Beato Antônio Rosmini |
Antônio
Rosmini Serbati (1797 – 1855) foi beatificado em 18 de novembro de 2007. Ele
foi um sacerdote italiano, pensador profundo, autor de livros marcantes, que
sofreu a condenação do Santo Ofício de alguns de seus escritos por
interpretações equivocadas promovidas por alguns seguidores.
Ordenado
sacerdote em 1821, Antonio Rosmini fundou, em 1830, em Domodossola, o Instituto
da Caridade, congregação religiosa reconhecida em 1839 pelo Papa Gregório XVI,
à qual, alguns anos depois, se uniria a congregação das Irmãs da Providência.
Apesar de sua
absoluta fidelidade ao Papa IX, a quem acompanhou em seu exílio em Gaeta
(1848), as autoridades eclesiásticas, em 1849, puseram-no «Índice» dos livros
proibidos duas de suas obras. Mais tarde, foram condenadas com o decreto
doutrinal «Post Obitum» quarenta proposições suas, extraídas de obras sobretudo
póstumas e de outras editadas em vida.
Em 1º de julho
de 2001, uma «Nota da Congregação para a Doutrina da Fé», firmada pelo então
cardeal Joseph Ratzinger, afastou toda sombra de dúvida sobre a suposta
culpabilidade de Rosmini.
Dom Renat Corti,
bispo de Novara (diocese do futuro beato) apresentou o grande filósofo como um
apóstolo da caridade no dia 08 de novembro, na sede da «Rádio Vaticano».
Dom Corti
sublinhou que esta mensagem está presente inclusive no nome da congregação
fundada por Rosmini: «Societas a Charitate» (Instituto da Caridade ou do amor).
A mensagem
central de Rosmini, segundo o bispo, é a seguinte: Jesus Crucificado é o símbolo desse amor, que representa o fulcro
de todo o cristianismo.
Participaram de
sua beatificação, em Novara, entre sete e oito mil pessoas, entre esses, cerca
de quatrocentos sacerdotes e aproximadamente trinta bispos.
A Missa foi
presidida em nome do Papa pelo cardeal português José Saraiva Martins, prefeito
da Congregação para as Causas dos Santos.
HOMILIA DO
CARDEAL JOSÉ SARAIVA MARTINS
NO RITO DE
BEATIFICAÇÃO DE ANTÓNIO ROSMINI
Novara, 18 de
Novembro de 2007
"Como tu, ó
Pai, estás em mim e eu em ti, que também eles estejam em nós para que todos
sejam um só... a fim de que o mundo creia que tu me enviaste".
1. Sentimos o
ânimo cheio de júbilo espiritual, enquanto contemplamos a Igreja, em todo o
esplendor da sua beleza, que nesta celebração eucarística se manifesta na hodierna
Festa litúrgica da Igreja local, que se celebra no Piemonte, e durante a qual
tenho a grande alegria de presidir, como Representante do Santo Padre, ao rito
de beatificação de António Rosmini. A alegria da Igreja de Trento, que o viu
nascer e da Igreja de Novara, na qual trabalhou e onde entregou a alma a Deus,
estende-se muito além dos vastos confins diocesanos.
Que grande
verdade se revela, mas também se esconde, nas fortes expressões que o Filho de
Deus usa na sua última oração ao Pai, segundo o Evangelho de João, há pouco
proclamado: "Não rogo somente por estes, mas também por aqueles que pela
sua palavra hão de crer em mim..." por nós! "Que todos sejam um só;
como Tu ó Pai estás em mim e Eu em ti...". Como Tu em mim e Eu em ti,
assim eles em nós. A Igreja vive não "diante" mas "na"
Trindade, amada pelo mesmo amor pelo qual se amam o Pai, o Filho e o Espírito.
É olhando para uma realidade tão inefável que o apóstolo Pedro, na segunda
leitura de hoje, pôde definir o novo povo dos batizados "como pedras
vivas, entrai na construção de um edifício espiritual ...sois raça eleita,
sacerdócio real, nação santa, povo adquirido, a fim de anunciardes as virtudes
d'Aquele que vos chamou das trevas para a Sua luz admirável".
2. A hodierna
solene celebração transmite o sentido do inseparável vínculo que existe entre a
Igreja e a santidade. De fato, a nossa Igreja é a Igreja dos Santos como disse
J. Bernanos não "uma espécie de gendarmaria espiritual". A santidade é "uma aventura, aliás a
única aventura possível" (J. Bernanos, I predestinati, Gribaudi,
Turim, 1995, pp. 42-43).
E exatamente por
ter tido a força de empreender esta maravilhosa aventura da santidade, de modo
sublime, é que hoje a Igreja inscreve o abade Rosmini no álbum dos beatos. Uma
santidade não meramente declarada, mas vivida em todo o seu alcance.
Rosmini, no
início da segunda das suas célebres "Máximas de perfeição cristã", justamente
considerado o coração da sua espiritualidade evangélica, escreve: "O primeiro desejo que é gerado no
coração do cristão pelo desejo supremo da justiça [santidade] é o do incremento e da glória da Igreja de
Jesus Cristo" (Rosmini A., Massime di perfezione cristiana, aos
cuidados de M. M. Riva, Trento 2003, p. 17).
Se a finalidade
da vida para todos os cristãos é o desejo único e infinito de agradar a Deus,
dentro deste desejo reside a escolha de orientar todos os próprios pensamentos
e as próprias ações para o crescimento e a glória da Igreja de Jesus Cristo.
Este olhar único e inseparável dirigido para Cristo e a sua Igreja requer uma
visão extremamente forte desta última, que Rosmini teve ao seguir muitos outros
pensadores cristãos, primeiro entre todos Santo Agostinho, que escreveu:
"Alegremo-nos, demos graças a Deus, não só porque nos fez cristãos, mas porque
nos fez tornar o próprio Cristo. Dai-vos conta, irmãos, de qual graça nos fez
Deus, doando-nos Cristo como Cabeça? Exultai, alegrai-vos, tornámo-nos Cristo.
Se ele é a Cabeça, nós somos os membros: somos um homem completo, ele e nós...
Plenitude de Cristo: a Cabeça e os membros. Qual é a Cabeça e quais são os
membros? Cristo e a Igreja" (Santo Agostinho, In Evangelium Johannis
tractatus, 21, 8).
Ao exclusivo
serviço desta Igreja, que com Cristo forma o "Cristo total" (Christus
totus), Rosmini fundou o Instituto da Caridade (Rosminianos) e as Irmãs da
Providência (Rosminianas), institutos aos quais estabeleceu como único fim a
própria finalidade primária da vida religiosa: a busca incessante da salvação e
da santidade. Totalmente pela Igreja. Trata-se de um aspecto que Rosmini pagou
um preço elevado e que brilha de maneira muito significativa e exemplar na vida
do Beato: o seu inoxidável e tenaz amor à Igreja.
Nas
"Constituições" ele usa palavras claríssimas: "Não pensemos neste Instituto, mas sempre na Igreja de Cristo,
evocando na alegria do nosso coração as promessas que nos foram transmitidas
como herança a respeito do reino de Cristo e da imobilidade do divino
conselho" (Rosmini A., Costituzioni dell'Istituto della Carità, Trento
1974, p. 377, n. 468); "... a fim de
que [a nossa família religiosa] seja
útil à Igreja, [Deus] conservá-la-á e
protegê-la-á; quando, ao contrário, começar a ser inútil e prejudicial, com
autêntico juízo cortará a árvore nociva e dá-la-á às chamas" (Ibid.,
p. 375, n. 465). Os religiosos e as religiosas, ao caminhar para a única meta
da santidade, deveriam estar abertos a qualquer obra de caridade,
principalmente através dos Pastores da Igreja e das circunstâncias dos tempos e
dos lugares que o Senhor indicar:
- às obras da
caridade espiritual, que se referem imediatamente à salvação eterna do homem (o
anúncio da fé, os sacramentos);
- às da caridade
intelectual, com as quais se quer libertar a mente do homem das trevas da
ignorância e iluminá-la com a luz da verdade;
- e às da caridade
temporal que se referem às necessidades do corpo, como a fome e a saúde.
3. O Beato Antônio
Rosmini, além da guia da família religiosa que fundou, dedicou as suas
múltiplas energias ao empenho cultural, sobretudo nos campos da filosofia, da
pedagogia e da teologia, em resposta ao chamado dos Papas do seu tempo, que nos
dotes intelectuais do Roveretano viram a indicação clara de que deveria servir
a Igreja e o homem ao elaborar um sistema de pensamento que servisse de
fundamento à fé. Tratava-se, como ele mesmo escreveu, de reconduzir a Deus o
homem, que se tinha afastado d'Ele com um mau uso da razão, tomando a estrada
da própria razão. Esta tarefa ingente, que custou a António Rosmini fadigas e
dolorosas incompreensões, recentemente recebeu o sigilo competente da Igreja,
sobretudo na Encíclica Fides et Ratio de João Paulo II. Nela, que se abre com a
belíssima comparação das duas asas ("A
fé e a razão constituem como que duas asas com as quais o espírito humano se
eleva para a contemplação da verdade") (Fides et Ratio, introdução), o
saudoso Pontífice, após ter repetido que a separação entre razão e fé é um
drama, afirmou, citando Santo Agostinho: “A profundidade e a autenticidade da fé saem
favorecidas quando esta se une ao pensamento e não renuncia a ele”.
Mais uma vez, encontramos nos Padres a lição que nos guia nesta convicção: "Crer
nada mais é senão pensar consentindo [...]. Todo o que crê, pensa; crendo
pensa, e pensando crê [...]. A fé se não for pensada, nada é".
Mais: "Se se tira o assentimento, tira-se a fé, pois sem o assentimento,
realmente não se crê" (Ibid., n. 79). E na mesma Encíclica está
inserido o nome de Rosmini entre os modernos expoentes desta linha do diálogo:
"A relação entre a filosofia e a palavra de Deus manifesta-se fecunda também
na investigação corajosa realizada por pensadores mais recentes, de entre os
quais me apraz mencionar, no âmbito ocidental, personagens como John Henry
Newman, Antônio Rosmini, Jacques Maritain, Étienne Gilson, Edith Stein..."
(Ibid., n. 74).
A voz de Rosmini
é um eco moderno daquela dos grandes Padres da Igreja ao lado dos quais pode
estar tranquilamente, pela acuidade e pela vastidão dos interesses teóricos,
bem unidos com o ardor evangélico dos pastores de almas. De facto, sobre ele é
possível dar, e foram propostas, muitas e diversas definições que descrevem
somente parte das múltiplas facetas do prisma da sua extraordinária identidade.
Em Antônio Rosmini encontra-se o filósofo, o pedagogo, o teórico da política, o
apóstolo da fé, o profeta, o gigante da cultura. Contudo, por quanto tudo isto
enriqueça o seu valor e confirme a sua atualidade, a nossa hodierna chave de
leitura é a da santidade de Rosmini que, certamente, ajudará a recuperar a
amizade entre razão e fé, entre religião, comportamento ético e serviço público
dos cristãos.
4. A Igreja hoje
proclama Beato este sacerdote porque reconheceu na sua operosa existência os
sinais da virtude, que ele praticou de modo heroico. Jovem sacerdote, redigiu
para si uma "Regra de comportamento" baseada no Evangelho e que
consistia em dois princípios:
“1º
Pensar seriamente em corrigir a mim mesmo os vícios e em purificar a alma da
iniquidade pela qual está marcada desde o nascimento, sem procurar outras
ocupações ou obras em prol do próximo, se me achar na absoluta impotência de
fazer algo a seu favor”;
“2º Não rejeitar os serviços de caridade para o
próximo quando a divina Providência assim os oferecer e apresentar, porque Deus
é poderoso para se servir de qualquer um, e também de mim, para as suas obras,
e em tal caso conservar uma perfeita indiferença entre todas as obras de
caridade, fazendo a que me for proposta com igual fervor como por qualquer
outra por minha livre vontade”.
Aqueles que o
conheceram tanto os grandes personagens da sua época, com os quais ele tinha
contatos frequentes, como os fiéis mais humildes testemunharam que Rosmini
viveu em conformidade com esta regra, que ecoa nas palavras de Jesus:
"...sem mim nada podeis fazer" (Jo 15, 5) e naquelas de São Paulo aos
Filipenses: "Tudo posso naquele que me dá força" (4,13).
No novo Beato
verifica-se um constante fio unificador entre o seu pensar, o seu crer e o seu
viver quotidiano. Disso resulta um testemunho de vida indicador desta unidade
que é ascese, mística, santidade. O abade Rosmini viveu uma vida teologal, na
qual a fé implicava a esperança e a caridade, com aquele diálogo de amor
confiante na Providência, a tal ponto que o levava a não empreender algo,
grande nem pequeno, "se não nos sentirmos como que atraídos pela própria Providência".
Elevando-o às
honras dos altares, a Igreja indica este sacerdote como intercessor e modelo
também para o homem de hoje, para nós. A vida e os ensinamentos do Fundador do
Instituto da Caridade exortam-nos a colocar resolutamente Deus no centro da nossa
existência e a servi-lo no homem que é seu sacramento, em qualquer campo que o
Senhor nos chame, unicamente felizes por sermos inseridos em Cristo, como
sarmentos na Videira, e em atitude de diálogo, e não de contraposição, com as
várias e muitas vezes enganadoras correntes do pensamento atual.
Eleve-se desta
nossa Santa Assembleia um hino de ação de graças ao Senhor, que tudo conduz com
a sua admirável Providência. E as palavras mais uma vez nos são apresentadas
pelo nosso Beato, que em 1849, num momento de grave provação para ele, escreveu
a um irmão de hábito: "Meditando
sobre a Providência, admiro-a: admirando-a, amo-a; amando-a, celebro-a;
celebrando-a, agradeço-lhe; agradecendo-lhe, encho-me de alegria. E como
poderia fazer diferentemente, se sei pela razão e pela fé, e sinto com o íntimo
espírito, que tudo o que se faz, querido ou permitido por Deus, é feito por um
amor eterno, infinito, essencial? E quem poderia entristecer por amor?"
(Rosmini A., Epistolario ascetico, III, p. 508, carta 1124). Amém.
Um comentário:
Ótimo exemplo de cristão!
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