A
pessoa humana, mais ainda o religioso, necessita ter uma meta clara para poder
caminhar em direção a ela. Neste sentido, formar significa apresentar valores
que atraiam as pessoas e as motivem a conseguir o fim que eles propõem.
Santa Teresa mesma, no Caminho de Perfeição inicia apresentando o objetivo do novo
Carmelo (c.1-3) e quando vai falar da oração apresenta primeiro o fim.
Diz-nos
o motivo:
“...Para qué pensáis, hijas,
que he pretendido declarar el fin y mostrar el premio antes de la batalla, con
deciros el bien que trae consigo llegar a beber de esta fuente celestial, de
esta agua viva? Para que no os congojéis del trabajo y contradicción que hay en
el camino, y vayáis con ánimo y no os canséis; porque, como he dicho, podrá ser
que después de llegadas, que no os falta sino bajaros a beber en la fuente, lo
dejéis todo y perdáis este bien, pensando no tendréis fuerza para llegar a él y
que no sois para ello.” (C 19,14).
Tradução: ..Por que pensais, filhas, que tentei anunciar o fim e mostrar a recompensa antes da batalha, falando-vos do bem que advém de vir beber desta fonte celeste, desta água viva? Para que não vos aflijais com o trabalho e as contradições que se apresentam no caminho, e para que caminheis com coragem e não vos canseis; porque, como eu disse, pode ser que, depois de chegardes, quando vos resta apenas descer para beber da fonte, deixeis tudo e percais este bem, pensando que não tereis forças para alcançá-lo e que não estais à altura.” (C 19,14).
Para
a Santa, as três virtudes necessárias à oração são o amor fraterno, o desapego
e a humildade (cf. C 4,4).
Dá
orientações sobre outras qualidades necessárias nas comunidades. Elas devem
servir de estímulo para adquirir virtudes humanas, com vistas à convivência
fraterna (aqui estão nossos maiores desafios...).
Por
isso, ao apresentar alguns valores que a Santa valoriza, recordamos que a
autêntica espiritualidade cristã humaniza (“quanto mais santas, mais afáveis”).
Os apresentamos tendo por base o Diccionario de Santa Teresa; doctrina e
historia (Burgos: Monte Carmelo 2002), sob a direção do p. Tomás Alvarez.
ABNEGAÇÃO
Aparece
como “negação”, “mortificação”, “renúncia”, “desapego”. Em Teresa tem sentido
dinâmico e evangélico, como em C 15,7. O negar-se a si mesmo segundo a lógica
do seguimento a Cristo para alcançar a liberdade ou “ser perfeito”, segundo o
contexto teresiano (C 15,6). A abnegação e a cruz de cada dia são sinais de uma
decisão amorosa de seguimento do Senhor, conforme a P 20,1: “Abracemos bem a
cruz e sigamos a Jesus”.
Disposição
radical: Para o/a consagrado a Cristo, deve ser uma decisão
radical: “Não sabeis, irmãs, que a vida do bom religioso e dos mais chegados ao
Senhor é um longo martírio?” (C 12,2). É um chegar ao “amor perfeito” (C 6) e
dar-se “todas ao Todo sem divisões” (C 8,1).
Significa
deixar tudo o que se tem: bens, honra, parentes que pudessem impedir a entrega
ao Senhor. (cf. C 3,7; cc 2.3.8.9). Em segundo lugar implica a renúncia a si
mesmos (cf. C 10, tít.): amor próprio, enfermidades e até o medo de morrer por
Cristo (C 10,5: 11,4; V 13,7; F 27,12).
Disponibilidade
constante: podem parecer exageros as orientações de Teresa para
a abnegação (C 12,4). São disposições iniciais, sem as quais “nunca faremos
nada” (C 11,4). “Quem de verdade começa a servir o Senhor, o menos que lhe pode
oferecer é a vida. Pois se lhe deu a sua vontade, o que teme?” (C 12,2).
“Grande fundamento é o começar com determinação de levar caminho de cruz desde
o princípio” (V 15,13), “pois nossos desejos não devem ser os de descansar, mas
padecer, pra imitar em algo ao nosso verdadeiro Esposo” (F 28,43).
AFABILIDADE
Virtude que faz parte do chamado humanismo teresiano. Teresa a entende como atitude de agradar, simpatia e suavidade no trato com os outros, importantes na convivência comunitária. Em contraposição a estas qualidades, temos a rudez e aspereza, atitudes de mutismo, ou retraimento em si mesmo ou modos descorteses.
“Afável
= conversável = amoroso são equivalentes no léxico teresiano (C 41,7; Mo 3-4).
Vê
em Cristo o modelo: V 38,21: na visão de Cristo, seu rosto é “de tanta
formosura, com uma ternura e afabilidade” que subjugam.
Admira São Pedro de Alcântara e sua penitência e “que em toda sua santidade..., era
muito afável, mesmo que de poucas palavras... era afável e conversável
(simpático) (V 27,18).
Gracian
“é agradável no trato”... possui “ uma suavidade tão agradável”... (F 23,7),
traço que propõe como modelo na vida religiosa feminina em F 23,2.
Teresa
era
consciente de sua simpatia desde cedo (V 1,8): “Nisto de dar contento a todos
tive em extremo cuidado, ainda que a mim me desse pesar...” (V 3,4). Declara-se
pouco amiga de “santos encapotados” (5 M 3,11). Seu primeiro biógrafo,
Francisco de Ribera declara dos testemunhos dos que conviveram com ela: “No
conjunto, a pessoa de Teresa parecia bem: tinha graça no andar, era amável e
aprazível, que todas as pessoas que a olhavam, comumente aprazia muito... sua
fala era com graça e sua conversação mui suave, grave, alegre, simples
(llana)... entretinha maravilhosamente a todos que a ouviam... falava familiar
e humanamente com todos, com alegria, com amor, sem encolhimento, com uma santa
e aprazível liberdade".
Inculca
em sua Monjas: “Irmãs, tudo o que puderdes, sem ofender a Deus, procurai ser
afáveis e...que as pessoas com quem tratardes gostem de vossa conversação” (C
41,4).
Recorda
na Cta 12.12.1576 ao pouco propenso aos bons modos do ex-militar Ambrósio
Mariano.
AGRADECIMENTO/GRATIDÃO
Também
característico do humanismo teresiano. É condição psicológica e ética, iniludível
nas relações sociais, mas que também impregna sua vida teologal e experiência
mística. Reconhece-se: “com ser eu de condição agradecida” (V 35,11) e na Cta
264 a M. de s. José: “Bem vejo que em mim não é perfeição isto de ser
agradecida; deve ser de minha natureza que, com uma sardinha que me deem, me
subornarão” (cf. Cta 79 a Teotônio de Bragança; V 5,4: “parecia-me ser virtude
o ser agradecida”).
Sua
vida familiar está marcada pelo sentido de gratidão a todos, pelo amor que lhe
deram, atenções e sacrifícios, especialmente seu pai, Alonso e seu irmão
Lourenço. O “agradecer” é para ela uma espécie de pano de fundo de todas suas
relações de amizade, desde o bispo, d. Álvaro de Mendonza, o pe. Rubeo, d.
Guiomar de Ulloa ou d. Luisa de la Cerda,
até os carteiros, carroceiros... Como exemplo o comerciante de reses
Antonio Ruiz (Cta. 146,2; 148,8) ou o sacerdote sevilhano Garciálvarez (Cta
264).
O
“ser agradecidas” inculca nas monjas:
“Entendamos
bem, como isto é, que Deus nos dá [seus dons] sem nenhum merecimento nosso, e o
agradeçamos” (V 10,4); na pobreza do Convento, ensina a agradecer por qualquer
ajuda material (C 2,10); elogia a “Beatriz... sempre louvava a Deus e um
agradecimento grandíssimo” (F 12,1). Agradecer a Deus pelo dom da vocação (C
8,2) e pela tomada de consciência dos dons recebido de Deus em V 15,15 (Cf. V
1,8: graças da natureza, que ela
esbanjou: V 18,3.
O
receber de Deus “que nunca se cansa de dar” (V 19,15; V 39,6; F 2,7).
ALEGRIA
O
léxico teresiano é amplo: gozo, deleite, contentos, júbilo, gostos, sorriso,
festa, recreação, presente, consolos, céu...
Em
sua pessoa e sua vida a alegria é uma das suas características
psicológicas mais destacadas: é capacidade de desfrutar e de espalhar ao seu
redor, como recorda de sua adolescência: “dava-me o Senhor a graça de contentar
onde quer que estivesse, e assim, era muito querida” (V 2,8). Na enfermidade de
sua juventude (23 anos, após o colapso de 1539) perde sua habitual alegria e já
em Becedas vive a tristeza, recordada em V 5,7; prontamente a recupera e em sua
convalescença da paralisia diz: “tudo passei com grande alegria”... edificava a todas (cf. V 6,2). Isto
conservará em meio aos males que padece (V 30,8).
Vive
de maneira gozosa sua vida religiosa: V 4,2; 32,12; 33,2 e com sua amigas:
36,8. Desfruta das festas e compõe poesias para as festas de Natal (R 48) e de
s. José (V 6,7).
É
capaz de rir de si mesma (7M 2,11) ou dos convencionalismos da sociedade de sua
época (V 38,4).
Nas
Cartas constam vários aspectos que lhe fazem rir: 17.1.1577,14 a
Lourenço; 9.1.1577,5 a M. de s. José. É capaz de rir do próprio demônio quando
perde o medo dele (V 36,11; 31,3).
Na
Vida religiosa organiza o “estilo de irmandade e recreação que levam
juntas” (F 13,5) e que propõe a João da Cruz
e introduz nas estruturas da vida comunitária (duas horas de recreação:
Const. 9,6-8). No C inculca: “Procurai folgar-vos com as irmãs quando tiverdes
recreação... ainda que não sejam do vosso gosto que... tudo é amor perfeito” (C
7,7). Ela mesma se alegra por ver a alegria interior das irmãs: 6 M 6,12; F
1,1; 27,12.
Na
recreação com as irmãs improvisa algo festivo para realçar a alegria do grupo,
como quando chegam as novidades da América (Cta 11.7.1577,4.6; ou quando
aplaude a alegria das meninas admitidas na comunidade (Cta de dez. de 1576 a
Gracián).
O
fato de ser monja lhe é de alegria: esta jamais lhe faltou V 4,2; Cf C 8,2; V
5,1. Está convencida que ser religiosa sem ser alegra é um contra-senso (C
13,7; cf. V 35,12; 36,2. Escreverá uma frase lapidária: “Uma monja descontente,
eu a temo mais que a muitos demônios" (cta. A Gracián 14.7.1581).
Dentre
as fontes de alegria destaca a pobreza evangélica (C 2; F 15,14: 14,5) e quando
acolhe alguma candidata pobre (cta.a Bañez 28.2.1574,2; F 27,12-13). Os poemas
podem ser um bom exemplo de sua alegria e vai promovê-los entre as comunidades
da Andaluzia a troca de canções elaboradas a partir de canções profanas (cf.
Cta. 9.1.1577,5-6).
ALEGRIA E
VIDA ESPIRITUAL
O
primeiro conselho aos principiantes na vida de oração é o da “alegria e
liberdade” (V 13,1). É a alegria interior que entende Teresa, que vai além do
psicológico da pessoa e da convivência gozosa com a comunidade e a recreação.
Funda sua raiz no mistério da Trindade, nas palavras bíblicas, sobretudo em que
“Deus tem seus deleites de estar com os filhos dos homens” (V 14,10; 1M 1,1; E
7,1) e que entre os filhos dos homens Ele deleita-se particularmente em Jesus
(Mt 3,17), que a faz prorromper em um grito de alegria: “Alegra-te alma minha,
pois existe quem ame a Deus como Ele merece. Alegra-te...dá-lhe graças...” (E
7,3; Cf. id, 1-2: 17,15; Conc. 1,2).
A
oração deve ajudar para criar este transfundo gozoso na vida do orante,
“alegrando-se [com Cristo] de seus contentamentos” (V 12,2 e C 26,4). Alegria
que é bem aventurança dos perseguidos, como aparece em 7M 3,5 e que já
havia formulado em C 36 sobre o verdadeiro contemplativo. De si mesma afirma
isto, em um momento crítico de sua vida (Cf. F 27,20; 7 M 3,15).
AMIGOS
No
plano doutrinal, Teresa ensina que ter amigos é um grande bem e não tê-los é um
mal e que para a vida espiritual “é coisa importantíssima” tê-los, para
partilhar com eles afetos, ideais e para “ajudar-se uns aos outros” (V 7,20).
Antes
de sua conversão (em 1554, aos 39 anos) recorda muitos
amigos de infância, adolescência, juventude e início da idade madura. Dentre
seus irmãos, na infância, Rodrigo era o que ela mais gostava (V 1,4). Na
adolescência, os primos eram sua amizade superficial; recorda com pesar uma
prima anônima “de costumes levianos” a quem se afeiçoou e que a coloca no rol
das “más companhias” (V 2,2). Depois da paralisia teve falsas amizades, em
especial com um, que se “afeiçoou muito” (V 7,7) e de muitos contrastes em sua
consciência (V 7,6-8), mas com a anuência de confessores. Entre os 30 e 40 anos
ainda não haviam florescido grandes amizades em Teresa ( com exceção de Maria
de Briceño, nas agostinianas – V3,1ss- e
do cura de Becedas (V 5,3).
Depois
de sua conversão (1554-1562), na Encarnação tem um grupo
de amigas e particular proximidade com Juana Juarez (V 35,7). Neste tempo
forma-se ao redor um primeiro grupo de amigos “os 5 que no presente nos amamos
em Cristo” (V 16,7) (rastreando, poderiam ser estes 5: D. Guiomar de Ulloa,
Pedro Ibañez, dominicano, Garcia de Toledo e, talvez, Gaspar Daza e Francisco de Salcedo). Ratifica
esta amizade com suas célebres palavras: “Nestes tempos, são necessários amigos
fortes de Deus, para sustentar aos fracos” (V 15,5).
Na
fundação de S. José (1562-1567) surge um novo tipo de amigas
dentro da comunidade religiosa: são no início 4 jovens e depois doze e Teresa
(“Colégio de Cristo”) a quem no caminho se dirige freqüentemente com palavras
de afeto: “amigas e irmãs minhas”. Dez a doze anos mais tarde recordará estes
tempos como os “mais descansados de minha vida” (F 1,1.6).
Amigas
no Carmelo (1567...) forma muitas, quase impossível enumerar. As
mais relevantes são Maria de S. José, priora de Sevilha, de quem dirá que é
“muito melhor do que eu” em F 25,6. O melhor testemunho desta amizade são as
mais ou menos 60 cartas que conhecemos de Teresa a ela. Sua sobrinha, Maria
Bautista, priora do Carmelo de Valhadolid (17 cartas a ela), Ana de Jesus
(Lobera), Isabel de S. Domingo, Catalina de Cristo, Ana de san Bartolomeu...
Entre
as damas de sua época, temos d. Guiomar de Ulloa, Joana Dantisco (Mãe de
Gracián) Catalina de Tolosa, Maria de Mendonza, a Duquesa de Alba, Maria
enriquez....
Dentre
os eclesiásticos temos os bispos: D. Álvaro de Mendonza, o Pe. Geral,
Rubeo, D. Teutônio de Bragança, Alonso Velázquez. Teólogos: Domingos Báñez
(cta. 61,1 – 28.2.1574; Pedro Ibañez e Garcia de Toledo, S. Pedro de Alcântara
(V 27,17), Baltazar Alvarez, Diego de Yepes, Pedro de castro y Nero, Jerônimo
Reinoso.
Os
mais destacados amigos foram João da Cruz e Jerônimo Gracián.
Um
critério fundamental temos em 5M 3,9: “Creio que, como é má a nossa natureza,
se não tiver raiz no amor de Deus, nunca chegaremos a ter com perfeição o
[amor] do próximo”.
AMIZADE
Teresa
é uma boa testemunha da dupla manifestação da amizade: a humana e a espiritual.
É uma mestra neste tema. Possui o típico conceito clássico: amizade é amor
recíproco e desinteressado, amor de um pelo outro, porém correspondido. A vê em
níveis diversos: entre familiares, companheiros, duas pessoas ou um grupo e,
dentre deste a amizade comunitária, dentre de uma comunidade religiosa.
Estende
também este conceito de amizade a Deus, entre Jesus e ela, afirmando-o
realisticamente, ao ponto de converter em ideia chave de sua espiritualidade:
Deus é amigo (V 8,6: “Que bom amigo”, “é amigo verdadeiro” (V 22,6).
Vê
o interesse como o que deteriora a amizade autêntica; por isso o mundo está
cheio de falsas amizades (Cf. V 20,27).
Em
sua experiência pessoal, na idade entre 28-38 anos, cedeu ao encanto das
amizades pessoais no locutório da Encarnação, que lhe fizeram perder a
liberdade interior e se tornar impotente pra desvencilhar-se delas (V 24) a
ponto de ter vergonha de ter oração e achegar-se a Deus (V 7,1). Terá uma graça
particular de Deus para livrar-se disso (V 24,5). A partir de então concentrará
sua capacidade amorosa em Cristo e concebe em termos de amizade sua relação com
Deus (V 8,5-6; cf. 27,9; R 42; C 23,5; 32,12; Conc 2,23; 3,14; 4,1; V 22,10.17;
25,17; 37,5; R 3,1; C 35,2: “O Senhor é muito amigo de amigos”.
Na
comunidade religiosa com poucos membros, busca que o grupo seja de amigos:
“aqui todas hão de ser amigas, todas hão de se amar, todas hão de se querer,
todas hão de se ajudar” (C 4,7). Vê a solidão como necessária à vida de oração,
mas sem o isolamento, pois “grande mal é uma alma só, entre tantos perigos” (V
7,20) e aconselha aos que rezam que procurem amizade e trato com pessoas que se
dediquem ao mesmo (id. 20-22).
Proporá
o “amor de uns para com outros” (C 4,4-5.10) como essencial à oração. Vê as
amizades fechadas como prejudiciais, pois criam grupinhos, separam e escravizam
o afeto alheio (cf. C 4.5; 7,10.11), destroem a comunidade.
AMOR
Este
tema se desdobra em dois aspectos em Teresa: a afetividade amorosa e o amor
teologal.
Sua
experiência de amor na Vida é muito rica em facetas e ao escrever o livro, tem
consciência do papel relevante do amor em sua vida humana e espiritual. Seu
drama consistiu em como passar do humano ao espiritual.
No
lar, são 3 irmãs e 8 irmãos, pais e os empregados. Diz que na família
era a “mais querida” de todos. Recorda o amor de sua irmã Maria e do marido em
Castellanos de la Cañada (V 3,3). Amava seu irmão Rodrigo, anterior a ela em
idade; “era o que mais queria” (V 1,4) e mais tarde Lourenço. Sofre o impacto
da perda da mãe (V 1,7). Na juventude envolve-se na rede de amores juvenis, com
orientação ao matrimônio (V 2,3-4.9). No plano afetivo e emocional, o afetivo é
alimentado pelas leituras de livros de romances.
Na
Encarnação tem que fazer um esforço heroico para desligar-se do afeto
paterno (V 3,7; 4,1) e será, talvez, o seu primeiro conflito entre amor e
vontade (“determinação”). Terá uma grande amiga, Juana Juarez (V 3,2) e outras;
mas serão os seculares (provavelmente antigos amigos) que, entre seus 29-39
anos, serão os que a “prenderão” e distorcem a afetividade da jovem religiosa
(cf. V 7,6.8). Nem sua “conversão” (V 9; 1554) aclara definitivamente sua
afetividade e a unificam ao redor de Cristo.
Somente
a graça narrada em V 24 é que lhe permite “recuperar em um instante a
liberdade” (V 24,8), o que fará que ela já não possa amar “com amor
particular... a pessoas que entende têm a Deus” (V 24,6): sacerdotes e teólogos
o pessoas amigas no labor fundacional.
O
tema da afetividade e sexualidade em Teresa é controverso nos autores e
psicólogos. Ela mesma testemunha que nunca experimentou os normais movimentos
instintivos da sexualidade. Na intimidade da direção espiritual a seu irmão
Lourenço, que lhe pede conselhos neste campo, movimentos sensuais durante o
fervor na oração (cta 182,5), já havia respondido “ Destas torpezas, depois que
v. me dá conta, não faça nenhum caso. Pois isso nunca tive – porque sempre
livrou-me Deus, por sua bondade, destas paixões- , entendo que deve ser porque
o deleite da alma é tão grande, que faz mover o natural; isto irá se terminando
com o favor de Deus, caso não faça caso disto. Algumas pessoas trataram disso
comigo” (Cta. 177,7 - de 17.1.1577). Estas mesma confidências são atestadas nos
processos por suas amigas Maria de S. José (BMC 18,500) ou Ana de Jesus
(Lobera) (id., p. 470).
Em
resumo, é neste húmus afetivo de Teresa que se enraizará e desenvolverá o amor
místico a Jesus: a transverberação, (V 29), feridas de amor, estar “enamorada”,
constituem a essência de sua mística. O podemos ver em suas Poesias, onde
constantemente os temas da vida, amor e morte de amor aparecem
constantemente Cf. P 1-8.
Uma
pedagogia do amor em Teresa poderia ser respigada no seu epistolário e
nos processos de canonização.
Aqui
veremos em Caminho e nas Moradas.
Para
o principiante, aconselha em V 12,2 a “enamorar-se” da Humanidade de Jesus, já
desde os primeiros passos do caminho espiritual. No Caminho ensina a
viver o amor na vida comunitária e na vida de oração. Devem “amar-se umas a
outras” (C 4,4) como virtude básica para a vida comunitária (cf. id., 4,7),
pois conviver sem amar é coisa de “gente bruta” (id., 4,10) e o amor fraterno é
base para o amor teologal. Propõe o “amor espiritual”, desinteressado, puro,
gratuito, mostrado nas obras e não só no sentimento; amor sacrificado como o de
Cristo, o “ capitão do amor” (C 6,9); amor de comunhão, que alegra-se e sente
pena pelos sofrimentos dos outros (C 7,6-7); amor baseado não na beleza
aparente e na simpatia, mas nos valores que duram (C 6,3.4 ler). Se o amor puro
é um ideal, alerta Teresa para o perigo dos “bandillos” (“panelinhas”), a
susceptibilidade, “vampirismo” de afeto alheio e a falta de amor. Interessa-lhe
que todas se amem e se queiram ternamente e que não haja pontos de discórdia. A
falta de amor seria “espantar de casa o Esposo”.
Nas
Moradas fala mais da mística do amor e este é unitivo quando tem como
raiz o amor de Deus (5M 3,9).
O
amor puro da comunidade, em meio a um mundo marcado pelo ódio, torna-se um
autêntico apostolado do amor: 7M 4,14. Vê como exemplos de amor S. Francisco de
Assis (6 M 6,11), Paulo e M. Madalena (C 40,3) e a Virgem Maria (Conc 6,8).
BONDADE
É
um dos atributos de Deus que mais admiração e emoção causam em Teresa. É um dos
traços do rosto de Deus no relacionamento com Ele (V 4,10) e que provoca a
amá-Lo (V 8,6), à confiança (V 19,15) e ao assombro (V 18,3; C 22,6), ao louvor
e à gratidão (1M 1,3). Para T. é importante conhecer por experiência esta
bondade de Deus: C 23,5. Toda bondade vem de Deus (E 1,1) e na pessoa madura no
amor de Deus, a bondade é um fruto: C 40,3. Conclui: “Bendito seja o Senhor,
que é tão bom!” (V 20,16) "e que de todas as coisas tira um bem, quando quer.
Amém" (V 39,14).
DETERMINAÇÃO
A
determinação teresiana é uma decisão dinâmica, um lançar-se generoso, sem
vacilar e sem voltar para trás. "Uma grande determinação de, antes perder a
vida e o descanso e tudo o que oferecer-lhe, do que voltar à primeira morada...
não dos que se deitam para beber a água de bruços, quando iam para a batalha” (2 M 1,6).
Teresa
viveu momentos de determinação: quando foi o de fazer-se monja (V 4,1); o de
ganhar os bens eternos “por qualquer meio” (V 5,2); os apegos afetivos do
locutório, com determinações e vacilos (V 6,4; 7,19; 9,7), seguida de uma
vitória pela graça de Deus (V 24,7) e que seu amor a Deus a faz assumir tudo (V
6,9). Na oração conhece crises e as determinações não lhe aproveitam (V 4,9),
mas depois nunca deixa de estar determinada à oração (V 19,11). Passada a crise
nunca mais deixará a oração (V 7,17) e no que diz respeito aos fenômenos
místicos, determina-se a seguir à risca o que diz o confessor (V 23,18).
Para
o caminho da oração, o que importa não é pensar muito, mas amar muito e o que
mais despertar a isso deve-se fazer.... amar não consiste em gostos, mas na
“determinação grande de desejar contentar a Deus em tudo e procurar no que
pudermos, não O ofender” (4 M 1,7).
O
Caminho 23 trata da determinação no caminho do orante. No começo da busca da
amizade de Deus, vale na busca do tesouro, uma “grande e muito determinada
determinação de não parar até não chegar [`a água viva]”... (C 21,2). Oferece
garantias de conseguir isto às “almas determinadas” (C 23,4), pois Deus não se
nega a ninguém que persevera com ânimo, mesmo que tropece (V 11,4. 1.13).
Durante o caminho da oração é necessário ter um entusiasmo decidido e a vontade
de “pelejar como forte... com a determinação de antes morrer, que deixar de
chegar ao fim do caminho” (C 20,2).
Na
aridez e nas distrações, é necessário encarar o caminho da oração com liberdade
diante dos consolos ou desconsolos e a determinação de abraçar a cruz de
Cristo, como cavaleiros que servem ao Rei sem o soldo (V 11,13; 15,11), pois a
determinação é o que vale e não afligir-se, parecendo que não avançam (V 11,5),
pois Deus sabe que querem sempre pensar Nele e amá-lo (V 11,15). Na oração de
recolhimento, acostumar-se a estar sempre com Cristo, enamorar-se dele e fazer
atos para determinar-se a fazer muito por Deus, despertando o amor (V 12,2):
isto pode desembocar em outras formas de oração (V 19,2). Em situações
adversas, a humildade e a confiança em Deus
e não em si, animando-se a grandes coisas, ainda que não tenha grandes forças
(V 13,2), pois as primeiras determinações é grande coisa pra seguir adiante (V
13,3).
No
caminho da oração, a determinação há de ser o fazer a vontade de Deus (3 M 1,7;
6 M 9,16; 5 M 2,8), e isto é amor que se adquire “determinando-se a agir e
padecer e fazê-lo quando houver ocasião” (F 5,3), pois Deus só desposa quem
está “determinado a fazer em tudo” sua vontade (5 M 4,4). Para isto não se
contam os anos de serviço, mas o ‘amor e a determinação”... (V 39,10). De aqui
surge a pessoa que está disposta a não fazer o mínimo que seja que contrarie a
vontade de Deus (7M 4,3; C 41,3-4.8), que nos livre do mal (C 42,3) e a
determinação de “perdoar qualquer injúria , por mais grave que seja” (C 36,8).
DIÁLOGO FRATERNO
Teresa
usa palavras sinônimas para o que entendemos hoje como diálogo: “conversación”,
conversar, comunicación, hablar, parlar, tratar, colóquio, plática...” Todos os
seus escritos são coloquiais: “Irei falando com elas no que escreverei” (M
prol.).
Teresa
é mestra nesta difícil arte do diálogo. Desde peque conversa com Rodrigo (V
1,4), primos (V 2,2), com uma parente (V 2,3), com Maria de Briceño (V 3,1),
com o irmão Antônio (V 4,1), com o padre de Becedas (V 5,4), com as pessoas no
locutório da Encarnação e com “os cinco que no presente nos amamos em Cristo”
(V 16,7). Mas é Deus que a ensina a dialogar com Ele (C 29,7) e compreende que
a oração é diálogo de amizade, pois assim Ele se revelou na história da
salvação. E assim o ensina em V 8,5.
“Tratar”
é ter conhecimento de Deus e conversar, às vezes como a um Pai, como irmão,
como um senhor, como um esposo ...às vezes de uma maneira, às vezes de outra...
(V 7,12): é colocar-se com uma presença total em total abertura da própria
pessoa à outra pessoa, com tudo o que se tem.
Na
comunidade teresiana, o diálogo fraterno faz parte de sua novidade fundacional;
o ensina como “estilo de fraternidade e recreação que temos juntas” (F 13,6) e
que foram sintetizadas nas Constituições das Carmelitas Descalças de 1581:
“Sentido de igualdade evangélica e de franca sinceridade no trato (Cf. C 27,6; 20,4); mútua participação nos
gozos e dores (Cf. C 7,5-9); “aqui todas hão de ser amigas, todas hão de se
amar, todas hão de se querer, todas hão de se ajudar” (C 4,7); clima de alegria
e afabilidade, segundo o “estilo de fraternidade e recreação que temos juntas”
(F 13,5; cf. C 7,7; 41,7; V 36,29; Const IX , 3-7).
É
essencial na comunidade teresiana cada uma das pessoas colabore para criar
clima de fraternidade, intimidade, onde cada um sinta-se realizado humana e
espiritualmente (Cf. 5M 3,11; C 7; F 5). Para que isto aconteça, é necessário
que haja capacidade de diálogo e comunicação entre as pessoas, que vivem a
solidão e o silêncio (V 36,26; C 4,9), pois a mútua ajuda é fundamental nos
caminhos da oração (V 7,20-22).
As
características do diálogo fraterno teresiano podem ser: a) as de viver a mesma
vocação em comunidade e para que isto ocorra, não hesita em aconselhar as que
não tiverem o mesmo intuito em deixar o convento (C 7,11; 8,3; 13,1.6; 14); b)
a linguagem como forma de comunidade, que pode ser pelas obras, disponibilidade
ao serviço aos demais, sacrifícios, oração, que é o “trato” das monjas (C
20,4-6) e que torna possível um estímulo entre todas ao encontro com Deus na
oração e com os outros na fraternidade; c) os temas de conversação são os mais
variados, mas sobretudo a presença de Cristo entre elas (V 32,11), que deve ser
louvado por elas (6M 6,12), a oração que é o fundamento de tudo (V 32,18), como
seguir adiante no serviço de Deus (V 36,26) e buscar comunitariamente a vontade
divina; d) as características do diálogo fraterno devem ser o saber escutar,
não falar por falar, ter clareza nas ideias, respeito pelo outro, acomodar-se
ao modo de ser de quem temos diante e participar em tudo ao que diz respeito à comunidade,
além de ser espontâneo, alegre e recreativo (Cf. Const IX, 3-9). Como resumo
pode ser C 41,7.
GENEROSIDADE
É
um dos traços de Deus em Teresa: sua propensão a dar, seu mesmo dom para nós em
Cristo, e sempre com vontade de fazer muito por nós (6 M 11,1; V 3,3), “amigo
de dar” (5 M 1,5)e não está esperando senão a ter a quem dar (6 M 4,12),
generoso (C 23,3) que sempre dá cem por um (Cta 294,13; V 22,15).
“Que
podemos fazer diante de um Deus tão generoso, que morreu por nós?” (3M 1,8).
Desta condição de Deus vem a generosidade do cristão e que chegam à perfeição
(C 6,4), almas muito “afeiçoadas em dar, mais que em receber” (C 6,7). Por isso
Teresa não simpatiza com pessoas que custam a dar-se a si a Deus e aconselha a
“dar-se todas ao Tudo” (C 8,1) e fazer sempre sua vontade (C 32,7-8). Uma oração
de Teresa que manifesta sua maneira de
ser é esta de V 39,6: “Seja bendito para sempre, que tanto dá, e tão pouco lhe
dou eu. Porque, que faz, Senhor meu, quem não de desfaz todo por Vós?”
TRABALHO
Aos
Descalços de Duruelo, inculca a vida laboral e admira o p. Antonio (superior e
letrado) varrendo (F 14,6). O noviciado de Pastrana se sustentava com o
trabalho de fiação, conforme o testemunhos de Gracián (BMC 17,188). No primeiro
capítulo (Almodóvar, 1576), inculca a Gracián: “importa infinitamente”
introduzir em cada casa o trabalho manual (Cta. 124,8); repete-o também a outro
capitular: “A outra coisa que pedi muito, é que se pusesse de relevo os
exercícios [de mãos], ainda que fosse o fazer cestas ou qualquer coisa, e seja
[na] hora da recreação, quando não houver outro tempo, pois onde não há estudo,
é coisa importantíssima” (Cta. 161,8). No que diz respeito ao “estudo”, ela
estima especialmente o trabalho intelectual dos letrados (V 13,20; C 3,2).
No
plano doutrinal, para Teresa vida de oração é compatível com o trabalho. O
adverte nas 5M 3,11 e o vê compatibilidade entre os dois nas F 5; de seu
exemplo temos ainda os bordados feitos por ela. Elogia ao amigo e confessor,
bispo do Burgo de Osma, Alonso Velásquez, por seu incansável trabalho, pois
“não perde dia nem hora sem trabalhar” (F 30,9).
Na
poesia 2 diz: “ Se quereis que esteja folgando,/ quero por teu amor
folgar, / se me mandais trabalhar,/ morrer quero trabalhando...”
VERDADE
A
psicologia teresiana está marcada pela necessidade de entender e entender-se,
de discernir a verdade ou autenticidade de suas graças místicas e sua vida
inteira; daí o seu recurso aos letrados, para que deem garantias ou “luz” sobre
a verdade de sus experiências.
Concebe
o projeto de vida espiritual fundado na verdade: “Espírito que não esteja
começando na verdade, eu mais o queria sem oração” (V 13,6). É estruturalmente
uma buscadora da verdade e necessitada de “andar na verdade”, que sente repulsa
à mentira e ao que a ela se parece; diz do diabo que “ele é todo mentira” (V
15,10), “amigo de mentiras, e a mesma mentira (V 25,21); ao contrário Deus “é a
mesma verdade” (V 40,1; C 19,15).
Na
vida de Teresa, o pról. 3 das F pode dizer-nos tudo: “Em
coisa pouco importante eu não mentiria
por nada da terra”; ao escrever a autobiografia suplica a Deus” com todo o meu
coração me dê a graça para que com toda clareza e verdade eu faça esta relação”
(V pról. 2). Llaneza (simplicidade) e clareza são dois componentes da verdade
teresiana: “sou amiga da simplicidade” (llaneza) (Cta. 412,8) e refere-se à
postura humana da mãe de Gracián, Juana Dantisco, que possui “una llaneza y
claridad por lo que soy perdida” (Cta. 124,2). Para o discernimento místico diz
“por coisa alguma do mundo eu diria uma coisa pela outra” (V 28,4). [trata-se
de verdade ou mentira – querer enganar o confessor]. Os episódios de sus vida
mostram bem este fator: a busca da verdade de quando era menininha (V 1,4;
3,5), o reprovar-se a si mesma por enganar o pai quanto ao abandono da oração
(V 7,11-12), tem consciência que naturalmente “aborrece a mentira”(V 40,4). O
que destaca mais é a sua busca persistente de letrados que deem garantias da
veracidade de suas experiências espirituais, o que é o motivo de todos os seus
escrito autobiográficos, desde a 1ª relação (1560) até às vésperas de sua morte
(R 6, 1581). (A lenda das três verdades de Teresa: formosa, discreta é consciente
de o ser, não de ser e “santa”) Cf. cta. 88,12 e sobretudo a 294,19: “a verdade
padece, mas não perece”.
Seu
ensinamento no Caminho de perfeição nos diz: “ande a
verdade em vossos corações”, “quem de verdade ama a Deus” (C 20,4; 40,3), pois
tem uma visão entre realista e pessimista da vida social. Não suporta o que ela
chamou de “farsa da vida” (V 21,6), pois a sociedade não se rege pelo código da
verdade: “a vida [da sociedade] está cheia de enganos e duplicidades...” e “não
há quem viva vendo tanto engano em que andamos” (V 21,1.4) (Conferir V 20,26,
21,1; 40, 4). O “socratismo teresiano”, é o conhecer a verdade de si mesmo, o
que é possível somente à luz de Deus. Urge o principiante em 1M 1,2 e 6M 10,7:
humildade é andar na verdade...
Como
mística cristã, Teresa vê a realidade com os olhos novos de Cristo: um de ordem
afetivo, unificado e purificado e que é relatado em V 24; o outro de
ordem intelectual, em V 26, em que Cristo será o seu “livro vivo”, onde lê as
verdades que não pode fazer com os artifícios humanos (cf. V 26,5). Vê verdades
(V 21,5.9) e possui a experiência culminante da verdade de Deus em V 40,4.3
(ler).
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