Na história da Igreja há um só precedente de um condenado à
morte por delitos comuns e elevado à honra dos altares. Trata-se do “bom
ladrão”, São Dimas, há 2.000 anos.
Depois do processo diocesano celebrado a Paris, chegaram a Roma
os atos da causa de beatificação de Jacques Fesch, um jovem francês
guilhotinado pelo homicídio de um policial, durante um assalto.
Sua história é um exemplo maravilhoso de que é possível uma conversão sincera, um arrependimento verdadeiro e de que, mesmo tendo-se cometido pecados graves, uma pessoa pode vir a se santificar pela confiança em Deus, pelo reconhecimento da infinita misericórdia divina, pela humildade, pela oração, pela contrição perfeita de seus pecados e pelo oferecimento a Deus de todas as suas penas e sofrimentos como forma de expiá-los. Sua história é muito edificante.
“Santo assassino”
Estamos
acostumados a ouvir histórias de santos que desde a infância tiveram uma adesão
humilde e forte à fé recebida em seu santo Batismo. Santos que se tornaram
notáveis pelo amor incondicional à Igreja e ao próximo. Santos que gozavam de
tamanha fé que lhes permitia operarem grandes milagres. Isto fez com que alguns
encarassem a santidade como algo extraordinário, impossível de ser alcançado.
Eis a razão pela qual muitos se escandalizaram quando foi encerrada a fase de
informação diocesana e aberto o processo de beatificação de Jacques Fesch,
jovem francês, condenado à prisão e finalmente executado na guilhotina, por ter
matado um policial e ferido um funcionário de uma casa de câmbio numa tentativa
de roubo.
Nascido em
família rica, filho de um poderoso banqueiro belga, ateu e adúltero,
indiferente quanto à formação religiosa de seus filhos. Não possuía gosto pelos
estudos. Foi enviado à Alemanha para combater pelo exército francês. Depois de
ter prestado serviço militar, foi-lhe arranjado um emprego com alto salário em
um banco, sendo demitido após três meses. Levava uma vida mundana. Com fama de
playboy, era dado às bebedeiras e frequentemente se envolvia com prostitutas.
Casou-se aos 21 anos numa cerimônia civil com Pierrette Polack, filha da
vizinha, que estava esperando um filho seu. Seus pais, antissemitas, não
aceitaram o fato de sua nora ser filha de pai judeu. Não obstante o nascimento
da filha, o jovem Fesch continuou a se encontrar com outras mulheres. Desses
encontros nasceu Gérard, filho bastardo que foi entregue aos cuidados de um
orfanato. Logo após, o casal se divorciou.
Inquieto e
deprimido, pretendendo fugir das responsabilidades da família que, muito jovem,
havia formado, decidiu empreender uma navegação solitária em redor do mundo.
Pediu a seus pais a ajuda financeira necessária para comprar um barco e
realizar tal viagem. Eles, não compreendendo a delicada situação emocional de
seu filho, tendo-o por desequilibrado e ilusionista, negaram todo o apoio. A
fim de conseguir recursos para o seu plano, acertou com o famoso cambista
Alexander Silberstein a troca de dois milhões de francos por barras de ouro. No
entardecer do dia 25 de fevereiro de 1954, dirige-se à casa de câmbio. Lá,
apontou um revólver e exigiu a entrega do dinheiro que estava guardado na
registradora. O cambista reagiu, sendo atingido com duas coronhadas na cabeça.
Enquanto fugia com a quantia roubada, por meio de uma rua movimentada,
deparou-se com um policial, Jean Vergne, de 35 anos, viúvo e pai de uma filha
pequena. O policial, que havia sido alertado por alguém que estava a passar, de
que aquele jovem havia assaltado uma casa de câmbio, ordenou que ele parasse e
se entregasse. Hesitante, o jovem atirou três vezes, o que custou a vida do
policial. Revoltada, a multidão começou a perseguir o assassino, que continuava
a atirar, ferindo uma moça no pescoço. Finalmente, ele se rendeu e foi preso.
O crime ganhou
repercussão na França. O homicida não era um homem comum, mas filho de um rico
banqueiro. Levado a julgamento, não demonstrava arrependimento. Com seu
característico humor sarcástico, limitou-se a dizer: “Arrependo-me de não ter
usado uma metralhadora”. O tribunal marcou uma audiência futura, na qual seria
decidida a condenação à guilhotina. Já na prisão de La Santé, foi levado ao
capelão, a quem falou: “Não tenho fé. Não se preocupe comigo”. No entanto seu advogado,
Paul Baudet, católico fervoroso, decidiu lutar não apenas para salvar a vida de
seu cliente, mas, sobretudo para salvar sua alma. Jacques Fesch contava também
com o apoio espiritual do velho capelão dominicano. Com o passar do tempo,
começou a sentir uma angústia que penetrava no mais profundo de seu ser. Uma
angústia pela vergonha que havia causado à sua família. Crescia o temor da
morte, ao passo que os dias para sua possível execução se aproximavam.
Entretanto, ele continuava cético e descrente. Chegou por vezes a ter desejos
de atentar contra sua própria vida.
Foi na noite de
28 de fevereiro de 1955 que sofreu uma
conversão repentina após ter passado por uma experiência mística. Assim
descreve: “Estava deitado, olhos abertos,
realmente sofrendo pela primeira vez na vida. Repentinamente, um grito saiu de
meu peito, uma súplica por ajuda – Meu Deus – e, como um vento impetuoso que
passa sem que soubesse de onde vem, o Espírito do Senhor me agarrou pela
garganta. Tive a impressão de um infinito poder e de uma infinita bondade que,
daquele momento me fez crer com convicção que nunca estive abandonado”.
Enquanto a
justiça dos homens faz o seu curso com os processos, os interrogatórios, as
acusações do ministério público e os planos da defesa, o jovem na solidão da
sua cela lê as revistas, clássicos e romances que lhe passam. Também o Capelão
e o seu advogado, Baudet, um convertido que se tornou carmelita secular lhe
incentivam leituras espirituais. Jacques é fulminado pelas figuras de Francisco
de Assis, Teresa de Ávila e Teresinha do Menino Jesus a quem chamava de “minha pequena Teresa", bem como da
Divina Comédia. Depois de um ano de detenção tem uma experiência mística em
que, conforme relato seu em uma carta, "como um vento impetuoso que passa,
sem que se saiba de onde vem, o Espírito do Senhor me agarrou".
A um amigo seu
confiou certa vez: "agora tenho
verdadeiramente a certeza de começar a viver pela primeira vez. Estou em paz e
dei um sentido à minha vida, enquanto antes não era mais que um morto
vivo". Isolado em uma pequena cela comunica a sua fé com cartas que
depois se tornaram objeto de reflexão por parte dos jovens católicos franceses.
Fesch ainda passaria dois anos e meio na prisão. Durante este tempo, levou uma vida ascética.
Evitava qualquer regalia. Dizia
sempre que na cadeia existem duas formas de viver, ou se rebelar contra sua
própria situação, ou adotar um estilo de vida monástico. Tendo verdadeiramente
a certeza de que começara a viver pela primeira vez, recluso em sua cela, transmitia a sua fé por meio de cartas que
se tornaram objetos de reflexão por parte de jovens católicos franceses.
Mesmo passando por períodos depressivos, o temor da morte desapareceu face ao
temor de morrer em pecado. Finalmente, após quase três anos de espera, Jacques
foi levado ao julgamento definitivo. Lá, demonstrou sincero arrependimento pelo
que havia causado ao policial e à sua família. Todavia, não obstante a
eloquência do advogado e as lágrimas de remorso do réu, a corte foi unânime em
declará-lo condenado à morte. Agendada a data da decapitação, procurou aguardar
a execução em paz e em oração, enxergando-a como uma forma de santificação.
Resistiu à tentação de odiar aqueles que o haviam sentenciado ao cruel destino.
Escreveu em seu diário: “Que cada gota do
meu sangue apague um pecado mortal.”. Jacques espera a execução em oração,
aceitando-a como ocasião de graça.
As notícias de
sua conversão comoveram milhares de pessoas. Sua última esperança seria a
absolvição dada pelo presidente René Coty. Este, por pressão da polícia, não
demonstrou misericórdia. Nas vésperas da execução, o jovem escreveu: “Último dia de luta. Amanhã, nesta hora,
estarei no Paraíso. Que eu morra, se essa for a vontade do bom Deus. A noite
avança e eu fico cada vez mais apreensivo. Meditarei na agonia do Senhor no
Horto das Oliveiras. Oh, bom Jesus, ajudai-me, não me abandoneis. Mais cinco
horas, e estarei na verdadeira Vida. Mais cinco horas, e eu verei Jesus!”.
Às 05h e 30min
do dia 1° de outubro de 1957 (festa
de Santa Teresinha), os guardas carcerários que vão buscá-lo o encontram de
joelhos e em oração ao lado da cama bem arrumada. "Senhor, não me abandone, eu confio em Ti" - foram suas
últimas palavras.
Sua experiência
mística, sua espiritualidade fervorosa, sua vitória na batalha contra si mesmo
e contra os demônios da amargura e do desespero, inspiraram a abertura de seu
processo de beatificação. Porém, não faltaram objeções. Uns alegaram que era um
absurdo se beatificar um criminoso. Outros argumentavam que a beatificação poderia
levar outros assassinos a usarem a desculpa de conversão como meio de evitar
qualquer punição. É salutar ressaltar que na história da Igreja há um só
condenado à morte por crimes que foi elevado à glória dos altares: o Bom
Ladrão, a quem a Tradição atribuiu o nome de Dimas, morto com o Senhor no
Calvário. Essa é a prova de que ninguém está perdido aos olhos de Deus, mesmo
que a sociedade o tenha condenado e desprezado. Ele conhece nossas fraquezas,
nossos limites e, com a ternura de um Pai, está sempre disposto a nos perdoar,
mesmo que nos arrependamos nos últimos momentos.
Por se tratar de
um precedente único, o processo de
beatificação de Jacques Fesch foi tratado com a maior cautela. Foram analisados todos os seus escritos.
Quando estava para ser aberto o processo, o Emmo. Sr. Cardeal Jean-Marie
Lustiger, então arcebispo de Paris, declarou que para a Igreja declarar alguém
santo, não significa propor à admiração seus erros ou crimes; pelo contrário,
significa apontar o exemplo de conversão de alguém que, apesar de uma vida
pregressa condenável, soube ouvir a voz de Deus e retornar a Ele. Não existem
pecados, por mais graves que sejam, que impeçam a Deus de ir ao encontro do ser
humano e de lhe propor a salvação, concluiu o cardeal.
Hoje, concluído
o processo de beatificação, resta aguardar a comprovação de um milagre
alcançado por sua intercessão. É provável que o Santo Padre Bento XVI tenha a
honra de elevar aos altares em um futuro não muito longínquo, um jovem
desorientado pertencente à alta burguesia, homicida e condenado à morte, que,
no cárcere, logrou em pouco tempo altos cumes de espiritualidade com sua
fulgurante conversão. Penso que se ele foi capaz de entregar-se totalmente a
Deus, também nós, apesar de nossa fraqueza e miséria, não devemos nos
desesperar, por pouco que perseveremos em sair de nossos pecados. Basta que
ponhamos nossa confiança no nosso Salvador, sempre vivo a interceder por nós e
disposto a nos perdoar.
Jacques e Teresinha do Menino Jesus
“Que bela esta pequena santa, pois como está tão
perto de nós! Pela pequena via, sei que posso levantar-me. Dê as pequenas
coisas que não são muito difíceis. Darei o meu cigarro”. Jacques se
coloca no lugar de Pranzini: ela salvou a alma de um homem condenado à morte e
seu caso é muito semelhante. Teresa de Lisieux era comemorada, naquela época,
no dia 3 de outubro, Jacques espera morrer naquele dia: "sinto que a quinta-feira se aproxima com a minha pequena Santa
Teresinha do Menino Jesus". Ele faleceu em 1º de outubro, dia que,
depois do Vaticano II, passou a ser o dia da festa de Teresinha (na década de
50 sua memória era celebrada no dia 03 de outubro).
(Carlos Eduardo
Burle)
8 comentários:
Achei super interessante. Com certesa a misericordia de Deus o santificou. Mas gostaria muito de ler seus relatos em seu livro em Portugues, sou Brasileira.
Muito linda a história da conversão dele,sinal que o Espírito Santo assopra onde quer,onde precisa!
Deus seja louvado.Seria bom saber mais a respeito,através de
livros.
Waleska Frota-Fortaleza.
Muito fácil ser Santo na igreja católica...basta empunhar uma arma,matar pessoas,ferir outras,cometer assaltos, e pronto! Já é santo.
Santo é JESUS CRISTO!Este nunca errou,nunca,pecoue nem tirou a vida de ninguém,antes a deu!!!
Fico imprecionado como Deus toca o coração daquele perdido, rejeitado,maluco,ateu,vida completamente mudana e voltada aos prazeres,contudo isso,ele foi alcançado pela infinita misericórdia que não conseguimos entender, é necessário viver.
Só a Deus o poder de julgar, o Espírito Santo age onde quer...
Há mais alegria no Céu por um só pecador que se converte, do que por 99 justos que não precisam de conversão. Lucas 15,10
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