Primeiros anos
Santo Anselmo
nasceu em Aosta, parte do Reino de Arles, por volta de 1033. Sua família tinha
fortes relações com a poderosa Casa de Sabóia e era muito rica. Seu pai,
Gundulfo, era lombardo de nascimento. Sua mãe, Ermemberga, que foi descrita
como prudente e virtuosa, veio duma antiga família burgúndia.
Aos quinze anos,
Anselmo desejava entrar para um mosteiro, mas não conseguiu o consentimento do
pai e acabou sendo recusado pelo abade. O desapontamento aparentemente
provocou-lhe uma doença psicossomática. Depois de se recuperar, Anselmo
desistiu de estudar e passou a viver despreocupadamente; neste período, sua mãe
morreu. Aos vinte e três, Anselmo saiu de casa, cruzou os Alpes e viajou por
toda a Borgonha e a França.
Atraído pela
fama de seu conterrâneo Lanfranco (que era o prior da beneditina Abadia de
Bec), chegou à Normandia em 1059. No ano seguinte, depois de algum tempo em
Avranches, Anselmo finalmente entrou para a abadia como noviço aos vinte e
sete. Ao fazê-lo, submeteu-se à Regra de São Bento, um evento que reformularia
todo o seu pensamento na década seguinte.
Anselmo é escolhido para ser Abade de seu mosteiro. |
Abade de Bec
Em 1063,
Lanfranco foi nomeado abade de Caen e Anselmo foi eleito prior em Bec, um cargo
que manteve por quinze anos antes de tornar-se abade depois da morte de
Herluin, o fundador da abadia, em 1078. Foi consagrado abade em 22 de fevereiro
de 1079 pelo bispo de Évreux, o que foi acelerado por que, na época, a
Arquidiocese de Ruão (a quem se subordinava Bec) estava vaga. Se Anselmo
tivesse que ser consagrado pelo arcebispo de Ruão, teria sido pressionado a
jurar obediência, o que comprometeria a independência de Bec.
Sob o comando de
Anselmo, Bec tornou-se o principal centro de ensino na Europa, atraindo
estudantes de toda a França, Itália e outras regiões. Foi durante esta época
que escreveu suas primeiras obras filosóficas, o "Monológio" (1076) e
o "Proslógio" (1077–8). A elas se seguiram "Os Diálogos sobre a
Verdade", "Livre Arbítrio" e "A Queda do Diabo". Neste
período, Anselmo também lutou para manter a independência da abadia tanto dos
poderes seculares quanto do arcebispo. Posteriormente, Anselmo teve que lutar
ainda contra Roberto de Beaumont, conde de Leicester.
Anselmo
ocasionalmente visitava a Inglaterra para supervisionar as propriedades da
abadia lá e também para visitar Lanfranco que, a partir de 1070, havia sido nomeado
arcebispo de Cantuária, de quem era considerado o sucessor natural. Com a morte
dele em 1089, porém, Guilherme II da Inglaterra tomou as propriedades e as
rendas da Sé e não nomeou um novo arcebispo. Em 1092, a convite de Hugo de
Avranches, 1º conde de Chester, Anselmo cruzou o Canal da Mancha. Na
Inglaterra, permaneceu envolvido em assuntos da abadia por quase quatro meses e
então foi proibido de voltar a Bec pelo rei. Guilherme ficou seriamente doente
de forma súbita em Alveston no ano seguinte e, movido por um desejo de
compensar por seus atos pecaminosos que acreditava serem a causa de sua doença,
permitiu que Anselmo fosse nomeado para a Sé de Cantuária (Canterbury) em 06 de
março de 1093.
Arcebispo de Canterbury (Cantuária)
Arcebispo de Canterbury (Cantuária)
Nos meses
seguintes, Anselmo tentou recusar o posto alegando estar velho e doente. Em 24
de agosto, apresentou a Guilherme as condições nas quais estaria pronto a
aceitar o posto. Elas eram parte de uma agenda de Reformas Gregorianas: 1. Guilherme
deveria devolver as terras da Sé que havia tomado; 2. Deveria aceitar a
preeminência dos conselhos espirituais de Anselmo e 3. Deveria reconhecer
Urbano II como Papa (e não Clemente III, o antipapa). As recusas de Anselmo
ajudaram a melhorar sua posição na barganha enquanto os termos eram discutidos
com o rei, que estava profundamente relutante em aceitar as condições impostas
por ele. Guilherme cederia apenas à primeira. Alguns dias depois, Guilherme
tentou voltar atrás até mesmo nisso e suspendeu a investidura de Anselmo, mas,
pressionado pela população, foi obrigado a seguir adiante com a nomeação. No
fim, Anselmo e Guilherme concordaram que a devolução das terras de Cantuária seria
a única condição aceita. Finalmente os bispos ingleses colocaram-lhe nas mãos o
báculo e o levaram para igreja para ser investido. Anselmo em seguida prestou
homenagem a Guilherme e, em 25 de setembro de 1093, recebeu de volta as terras
de sua nova Sé. Ele foi entronado no mesmo dia, depois de receber a dispensa de
suas obrigações na Normandia. Por fim, foi consagrado arcebispo de Cantuária em
4 de dezembro.
Tem se discutido
sobre se a relutância de Anselmo em assumir a Sé teria sido ou não sincera.
Estudiosos como Southern defendem que sua preferência teria sido permanecer em
Bec. Porém, a relutância em aceitar postos importantes era um costume medieval.
Vaughn afirma que Anselmo não poderia ter expressado um desejo pela posição sem
correr o risco de ser visto como um carreirista ambicioso. Ela afirma ainda que
Anselmo percebeu a situação política e os objetivos de Guilherme e agiu no
exato momento que lhe daria a melhor condição de negociar pelos interesses de
sua futura Sé e do movimento reformista. Por outro lado, a vida de eremita era uma das opções que Anselmo considerou antes de
aceitar o conselho do arcebispo de Ruão e entrar para o mosteiro. William Kent
acreditava que não havia razão para suspeitar da sinceridade de sua
resistência. Naturalmente atraído pela
vida contemplativa, Anselmo não
tinha atração alguma por este tipo de cargo mesmo em períodos de paz e,
assim, teria ainda menos em tempos conturbados. Anselmo sabia bem o que o
esperava na função.
Conflitos com Guilherme II
Anselmo
continuou a combater por suas reformas e pelos interesses de Cantuária. Sua
visão sobre a Igreja era de uma Igreja universal,
com sua própria autoridade interna, capaz de conter a visão de Guilherme de
controle real sobre o Estado e sobre a Igreja. Por isso, tem sido descrito ora
como um monge contemplativo ora como
um homem politicamente engajado,
determinado a defender os privilégios da Sé Episcopal de Cantuária. Um dos
primeiros conflitos com Guilherme irrompeu já no seu primeiro mês. O rei
preparava-se para combater seu irmão mais velho, Roberto II Curthose, duque da
Normandia, e precisava de dinheiro. Anselmo estava entre os nobres de quem se
esperava ajuda e ele ofereceu £500, mas Guilherme recusou exigindo mais. Posteriormente,
um grupo de bispos convenceu Guilherme a aceitar a quantia original e foram até
Anselmo, que afirmou ter doado o dinheiro aos pobres. Neste episódio, Anselmo
foi cuidadoso e conseguiu evitar tanto acusações de simonia quanto mostrar-se
um líder generoso.
As leis da
igreja determinavam que os bispos metropolitanos não poderiam ser consagrados
sem que antes recebessem o pálio das mãos do Papa. Anselmo, portanto, insistiu
em ir à Roma para receber o seu, mas Guilherme não autorizou. O antipapa
Clemente III estava lutando contra Urbano II, que havia sido reconhecido pela
França e pela Normandia. Não parece que Guilherme fosse partidário de Clemente,
mas claramente desejava fortalecer seus próprios interesses colocando-se na
posição de decidir entre os dois rivais. Assim, quando Anselmo pediu permissão
para ir ver o Papa, o rei afirmou que ninguém na Inglaterra deveria reconhecer
nenhum dos dois papas antes que ele, o rei, se decidisse. Em 25 de fevereiro de
1095, os bispos e nobres da Inglaterra realizaram um concílio no castelo de
Rockingham para discutir o tema no qual os bispos se alinharam ao rei, com
Guilherme de Saint-Calais, o bispo de Durham, chegando ao ponto de recomendar
ao rei que depusesse Anselmo. Os nobres, por outro lado, escolheram a posição
de Anselmo e a conferência terminou num impasse.
Logo depois,
Guilherme enviou mensageiros em segredo para Roma. Eles convenceram Urbano a
enviar um legado (Gualtério de Albano) até o rei levando consigo o pálio
arcebispal e os dois imediatamente deram início às negociações secretas.
Guilherme concordou em reconhecer Urbano como Papa e assegurou para si o
direito de autorizar que membros do clero recebessem cartas papais e as
obedecessem; Gualtério, negociando em nome de Urbano, concedeu que Urbano não
enviaria legados à Inglaterra sem que eles fossem antes convidados pelo rei. O
maior desejo de Guilherme era que Anselmo fosse deposto e outro recebesse o
pálio, ao que Gualtério respondeu que "...há boas razões para que se
espere um bom resultado de acordo com os desejos do rei". Guilherme então
reconheceu publicamente Urbano, mas Gualtério se recusou a depor Anselmo.
Enfurecido, Guilherme tentou extorquir dinheiro de Anselmo em troca do pálio,
também sem sucesso. Depois, tentou entregar-lhe o pálio pessoalmente, o que
também não lhe foi permitido. Finalmente, o rei cedeu e Anselmo recebeu o pálio
no altar de Cantuária em 10 de junho de 1095.
No decorrer dos
dois anos seguintes, não se conhece nenhuma disputa aberta entre Anselmo e
Guilherme. Porém, o rei bloqueou todos os esforços do arcebispo em suas
reformas. A tensão finalmente explodiu em 1097, depois que Guilherme esmagou
uma revolta galesa. Ele acusou Anselmo de ter lhe fornecido um número
insuficiente de cavaleiros para a campanha e tentou multá-lo. Anselmo decidiu
seguir para Roma para se aconselhar com o Papa, pois Guilherme se recusava a
cumprir sua promessa de ajudar na reforma da igreja, mas o rei não lhe
permitiu. As negociações terminaram com Guilherme declarando que se Anselmo
partisse, tomaria de volta a Sé de Cantuária e jamais o receberia de volta como
arcebispo. Por outro lado, se Anselmo resolvesse ficar, seria multado e teria
que jurar que jamais apelaria novamente a Roma: "Anselmo recebeu a opções de se exilar ou de se submeter
completamente".
Primeiro exílio
Exilado, Anselmo
partiu para Roma em outubro de 1097. Guilherme imediatamente se apoderou das
receitas da Sé e as manteve até morrer, embora Anselmo tenha permanecido
titular da Sé. Ele escolheu o exílio para defender sua visão da Igreja
universal, sublinhando os pecados de Guilherme em relação a ela. Embora ele
tenha de fato prestado homenagem a Guilherme, Anselmo a desqualificou frente ao
seu dever para com Deus e o Papa. Ele foi recebido com grandes honras por
Urbano durante o cerco de Cápua, durante o qual foi muito elogiado pelas tropas
sarracenas de Rogério I da Sicília (r. 1071–1101). Num grande concílio
provincial realizado em Bari em 1098, que contou com a presença de 183 bispos,
Anselmo recebeu a incumbência de defender a cláusula Filioque e o uso do pão ázimo durante a Eucaristia contra
representantes da Igreja Ortodoxa. Em 1099, Urbano renovou a proibição da
investidura secular do clero e do clero prestar homenagem a poderes seculares.
No mesmo ano Anselmo se mudou para Lyon.
Conflitos com Henrique I
A vitória de
Anselmo marcou o sucesso da Igreja Católica contra os monarcas ingleses na
Questão das Investiduras.
Guilherme foi
morto em 02 de agosto de 1100. Seu sucessor, Henrique I, convidou Anselmo de
volta, escrevendo que se comprometia a ouvir os conselhos do arcebispo.
Henrique cortejava Anselmo por que precisava de seu apoio para se consolidar no
trono, uma vez que o arcebispo poderia a qualquer momento declarar seu apoio ao
irmão mais velho de Henrique. Quando Anselmo retornou, Henrique exigiu que ele
lhe prestasse homenagem em relação às propriedades de Cantuária e recebesse
dele sua investidura em seu posto de arcebispo. Como o papado havia
recentemente proibido o clero de fazer as duas coisas, a relação de Anselmo com
Henrique já começou em conflito.
O rei se recusou
a desistir do privilégio desfrutado por seus predecessores e propôs que o tema
fosse levado ao Papa. Duas embaixadas foram enviadas ao Papa Pascoal II sobre a
legitimidade da investidura de Henrique; ambas receberam a confirmação da ordem
papal anterior. Neste ínterim, Anselmo ajudou Henrique, que estava ameaçado
pela invasão de seu irmão, Roberto Curthose, e Anselmo publicamente apoiou-o,
convencendo os barões ainda indecisos e ameaçando Curthose com a excomunhão.
Na festa de São
Miguel de 1102, Anselmo realizou um concílio em Londres no qual ele proibiu o
casamento e o concubinato aos membros das ordens sagradas36 (além de condenar a
simonia e reformando os regulamentos de sobriedade e vestuário do clero). Ele
estava entre os primeiros a opinar publicamente contra o tráfico de escravos em
1102, num concílio na igreja de São Pedro em Westminster, e conseguiu aprovar
uma resolução contra a prática de vender homens como gado.
Por outro lado,
Henrique concedeu a Anselmo autoridade sobre toda a Igreja na Inglaterra e
concordou em obedecer ao Papa. Porém, como Pascoal havia reafirmado as regras
sobre a investidura e as homenagens seculares, Henrique se voltou novamente
contra Anselmo. Em 1103, o próprio arcebispo e um enviado real, Guilherme
Warelwast, partiram novamente para Roma. Furioso, Pascoal excomungou os bispos
investidos por Henrique.
Segundo exílio
Anselmo se
refugiou em Lyon depois disso e aguardou os próximos passos de Pascoal. Em 26
de março de 1105, o Papa excomungou o principal conselheiro de Henrique,
Roberto de Meulan, por ter convencido Henrique a continuar com as investiduras
seculares, os prelados investidos por Henrique e outros conselheiros, ameaçando
o próprio rei com o mesmo destino. Em abril, Anselmo ameaçou excomungá-lo
pessoalmente, provavelmente para forçar a mão de Henrique nas negociações. Como
resposta, o rei arranjou um encontro com Anselmo e eles conseguiram chegar numa
solução de compromisso em Laigle em 22 de julho de 1105. Parte do acordo era
que as excomunhões de Roberto e de seus associados fossem revogadas (dado que
eles agora aconselharam o rei a obedecer ao Papa); Anselmo fê-lo por sua
própria autoridade, um ato que depois teve que explicar a Pascoal. Outras
condições do acordo foram que Henrique deveria abandonar a investidura secular
se Anselmo obtivesse de Pascoal permissão para que clérigos prestassem
homenagem aos seus nobres; que as receitas da Sé de Cantuária fossem devolvidas
a Anselmo; e que os sacerdotes fossem proibidos de casar. Anselmo então
insistiu em ter o acordo de Laigle sancionado por Pascoal antes de aceitar
voltar para a Inglaterra. Por carta, Anselmo também pediu ao Papa que aceitasse
o compromisso de prestar homenagem ao rei, pois seria um pequeno preço a pagar
por uma vitória maior, o fim do conflito sobre as investiduras seculares. Em 23
de março de 1106, Pascoal escreveu a Anselmo aceitando a solução, embora ambos
vissem o acordo como um compromisso temporário e pretendiam continuar
pressionando pelas reformas gregorianas, incluindo o fim das homenagens.
Mesmo depois
disso, Anselmo continuou se recusando a voltar para a Inglaterra. Henrique
viajou para Bec e encontrou-se com ele em 15 de agosto de 1106. Lá, o rei fez
mais algumas concessões, restaurando a Anselmo todas as igrejas que havia
tomado. Ele prometeu ainda que nada mais seria tomado das igrejas, que prelados
que haviam pago seu controverso imposto (que havia começado como um imposto
sobre clérigos casados) seriam isentados de impostos por três anos e,
finalmente, que tudo o que havia sido levado de Cantuária durante o exílio de
Anselmo seria devolvido. Anselmo finalmente aceitou voltar depois de reforçar
ainda mais a posição da igreja frente à do rei.
Já em 1107, a
longa disputa sobre as investiduras estava finalmente resolvida. A Concordata
de Londres anunciou os compromissos de Anselmo e Henrique em Bec. Os dois anos
finais da vida de Anselmo foram tranquilos e dedicados às suas funções em
Cantuária. Como arcebispo, viveu à altura de seus ideais monásticos,
que incluíam zelo, prudência e instrução
adequada ao seu rebanho, além de oração e contemplação. Anselmo morreu na Quarta-Feira Santa, 21 de
abril de 1109, em Cantuária, e foi enterrado na Catedral de Cantuária.
Obras
Anselmo se situa
entre Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino e é chamado “O Pai do Escolasticismo".
Ele preferia defender a fé pelas razões intelectuais do que pelos argumentos
das Escrituras.
Anselmo
dedicou-se à filosofia, aplicando a razão em vez do apelo à autoridade das
Escrituras ou da patrística para estabelecer as doutrinas da fé cristã.
Estilisticamente, os tratados de Anselmo assumem duas formas, diálogos, de
cunho pedagógico, e meditações. Seu grande predecessor, João Escoto Erígena,
foi mais especulativo e místico em suas obras.
O mote de
Anselmo era "fides quaerens intellectum" ("fé em busca de entendimento") que, para ele,
significava "um ativo amor de Deus em busca de um conhecimento mais
profundo de Deus". Ele escreveu "Neque enim quaero intelligere ut
credam, sed credo ut intelligam. Nam et hoc credo, quia, nisi credidero, non
intelligam." ("Nem busco
entender para que possa acreditar, mas acredito que possa entender. Por isso,
também, acredito que, a não ser que eu primeiro acredite, não serei capaz de
entender"). Esta frase foi possivelmente inspirada por Santo Agostinho
("Dez Homilias sobre a I João", tratado XXIX sobre João 7:14-18, §6):
"Portanto, não busque entender para
que acredite, mas acredite para possa ser capaz de entender". Anselmo defendia que a fé precede a razão e
que a razão pode expandir a fé.
A obra-prima
sobre a teoria do conhecimento de Anselmo é o tratado "De Veritate", no qual afirma a existência de uma verdade absoluta da qual todas as verdades
participam. Esta verdade absoluta,
argumenta ele, é Deus, que é a base
ou princípio de tudo e do pensamento. A visão de mundo de Anselmo era, grosso
modo, a do neoplatonismo, que herdou de seu grande influenciador, Santo
Agostinho, assim como de Dionísio Areopagita, possivelmente, de Escoto. Ele
também herdou sua forma racionalista de pensar de Aristóteles e de Boécio.
Provas teístas
O
"Monológio", escrito em 1077, inclui uma defesa da existência de
Deus, mas também muitas discussões sobre os atributos divinos e sua economia,
além de algumas sobre a mente humana. A obra começa assim:
“Se alguém não sabe, seja por que não ouviu ou por
que não acredita, que há uma natureza, suprema sobre todas as coisas
existentes, que sozinha é autossuficiente em sua felicidade eterna, que através
de sua bondade onipotente concede e faz com que todas as coisas existam ou
tenham algum tipo de bem-estar, e uma grande quantidade de outras coisas que
devemos acreditar sobre Deus ou sua criação, penso que este devia pelo menos se
convencer da maior parte destas coisas pela simples razão se for moderadamente
inteligente ”.
Nos primeiros
capítulos, apresenta a defesa da bondade em todas as coisas que só podem
existir pela presença da bondade "em si". A prova do Monológio
argumenta a partir da existência de muitas coisas boas em direção a uma unidade
da bondade, uma única coisa através da qual todas as outras coisas são boas.
Ele continua explicando que "coisas" são chamadas de "boas"
em graus e formas variadas que seriam impossíveis se não houvesse algum padrão
absoluto e alguma bondade "em si", da qual toda bondade relativa é
parte. O mesmo vale para adjetivos como "grande" ou
"justo", por meio do qual coisas tem uma certa medida de grandeza e
justiça. Anselmo usa este raciocínio para afirmar que a própria existência de
coisas seria impossível sem algum único Ser através do qual elas passam a
existir. Este Ser absoluto, esta bondade, justiça e grandeza, é Deus. Anselmo
não se satisfaz completamente com este raciocínio, porém, por que começa a
partir de bases a posteriori, ou seja, é um raciocínio indutivo e não uma
dedução como preferia.
Em seu
Proslógio, Anselmo tentou encontrar um único argumento que não precisava de
nada além de si próprio como prova, que seria suficiente em si mesmo para
mostrar que Deus realmente existe; que ele é a bondade suprema dependente de
nada mais, mas do qual tudo depende para existir ou para seu bem-estar. Estudiosos
medievais chamaram-no de "ratio Anselmi" ("argumento de
Anselmo"). Immanuel Kant posteriormente chamou-o de "argumento
ontológico". Anselmo definia sua crença na existência de Deus utilizando a
frase "aquele que não se pode
conceber nada que seja maior". Ele argumentava que, se "aquele
que não se pode conceber nada que seja maior" existisse apenas no
intelecto, ele próprio não seria
"aquele que não se pode conceber nada que seja maior", uma vez que se pode conceber que exista na
realidade, que é maior que o intelecto apenas. Segue daí, segundo Anselmo, que
"aquele que não se pode conceber nada que seja maior" deve existir na
realidade. A maior parte do "Proslógio" é dedicada à tentativa de
Anselmo de estabelecer a identidade
"daquele que não se pode conceber nada que seja maior" como sendo
Deus, estabelecendo assim que Deus existe de fato.
A prova
ontológica de Anselmo tem sido objeto de controvérsia desde que foi publicada
pela primeira vez na década de 1070. Ela foi combatida na época pelo monge
Gaunilo em sua "Liber pro Insipiente", onde argumentava que humanos
não podiam passar do intelecto para a realidade. A resposta de Anselmo veio em
sua "Responsio". A crítica de Gaunilo foi depois repetida muitas
vezes por filósofos posteriores, entre eles Tomás de Aquino e Kant. Anselmo escreveu diversos outros argumentos
para a existência de Deus baseados em argumentos cosmológicos e
teleológicos.
Outras obras
Deus Pai e a Virgem Maria, dois temas
explorados por Anselmo em sua teologia.
Em suas demais
obras, Anselmo luta para afirmar a base racional das doutrinas cristãs da
criação e da Trindade, que ele discutiu primeiro afirmando que seres humanos
não poderiam conhecer Deus em si, mas apenas através de uma analogia. A que ele
utilizou foi a da autoconsciência do homem.
A peculiar dupla
natureza da consciência - memória e inteligência - representam a relação do Pai
com o Filho. O amor mútuo entre os dois, que procede de uma relação que eles
mantém entre si, é o Espírito Santo. As demais doutrinas teológicas sobre o
homem, como o pecado original e o livre arbítrio, foram desenvolvidas no
"Monológio" e em outros tratados.
A visão da
satisfação na teoria da Expiação foi formulada por Anselmo em seu obra
"Cur Deus Homo" ("Por que Deus foi feito Homem?"). Ele
tentou ali explicar a necessidade racional do mistério cristão da expiação. O
ponto central do argumento é que o ser
humano pode compensar pelo pecado humano contra Deus, mas sendo a compensação impossível para qualquer ser humano individual,
ela só poderia ser feita por Deus. Um ato assim só seria possível para Jesus
Cristo, o Filho, que é tanto Deus
quanto homem. A expiação é alcançada através da morte de Cristo, que tem
valor infinito. Em última instância, na interpretação de Anselmo sobre a
expiação, a justiça e a misericórdia divina em seus sentidos mais amplos se
mostram completamente compatíveis. Melhor explicando: se Deus desejasse meramente perdoar os pecados do homem Sua
misericórdia teria se conflitado com Sua justiça. Para reconciliar misericórdia
e justiça era necessário um oferecimento maior que a desobediência do homem.
Somente Deus poderia fazer este oferecimento, mas somente o homem deveria fazê-lo,
assim somente o Deus-homem-Jesus poderia fazer, como realmente O fez na Cruz.
De acordo com
esta visão, o pecado seria um débito
frente à justiça divina que precisa ser pago de alguma forma. Assim, nenhum pecado, segundo Anselmo, pode ser perdoado sem uma devida "satisfação". Porém, o
débito incorreto é algo muito maior que um ser humano é capaz de pagar. Todo
serviço que uma pessoa pode oferecer a Deus já está alienado por conta de
outros débitos para com Deus. A única forma pela qual se pode dar a satisfação
- para que o homem se livre de seus pecados - seria pela vinda de um
"Redentor" que fosse também tanto homem quanto Deus. Ele próprio
teria que ser livre de todo pecado e, portanto, não ter nenhum débito
incorrido. Sua morte seria então maior
do que todos os pecados incorridos pela humanidade e corresponderia a uma
superabundante "satisfação" à justiça divina.
Anselmo negou a
crença que no que atualmente chamamos de Imaculada Conceição, embora sua forma
de pensar tenha lançado as bases para o desenvolvimento da doutrina no
ocidente. Em "De virginali conceptu et de peccato originali"
("Do Conceito de Virgindade e o Pecado Original"), Anselmo propôs dois
princípios que se tornariam fundamentais na discussão. O primeiro é que seria adequado que Maria fosse tão pura que
nenhum outro ser mais puro pudesse ser imaginado, com exceção de Deus. O
segundo, que abriu caminho para o dogma no futuro, foi sua compreensão sobre o
pecado original. Anselmo afirmou que o pecado original seria nada mais do que a
natureza humana desprovida da justiça divina e que seria transmitida (no
nascimento) por que os pais não podem
conceder a justiça divina por que eles próprios não a têm. O pecado
original seria portanto a transmissão da decadência da natureza humana. Em
contraste, os contemporâneos de Anselmo defendiam que a transmissão do pecado
original teria relação com a natureza lasciva do ato sexual. Anselmo foi o
primeiro a separar o pecado original do desejo sexual.
Influência
As obras de
Anselmo foram copiadas e disseminadas ainda durante a sua vida e exerceram
grande influência sobre os escolásticos posteriores como Boaventura, Tomás de
Aquino, João Duns Escoto e Guilherme de Ockham. Seu tratado sobre a processão
do Espírito Santo ajudou a guiar as especulações escolásticas sobre a Trindade,
"Cur Deus Homo" iluminou o caminho para a teoria da Expiação e sua
obra antecipou muito do que seria discutido nas futuras controvérsias sobre o
livre arbítrio e a predestinação.
Reconhecimento
O aniversário da
morte de Anselmo, em 21 de abril, é celebrado pela Igreja Católica, pela maior
parte da Comunhão Anglicana e por algumas correntes do luteranismo. Sua
canonização foi solicitada por Tomás Becket em 1163 e é possível que tenha sido
formalmente canonizado em algum momento antes da morte deste em 1170, mas
nenhum registro oficial sobreviveu, apesar de, a partir daí, Anselmo ter sido
incluído no rol dos santos em Cantuária e em outros lugares. Alguns estudiosos
defendem que a canonização de Anselmo só teria sido executada em 1494 pelo Papa
Alexandre VI. Foi proclamado Doutor da Igreja em 1720 por Clemente XI. Em 21 de
abril de 1909, 800 anos depois de sua morte, São Pio X emitiu uma encíclica,
"Communium Rerum", elogiando Anselmo, sua carreira eclesiástica e
suas obras. Seu símbolo na hagiografia é um navio que representa a
independência espiritual da Igreja.
Famosa Oração de São Anselmo;
“Oh,
meu Senhor e meu Deus, nos dê a graça de desejar a Vós com todo nosso coração,
porque desejando-O , iremos procura-Lo procurando-O , iremos encontra-Lo,
encontrando- O, iremos ama-Lo, amando- O, iremos odiar aqueles pecados que Vós
nos redimistes na Cruz”!
Frases famosas de Santo Anselmo:
“Não
quero saber para crer, mas crer para saber”
“Acreditamos
que vós (Deus) sois algo que nada se pode conceber que vos seja maior”.
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