"Um exemplo da liberalidade de Deus para com aqueles que não põem obstáculos à graça divina. Sua vida prova como a graça operou maravilhas na floresta norte-americana”.
“Kateri, eu te batizo em nome do Pai e do Filho e do
Espírito Santo",
disse pausadamente o missionário, enquanto derramava a água purificadora sobre
a cabeça de uma jovem índia norte- americana de 19 anos, até então chamada
Tekakwitha. Num gesto de gratidão e admiração, ela cobriu a face com as mãos.
Assim foi ela recebida na Santa Igreja Católica, com o nome de Kateri ou
Catarina.
Foi uma
cerimônia singela, como singela era a alma da recém-batizada. Contudo, o
oficiante, um missionário jesuíta francês, emocionou-se. "Foi o momento mais feliz de meu ministério", recordaria
ele anos mais tarde.
O que encheu
tanto de admiração esse sacerdote? O que transformou essa filha de uma feroz
nação indígena numa brilhante estrela do firmamento da Igreja?
A resposta se resume nesta única palavra: graça.
Catarina é um
exemplo da liberalidade de Deus para com aqueles que não põem obstáculos à
graça divina. Sua vida prova como a graça operou maravilhas na floresta
norte-americana antes mesmo de ali se firmar a influência da civilização europeia.
À procura do belo, numa infância atribulada
Ela nasceu em
abril de 1856, num aldeamento localizado no atual Estado de Nova York. Seu pai era
um chefe dos Mohawk, um dos cinco ramos em que então se dividiam os Iroqueses,
hostis à presença de missionários na região. Sua mãe pertencia a uma tribo mais
pacífica e era cristã, mas, sendo prisioneira de guerra desde a infância,
via-se reduzida a praticar a fé no isolamento e em segredo. Mesmo nessas
condições adversas, ela nunca esqueceu as verdades fundamentais do Catolicismo
e plantou as sementes da fé na alma de sua filha.
Aos quatro anos
Tekakwitha perdeu seus pais e seu irmão menor, vítimas de uma epidemia de
varíola. Ela escapou com vida, mas enfraquecida, com cicatrizes e quase cega.
Muito pior do que isso, a morte da mãe significava a perda do vínculo vivo com
o Cristianismo.
Órfã, ela passou
a viver com parentes, recuperando uma relativa boa saúde. Contudo, a vida na
tribo em nada favorecia a prática da virtude. Mais do que as demais nações
iroquesas, os Mohawk mostravam-se ferozes na guerra e frequentemente cruéis na
vitória. O canibalismo não lhes era desconhecido, e os costumes rudimentares e
abomináveis se agravavam pela prática de cultos demoníacos.
Apesar de todas
essas circunstâncias adversas, os ensinamentos e o exemplo da falecida mãe
fizeram germinar na suave e silenciosa alma de Tekakwitha uma certa retidão e
um anelo de ordem e beleza. Fugindo das orgias pagãs nos grandes festivais, ela
se recolhia à solidão. Facilmente se encantava com as belezas da natureza, por
exemplo, com as lindas ninfeias brancas que flutuavam na superfície da água.
Eles simbolizavam algo que ela, embora sem saber explicitar, admirava e anelava
no mais profundo da alma.
Primeiro encontro com os missionários
Aos 11 anos, um
acontecimento a marcou profundamente. Três sacerdotes jesuítas chegaram à
aldeia e foram hospedados na habitação do chefe, tutor de Tekakwitha. Segundo a
lei da hospitalidade em vigor entre os índios, os viajantes deviam ser bem
recebidos, mesmo persistindo as hostilidades entre franceses e iroqueses; e os
missionários, por sua vez, implicitamente se comprometiam a não evangelizar
ninguém da tribo.
A menina
encontrou-se, assim, na feliz circunstância de servir a refeição aos hóspedes.
Nunca antes ela tinha visto um europeu. Timidamente, ofereceu a um dos três uma
posta de carne de cachorro ainda gotejante de sangue... Ele aceitou e disse-lhe
com bondade: "Muito obrigado, minha filha, e que Deus te abençoe!" Os
três sacerdotes fizeram o sinal-da-cruz e as orações de costume, antes de
iniciar a refeição.
Nos dias
seguintes - discretamente, para não incorrer na ira de seus parentes - ela
observava admirada a dignidade desses Ministros de Deus no trabalho, na oração
e na conversa. Desejava muito tocar o crucifixo que eles levavam nas visitas
aos doentes. Em segredo, tentava fazer o sinal-da-cruz e do fundo de sua alma
brotava uma ardente prece: "Ó Deus,
ajudai-me a Vos conhecer e amar!"
Primeira índia a fazer voto de virgindade
O tempo passava,
e essa graça frutificava na alma da inocente jovem. Sua humilde existência era
marcada pelo serviço dócil à família que lhe deu acolhimento: trabalhos
manuais, nos quais ela revelava excelente habilidade, cuidado dos doentes e
idosos da aldeia. As crianças especialmente eram atraídas por sua afetuosa
personalidade.
À sua maneira,
ela dispensava tanto tempo quanto possível à contemplação. Sua alma tinha sede
de Deus, e essa sede não fez senão crescer ao longo de sua curta vida.
Assim chegou
Catarina aos 17 anos de idade. Segundo as tradições dos iroqueses, para ela só
havia um caminho, o de "casar-se" com algum guerreiro da tribo.
Competia aos parentes a escolha do noivo, problema, aliás, fácil de resolver em
se tratando da família de um cacique.
Organizou-se
para isto uma festa, para a qual foram convidados um valente guerreiro e seus
familiares. Tekakwitha ficou encarregada de preparar os pratos de costume e,
sem desconfiar de nada, aquiesceu em vestir-se com os festivos trajes e
ornamentos próprios à sua categoria de filha de cacique. Quando viu chegarem os
convidados, ela ficou um tanto inquieta, mas só percebeu inteiramente o jogo na
hora de servir ao jovem a refeição. Segundo o costume iroquês, o casamento se
efetuava pelo simples fato de ela passar a "seu noivo" o "prato
tradicional" na presença de ambas as famílias!
Demonstrando uma
firmeza de resolução geralmente oculta sob sua costumeira suavidade, lançou ao
chão o "tradicional prato" e fugiu. Retornando horas mais tarde,
depois da apressada partida dos hóspedes, ela teve de suportar a fúria dos
parentes.
Durante cerca de
um ano, até esgotar- se sua saúde, ela foi tratada como escrava da família, que
pretendia pela força quebrar sua vontade. Calmamente, ela deixou passar a
tempestade, sofrendo em paz.
Que se passou no
coração dessa adolescente - que não era batizada e nunca ouvira falar de
virgindade - capaz de levá-la a recusar com tanta decisão o que hoje se chama
um bom partido? A pergunta fica sem resposta. Pode-se, porém, conjeturar algo a
partir do fato de que poucos anos depois ela, já cristã, foi a primeira índia a
fazer voto formal de virgindade.
A graça do Batismo
Com jeito, os
missionários jesuítas conseguiram estender seu trabalho de evangelização até
mesmo aos terríveis iroqueses. A instrução catequética era dada a pequenos
grupos na aldeia, mas a futura Beata estava proibida de frequentá-la. Sempre
desejosa de participar, ela ouvia os hinos à distância e secretamente examinava
as pinturas dos missionários, depois de encerradas as pregações ao ar livre.
Seu isolamento era penoso, mas finalmente Deus interveio.
Certo dia, em
suas rondas pela aldeia, um missionário passou diante da habitação do tio de
Tekakwitha. Rezando em silêncio, ele pretendia continuar seu caminho, mas um
impulso irresistível o fez entrar. Junto com algumas mulheres de mais idade,
ela estava calmamente trabalhando na obscuridade. Para ela, a entrada do
sacerdote representou quase como uma visão, e foi uma oportunidade enviada por
Deus. Abandonando sua habitual reserva, ela expôs-lhe suas lutas para praticar
as virtudes e seus desejos de ser batizada.
Profundamente
tocado por ver a ação da graça nessa alma, o missionário se dispôs a dar-lhe
assistência, mas advertiu-a das probabilidades de uma perseguição. Com toda
sinceridade, a valente jovem pôde responder que já conhecia a perseguição e
estava pronta para o sacrifício. Ele então providenciou sua instrução formal.
Surpreendentemente,
sua família não se opôs. Seu rápido progresso em assimilar as verdades da fé
causou admiração aos missionários jesuítas. Pouco depois, em 18 de abril de
1676, ela recebeu a inapreciável graça do Batismo.
Novas provações
Foi uma imensa
alegria, mas não o fim das provações.
Na aldeia ainda
de maioria pagã muitos tratavam cruelmente essa moça extraordinária e fervorosa
cristã. Preocupados com sua segurança, os jesuítas prepararam sua fuga para uma
aldeia católica em Caughnawaga, perto de Montreal. Apesar da feroz perseguição
de seu tutor, Catarina lá chegou levando nada mais que um cobertor e uma carta
para o padre superior dessa aldeia: "Catarina
Tekakwitha vai agora juntar-se à sua comunidade. Dê-lhe guia e direção
espiritual e o senhor logo perceberá que joia nós lhe enviamos. Sua alma está
muito próxima de Deus Nosso Senhor..."
Na aldeia
católica ela estava finalmente livre para praticar sua fé, assistir à Missa
diária e, enfim, expandir seus desejos de perfeição.
Mas aqui também
não lhe faltaram sofrimentos. Algumas pessoas, não tomando em conta a pureza de
vida e a santidade dessa heroica jovem, sugeriram- lhe ásperas penitências em
reparação por pecados passados. Ela quase perdeu totalmente sua frágil saúde
com as severas austeridades às quais se submeteu, afligindo-se por pecados que
nunca lhe tinham sequer passado pela cabeça.
Outras pessoas, mal
orientadas, murmuravam a respeito de suas ausências durante as horas de
recreação. Uma nuvem de suspeita desceu sobre ela, estendendo-se ao sacerdote
que dirigia sua alma. Uma tosca cruz gravada num tronco de árvore, e o espaço
muito pisado em torno dela, serviram de eloquentes testemunhas para justificar
suas ausências e restaurar seu bom nome. Esta provação, contudo, partida da
comunidade cristã, foi para ela especialmente dolorosa.
Partida para o Céu
Aos poucos, os
habitantes da aldeia começaram a perceber sua santidade e a considerá-la com
respeito e admiração. "Catarina só pode ser encontrada em seu caminho para
a igreja, para os pobres e para os campos", diziam eles. Até mesmo os
franceses habitantes de uma aldeia próxima não escondiam sua admiração por
aquela "garota índia que vive como uma freira", assim a qualificavam.
Embora
reservada, Catarina se apresentava sempre bem disposta e alegre com todos, e
diligente no serviço aos idosos e doentes.
As tribulações e
as austeridades de sua vida em breve acabaram com sua saúde. Com alegria
sobrenatural sentiu aproximar-se o seu fim. Durante a Quaresma de 1680, alguém
lhe perguntou o que ofereceria a Jesus. "Eu entreguei minha alma a Jesus no
Santíssimo Sacramento, e meu corpo a Jesus na Cruz", confidenciou
ela com candura.
Reverentemente e
sem ostentação, ela preparou-se para receber os últimos sacramentos. Tendo
distribuído suas poucas posses aos pobres, ela aceitou com gratidão o presente
de um novo traje para receber Nosso Senhor Sacramentado com o maior respeito.
Não apenas os jovens, mas a aldeia inteira chorava essa inevitável perda.
Sentindo que a
vida a ia abandonando, disse ela tranquilamente: "Jesus, eu Vos amo".
Sempre que repetia o doce nome de Jesus, as marcas de sofrimento em sua face
mudavam para uma expressão de alegria. Assim entregou ela a Deus sua casta alma
no dia 17 de abril de 1680, aos 24 anos de idade.
Milagre comovente
Várias pessoas
presentes testemunharam um notável milagre que teve lugar poucos minutos depois
da morte de Catarina. Sua face, até então marcada pelas cicatrizes da doença e
pelos sofrimentos, tornou-se suave, de frescor infantil e incrivelmente bela. A
ponta de um sorriso iluminou seu radiante semblante. Todos os circunstantes se
mostravam surpresos. Até mesmo os duros guerreiros índios comoveram- se até as
lágrimas à vista deste lindo fato.
Com este
semblante milagroso, desceu à sepultura. Quebrando os costumes indígenas, ela
foi enterrada em um caixão e, assim, seus preciosos restos mortais puderam ser
facilmente preservados.
Em 22 de junho
de 1980, o Papa João Paulo II a proclamou Bem-Aventurada. É a primeira índia
norte-americana a receber essa glória. Em 18 de fevereiro de 2012, o Papa Bento
XVI anunciou na Basílica de São Pedro a sua canonização em 21 de outubro de
2012.
(Elizabeth
MacDonald; Revista Arautos do Evangelho, Fev/2005, n. 38, p. 38 à 41)
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