma para a vida inteira. E pessoas há que se mantiveram firmes na virtude e no
ideal católico, ao longo de toda a sua existência, por causa de uma catequese
bem dada. São João Batista de la Salle foi desses primorosos catequistas,
ensinando os fundamentos do catolicismo com toda a atenção, o recolhimento e a
influência que pode haver na lição de catecismo proferida por um santo.
Mas, fez ele
coisa muito melhor. Não apenas deu aulas, como fundou uma congregação religiosa
voltada para a catequese no ensino primário. Ou seja, suscitou vocações de
homens que deixaram o mundo para se consagrar exclusivamente ao ensino do
catecismo. Portanto, milhares de pessoas que, desde aquela época, têm passado a
maior parte de suas vidas nessa nobre tarefa.
Sofrimentos e contrariedades
Agora, em torno
dessa linha mestra, de um traçado límpido como um canal, aparecem as
sinuosidades dos sofrimentos, das dificuldades, das oposições que ele encontrou
à sua frente. Cumpre tê-las presente, para se contemplar, na sua verdadeira
perspectiva, a vida e a obra de São João Batista de la Salle. É bela a luta que
ele teve de enfrentar contra tantas incompreensões, das quais as mais dolorosas
vieram da parte dos seus próximos.
Uns se
arrepiaram diante de um quotidiano confiado apenas à Providência, sem rendas
nem patrimônios garantidos: “O senhor é cônego, tem bom ordenado, é fácil
confiar na Providência quando, todos os meses, cai um montante na sua bolsa.
Mas, para nós, coitados, onde está o nosso dinheiro? Queremos patrimônio”!
São João Batista de la Salle renuncia ao seus
próprios bens, e a reclamação passa a ser outra. Ele diz:
—
Pronto. Estou pobre como vocês.
— Que loucura! Dispensar esse dinheiro!
Era só o que tínhamos! É um crime!
Ou seja, aqueles
mesmos que deviam apoiá-lo e ajudá-lo na sua obra, não compreendiam todo o
alcance do que ele desejava fazer. Muito lhe terá custado passar por essas
adversidades, até que os horizontes se clareassem e seus seguidores se pusessem
à altura do santo.
Outra
contrariedade a vencer: tornar-se professor primário. Percebe-se pela narração
que ele, em virtude da formação que recebera na família, não tinha em grande
conta a figura de mestre-escola, “colocando-a abaixo de seus criados”. A
Providência bate à porta de sua alma e lhe chama: “Meu filho, convido-o para
ser professor primário e catequista”. Sem hesitação, ele deixa as honrarias e
antigos hábitos, aceita o chamado e passa a viver no meio dos professores
primários. Pode-se bem conjecturar que São João Batista esperasse encontrar,
entre esses últimos, uma acolhida amável e um trato afetuoso. Não! Mais
incompreensões, vistas limitadas, estupidezes.
Regou com o próprio sangue a árvore de sua obra
Ele adota uma
vestimenta muito simples, para indicar a modéstia da profissão e das suas
condições. Em lugar de respeito, as pessoas o vaiam na rua e chegam a jogar-lhe
lama no rosto. Para onde se voltasse, encontrava ele recusa e maus tratos.
Apesar de tudo, sua obra caminhava e prosperava.
Quer dizer, a
Providência quis que ele sofresse tanto para, com os méritos dos seus
padecimentos, com seu sangue, regar a semente que lhe fora confiada plantar e
fazer vicejar.
Permitam-me
chamar a atenção para essa regra da qual não se esquiva nenhuma obra
apostólica: o apóstolo autêntico, ou sofre e dá o sangue de alma — mais
dolorido e precioso que o do corpo — pelo que deseja realizar, ou absolutamente
não é apóstolo.
Todo apóstolo
tem de sofrer. E uma das suas aflições mais pungentes é a de se sentir, de um
lado, chamado a empreender uma obra, e, de outro, perceber as ondas contrárias
que parecem tornar sem sentido o chamado que recebeu. Essa coarctação da
vocação, esse enfrentar obstáculos que parecem opor-se à via do Espírito Santo,
constitui uma das dilacerações mais penosas que uma alma pode sofrer.
De maneira que
São João Batista de la Salle agiu como verdadeiro homem de Deus, suportando
todas essas contrariedades. Por fim, a morte o libertou de tudo, e ele
encontrou a sua coroa no Paraíso.
As escolas se
multiplicavam. Em pouco tempo, eram várias espalhadas pela França. Isso, ao
mesmo tempo em que gerava respeito, aumentava o ódio dos demais donos de escola
contra La Salle.
O desgaste fez
com que ele ficasse muito doente. Sua saúde foi se desgastando e tanto ele como
os Irmãos sofreram muito. La Salle chegou a pensar ser ele o culpado por tantos
transtornos e afastou-se do Instituto que ele mesmo, com tanto carinho,
fundara.
Refugiou-se na
Parmênia, uma bela região entre as montanhas, e procurou orientação espiritual
com uma irmã com fama de santidade que lá vivia, a irmã Luísa. Porém os Irmãos
não souberam viver sem o seu amado pai, e enviaram uma carta ordenando que
voltasse e reassumisse a sua missão como Irmão e como superior. Humildemente,
La Salle obedeceu.
Alquebrado pela
idade (conta já com 68 anos, um número muito elevado para a expectativa de vida
na França de sua época), em 1719, La Salle sente-se muito mal. Na quaresma
sente que seus dias chegam ao fim. Já havia deixado no ano anterior de ser
superior. Na quarta-feira santa pediu os últimos sacramentos e na sexta-feira
da Paixão, 07 de abril de 1719, entregou sua alma ao Criador. O comentário que
se ouviu nas ruas foi: “Morreu um santo”.
No ano de 1900,
João Batista de La Salle passou a ser oficialmente um santo da Igreja Católica.
E no dia 15 de maio de 1950, o papa Pio XII proclamou-o padroeiro universal de
todos os educadores. Nada mais natural para quem dedicou a sua vida integralmente
à causa da educação.
A nós cabe
admirar e imitar esse modelo de santidade, de confiança e de resolução que
levou a bom termo a obra para a qual a Providência o suscitou. Obra cujos
frutos enriquecem e torna mais digna de nosso amor a Igreja Católica Apostólica
Romana.
A congregação dos Irmãos Lassalistas, em seus três séculos de história, além de sua grandiosa obra educacional espalhada pelo mundo inteiro (inclusive no Brasil), já concedeu à Igreja muitos santos e bem-aventurados, entre confessores e mártires.
São João Batista de La Salle, Patrono dos Professores e Professoras Cristãos. |
3 comentários:
Em que data ele alojou os professores em sua casa?
Que resolução tomou?
Em que data ele alojou os professores em sua casa?
Que resolução tomou?
As imagens poderiam ser legendadas com autor, data e que cenário que retratam.
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