Padre
Mateus Ricci, S.J. (Macerata, 6 de Outubro de 1552 — Pequim, 11 de Maio de
1610) foi um sacerdote jesuíta, missionário, cientista, geógrafo e cartógrafo
renascentista italiano. É conhecido pela sua atividade missionária na China da
dinastia Ming, onde era conhecido por Lì Mǎdòu (利瑪竇). Ele é considerado o fundador das modernas
missões católicas na China, contribuindo assim de modo fulcral para a
introdução do catolicismo na China.
O Beato Mateus
Ricci é tido um modelo de proveitoso
encontro entre as civilizações europeia e chinesa e ainda como um singular
modelo de evangelização e de diálogo com as várias realidades culturais e
religiosas. Mais especificamente, Ricci é considerado o símbolo do primeiro
contato da China com as ciências e a tecnologia europeias, do encontro pioneiro
do Evangelho com os intelectuais da etnia Han, assim como um dos primeiros
intercâmbios entre a cultura chinesa e a ocidental.
Era classificado pelos chineses como “um dos mais notáveis e brilhantes
homens da História” e como o “Mestre
do grande Ocidente”, isso porque Ricci fascinou os chineses pelo seu grande
interesse, admiração e respeito pela cultura chinesa e também pelo seu vasto
saber ocidental em diversas áreas do conhecimento, como a teologia, a
apologética, a catequese popular, a matemática, a astronomia, geografia,
cartografia, a literatura, a poesia, a arte e a música.
Em 2010, quando
das celebrações do quarto centenário da morte de Ricci, o Papa Bento XVI
afirmou que o “Padre Ricci constitui um
caso singular de feliz síntese entre o anúncio do Evangelho e o diálogo com a
cultura do povo ao qual Ele é levado, um exemplo de equilíbrio entre clareza
doutrinal e obra pastoral prudente”.
Formação e Estudos
Recebeu a sua
primeira formação na sua cidade natal de Macerata (Itália). Em 1568, partiu
para Roma para estudar Direito na Universidade La Sapienza, dado que seu pai
ambicionava para si a ascensão na administração pontifícia. Foi em Roma que
começou a frequentar as reuniões da Annunciata, uma associação cristã de jovens
ligada à Companhia de Jesus, que promovia a oração e os exercícios espirituais
de Santo Inácio de Loyola. Este desenvolvimento espiritual leva a que a 15 de
Agosto de 1571, contra a vontade do seu pai, requeira o ingresso na Companhia
de Jesus. Ingressou depois no Colégio Romano, onde estudou Retórica, Filosofia
e Teologia. Aí estudou também Matemática, Cosmologia, Geografia e Astronomia,
sob a orientação do célebre padre Cristóvão Clávio.
Aconselhado pelo
padre Alessandro Valignano, visitador da Companhia de Jesus nas missões do
Oriente, em 1577 Ricci voluntariou-se para trabalhar nas missões de
evangelização da Ásia. Por isso, prosseguiu para Portugal, onde aproveitou para
aprender a língua portuguesa na Universidade de Coimbra. A 24 de Março de 1578,
partiu de Lisboa para a colónia portuguesa de Goa, na nau São Luís, juntamente
com um grupo de jesuítas. Ordenou-se sacerdote a 26 de Julho de 1580, enquanto
trabalhava como professor de latim e grego em Cochim, onde terminou também os
seus estudos de Teologia.
Em 1582, foi
destacado por Alexandre Valignano para a missão jesuíta da China. A 7 de Agosto
do mesmo ano, chegou à colónia portuguesa de Macau com o fim de estudar a
língua chinesa, para poder evangelizar no país, naquela altura governado pela
dinastia Ming. A entrada neste país por um ocidental era difícil, pois eram
tomados como feiticeiros e intrusos de índole perigosa.
Ricci na China
Em Macau, Mateus
Ricci e Miguel Ruggieri (que já estudava a língua chinesa em Macau desde 1579)
começaram a compilar o primeiro dicionário português-chinês. Esta obra,
terminada somente em Zhaoqing, foi concebida essencialmente para o benefício
dos missionários ou outros estrangeiros, que queriam aprender chinês. O
dicionário apresentava, pela primeira vez, a romanização (criado por Mateus
Ricci) da língua chinesa falada nos anos finais da dinastia Ming e constituiu,
assim, um marco cultural na documentação histórica do desenvolvimento dos
estudos chineses.
Em Zhaoqing e em Shaoguan
No Verão de
1583, juntamente com o padre Ruggieri, adentrou finalmente no Império Chinês,
mais precisamente na província de Guangdong. Dirigiram-se a Zhaoqing, à
residência do vice-rei de Guangdong e Guangxi, onde o padre Ruggieri já havia
estado em 1581 e 1582. No dia 14 de setembro de 1583, recebe as devidas
autorizações para permanecer naquele território. 14 meses mais tarde,
inauguraram em Zhaoqing a primeira casa da missão católica jesuíta na China, com
a assistência do padre Francisco Cabral, reitor de um colégio jesuíta em Macau.
Em 1589, Ricci introduziu o calendário gregoriano na
China, adaptando-o ao calendário
lunar chinês, para que os chineses pudessem saber a data exata das
festividades católicas. Mas Ricci recusou publicar esta adaptação chinesa do
calendário gregoriano, porque era necessário a autorização prévia do Imperador
para efetuar qualquer alteração ou publicação de calendários. Em 1594, Ricci
traduziu para latim os Quatro Livros do Cânone confuciano, dando assim aos
europeus a possibilidade de conhecerem o confucionismo.
Em Nanchang e em Nanquim
Depois de
assegurar a eficácia do seu apostolado, em 1594 Ricci abandonou a florescente
missão de Shaoguan e decidiu ir a Pequim. Dada a dificuldade da viagem, não
conseguiu chegar a esta localidade, tendo atingido somente Nanquim e Nanchang.
Nesta última cidade, Ricci, já com uma reputação de letrado e erudito vindo do
Ocidente, foi por isso recebido cordialmente pelas autoridades governamentais,
por letrados e até por dois príncipes imperiais. Em Nanchang, ele adotou
totalmente o vestuário e a terminologia confucianas e passou a estudar com
maior profundidade o confucionismo: ele viu na descrição, baseada na razão e na
intuição, de Confúcio e de alguns filósofos confucianos sobre o Céu a imagem do
único e verdadeiro Deus adorado pelos cristãos. Segundo Ricci, isto constituiu
uma ligação formidável entre o cristianismo e o confucionismo, e também uma
prova de que, já desde os tempos remotos, os chineses adoravam, sem saber, o
Deus cristão, sob o nome de Tiān ou Shàngdì ou ainda de Tīanzhǔ. Ao mesmo
tempo, Ricci distanciava-se do budismo, a ponto de contestar o conceito budista
da reencarnação e de acusar o budismo de ser idólatra.
É também em Nanchang
que, em 1595, Ricci escreveu o seu célebre Tratado sobre a Amizade, para que os
leitores chineses não cristãos pudessem conhecer melhor os “santos antigos e
sábios” do Ocidente, através de passagens e aforismos traduzidos ou
parafraseados dos clássicos europeus. O livro, cujo formato era semelhante aos
livros de tradição confuciana, era muito curto e continha apenas 100 máximas
sobre a amizade. O livro foi tão bem aceito pelos letrados chineses que seria
reeditado várias vezes e incluído em coleções, com muitas introduções e
comentários escritos por famosos eruditos chineses.
Ricci, que tinha uma capacidade incrível de memorizar,
soube que o povo chinês dava grande ênfase e importância à memória. Por isso,
em 1596, ele escreveu um tratado sobre a
memória, o "Método de aprender de cor" (em chinês: 西国记法), que descrevia um antigo método
ocidental de memorizar denominado de Palácio da memória. Este método ensinava
os seus praticantes a categorizar rapidamente grandes quantidades de
informações, muitas vezes não correlacionadas, em vários quartos do palácio.
Ricci acreditava
que os missionários católicos só iriam conseguir pregar com sucesso o Evangelho
na China se os letrados chineses abrissem as suas mentes à cultura ocidental.
Por isso, Ricci achou necessário uma preparação prévia (uma espécie de
pré-evangelização) das mentes chinesas, para que se acostumassem aos conceitos
religiosos e filosóficos ocidentais. Para isso, e também para responder à
crescente curiosidade dos intelectuais chineses sobre o Deus cristão, Ricci escreveu o célebre catecismo
Verdadeira Noção de Deus (ou Tianzhu shiyi; em latim: De Deo Verax
Disputatio). Este catecismo, escrito entre 1593 a 1596, “é a primeira tentativa por um
estudioso católico de usar um modo chinês de pensar para introduzir o
cristianismo para os intelectuais chineses”. Segundo Ricci, o catecismo
é um esforço dele de “expor o pensamento católico, com a ajuda do patrimônio
cultural existente na China”. Esta obra é constituída por dois livros, oito
volumes e 174 itens em forma de diálogo entre um letrado chinês e um
intelectual europeu. O letrado chinês explicava confucionismo, budismo e
taoísmo, enquanto que o intelectual europeu usava a Escolástica e citava as
obras clássicas e iniciais do confucionismo para explicar as doutrinas do
catolicismo, como a Encarnação (nascimento de Jesus) e a Salvação.
Em 1596 e 1597,
durante a sua estada em Nanchang, Ricci foi nomeado pelo padre Alexandre
Valignano de “superior de todos os
jesuítas e de todas as atividades dos jesuítas na China”, cargo que ele
exerceu até morrer. Em 1598, Ricci decidiu ir a Pequim com o padre Lazzaro
Cattaneo e com Wang Honghui, um ministro chinês e amigo de Ricci que tencionava
mostrar à corte imperial os conhecimentos matemáticos, mecânicos e astronômicos
dos jesuítas, que eram vitais para a iminente reforma do calendário chinês.
Depois de uma longa viagem, eles chegaram à capital imperial no dia 7 de
setembro de 1598. Mas, os jesuítas não conseguiram entrar na corte imperial porque
os japoneses, comandados por Toyotomi Hideyoshi, invadiram a Coreia, um vassalo
tradicional da China. Devido à guerra, todos os não chineses passaram a ser
suspeitos como possíveis espiões.
Por isso, no dia
5 de novembro do mesmo ano, deixaram Pequim e chegaram a Nanquim, no dia 6 de
fevereiro de 1599. Durante a sua curta estada em Pequim e durante a sua viagem
marítima de Pequim a Nanquim, Ricci e Cattaneo (um músico) escreveram um
dicionário chinês-português, no qual os vários tons das sílabas chinesas
romanizadas foram indicados com sinais diacríticos. Este trabalho foi perdido
e, ao contrário do primeiro dicionário escrito por Ricci e Ruggieri, nunca mais
foi encontrado.
Finalmente em Pequim
O Mapa–múndi foi
impresso e publicado em Pequim, em 1602, a pedido do Imperador Wanli . Neste
mapa, Mateus Ricci anotava notícias históricas. Em 1600, Ricci deixou Nanquim e
partiu para Pequim, com o padre Diogo de Pantoja. Deram entrada na corte
imperial chinesa a 24 de Janeiro de 1601. O Imperador Wanli, que já ouvira
falar da reputação e da fama de Ricci, ficou maravilhado com os presentes que
os missionários levaram. De entre estes presentes, o Imperador ficou cativado e
fascinado pelo mapa-múndi, porque representava as novas nações europeias,
locais desconhecidos pelos chineses (como a América), várias notícias
históricas, a nova situação política mundial e também porque representava a
China com dimensões menores do que os mapas chineses tradicionais.
O Imperador,
apesar de nunca ter visto e conhecido pessoalmente os jesuítas, concedeu
permissão para eles ficarem em Pequim, para construírem uma residência com
capela. Na capital chinesa, os jesuítas
conseguiram formar uma comunidade católica dinâmica e conseguiram obter a
amizade e o apoio de vários mandarins e letrados ilustres. As conversões
mais importantes foram as de Paulo Xu
Guangqi (um mandarim que “conseguiu fazer com que o Imperador chinês
confiasse aos astrônomos jesuítas a reforma do calendário chinês”), de Yang Tingyun e de Li Zhizao. Estes três chineses são considerados os “três grandes pilares do catolicismo chinês”.
Em Pequim, Mateus
Ricci, com a ajuda de Xu Guangqi, traduziu para o chinês a obra Os Elementos de
Euclides, que é um livro fundamental da geometria. Os termos geométricos
traduzidos são utilizados pelos chineses até hoje. Os intelectuais chineses
ficaram maravilhados pelo método da construção lógica e dedutiva presente n’Os
Elementos, que era muito diferente do método tradicional chinês de indução,
presente em todas as áreas do conhecimento chinês. Por isso, com esta tradução,
Ricci introduziu o método de “pensamento lógico” e de dedução na China. Além de
desta obra, Ricci e Xu Guangqi traduziram e publicaram várias outras na área de
astronomia.
Além de livros
científicos, Ricci escreveu ainda vários livros e tratados para atacar o
budismo, a idolatria e o politeísmo chinês e também para explicar melhor a
doutrina e a moral católicas. Neste conjunto de livros, salienta-se a obra
Vinte e cinco sentenças que contêm a essência moral cristã. Destaca-se também a
obra Dez sentenças paradoxais, escrita em 1608 sob a forma de uma coleção de
máximas práticas, úteis para uma vida moral e já conhecidas pelos cristãos
ocidentais, mas desconhecidos pelos chineses. Estas máximas foram retiradas
e/ou baseadas em vários excertos e histórias da Bíblia e dos escritos dos
filósofos cristãos. Ricci ainda publicou,
em março de 1605, o livro Tianzhu
jiaoyao, que é uma nova tradução das
principais orações católicas, dos
Dez Mandamentos, das obras de
misericórdia corporais e espirituais, das
Bem-Aventuranças, dos sete pecados
capitais e das três virtudes teologais. O livro, que obteve a aprovação da
Inquisição em Goa, contém também uma
breve explicação dos sete sacramentos.
Ricci morreu com
57 anos, no dia 11 de maio de 1610. Foi muito admirado e respeitado pelos
intelectuais chineses, porque ele, “enquanto
confessava uma admiração sincera pela China, levava os chineses a vislumbrarem
que ainda existia algo que eles não conheciam, e que ele era capaz de lhes
ensinar”. Além da sua sabedoria, foi
também admirado por ser “um homem singular, porque vive no celibato, não disputa por cargos, fala pouco, tem uma conduta regulada, e
isto todos os dias, e cultiva a
virtude ocultamente e serve a Deus de modo contínuo”. Por isso, ele foi
sepultado em solo chinês, perto de Pequim, após autorização do Imperador
chinês. Isto era um raro privilégio, visto que os estrangeiros que morressem na
China tinham que ser sepultados em Macau.
Causa da Canonização
A causa de
beatificação de Mateus Ricci (1552-1610), começada já em 1984, foi recomeçada
no dia 24 de Janeiro de 2010 na catedral da diocese italiana de
Macerata-Tolentino-Recanati-Cingoli-Treia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário