Guerreiro
indomável, de ardentíssima devoção a Nossa Senhora, com arma numa das mãos e
rosário na outra, salvou a Suíça de grave crise e marcou os rumos de seu país
nas vias de Deus
Nicolau de Flüe,
ou Bruder Klaus (irmão Klaus), como é conhecido em sua pátria, nasceu em
Sachseln, no cantão de Unterwald, na Suíça, em 1417.
Os biógrafos não
são concordes quanto à sua origem: “De
uma família de bons e piedosos pastores”, dizem os Bolandistas.(1) “De uma das mais nobres e antigas famílias
do país”, diz outro biógrafo.(2) O que prevalece é que ele pertencia a uma
abastada família, muito influente no povoado natal.(3)
Seja como for,
seus biógrafos afirmam que Nicolau era um “jovem
casto, bom, virtuoso, piedoso e sincero, dado à oração, mortificado, e que
cumpria conscienciosamente seus deveres”.
Diz um seu
biógrafo: “Nicolau deixou de ser criança
tão cedo, que parecia ter-se antecipado nele a piedade à razão, assim como a
razão à idade. Notou-se desde logo nele um juízo tão maduro, um entendimento
tão claro e uma prudência tão superior a seus anos, que se creu que havia
alcançado o uso da razão antes de sair do berço, contra as regras ordinárias da
natureza”.(4)
Outra nota
dominante nesse privilegiado santo é a constância no humor, bondade de coração
e suavidade de trato, que atraíam todos seus concidadãos.
Uma arma numa das mãos e o terço na outra
Em 1446, aos 29
anos, Nicolau foi defender seu cantão na batalha de Ragaz. Participou de outras
campanhas, inclusive a de 1460, chamada guerra de Thurgau. Demonstrou tanta
bravura nessa guerra, que recebeu uma medalha de ouro. Por sua influência,
salvou do furor dos confederados o convento dominicano de Santa Catarina, onde
os austríacos se haviam refugiado.
“Irmãos, disse-lhes, não mancheis com
a crueldade a vitória que Deus nos deu”.
Na guerra
Nicolau levava a espada numa das mãos e o terço na outra. Mostrou-se sempre um
guerreiro corajoso e um cristão misericordioso.
Modelar família de dez filhos
Para obedecer
aos pais, casou-se com uma conterrânea virtuosa, Dorotéia Wyss. Tiveram dez
filhos, cinco homens e cinco mulheres. Nicolau dedicou-se inteiramente à
educação da numerosa prole, tanto religiosa quanto civil. Dois de seus filhos
chegaram a ser sucessivamente governadores do cantão, desincumbindo-se do cargo
com honra e eficiência. Um terceiro, que ele fez estudar em Bâle e Paris,
tornou-se piedoso sacerdote, doutor em teologia.
Em sua vida
matrimonial, Nicolau não só não arrefeceu na prática da virtude, mas cresceu
ainda em devoção. Para satisfazê-la, segundo seu filho João de Flüe, “meu pai ia sempre se deitar na mesma hora
que seus filhos e domésticos; mas todas as noites eu o via levantar-se de novo
e rezar em seu quarto até a manhã”.(5) Muitas vezes ele ia também, no
silêncio da noite, rezar na vizinha igreja de São Nicolau ou caminhar pelos
bosques circunvizinhos. Essas caminhadas noturnas, em que ele se sentia mais
perto de Deus, eram para ele as melhores horas.
Nicolau tinha
uma profunda
devoção à Santíssima Virgem, terna e inflamada, e não havia conversa em
que ele não entremeasse frases sobre as excelências, o poder e a bondade dessa
terníssima Mãe. Ele fazia periodicamente peregrinações aos seus inúmeros
santuários.
Mesmo
trabalhando no campo, o santo não deixava seu rosário, que aproveitava para
rezar em qualquer tempo livre.
Chamado a uma dedicação total a Deus
Nicolau apareceu
diante dos parentes e amigos descalço, com longa túnica de peregrino, pedindo
perdão por alguma falta involuntária. O amor às coisas celestes e algumas
visões que teve fizeram reavivar em Nicolau o desejo de se dedicar
exclusivamente a Deus. Estava chegando aos 50 anos, os filhos estavam
praticamente criados, e não havia mais tempo a perder. Procurou sua virtuosa
esposa e explicou-lhe a vocação que Deus tão prementemente lhe dava,
suplicando-lhe liberdade para segui-la. Estavam casados havia 20 anos, tinham
numerosa prole com alguns filhos ainda pequenos. Mas a heroica mulher,
conhecendo bem seu marido e sabendo que não se tratava de um fervor passageiro
ou fantasia, com uma resignação tranquila consentiu, prometendo terminar de
educar os filhos no temor e amor de Deus.
Com exceção da
abnegada Dorotéia, todos os parentes foram contra essa ideia que lhes pareceu
estapafúrdia, inclusive os dois filhos mais velhos, se bem que só
momentaneamente.
No dia 16 de
outubro de 1467, tendo posto em ordem seus negócios e dividido seus bens,
Nicolau apareceu diante dos parentes e amigos descalço, com longa túnica de
peregrino, bastão numa das mãos e o terço na outra. Agradeceu o bem deles
recebido e pediu perdão por alguma falta involuntária. Exortou a todos a
temerem a Deus e a jamais esquecerem seus mandamentos. Depois, dando a bênção a
todos, partiu, com o coração dilacerado pela afeição ao que deixava.
Por 20 anos, seu único alimento foi a Eucaristia.
Nicolau pensou
em ir para outro país para estar mais longe daquilo que amava. Mas depois, por
uma inspiração do alto, voltou para uma sua propriedade, onde construiu pequena
cabana para nela viver entregue à oração e à contemplação. Seu irmão Pedro foi
procurá-lo, resolvido a levá-lo de volta para casa, alegando que poderia morrer
de frio ou fome, isolado no terrível inverno suíço. Nicolau respondeu-lhe: “Saiba, meu irmão, que não morrerei de
fome, pois já fazem onze dias que não como e não sinto necessidade de alimento.
Tampouco morrerei de frio, pois Deus me sustém”.
E aqui está o
mais impressionante milagre da vida de São Nicolau de Flüe, raro mesmo nos
anais da santidade: durante os últimos 20 anos de sua vida, ele não comeu nem
bebeu, mas viveu só da Sagrada Eucaristia!
Mas ele não fez
isso sem aconselhamento, para não tentar a Deus. Um venerável sacerdote, o Pe.
Osvaldo Isner, pároco de Kerns, deixou este relato no livro de sua paróquia, em
1488: “Quando Nicolau começou a se abster de alimentos naturais, e havia assim
passado onze dias, mandou procurar-me e me perguntou secretamente se devia
tomar algum alimento [...]. Em seus membros não restava senão pouca carne, pois
tudo estava dessecado até a pele. Quando vi e compreendi que isso não podia
provir senão da boa fonte do amor divino, aconselhei ao irmão Nicolau que persistisse
na prova tão longamente quanto lhe fosse possível suportar sem perigo de morte
[...]. Foi o que fez: desde esse momento até sua morte — quer dizer, por volta
de vinte anos e meio — continuou a se abster de qualquer alimento corporal
[...]. Ele me confessou que, quando assistia à Missa e o padre comungava,
recebia uma força que lhe permitia permanecer sem comer e sem beber, pois de
outro modo não poderia resistir”.(6) “Se durante 20 anos — diz o Papa Pio XII —
ele se alimentou unicamente do pão dos anjos, este carisma foi o complemento e
a paga duma longa vida de domínio de si mesmo e de mortificação por amor de
Cristo”.(7)
Grandes conversões seguidas de maravilhas
A cela do santo em Ranft, à qual foi anexada
uma capela, conservada com rendas dos arquiduques Quando começou a se propalar
esse fato prodigioso, uma multidão crescente passou a acorrer de todos os
cantos para ver o homem a quem Deus dava tal graça. Os magistrados da cidade
enviaram guardas, que ocuparam durante um mês, dia e noite, as redondezas da
cabana do irmão Nicolau e comprovaram que o piedoso eremita não tomava mesmo
outro alimento que a Sagrada Eucaristia.
O bispo de
Ascalão foi à própria cela de Nicolau, obrigando-o, em virtude da obediência,
que comesse o alimento e tomasse o vinho que havia levado. Tentou fazê-lo, mas
imediatamente começou a sentir tão violentas dores de estômago, que se temeu
por sua vida. E não se insistiu mais sobre isso.
Continuando a
crescer o número de peregrinos que vinham ver o irmão Nicolau, seus concidadãos
lhe edificaram uma cela de pedra, com uma capela anexa, à qual a piedade dos
arquiduques da Áustria assinalou as rendas necessárias para sua conservação e
manutenção, com um capelão para servi-la. Assim Nicolau pôde assistir
diariamente ao Santo Sacrifício sem sair de sua cela.
Aumentando ainda
o afluxo dos fiéis, o irmão Nicolau, para lhes fazer algum bem, começou a
fazer-lhes uma prática espiritual. Com isso reformaram-se os costumes, houve
grandes conversões seguidas de muitas maravilhas. Ele tinha o dom dos milagres
e da profecia.
“Retirar-se do
mundo não marcou todavia, para São Nicolau, o fim duma obra histórico-política.
Foi antes um princípio de mais pronunciada fase. Nicolau fora juiz e
conselheiro do seu cantão. Fora também deputado na Dieta federal de 1462 e
recusara o cargo de chefe de Estado. O seu influxo nos assuntos federais
mostra-se já evidente no tratado de paz perpétua com a Áustria em 1473.
Evitando a guerra civil, fez renascer a unidade da Suíça, o que lhe valeu o
título de ‘Pai da Pátria’. Em 1481, quando Unterwald estava decidido a
separar-se de Lucerna e de Zurique, o que poria fim à existência da
Confederação, um emissário da Assembleia, que se dispunha a homologar a
ruptura, correu a trazer a notícia ao ermitão de Ranft. Nicolau passou a noite
a redigir um projeto de constituição que, no dia seguinte, foi aprovado por
unanimidade pela mesma Assembleia, o que restabeleceu para sempre a unidade e a
paz”.(8)
Uma das mais
terríveis profecias feitas por São Nicolau foi a respeito da pseudo-reforma
protestante, que haveria de dividir também seu país. Predisse que, após sua
morte, “vão chegar infelizes tempos de
revolta e de dissensões na Igreja. Ó meus filhos — disse ele com lágrimas
nos olhos — não vos deixeis seduzir por
nenhuma inovação! Uni-vos e mantende-vos firmes. Permanecei na mesma via, nos
mesmos caminhos que nossos piedosos ancestrais, conservai e mantende o que nos
foi ensinado. É assim que resistireis aos ataques, aos furacões, às tempestades
que se elevarão com tanta violência”.(9)
São Nicolau de
Flüe faleceu no dia 21 de março de 1487, aos 70 anos, sendo canonizado por Pio
XII em maio de 1947.
________________________
Notas:
1. Les Petits
Bollandistes, Vies des Saints, Bloud et Barral, Libraires-Éditeurs, Paris,
1882, tomo 4º, pp. 83-84.
2. Edelvives, El
Santo de Cada Dia, Editorial Luis Vives, S.A., Saragoça, 1947, tomo II, p. 311.
3. Por exemplo, The Catholic Encyclopedia, Volume XI,
Copyright © 1911 by Robert Appleton Company, Online Edition Copyright © 2003 by
Kevin Knight.
4. Edelvives,
id. Ib.
5. Les Petits
Bollandistes, op. cit., p. 85.
6. Id., p. 87.
7. In Pe. José
Leite, S.J., Santos de Cada Dia, Editorial A.O., Braga, 1993, vol. I, p. 363.
8. Id. , p. 363.
9. Guido
Goerres, Le Bienheureux Nicolas de Flue, traduit de l’allemand. In Les
Bollandistes, op. cit., p. 91.
(Fonte: site Catolicismo, de Plínio Maria Solimeo)
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