Iniciador
do culto ao Nome de Jesus, grande devoto da Santíssima Virgem, famoso pregador
popular, São Bernardino de Sena, cuja festa comemoramos no dia 20 de maio,
alcançou tal santidade em vida, e sua intercessão tantos milagres após a morte,
que lhe mereceram a honra dos altares apenas seis anos após seu passamento.
Bernadino era
filho de nobre família, das mais ilustres da República de Sena (1).
Órfão de mãe aos
três anos e de pai aos seis, foi criado por sua tia materna, Diana, mulher
virtuosa que plantou em sua alma as sementes do verdadeiro amor a Deus, à Sua
Mãe Santíssima e aos pobres. Aos 11 anos foi enviado a Sena para receber
formação condizente com seu ilustre nome junto aos tios paternos. Para isso
recebeu educação dos melhores preceptores da cidade.
Castidade combativa
Sumamente amante
da virtude da pureza, Bernardino, habitualmente respeitoso e ameno de trato,
incendiava-se de indignação ao ouvir qualquer palavra imoral. A um homem que
ousou dizer uma em sua presença, deu-lhe um soberbo soco no queixo, que
repercutiu em toda a sala onde se encontravam. O libertino não teve coragem de
defender-se contra um frágil adolescente, preferiu a fuga, cheio de confusão.
Em outra ocasião, recrutou meninos para expulsar, a pedradas, outro libertino
que se jactava de suas obscenidades.
Mais tarde,
quando já franciscano, certa vez em que coletava esmolas para seu convento, uma
dama convidou-o a entrar em seu palácio, prometendo-lhe grande esmola.
Entretanto, a despudorada mulher, logo que se viu a sós com Bernardino, quis
com ele pecar e ameaçou-o, caso ele não consentisse, de gritar pela janela
acusando-o de a ter querido violar. Sem hesitar, Bernardino “tirou do bolso um azorrague e bateu tão
desapiedadamente na própria pele, que a tentadora deixou a ideia infame e
pediu-lhe humildemente perdão” (2).
Era, sobretudo,
seu porte modesto, mas firme, que impunha respeito. De maneira que, quando os
amigos estavam em conversa imoral e viam que Bernardino se aproximava, mudavam
logo o teor de sua conversação.
Após terminar o
estudo de Filosofia, aplicou-se ao do Direito civil e canônico, e estudo das
Sagradas Escrituras.
Arrisca a vida para tratar de pesteados
Aos 17 anos
entrou para a Confraria dos Discípulos de Nossa Senhora, agregada ao hospital
La Scala, de Sena, que tinha por fim servir os doentes.
No ano de 1400 a
peste, que já haveria desolado parte da Itália, chegou com toda sua virulência
a Sena, ceifando diariamente quase uma vintena de vítimas. Em breve não havia
praticamente mais enfermeiros para o cuidado dos doentes. Bernardino reuniu
então 12 de seus amigos dispostos a essa heroica obra de misericórdia, tanto
mais admirável quanto maior o perigo de contágio. Dedicaram-se aos vitimados
dia e noite durante os quatro meses que durou a epidemia.]
Findo esse
tempo, exausto pelo trabalho e vigílias que despendera em prol dos empestados,
Bernardino caiu de cama com violenta febre que durou outros quatro meses.
Mal se
recuperara, entregou-se a outra obra de misericórdia: o cuidado de uma velha e
piedosa tia, que ficara cega, paralítica, e coberta de chagas. Dela cuidou por
dois anos, até que ela entregou sua alma a Deus.
Pregado à cruz, seguiu fielmente a ordem do Redentor
Desejando então
levar uma vida mais recolhida, enquanto esperava conhecer os planos de Deus a
seu respeito, retirou-se a uma casa dos arredores da cidade onde se
enclausurou, dedicando-se à oração e mortificação, jejum e recolhimento. Certo
dia em que rezava diante de um Crucifixo, disse-lhe Nosso Senhor: “Bernadino,
tu me vês despojado de tudo e pregado a uma cruz por teu amor; é necessário, se
tu me amas, que te despojes também de tudo e leves uma vida crucificada” (3).
Para isso, o jovem sentiu-se inspirado a entrar para os Franciscanos
observantes, no convento solitário de Colombière, a algumas milhas de Sena. E
assim fez no dia da Natividade de Nossa Senhora, que era também o dia de seu
vigésimo segundo aniversário. Professou no ano seguinte, na mesma solenidade, e
um ano depois, também nela, celebrava sua primeira Missa.
Foi na escola de
Jesus crucificado que ele aprendeu a praticar, em grau heroico, as virtudes
cristãs. Para isso, dia e noite prosternava-se diante de um Crucifixo. Outra
vez, durante essa meditação, Nosso Senhor lhe disse: “Meu filho, tu Me vês
pregado à Cruz; se tu Me amas e queres Me imitar, prega-te também à tua cruz e
segue-Me; assim estarás seguro de Me encontrar”.
Milagrosamente, torna-se grande pregador
Oratório São Bernardino de Sena, Perúgia
(Itália) Seus superiores, vendo tanta virtude nessa candeia, quiseram que ela
não permanecesse mais oculta, mas que brilhasse à luz do mundo. Por isso
designaram-no para a pregação.
Bernardino
obedeceu. Mas como sua voz era fraca e rouca, não podia atingir o número de
fiéis que se reuniam para ouvi-lo. “Contudo
não desanimou com isso, mas recorreu à Santíssima Virgem, que imediatamente deu
robustez e claridade à sua voz, e o adornou com todas as qualidades de um bom
pregador” (4).
Após suas
pregações, “os homens vinham depositar
entre suas mãos os dados, as cartas e os outros instrumentos de jogos
proibidos, as mulheres traziam a seus pés seus ornamentos, cabeleira, tecidos,
perfumes e outros produtos que a vaidade desse sexo inventou para perder as
almas querendo embelezar demasiado seus corpos. A palavra de Deus em sua boca
era como uma espada cortante e como um fogo que consome o que há de mais duro e
mais resistente. Assim, chamavam-no a Trombeta do Céu, o Predicador do
Evangelho” (5).
Os frutos de
suas pregações eram ainda maiores porque acompanhadas de milagres. Restituiu
saúde a doentes, curou leprosos. E certa vez que um barqueiro se recusava
transportá-lo à outra margem de um largo rio, porque não tinha com que pagar,
estendeu na água seu manto, sobre o qual ele e o companheiro cruzaram o rio
como no mais seguro barco. Chegados à outra margem, o manto não estava sequer
molhado!
Iniciador do culto ao Santíssimo Nome de Jesus
“Pode-se dizer
que São Bernardino de Sena foi o iniciador do culto ao dulcíssimo Nome de
Jesus. No final de seus sermões mostrava ao povo uma bandeirola na qual havia
gravado em letras de ouro o monograma JHS, e convidava a todos os fiéis a
prosternarem-se diante dela para venerar o nome do Redentor do mundo (4).
Isso pareceu
temerária inovação a alguns espíritos do mundo, e uma campanha de difamação foi
organizada contra ele, com tanta eficácia, que o Papa Martinho V proibiu-o de
pregar. Diante da atitude totalmente submissa de Bernardino, o Sumo Pontífice
informou-se melhor e quis que ele se defendesse. “Leu com o maior gosto sua
apologia, e satisfeito com suas razões e seu proceder, abraçou-o ternamente,
exortando-o a derramar por toda parte o fruto de seu zelo” (7).
O Imperador
alemão Sigismundo tinha por ele tanta veneração, que desejou que ele o seguisse
a Roma para assistir às cerimônias de sua coroação, em 1433.
Vigário Geral da Ordem
Venerado também
por seus irmãos de hábito, estes o elegeram, em 1438, Vigário Geral de todos os
conventos da observância. Nesse cargo, São Bernardino restabeleceu a
observância em muitos conventos e mandou construir outros, à maioria dos quais
deu o nome de Santa Maria de Jesus, pela singular devoção que tinha a esse
nome.
No intervalo entre
suas atividades apostólicas, ele escrevia. Entre suas obras estão os tratados
da Religião Cristã, do Evangelho Eterno, da Vida de Jesus Cristo, do Combate
Espiritual, além de Meditações e Sermões.
Por causa de sua
saúde alquebrada, descarregou parte do peso de seu cargo sobre São João de
Capistrano, seu discípulo e sucessor.
Morte franciscana: na terra nua
Cerimônia fúnebre de São Bernardino de Sena -
Afresco da igreja Santa Maria de Aracoeli, Roma Em 1444 dirigia-se ele a
Nápoles para pregar umas missões. Chegando a Áquila, sentiu que seus dias
estavam contados e que deveria preparar-se para comparecer diante do Tribunal
do Supremo Juiz. Para seguir o exemplo de São Francisco, pediu a seus confrades
que o colocassem sobre a terra nua para aí expirar, o que sucedeu no dia da
Ascensão à hora das Vésperas, quando cantavam no coro a antífona: “Meu Pai, eu
fiz conhecer vosso Nome aos homens que vós me destes; agora eu Vos peço por
eles, e não pelo mundo, porque eu vou para Vós”. Tinha 64 anos.
Muitos anos antes,
estando o grande São Vicente Ferrer pregando em Alexandria, na Lombardia, disse
publicamente “que havia um personagem no
seu auditório que seria a luz da Ordem de São Francisco, de toda a Itália, e da
Igreja; e que ele seria declarado santo com ele” (8).
Esse santo foi
exatamente São Bernardino de Sena.
_____________
Notas
1. Sempre que cabível, convém
ressaltar o ilustre nascimento daqueles Santos que fazem jus a essa condição
privilegiada. Assim fazendo, colocamos em prática o princípio de Santo Inácio
Loyola do agere contra, ou a saber, sempre que o erro, o feio ou o mal nos
impelem agir numa direção, devemos agir na direção contrária. Portanto, numa
época tão igualitária e conturbada pela luta de classes como a nossa,
compraz-nos ressaltar pessoas de nome
insigne e de fortuna que, tendo sabido utilizar-se de sua posição ou de seus
bens com desapego, ou mesmo renunciar a eles por amor de Deus, atingiram a mais
alta santidade. É o caso de São Bernardino de Sena.
2. Santos de Cada Dia,
Organizado pelo Pe. José Leite, S.J., Editorial A.O., Braga, 1987, vol. II, p.
111.
3. Les Petits Bollandistes,
Vies des Saints, d’aprés le Père Giry, par Mgr. Paul Guérin, Paris, Bloud et
Barral, Libraires-Éditeurs, 1882, tomo VI, p. 57.
4. Edelvives, El Santo de Cada
Dia, Editorial Luis Vives, S.A., Saragoça, 1947, vol. III, p. 207.
5. Les Petits Bollandistes, op. cit., pp. 57-58.
6. Edelvives, op. cit., p. 208.
7. P. João Croisset, S.J., Año
Cristiano, Madrid, Saturnino Calleja, 1901, tomo II, pp. 598-599.
8. Les Petits Bollandistes,
op. cit., p. 61.
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