Fidalgo
e um dos maiores pregadores da Espanha, fustigava com franqueza apostólica os
crimes e vícios de sua época, sendo por isso envenenado. Embora desconhecido no
Brasil, São João de Sahagún figura entre os maiores pregadores deste país de
grandes pregadores que foi a Espanha. Seu exemplo atesta como os autênticos
oradores sacros devem estar dispostos a tudo, até à morte se necessário, antes
que pactuar com os crimes e vícios da época em que vivem.
Filho de herói da guerra contra os mouros
Sahagún é uma
pequena cidade da província espanhola de Leão. Sua glória era a de ter servido
de berço e patíbulo do mártir São Fernando, que na época dos romanos tingiu com
seu sangue as águas do rio Cea. A essa glória, séculos mais tarde se somou a de
ser a pátria de João González de Castrilho, conhecido na História da Igreja
como São João de Sahagún ou São Facundo. Seu pai e homônimo — um “cristão
velho” e fidalgo “pelos quatro costados” — vivia na corte do rei D. João II,
tendo-se notabilizado na batalha de Hiqueruela contra os mouros, sob o comando
do condestável Álvaro de Luna.
O primogênito
dos sete filhos de D. João e de Da. Sancha Martinez, João nasceu no dia 24 de
junho de 1430, festa de São João Batista. Estudou letras e humanidades no Real
Mosteiro de São Bento de sua cidade natal. Dotado de boa inteligência,
avantajou-se muito nos estudos.
Na adolescência
ele foi apresentado por um tio ao Arcebispo de Burgos, D. Alonso de Cartagena.
Antigo rabino sinceramente convertido em Príncipe da Igreja, homem virtuoso de
vasto saber, D. Alonso logo se encantou com as qualidades de João González.
Ordenou-o sacerdote, nomeou-o depois cônego da catedral, além de conceder-lhe
outros benefícios. Mas, renunciando a tudo, o jovem levita se dedicou à cura
das almas, à pregação e aos estudos na pequena igreja de Santa Águeda.
Doutor em teologia e frade agostiniano
Morto D. Alonso
em 1456, o Pe. João trasladou-se para Salamanca a fim de estudar Direito
Canônico em sua célebre universidade. Ao mesmo tempo exercia sua atividade
pastoral em uma capela da cidade. A princípio, por causa de sua humildade,
poucos notaram as qualidades desse jovem sacerdote. Mas um dia convidaram-no
para fazer um sermão em honra de São Sebastião, patrono do colégio São
Bartolomeu. O Pe. João agradou tanto, que foi eleito para essa casa,
tornando-se também muito popular na cidade. Formado, lecionou Sagrada Escritura
no mesmo colégio.
Entretanto, um
cálculo renal tornou necessária uma dolorosa operação, que naquela época punha
em risco a vida do paciente. Diante disso, o Pe. João prometeu a Deus tornar-se
religioso, caso saísse ileso da operação. Eis o que ele mesmo narra sobre o
ocorrido então: “O que se passou naquela
noite entre Deus e minha alma, só Ele sabe; e, logo de manhã, fui [ao convento
de] Santo Agostinho, creio que por iluminação do Espírito Santo, e recebi o
hábito da Ordem”.1
No convento de
Santo Agostinho, João González portou-se como religioso muito virtuoso e
edificante. Por isso foi designado Mestre de Noviços, depois Prior, e
finalmente Conselheiro Provincial. Como aliava à sua profunda virtude muita
ciência, estava apto a comandar; e como sabia obedecer, sabia também mandar.
Frei João também
se notabilizava por uma profunda piedade eucarística. Suas ações de cada dia
eram feitas como preparação para a comunhão do dia seguinte. Muito devoto da
Eucaristia, não podia sê-lo do Santo Sacrifício do Altar. Era favorecido por
êxtases na celebração da Missa, de sorte que esta não tinha fim. O superior
ordenou-lhe que fosse mais breve. Frei João, confuso, comunicou-lhe então o que
se passava entre ele e Nosso Senhor durante a Missa: Jesus Cristo aparecia-lhe
frequentemente, fulgurante como um sol, e lhe fazia as mais altas revelações.
Piedade de um santo muito acessível
Não obstante,
Frei João era um santo muito acessível. Seus biógrafos contam que ele não era
de nenhum modo um místico hipocondríaco e sombrio que inventava a cada dia novo
modo de mortificar seu corpo. Não fazia penitências extraordinárias, jejuava
apenas quando mandava a regra, e comia quando era a hora. “Sua conversação estava cheia de graça; seu rosto alegrava a quem o
olhasse. Ademais, sem saber como, Frei João se tornara o diretor, o mestre, o
pai, o consolo de todos os desgraçados na cidade de Salamanca. De seus lábios
escapavam palavras bondosas; de suas mãos, prodígios estupendos”.2
A pregação foi
sua grande missão. Falava tão bem e pateticamente, que em Salamanca se dizia: “Vamos ouvir o frade gracioso”. Frei
João fustigava os vícios, as modas extravagantes, a licenciosidade de costumes
e as injustiças que via na cidade. Ele foi por isso várias vezes vítima de
atentados. E quando se tratava de apontar alguma irregularidade, não poupava
nem amigos nem pessoas elevadas em dignidade:
“Fazer de outro modo, dizia, é vender a consciência, trair o Crucifixo, e
fazer, por assim dizer, moeda falsa em matéria de religião”.3
Frei João era de
tal modo dotado do poder de penetrar os segredos de consciência, que no
confessionário não era fácil enganá-lo. E aqueles que queriam confessar-se
apenas rotineiramente eram obrigados a fazê-lo bem. Insistia na necessidade do
firme propósito para que fosse boa a confissão. Entretanto, era muito discreto
e misericordioso com os pecadores, sendo por isso muito procurado pelos fiéis.
Fatos milagrosos na vida do santo
Deus Nosso
Senhor semeou a vida de São João de Sahagún com vários prodígios. Assim, um dia
seu irmão, D. Martim de Castrilho, o chamou aflito, porque uma filha sua havia
falecido. Frei João, ao chegar, disse alegremente a seu irmão: “Por que choras? A menina desmaiou e pensam
que morreu”. Tomando-a pela mão, entregou-a com vida à mãe.
Em outra
ocasião, uma mãe em prantos procurou Frei João dizendo que seu filho havia
caído em profundo poço e não era mais visto.
Frei João
dirigiu-se ao local e chamou o menino pelo nome. Este respondeu. Então o Santo
tirou sua correia e a lançou ao poço para que o menino a agarrasse. Ora,
sucedeu que a correia cresceu o necessário para chegar até onde o menino se
encontrava, muitos metros abaixo. Agarrando-se a ela, saiu são e salvo.
Uma multidão que
se tinha reunido em redor do santo começou então a aclamá-lo. Vendo um balaio
de peixe vazio, Frei João o colocou na cabeça e começou a bailar como um tonto,
afastando-se do povo. Chamando-o de louco, alguns meninos começaram a correr
atrás dele e a atirar-lhe pedras, e assim ele chegou ao convento. Desse modo
livrou-se dos louvores, além de ganhar algumas boas pedradas.4
Pacificador e Padroeiro de Salamanca
Entretanto, o
maior feito de São João de Sahagún foi pacificar Salamanca, que nos últimos 40
anos estava sendo devastada por uma guerra de famílias. Era raro o dia em que o
sangue não corresse em abundância, e não havia praticamente família que não
tivesse perdido um ente querido. Como consequência, não existia casa que não
procurasse um meio de vingar-se. O pior é que nem mesmo os magistrados e a
autoridade real eram respeitados. Cometiam-se homicídios mesmo em lugares de
asilo, e matava-se até junto aos altares.
São João de
Sahagún não omitiu nada para reunir os dois partidos opostos e fazer cessar o
espírito de vingança que os animava. Tudo empregou, tanto no confessionário
quanto no púlpito, nas ruas e até em frente às casas dos litigantes para fazer
cessar esse flagelo.
Enquanto pregava
um dia contra essas desordens na igreja lotada, sobreveio no templo um murmúrio
de desagrado, pondo alguns a mão na espada. O santo interrompeu então o sermão
e, em tom de profeta, disse que o primeiro que empunhasse o gládio cairia
morto. Um dos senhores mais responsáveis pelo litígio quis desafiar o pregador,
mas caiu fulminado. Esse castigo tão súbito, tão público e tão milagroso causou
tanto efeito, que operou a difícil reconciliação. Pelo que João de Sahagún
recebeu na cidade o título de “El Pacificador”.
Quando contava apenas
49 anos Frei João de Sahagún começou a falar de sua morte próxima, apesar de
estar com boa saúde. Suas palavras proféticas logo se realizaram.
Havia em
Salamanca um senhor da alta nobreza que levava vida escandalosa com uma mulher
sem que ninguém ousasse repreendê-los. São João tomou então a liberdade de lhes
mostrar o estado pecaminoso em que viviam e o escândalo que davam à cidade,
ameaçando-os com o castigo divino. Suas palavras e admoestações causaram
profundo efeito sobre o nobre que, arrependido, rompeu a ligação ilícita em que
vivia. O mesmo, entretanto, não ocorreu com sua concubina, que jurou vingar-se.
Não se sabe por que meios ela conseguiu colocar um veneno lento, mas mortal,
num alimento que Frei João ia tomar. A consequência foi um lento e doloroso
depauperamento do santo. Sofrendo tudo com paciência admirável, no dia 11 de
junho de 1479 ele entregou sua alma a Deus.
Beatificado por
Clemente VIII em 1601 e canonizado por Inocêncio XII em 1690, São João de
Sahagún é o padroeiro de Salamanca.
_____________
Notas:
1. P. Antolínez,
Vida de San Juan de Sahagún, Salamanca, 1605, apud Victorino Capánaga, San Juan
de Sahagún, Gran Enciclopédia Rialp, Ediciones Rialp, Madri, 1973, tomo XIII,
p. 590.
2. Fr. Justo
Perez de Urbel, O.S.B., Año Cristiano, Ediciones Fax, Madri, 1945, tomo II, p.
600.
3. Les Petits
Bollandistes, Vies des Saints, Bloud et Barral, Libraires-Éditeurs, Paris,
1882, tomo VI, p. 600.
4. Cfr.
Edelvives, El Santo de Cada Dia, Editorial Luis Vives, S.A., Saragoça, 1947,
tomo III, pp. 439-440.
(por
Plinio Maria Solimeo, site Catolicismo)
****************
São João nasceu
em Sahagún, vila da província de Leão, e dela tomou o nome. Havia na sua
freguesia uma abadia beneditina e nela estudou as humanidades. Depois passou ao
serviço de D. Afonso de Cartagena, que o ordenou sacerdote, o nomeou capelão,
camareiro do palácio e cónego. João tinha apenas 20 anos.
Em 1456 morre o seu protetor. Sai ele de
Burgos e vai para Salamanca, que se tornará a sua segunda pátria. Começa por
sentar-se nos bancos das aulas como estudante, para ouvir as lições daqueles
grandes mestres, embora o ensino que mais o atrai seja o do Divino Mestre, que
fala aos corações. Consegue uma bolsa no colégio de S. Bartolomeu, mas logo
renuncia a ela para dedicar-se plenamente à pregação. Anda todavia em
experiências, sem ter encontrado o caminho real da sua vocação. Uma doença paralisa-o
nas suas correrias de apóstolo e vê-se obrigado a estar de cama.
Na solidão e retiro do leito, reflete,
faz oração, vê e promete fazer-se religioso logo que se restabeleça. Deus
concede-lhe a saúde e ele toma o hábito no convento de Santo Agostinho.
Professa em 1436. É agora homem feliz; encontrou o seu caminho; os seus dias
estão cheios de luz e as suas noites de alegrias misteriosas. Como anjo de paz,
surge para sossegar as contendas conhecidas pelo nome dos «bandos de
Salamanca», despertadas pela fúria vingativa de Dona Maria de Monróy, chamada a
Brava. A liberdade com que pregava e exercia o apostolado causou-lhe sérios
desgostos.
Pregava em Salamanca e em todos os
arredores, nas igrejas e nas praças, e muitas vezes mandava que lhe colocassem
o púlpito diante das casas dos chefes das fações e dos pecadores públicos. A
multidão aglomerava-se à sua volta e não se cansava nunca de ouvir os seus
sermões, porque pela sua boca falava o Espírito de Deus. Não era tanto a
ciência como a força divina que transparecia das suas palavras. Esta força do
céu comunicava-se-lhe especialmente durante a Santa Missa.
Ele e Deus eram os únicos que sabiam o
que se passava, enquanto oferecia o Sacrifício Eucarístico. O próprio Cristo se
lhe mostrava na Sagrada Hóstia como sol resplandecente, segundo comunicou aos
seus Superiores. Falava com Ele e recebia as mais altas comunicações; via as
suas chagas, saborosas como favos de mel e rutilantes como astros. “Digo-vos, declarava depois o Prior, que
tantos e tais segredos me disse que via, que eu ia desfalecendo e pensei que ia
cair no chão, morto, pelo grande terror que me invadiu”. Assim se explica
que as suas Missas fossem tão longas, como também os sermões. Quanto ao mais,
como dizem os seus hagiógrafos, não fazia penitências extraordinárias. Jejuava
quando a Regra lho mandava e comia quando a sineta o chamava para comer.
Apesar de austero para consigo, era doce e
suave para com os outros. Tinha um coração cheio de caridade para com Deus e
para com o próximo. Tinha-se feito o diretor, o mestre, o pai e a consolação de
todos os desgraçados de Salamanca. De suas mãos desprendiam-se, com palavras
bondosas, prodígios estupendos em favor dos pobres e dos aflitos.
Morreu a 11 de Junho de 1479 e, ao que
parece, envenenado por uma mulher má, irritada contra a pregação e zelosos
conselhos do Santo. Foi canonizado em 1690 por Alexandre VIII.
Urna contendo as relíquias do Santo. |
(Fonte:
Fraternidade São Gilberto)
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