A
vida e a obra de Santa Coleta se situam numa época extremamente tormentosa: a
Guerra dos Cem Anos, gerada pelas rivalidades sangrentas entre duas famílias
principescas da França; e o Cisma do Ocidente que dividia a Cristandade. Na
Ordem franciscana, as dissensões - nascidas já em vida de São Francisco - entre
os partidários da regra estrita e os que desejavam mitigações, terminaram com a
vitória destes últimos.
Quanto ao ramo
feminino da Ordem, o direito de possuir bens, concedido por Alexandre IV ao
mosteiro de Longchamps, próximo de Paris, fundado pela Beata Isabel de França,
irmã de São Luís IX, começou a enfraquecer seriamente o "privilégio da
pobreza" arduamente defendido por Santa Clara.
Em 1263, Urbano
IV estendeu a regra mitigada a todos os conventos de Clarissas e só raras
comunidades guardaram a estrita observância primitiva. Autorização de possuir
bens e tolerâncias relativas à clausura levaram à tibieza os conventos
"urbanistas".
É neste contexto
que devemos compreender a missão de Santa Coleta.
A vocação
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A menina cresceu
em um ambiente acolhedor e muito religioso. Aos quatro anos já tinha uma vida
de oração; aos sete, fazia uma hora de oração diária e assistia
clandestinamente as Matinas cantadas nos beneditinos. Ela dirá mais tarde que
aos nove anos recebeu plena e inteira revelação do espírito da Ordem
franciscana e da necessidade de sua reforma.
Em 1399, seus
pais faleceram com alguns meses de intervalo um do outro. O pai confiara a
filha aos cuidados de D. Raoul de Roye, abade do mosteiro beneditino de Corbie.
Este desejava que ela se casasse. Coleta recusou-se e acabou obtendo sua
permissão para doar seus bens aos pobres e para entrar para a beguinaria (*) de Amiens, onde ficou
apenas um ano por achar muito suave a disciplina ali vigente.
Pelo mesmo
motivo fez tentativas frustradas junto às beneditinas de Corbie e no Convento
de Moncel, que seguia a regra de Urbano IV.
Coleta retornou
a Corbie e seus concidadãos, que anteriormente a admiravam, passaram a
desprezá-la porque a consideravam uma instável. Seu tutor começava a se
impacientar com seus "caprichos".
Neste isolamento
moral, a Providência colocou o Padre João Pinet em seu caminho. Ele era
guardião do convento de Hesdin, fervoroso religioso de São Francisco,
intensamente desejoso de fazer reviver a observância primitiva da Ordem. Este
religioso aconselhou-a a se fazer reclusa da Terceira da Ordem de São Francisco.
Em 17 de
setembro de 1402, festa dos Estigmas de São Francisco, ela pronunciou o voto de
clausura, e passou a viver numa pequena ermida próxima da igreja paroquial de
Nossa Senhora, em Corbie. Emparedaram-na entre dois contrafortes da igreja, numa
pequeníssima cela que recebia a luz através de uma grade de ferro que dava para
a igreja. Ali permaneceu por três anos, jejuando durante a Quaresma a pão e
água, dormindo sobre um punhado de gravetos espalhados no chão.
A reformadora
Em sua reclusão
as visões se multiplicaram: por determinação de São Francisco e de Santa Clara,
que lhe apareceram, ela devia reformar a Ordem segunda franciscana. Coleta
temia que tais visões fossem causadas "pelo inimigo do inferno". Ela
consultou clérigos de seu meio e todos concordam em que ela devia agir. Após
muita relutância, fruto de sua humildade, empreendeu a reforma inspirada por
Deus.
Ela precisava de
alguém que a aconselhasse e mais uma vez a Providência vem em seu auxílio: o
Padre Henrique de Baume, religioso franciscano de grande virtude, que sofria
com a decadência da sua Ordem, tornou-se seu diretor espiritual e seu
colaborador zeloso. Ele obtém a adesão da Condessa Branca de Genebra para a
causa de Coleta. Em Besançon, ele se encontra com Isabeau de Rochechouard,
viúva do Barão de Brissay, que o acompanha a Corbie.
Durante o Cisma
havia três papas ao mesmo tempo: um em Roma, outro em Avinhão e o terceiro em
Pisa. A França - bem como a Espanha e a Escócia - prestava obediência ao papa
de Avinhão, que então era Bento XIII.
Em 1406, obtida
a dispensa do voto de reclusão perpétua, Coleta dirigiu-se a Nice, acompanhada
do Padre Baume e da Baronesa de Brissay, para se encontrar com Bento XIII.
Expõe-lhe detalhadamente seu propósito restaurador.
Depois de
profunda reflexão, Bento XIII impôs-lhe o véu e o cordão seráfico e nomeou-a
Superiora Geral de todos os conventos de Clarissas que viesse a fundar ou
reformar. Autorizava Coleta a transferir para o convento que fosse fundar as
religiosas de mosteiros estrangeiros, e acolher eventualmente membros da Ordem
Terceira Franciscana. Bento XIII expediu a bula autorizando a reforma no dia 16
de outubro de 1406.

Não foi fácil
para Coleta dar andamento aos seus projetos imediatamente. Durante alguns anos
suas tentativas de reforma fracassaram. Seu empenho teve o apoio de personagens
tão relevantes como a Condessa de Genebra e das duquesas de Borgonha e da
Baviera.
No
Franche-Comté, com mais três amigas, que se tornaram suas primeiras filhas, ela
se instalou. A comunidade logo cresceu e foi preciso procurar um lugar mais
espaçoso. Em 1410, conseguiu finalmente autorização para ocupar o convento de
urbanistas de Besançon, onde viviam apenas duas irmãs. A reforma estava
assegurada. Àquele convento logo seguiram outros até um total de 17, reformados
ou novas fundações.
Como norma, cada
convento devia ter quatro frades a seu serviço. Assim, a dinâmica reformadora
sempre mantinha contato com os Gerais Franciscanos. Os Gerais da Ordem,
principalmente Antônio de Massa e Guilherme de Casal, aceitaram e confirmaram a
bula de 1406. O espírito da reforma coletina se infiltrava sutilmente na Ordem
primeira.
Coleta precisava criar as Constituições para
reger tão numerosas fundações. Em 1430, ela redigiu um texto - conhecido como
Sentimentos de Santa Coleta - que foi remanejado em 1432 e aprovado em 28 de
setembro de 1434 por Frei Guilherme de Casal. Este havia submetido o texto a
dois cardeais e alguns outros teólogos, que deram sua aprovação.
Quanto ao ramo
masculino, Santa Coleta não tinha evidentemente jurisdição sobre a Ordem
primeira, mas ela exerceu uma forte influência espiritual nela e conseguiu a
adesão de alguns conventos masculinos à sua reforma. Segundo uma estimativa
mais provável, em 1447, data da morte da Santa, a sua reforma contava com 17
conventos femininos e 07 masculinos.
A reforma
coletina estendeu-se rapidamente pela França, Espanha, Flandres e Saboia. Sob o
impulso renovador de Santa Coleta, os franciscanos voltaram a praticar aquilo
que São Francisco havia querido para sua Ordem: vida de pobreza sem mitigações, vida austera, intensa oração
pessoal e comunitária, e muita
oração e penitência pela unidade da Igreja, então dividida pelo Cisma.
Nos dias atuais,
os conventos de "coletinas" são cerca de 140, a maior parte na
Europa, embora haja alguns também na América, Ásia e África.
A piedade de
Coleta, notável desde a infância, cresceu e a conduziu a um tal grau de união
com Deus, que os êxtases tornaram-se contínuos. Por vezes, eles duravam vários
dias. Ao redor dessa intensa vida mística, que a ação não obstava, gravitavam
fenômenos tais como: levitação; eflúvios odoríferos que emanavam não somente da
pessoa de Coleta, mas das coisas que ela tocava; conhecimento das consciências;
o estado das almas do Purgatório; dons de profecia.
Santa Coleta era
de uma pureza requintada, e seu amor por esta virtude se manifestava por seu
pendor irresistível pelas almas puras, as crianças também a atraiam, e mesmo os
animais cuja aparência simbolizavam a pureza, como as rolas e os cordeiros.
Ela protagonizou
inúmeros milagres que favoreciam suas fundações: na reforma de Hesdin, recebeu
uma soma de quinhentos escudos de ouro, de origem celeste; em Poligny,
descoberta de água potável; a provisão de trigo de Auxonne não diminuía e
possibilitava as religiosas reparti-lo com os frades de Dôle; um tonel de vinho
encheu-se sob a ação das preces de Coleta, e muitos outros fatos relatados em
seu processo de canonização.
Verdadeira filha
da Igreja, ele sofria com o Cisma que dilacerava sua unidade, e trabalhou
denodadamente com São Vicente Ferrer pela extinção do Cisma.
Coleta era
também filha da França. As nobres casas conflitantes, Armagnacs (partido do
Duque d'Orleans) e Bourguignons (partido do Duque de Bourgogne), a chamaram
para fundar conventos em seus domínios. Segundo depoimentos, ela certa vez
conseguiu dissuadi-los de lutar. Apesar das tensões, Colete foi respeitada por
ambas e pode continuar sua obra.
Santa Coleta
viajou muito, operou numerosos milagres, suportou sofrimentos de toda a
espécie. Ela foi uma mulher extraordinária que soube obter a colaboração de
papas, frades, príncipes, duques para a sua obra. Santa Coleta morreu em Gand,
Bélgica, no dia 6 de março de 1447. As marcas de sua própria doença e do
sofrimento desapareceram. Seu corpo tornou-se belo, com uma pele branca como a
neve, membros flexíveis e exalando um celestial perfume. Como era seu desejo, o
corpo foi sepultado direto na terra. Numeroso foi o público que compareceu às
suas exéquias, atraídos por sua fama de virtude e pelos fatos maravilhosos que
narravam sobre ela.
O processo de
sua canonização iniciou poucos anos após sua morte, em 1472, mas somente se
tornaria realidade anos depois. O processo relata, além dos fatos mencionados,
curas operadas em pessoas de suas comunidades e cinco casos de ressurreição.
Coleta foi beatificada em 23 de janeiro de 1740. Porém, ela só foi canonizada
em 24 de maio de 1807, sob o pontificado de Pio VII. Sua festa é celebrada no
dia 6 de março.
(*) Beguinaria:
convento onde vivem religiosas sem pronunciar votos, cada qual ocupando o seu
aposento à parte. Beguina é o nome dado a essas religiosas nos Países Baixos e
na Bélgica.
Etimologia:
Coleta, ou Colette, abreviação de Nicolette, feminino de Nicolet, em português
Nicolau, do grego Nikólaos: “vencedor (niko) do povo (laos)”.
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