Trago ao conhecimento dos leitores deste Blog a história de mais um "santo popular": Frei Fabiano de Cristo. Seu nome, infelizmente, é muito associado à doutrina espírita, pois algumas obras e "centros" de seguidores dessa doutrina recebem o seu nome. Porém, isso não passa de um grande e infeliz equívoco. Frei Fabiano na verdade foi um frade da Ordem de São Francisco que viveu entre os séc. XVII e XVIII e que se prodigalizou nos cuidados com os doentes e desamparados. Foi exemplo e modelo de desapego aos bens materiais, de amor por Jesus, de serviço à Igreja e de amor cristão.
Ao
norte de Portugal, numa aldeia chamada Soengas, nasceu a 08 de fevereiro de
1676, Frei Fabiano de Cristo, que no século se chamava João Barbosa. Filho de
Gervásio Barbosa e da Senhorinha Gonçalves, formavam uma das muitas famílias de
vida simples que ali viviam, dedicadas sobretudo ao cultivo da uva.
De
suas cinco irmãs, quatro se fizeram religiosas, o mesmo acontecendo com o único
filho da família. Pouco se sabe sobre os anos de infância e adolescência de
João. Sabe-se apenas que pela vida simples e pobre que levavam, pouca
oportunidade teve de travar contato com os livros.
À
procura de algo mais – João Barbosa sabia que o ambiente que o cercava não era
resposta aos seus ideais. Sabia que sua família fora, outrora, abastada e que
em suas veias corria a nobreza antiga, agora oculta na pobreza. Por ser
ambicioso, sentiu logo o desejo de restabelecer a antiga nobreza. Mas não seria
em Soengas que isso poderia acontecer. No primeiro instante pareceu-lhe que o
melhor caminho seria o comércio. Dirigiu-se então à cidade do Porto, onde as
possibilidades se mostravam mais abundantes e ricas. Aí ouvia histórias
fantásticas de terras distantes e muita riqueza, deixando o jovem João muito
entusiasmado. No final do século XVII, a novidade mais ambiciosa que os
marinheiros traziam a Portugal era a descoberta abundante do ouro em Minas
Gerais. Assim como muitos, também João viu lá longe, no Brasil, despontar a
solução de seus problemas.
João
despede-se de seus pais e irmãs e parte para o Brasil numa penosa viagem de
meses de balanço no mar e outra não menos penosa por terra, até chegar ao seu
destino, na região das promessas douradas: o Ribeirão de Nossa Senhora do Carmo
(hoje Mariana) e Ouro Preto. Muita riqueza foi vista, muitos homens arrancavam
da terra quantidades enormes de ouro que os tornavam ricos da noite para o dia.
Mas, paralelamente à exploração das minas, surge outra fonte de renda: a vida
do comércio ou “carreira das minas”.
Foi esta a profissão que João escolheu logo que chegou ao Brasil.
Não
sabemos exatamente qual a especialidade dos negócios de João. Sabemos apenas
que em pouco tempo conseguiu uma respeitável fortuna. A partir de 1704, vamos
encontrar João Barbosa com residência fixa na vila de Parati, tocando seus
negócios que lhe rendiam bons lucros, mas nunca deixando de manter contato com
as coisas de Deus. Assim ligou-se logo ao pároco da vila, auxiliando-o em tudo.
Todas as obras de caridade recebiam dele largas quantias em dinheiro, não
deixando nunca de ajudar os pobres, que encontravam nele a mão generosa sempre
pronta a ajudar.
Os
planos de João eram de trabalhar mais alguns anos e regressar a Portugal com
suficiente fortuna para alterar a situação de sua família. Mas aí Deus entrou
em sua vida de forma diferente e alterou o plano do homem. O trabalho
espiritual exercido em Parati foi mudando as concepções de João. Foi sentindo
cada vez mais forte o convite à vida
religiosa. Hesita. Esperava maior clareza. Algum sinal, talvez. Mas um
acontecimento trágico veio pôr fim às suas hesitações. A morte por assassinato
de um sócio e companheiro seu, por motivos desconhecidos, fez com que João
ficasse profundamente abalado e percebesse como os bens materiais não
significam nada diante da grandeza de Deus.
Nesta
altura da história, muitas Ordens Religiosas já estavam estabelecidas no
Brasil. Examinando-as, pode sentir que nenhuma estava tão de acordo com seus
propósitos como a “Ordem Seráfica de São
Francisco de Assis”. Porque, como nascera na pobreza, passara depois à
riqueza pelo trabalho, queria à luz da fé voltar a ser pobre. E ninguém melhor
que Francisco de Assis para guia nesta troca de valores.
O
Franciscano - Tomada a decisão, João apresentou-se ao Padre Provincial, no
Convento Santo Antônio do Rio, que percebeu imediatamente suas qualidades e,
sobretudo, um homem que sentia o chamado de Deus, logo sendo admitido à vida
franciscana. Primeiro passo de João: desfazer-se de todos os bens. Dividiu toda a sua fortuna em três
partes: a primeira foi enviada a Portugal para a família e para outros acertos;
a segunda parte foi destinada às obras de caridade; e a terceira foi
distribuída entre os pobres. Assim, a 08 de novembro de 1704, apresentou-se no
Convento São Bernardino em Angra dos Reis, e no dia 11 de novembro trocou suas
vestes seculares pelo hábito marrom de São Francisco, trocando também seu nome de João para “Frei Fabiano de Cristo”,
nome pelo qual é conhecido ainda em nossos dias, pois foi a partir desta troca
que ele enveredou pelos caminhos da santidade. Frei Fabiano de Cristo, no tempo
de formação, optou por ser irmão
franciscano.
No
Convento Santo Antônio do Rio - No final do ano de 1705, Frei Fabiano de Cristo
recebeu ordens de transferir-se para o Convento Santo Antônio do Rio de
Janeiro, com o encargo de porteiro. Aliás, na Ordem Franciscana dava-se
particular importância a esta função, pois prescrevia-se fosse ela entregue
somente a religiosos de muita prudência, confiança e virtude, após 15 anos de
hábito. A nomeação de Frei Fabiano de Cristo era um reconhecimento à sua virtude
e confiança, pois estava apenas há dois anos na Ordem. Apesar do bom trabalho
exercido por Frei Fabiano na portaria, os superiores pediram, no ano de 1707 ou
1708, que ele tomasse conta da enfermaria. Imediatamente obedeceu e, aqui como
na portaria, deu belíssimo exemplo de caridade.
Embora
não tivesse preparação especial para esta função, a caridade e o esforço
pessoal substituíam as deficiências. Praticamente levava sua vida junto aos doentes, a tal ponto que nem sequer tinha
um quarto próprio, por longo tempo, contentando-se em dormir em qualquer lugar
da enfermaria, para que, dia e noite, pudesse estar à disposição dos doentes.
Só mais tarde aceitou um quarto, mas sempre junto à enfermaria. Assim consumiu
quase todo o resto de sua vida, cerca de trinta e oito anos, exercendo sua
caridade para com os doentes e idosos.
Enfermidade
e morte - Com o passar do tempo, o corpo de Frei Fabiano foi sentindo o peso da
idade e dos sacrifícios, na forma de sofrimento físico que o crucificaram por
quase 30 anos. A causa inicial destes sofrimentos foi uma erisipela crônica,
localizada nas pernas, acentuadamente na esquerda, que mais tarde se
transformou numa horrível chaga. Para aumentar estes sofrimentos nas pernas,
apareceu-lhe um quisto num dos joelhos, atribuído por alguns ao tempo excessivo
que o bom irmão permanecia de joelhos nas suas longas horas de oração.
Jamais
se ouviu dele a mínima queixa ou atitude de revolta diante de tanto sofrimento.
A única coisa que o atormentava era o fato de não poder mais exercer sua função
de enfermeiro. Seu estado de saúde agravou-se muito, já estava ele na casa dos
70 anos. Pressentiu que ia chegando ao fim de seus dias e, conforme dizem,
chegou a anunciar aos confrades o dia e a hora de sua morte. No dia 17 de
outubro de 1747, pelas 14h, Frei Fabiano de Cristo, rodeado pelos confrades,
quase despercebidamente como vivera, parte ao encontro do Pai.
Uma
multidão tomou conta do Convento Santo Antônio. Todos queriam se despedir de
Frei Fabiano, pois ele era visto como um “santo”, um Servo de Deus. Todos
desejavam ver e tocar aqueles restos que representavam a santidade.O local onde
estavam encerrados os ossos de Frei Fabiano começou a ser abandonado,
terminando por cair em ruínas. Dos cento e tantos religiosos do tempo de Frei Fabiano
o Convento não abrigava, em 1870, mais que seis e, aos poucos, o Convento foi
se transformando numa espécie de hospedaria até que, em 1885, Dom Pedro II
hospedou ali o sétimo Batalhão de Infantaria do Exército. E vieram as
depredações e os estragos. A ruína começara um trabalho demolidor, levando
consigo a placa de bronze que assinalava o local da urna com os ossos de Frei
Fabiano. Assim, quando o batalhão se retirou, ninguém mais sabia o local que se
encontrava a urna. Inclusive acreditava-se que a mesma havia sido violada.
O
reencontro - Não queria Deus fosse este o fim dos ossos de Frei Fabiano, pois
em fins de janeiro do ano de 1924, chuvas fortes e prolongadas, causaram
grandes estragos no Rio e em vários Estados. Às três horas da madrugada do dia
2 de fevereiro, com um estrondo terrível, ruiu grande parte do muro, atrás do
qual, antigamente, se achava a enfermaria. Em meados de abril, foram iniciadas
as obras de reconstrução do dito muro, derrubando a 1° de maio do ano de 1924,
o resto do muro que ainda não ruíra. Parte do muro já havia sido derrubado,
quando do lado do Convento, de repente, apareceu uma urna de chumbo, cheia de
ossos. Imediatamente entregue ao Guardião, este logo ficou convencido de
tratar-se dos ossos de Frei Fabiano. Abrindo a urna, encontrou em cima, coberto
de cal, um documento em péssimo estado, onde ainda se lia: “Frei Fabiano……..
enfermeiro deste convento…….. Rio……..”.
Resolveram
então encerrá-los em uma urna de mármore, com uma pequena abertura lateral, por
onde se poderiam ver os ossos. A urna foi colocada numa capela, do lado
esquerdo da Igreja do Convento Santo Antônio. E a veneração recomeçou. Em pouco
tempo, os fiéis começaram a procurar o santo irmão, como nos primeiros dias
após sua morte. Ainda hoje, a procissão de devotos continua a desfilar diante
do altar singelo que abriga os ossos de Frei Fabiano. De todos os cantos do
Brasil chegam cartas comunicando graças e pedindo lembranças do santo irmão
que, pequeno na terra, continua no céu uma presença benéfica, atestando como
Deus é magnífico em seus santos, pois neles manifesta sua imensa misericórdia e
sua paterna solicitude de ajudar os homens pelos homens.
Frei
Hugo Baggio, ” Frei Fabiano de Cristo”, 1974.
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