A
verdadeira felicidade exige coragem e espírito de sacrifício, rejeição de todo
compromisso com o mal e disposição para pagar com a própria vida a fidelidade a
Deus e aos seus Mandamentos.
"Nessa tarde, em Ferriere di Conca, um maníaco
sexual, aproveitando a ausência de familiares, tentou violentar uma garota de
12 anos que morava na mesma casa que ele. A menina, que se chamava Maria,
reagiu às tentativas do agressor e foi morta."
Fatos
semelhantes a esse se tornaram frequentes em nossos dias. Para muitos, este ato
vil e ignóbil, já tem a aparência de corriqueiro... E, considerando apenas a
frequência com que acontecem e são noticiados, até que seria fácil
considerá-los banais, caso neles não estivessem envolvidos aspectos tão graves
e elevados como a vida humana, os bons costumes, a moral e os mandamentos da
Lei de Deus.
A notícia que
transcrevemos acima pode ser tida como mera repetição: não é! Um dos aspectos
que a tornam sublime é o fato de a vítima ter se transformado em exemplo: por
amor a Deus, ela enfrentou seu algoz para defender sua pureza; morreu virgem.
No artigo que publicamos você conhecerá o que leva essa notícia a não ser banal,
mas, sublime. Você saberá por que uma menina, há mais de cem anos, foi capaz de
defender a virgindade até o martírio e tornar-se santa. Você saberá quem foi
Santa Maria Goretti.
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* *
O século XX se
iniciou sob a égide do progresso nas comunicações. Com o aperfeiçoamento da
fotografia e da imprensa, jornais, folhetos e revistas pululavam por toda parte,
noticiando acontecimentos ocorridos nos mais distantes rincões da Terra.
Foi este um
fator preponderante para que, em 1902, o mundo cristão pudesse tomar
conhecimento da trágica história de uma camponesa italiana de apenas onze anos
de idade, brutalmente assassinada com 14 punhaladas, enquanto defendia até o
martírio a virtude angélica. Seu nome - Maria Goretti - "se nos apresenta
como um incitamento ao zelo da Igreja pela pureza, ao valor dessa virtude que
ela sempre inculcou. De tal maneira que mais vale a pena à pessoa sacrificar
sua vida do que perder a castidade”. 1 Entretanto, a firmeza dessa pequena
mártir não nasceu de um momento para outro, mas foi fruto de uma intensa vida
espiritual, fortalecida pelo Pão Eucarístico nas suas últimas semanas de vida.
Este fato, quiçá, tenha contribuído de modo decisivo para, oito anos depois, o
Papa São Pio X facultar a Primeira Comunhão às crianças tão logo lhes desponte
o uso da razão, pressentindo os maravilhosos efeitos que a presença de Cristo
iria produzir nos corações infantis. "Haverá santos entre as
crianças", afirmou ele.
Muito se
escreveu já a respeito do martírio dessa santa, tão bem cognominada como um
"Anjo da Pureza". Contudo, pouco se comenta de sua breve e piedosa
vida, cujo desfecho não foi senão uma decorrência da fé e do amor a Jesus,
levados às últimas consequências. É o que teremos oportunidade de contemplar
nestas linhas.
Lar pobre, profundamente cristão
Nascida em 16 de
outubro de 1890, na aldeia de Corinaldo, próxima do mar Adriático, a segunda
filha de Luigi Goretti e Assunta Carlini foi batizada logo no dia seguinte, com
o nome de Maria Teresa. A família era pobre, mas profundamente católica, e,
seguindo o costume vigente naquele tempo, os pais fizeram com que Marietta -
como passou a ser carinhosamente chamada - recebera o Sacramento da Crisma com
apenas seis anos de idade.
Mudança de casa e de vida
Quando a menina
tinha tão só sete anos, o pequeno campo de Luigi Goretti tornou-se insuficiente
para manter a família, e ele decidiu emigrar para Colle Gianturco, nos
arredores de Paliano, distante a uns 50 quilômetros de Roma, em busca de
melhores oportunidades. Todavia, ali também não tiveram êxito: apesar da dura
labuta sob o Sol abrasador, mal conseguiam o necessário para alimentar-se.
Dois anos
depois, nova mudança se fez necessária, desta vez para Ferrieri di Conca,
triste e pantanosa localidade agrícola, onde Luigi faleceu um ano depois de
haverem ali chegado, com apenas 41 anos de idade, vítima da malária que
grassava naqueles úmidos campos.
Marietta
manifestava um caráter bondoso, dócil e humilde, e se revelou de uma maturidade
precoce impressionante, diante da necessidade da mudança de vida que se lhe
apresentou. Ajudou nos cuidados do pai enfermo como uma pessoa adulta e, após
sua morte, assumiu os encargos do lar, para a mãe poder substituir o marido nos
trabalhos do campo. Limpava a casa, buscava água na fonte, rachava lenha,
cozinhava e cuidava dos quatro irmãos menores como uma pequena mãezinha. Quando
lhes faltava o alimento, conseguia algo a custa de alguns trabalhos, como a
venda de pombos e ovos no mercado da cidade próxima, Nettuno.
Não se esquecia
da educação dos irmãozinhos: repreendia-os pelas travessuras, ensinava-lhes as
boas maneiras, as orações e os rudimentos do Catecismo. Apaixonada pelo Santo
Rosário, rezava-o todas as noites em companhia da mãe e dos irmãos, com uma
piedade edificante. E depois de todos se recolherem, recitava mais um terço em
sufrágio da alma de seu falecido pai.
Mama Assunta, mãe de Santa Maria
Goretti (foto dela já bem idosa)
|
Estes são alguns
lampejos de sua alma angelical. Sua mãe, depois de falecida a filha, não
deixava de dar testemunho de sua virtude: "Sempre, sempre, sempre
obediente a minha filhinha! Nunca me deu o mais pequenino desgosto. Mesmo
quando recebia alguma repreensão imerecida, por faltazinhas involuntárias,
nunca se mostrou rebelde, nunca se desculpou, mas mantinha-se calma, respeitosa,
sem nunca ficar amuada".
Malfadada sociedade com os Serenelli
Em Ferrieri,
Luigi trabalhava numa propriedade do conde Lorenzo Mazzoleni, em sociedade com
Giovanni Serenelli e seu filho Alessandro. Viúvo, muito dado ao vinho e sem
discrição nas palavras, Giovanni não se preocupara com a educação do filho.
Este, com 19 anos de idade, era um rapaz de caráter introvertido, sem qualquer
formação religiosa. Nunca ia à Missa e apenas vez por outra acompanhava os Goretti
na recitação do rosário, num canto da sala.
Sendo o único
daquela casa que sabia ler, seu pai lhe trazia jornais com artigos de cunho
anticlerical, além de novelas inconvenientes, contendo ilustrações que
despertavam sua imaginação e exacerbavam- -lhe os maus desejos. Ele as
utilizava como decoração para as paredes de seu quarto.
Entretanto,
devido à malfadada sociedade de trabalho estabelecida entre Luigi e Giovanni,
as duas famílias residiam no mesmo imóvel. E Alessandro, como ele próprio
confessou mais tarde, mesmo reconhecendo a candura daquela menina que o tratava
como a um irmão mais velho, passou a fitá-la com olhares mal-intencionados,
alimentando uma paixão que pouco tempo depois culminaria na conhecida tragédia.
Antes de morrer,
Luigi - movido talvez por um mau pressentimento - havia aconselhado a esposa a
voltar para Corinaldo. Ela, porém, presa pelo contrato e pelas dívidas, não
tinha meios para sair da casa dividida com os Serenelli. Apesar de os quartos
serem separados, a cozinha era comum e a pequena Marietta, embora com tão pouca
idade, atendia às duas famílias nos afazeres domésticos.
Primeira Comunhão
Naquela época
era necessário ter doze anos para receber a Sagrada Eucaristia, e Marietta
sofria por não poder alimentar-se do "Pão dos Anjos" e do "Vinho
que engendra virgens". Seu desejo aumentava a cada domingo, quando ia à
Missa com a mãe e a madrinha, enfrentando quatro horas de caminhada num caminho
polvorento, até a igreja mais próxima.
Às suas
insistentes súplicas de poder preparar-se para fazer a Primeira Comunhão, sua
pobre mãe lhe respondia que, não sabendo ler, ela não tinha como aprender a
doutrina. Além disso, na situação de penúria em que se encontravam, onde
conseguir dinheiro para o vestido e as outras prendas? Determinada, a menina
não se deixava abater.
Por fim, obteve
autorização para ir certos dias à residência dos Mazzoleni, a fim de receber
ensinamentos de sua piedosa governanta, e participar do Catecismo dos domingos,
ministrado pelo senhor Alfredo Paliani para um grupo de jovenzinhos.
Sem prejuízo de
seus afazeres domésticos, estudou e rezou durante onze meses, dando belos
exemplos de virtude. Para assegurar-se da boa preparação da filha, Assunta
fê-la submeter-se a um exame com o Arcipreste de Nettuno, o qual garantiu estar
ela apta para receber Jesus em seu coração.
Após fazer os
exercícios espirituais preparatórios, pregados por um sacerdote passionista,
Marietta voltou para casa muito compenetrada e disse, em tom de voz sério:
"Sabes, mamãe, o padre narrou-nos a Paixão de Jesus. E depois nos disse
que quando nós cometemos um pecado, renovamos a Paixão do Senhor".
Manifestava, com esta grave afirmação, o propósito de evitar a todo custo o
pecado.
No dia da
Primeira Comunhão, antes de sair para a igreja, estando já pronta, com o
vestidinho branco que sua mãe lhe obtivera com muito esforço e um singelo véu
que recebera de presente, pediu perdão de suas faltas à mãe, aos irmãos, aos
Serenelli e aos vizinhos.
Era a festa de
Corpus Christi de 1902, quando, não tendo ainda completado 12 anos, Maria
Goretti recebia Nosso Senhor em seu coração. Quais terão sido as impressões e
os colóquios divinos, nesse primeiro encontro entre Jesus Eucarístico e aquela
alma inocente, disposta a nunca ofendê-Lo pelo pecado, mesmo à custa da própria
vida? Só se saberá na eternidade...
A alegria e
disposição de alma consequentes com o grande passo dado na vida espiritual
manifestaram-se logo que Marietta chegou a casa. Abraçando a mãe, prometeu-
-lhe: "Mãezinha, ó minha mãezinha, serei sempre e cada vez melhor!".
É melhor morrer do que pecar
Os frutos da
Primeira Comunhão logo se fizeram sentir. Um dia, regressou ao lar contando
haver visto uma companheira da catequese conversando maliciosamente com um
jovem libertino. Imediatamente fugira do local e, ainda horrorizada, afirmou:
"É melhor morrer, mamãe, do que dizer palavras feias".
Poucas semanas
se passaram e a pequena não comungara mais que duas ou três vezes, sempre aos
domingos. No sábado, 5 de julho, manifestou o desejo de ir, no dia seguinte,
acompanhada de uma amiga, receber novamente a Sagrada Comunhão. Estava disposta
a caminhar dez quilômetros até Nettuno ou Campomorto, sob o Sol inclemente e em
jejum, para receber seu amado Jesus.
Seus planos
foram, porém, modificados pela sanha de Alessandro. Este já a havia assediado
por duas vezes e fora energicamente repelido. Ameaçou então matá-la, e não só
ela, mas também a Assunta, caso falasse a alguém sobre isso. Marietta nada dissera
à mãe, para não afligi-la ainda mais, mas pedia-lhe para não deixá-la sozinha
em casa e procurava estar sempre na companhia de algum dos irmãos.
Naquela tarde,
todavia, a jovem ficara cosendo na sacada exterior, tendo apenas junto a si a
irmã mais nova, que dormia placidamente. Alessandro arranjara um jeito de
escapar-se do trabalho e, retornando para a residência, arrastou Marietta à
força para dentro. Percebendo suas infames intenções, ela exprobrava-lhe a ação
pecaminosa: "Não, não! Deus não quer isso! Se o fazes, irás para o
inferno"!
Tomado de fúria,
o criminoso desferiu-lhe então 14 cruéis punhaladas. Em seguida, jogou fora a
arma e foi trancar-se no seu quarto. A menina, porém, depois de um curto
desmaio, conseguiu caminhar até o terraço e pedir socorro. A notícia do
acontecido logo se espalhou pela vizinhança e o assassino foi preso.
Últimas horas no hospital
A alma de Maria Goretti partindo para o Céu... |
Voltando da sala
de cirurgias para junto de sua mãe, mostrava-se preocupada em tranquilizá-la;
dizia-lhe que estava bem e perguntava pelos irmãos. A desidratação causada pela
perda de sangue a fazia sofrer terrivelmente, mas a gravidade das feridas
impedia-lhe de sorver uma gota d'água sequer. Nessa situação, recordar a sede
padecida por Jesus no alto da Cruz trazia-lhe consolo.
No dia seguinte
teve a graça de receber a almejada Comunhão, mas em circunstâncias quão
diversas das que ela imaginara! O Arcipreste de Nettuno, Dom Signori,
levara-lhe o Santo Viático ao hospital, e quando lhe perguntou se sabia Quem
iria receber, ela respondeu: "Sim, é
aquele mesmo Jesus que dentro em pouco irei ver face a face".
O sacerdote
recordou-lhe ter Nosso Senhor perdoado a todos no alto da Cruz e prometido ao
bom ladrão que ainda naquele dia estaria com Ele no Paraíso. Perguntou-lhe,
então, se perdoava seu assassino: "Sim, por amor a Jesus, perdoo-lhe. E
também quero que esteja comigo no Paraíso!... Lá do Céu, rogarei pelo seu
arrependimento!".
Com este estado
de espírito recebeu os Sacramentos. Algumas horas depois, entrou no delírio da
morte. Instintivamente osculava o crucifixo e a medalha de Nossa Senhora,
insígnia da Associação das Filhas de Maria, na qual fora admitida já no leito
de morte. Invocou muitas vezes a Virgem Maria, e por volta das três horas da
tarde expirou.
A morte de Maria
Goretti foi chorada por todos os que a conheceram. Logo se espalhou a fama de
sua santidade e, apenas dois anos depois, seus restos mortais foram depositados
no grandioso monumento erigido em sua honra, no Santuário Pontifício de Nossa
Senhora das Graças, em Nettuno.
Um dos fatos
prodigiosos que contribuíram para sua canonização foi a conversão de
Alessandro. Em 1910, depois de haver passado por um período de frieza e
rebeldia, tendo inclusive pensado em se suicidar, o infeliz assassino foi
visitado por sua vítima no cárcere de Noto. Marietta lhe apareceu vestida de
branco, oferecendo-lhe lírios que, ao serem tocados por ele, se transformavam
em chamas cintilantes. Eram ao todo 14... O mesmo número das punhaladas
recebidas!
Assistido pelos
padres passionistas, Alessandro se converteu. Cumpridos 27 anos de prisão, foi
libertado e dirigiu-se a Corinaldo, onde então morava a mãe de Marietta, para
pedir-lhe perdão. Imitando a atitude da filha, ela o perdoou e comungaram
lado a lado, na Missa de Natal. Depois, o assassino arrependido fez-se
terciário franciscano e terminou seus dias, já ancião, como servente e
jardineiro num convento capuchinho.
Dia da Canonização de Santa Maria Goretti, por Pio XII |
Mensagem para a juventude do terceiro milênio
Santa Maria
Goretti foi canonizada pelo Papa Pio XII, em 24 de junho de 1950. A cerimônia,
da qual participou sua mãe, junto com os filhos e netos, teve de ser realizada
na Praça de São Pedro, por não haver espaço suficiente para a multidão no
interior da Basílica. Em 6 de julho de
2003, concluindo as comemorações do centenário de sua morte, o Beato João Paulo
II perguntava, em seu pronunciamento do Angelus: "O que diz aos jovens de
hoje esta jovem frágil, mas cristãmente madura, com a sua vida e, sobretudo,
com a sua morte heroica?"
E continuava:
"Marietta, assim era chamada familiarmente, recorda à juventude do
terceiro milênio que a verdadeira felicidade exige coragem e espírito de
sacrifício, rejeição de todo compromisso com o mal e disposição para pagar com
a própria vida, mesmo com a morte, a fidelidade a Deus e aos seus Mandamentos.
"Como é atual esta mensagem! Hoje se exaltam, muitas vezes, o prazer, o
egoísmo ou até a imoralidade, em nome de falsos ideais de liberdade e de
felicidade. É preciso reafirmar com clareza que a pureza do coração e do corpo
deve ser defendida, porque a castidade ‘guarda' o amor autêntico.
"Santa
Maria Goretti ajude todos os jovens a experimentar a beleza e a alegria da
bem-aventurança evangélica: ‘Felizes os puros de coração, porque verão a Deus'
(Mt 5, 8). A pureza de coração, como qualquer virtude, exige um treino
cotidiano da vontade e uma constante disciplina interior. Pede, acima de tudo,
o recurso assíduo a Deus, na oração".
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