Hilarião,
nascido na aldeia de Tavata, situada a uns sete quilômetros e meio de Gaza,
cidade da Palestina, floresceu, segundo o provérbio, como uma rosa entre os
espinhos, já que seus pais eram idólatras. Eles o enviaram para a Alexandria e
o confiaram a um gramático; ali Hilarião, tendo em conta a sua idade, deu
mostras do seu grande talento e bons costumes. Em pouco tempo, era amado por
todos e chegou a ser bem versado na arte de falar. Porém, mais importante que
tudo isto, é que acreditava no Senhor Jesus.
Não se deleitava nas paixões do circo, nem no
sangue da arena, nem na luxúria do teatro; todo seu afã era para participar das
assembleias da Igreja.
Assim, depois da
morte dos pais, voltou à pátria para distribuir aos pobres todos os bens
herdados, depois se retirou a Maiuna, nas margens do deserto, e levou vida de
árdua penitência, sendo alvo do demônio, que se lhe apresentava sob falsas
aparências para tentá-lo.
"Tantas foram as suas tentações e tão variadas
as ciladas dos demônios noite e dia, que se eu quisesse relacioná-los, um
volume não seriam suficientes. Quantas vezes quando ele se deitou apareciam
mulheres nuas do nada para ele, quantas vezes festas suntuosas, quando ele estava
com fome"!
(São
Jerônimo, Vida de Santo Hilarião)
Uma vida extraordinária.
Tentações e ascese.
[O diabo,]
então, atacava seus sentidos e sugeria ao seu corpo adolescente os costumeiros
ardores da voluptuosidade. Assim, o soldado de Cristo se via obrigado a pensar
naquilo que ignorava e a revolver seu espírito na pompa que não havia conhecido
pela experiência. Irritado, pois, consigo mesmo e golpeando o peito com os
punhos, como se pudesse expulsar os pensamentos com os golpes das suas mãos,
dizia: “Burro! Não te deixarei dar coices, nem te alimentarei com cevada, mas
com palha; esgotar-te-ei de fome e sede, e irei te carregar com pesado fardo; submeter-te-ei
ao calor e ao frio para que penses mais no alimento que na concupiscência!”.
Por isso, a cada dois ou três dias sustentava sua frágil vida com algumas ervas
e uns poucos figos, orando e salmodiando com frequência, trabalhando a terra
com a enxada, para que a fadiga do trabalho redobrasse a dos jejuns. Depois,
tecendo folhas de junco, praticava a disciplina dos monges do Egito e a
sentença do Apóstolo que diz: “O que não trabalha não coma”. Estava tão
fatigado, seu corpo tão consumido, que só sustentava os ossos.
As terríveis tentações sofridas por Hilarião. |
Alucinações.
Uma noite ouviu
o gemido de uma criança, o balar das ovelhas, o mugido de bois, os cânticos de
prostitutas, os rugidos de leões, o ruído de um exército e um monstruoso clamor
de vozes de todos os tipos, a ponto que quase cedeu àqueles sons, antes de ver
o que os provocava. Compreendeu que eram armadilhas montadas pelos demônios e,
ajoelhando-se, persignou sua fronte com o sinal da cruz. Armado com aquele elmo
e envolto com a couraça da fé, prostrado na terra, lutava mais vigorosamente,
desejando ver de alguma maneira aqueles que o aterrorizavam ouvir e, olhando ao
seu redor, aqui e ali, com olhos ansiosos. De repente, sob a claridade da lua,
viu precipitar sobre ele um carro de cavalos de fogo. Invocou, em alta voz, o
nome de Jesus e a terra se abriu imediatamente ante seus olhos e todo esse
aparato foi tragado pelo abismo. Então disse: “Atirou ao mar o cavalo e seu
cavaleiro” e “Uns confiam em seus carros, outros em sua cavalaria; nós,
entretanto, invocamos o nome de nosso Deus”.
Visões.
Muitas e
variadas foram as tentações e ciladas do demônio, tanto durante o dia quanto
durante a noite. Se quisesse narrá-las todas, excederia os limites deste livro.
Quantas vezes, enquanto deitado, se lhe apareceram mulheres desnudas; quantas
vezes, enquanto com fome, viu suculentas refeições! Algumas vezes, enquanto
orava, saltou sobre ele um lobo que uivava e um porco que grunhia; e enquanto
salmodiava, se lhe apresentava um espetáculo de lutas de gladiadores e um
deles, que parecia ferido mortalmente, se arrastava até seus pés e lhe
suplicava para que o sepultasse.
O cavaleiro.
Certa vez estava
orando com a cabeça fixa na terra e, como é comum à natureza humana, sua mente
se distraiu da oração, pensando em outra coisa. Então saltou sobre seus ombros
um cavaleiro impetuoso que, golpeando-lhe as costas com suas botas e açoitando
seu dorso com um chicote, gritou: “Ei, por que cochilas?” Depois disto, rindo
muito, vendo-o desfalecer, lhe perguntou se desejava sua ração de cevada.
A moradia.
Dos dezesseis
aos vinte anos, protegeu-se do calor e da chuva em uma pequena cabana levantada
com juncos e folhas de figueira entrelaçados. Depois, teve uma pequena cela,
que construiu e que permanece até hoje, de quatro pés de largura e cinco de
altura, isto é, mais baixa que sua própria estatura e um pouco mais larga do
que necessitava seu corpo. Podia ser considerada mais como sepulcro que como
habitação.
O santo vivia em grande penitência e austeridade de costumes. |
Gênero de vida.
Cortava seu
próprio cabelo uma vez ao ano, no dia de Páscoa; dormiu até sua morte sobre a
terra desnuda, sobre uma esteira de juncos. Nunca lavou o tosco saco que
vestia, dizendo que era dispensável buscar limpeza na sujeira. Tampouco trocou
sua túnica por outra, a menos que a anterior estivesse quase reduzida a
farrapos. Tendo aprendido de memória as Sagradas Escrituras, as recitava após
as orações e os salmos, como se Deus estivesse ali presente. E como seria muito
amplo descrever seu progresso espiritual em suas diversas etapas, momento a
momento, resumirei brevemente apresentando o conjunto de sua vida perante os
olhos do leitor e logo voltarei à ordem da narrativa.
Alimentos.
Desde os vinte e
um anos, se alimentou, durante três anos, com meio sextário de lentilhas
umedecidas em água fria, e, os próximos três anos, com pão seco, água e sal.
Dos vinte e sete anos aos trinta e cinco anos, seu alimento consistiu em seis
onças de pão de cevada e verduras pouco cozidas, sem azeite. Porém, quando
sentiu que seus olhos se obscureciam e que todo o seu corpo queimado pelo sol
se enrugava coberto por uma crosta áspera como cascalho, acrescentou azeite ao
alimento e, até os sessenta e três anos, seguiu praticando este regime de
abstinência, não provando absolutamente nada mais, nem frutas, nem legumes, nem
qualquer outra coisa. Então, vendo-se fatigado no corpo e pensando que se
aproximava a morte, desde os sessenta e quatro anos até os oitenta, se absteve
novamente de pão, impulsionado por um incrível fervor de espírito, próprio de
quem se inicia no serviço do Senhor, numa época em que os demais resolveram
viver menos austeramente. Como alimento e bebida, fazia uma sopa de farinha e
verduras trituradas, que pesava apenas cinco onças. Cumprindo esta regra de
vida, nunca rompeu o jejum antes do pôr do sol, nem sequer nos dias de festa ou
quando se encontrava gravemente doente. Porém, já faz hora de retornarmos ao
relato normal.
A vida eremítica do santo atrai novas vocações.
Como sucedia
naquela época, em redor de um eremita conviviam outros monges para fazer vida
comum. Nasceu assim o primeiro convento palestino.
A fama de sua
santidade e os dotes de taumaturgo atraíram-lhe sempre mais numerosos discípulos,
e Hilarião, para subtrair-se à não obstante afetuosa presença de tantos
devotos, recorreu a uma verdadeira e própria fuga, em direção à Líbia. Depois
de percorrer distâncias, aportou na Sicília.
Mas também aí
sua presença não passou despercebida. Subiu então a península itálica e
encontrou refúgio na Dalmácia. Daí retomou o caminho do sul e sua última etapa
foi a ilha de Chipre, onde viveu os últimos cinco anos, visitado de tempos em
tempos por seu fiel discípulo Hesíquio.
Hilarião vai para o Egito (narrativa de
São Jerônimo)
“Que outros
admirem os milagres e portentos que fez; que admirem sua incrível abstinência,
ciência, humildade; quanto a mim nada me assombra tanto como que haja podido
pisotear a glória e a honra. A ele acudiam bispos, presbíteros, grupos de
clérigos e monges, também nobres damas cristãs – terrível tentação – e, de um
ou outro lugar das cidades e do campo, as pessoas de condição humilde, bem como
homens poderosos e altos magistrados, para receber pão ou azeite bentos. Porém
ele não pensava em nada além da solidão, ao ponto de que um dia decidir partir
e, fazendo uso de um asno – já que estava muito consumido pelos jejuns, mal
podendo caminhar – tentou pôr-se a caminho. Quando se soube disso, como se
houvesse anunciado no Palestina uma calamidade ou luto público, se congregaram
mais de dez mil homens de diversas idades e sexos para retê-lo. Ele permanecia
inflexível ante as súplicas e, removendo a areia com seu báculo, lhes disse: “Não
posso mentir ao meu Senhor”. Não posso ver as Igrejas destruídas, os altares de
Cristo pisoteados, o sangue dos meus filhos”. Todos os presentes compreenderam
que revelara um segredo que não queria manifestar. Contudo, o vigiavam para que
não partisse. Então, chamando a todos por testemunhas, afirmou publicamente que
não comeria nem beberia nada se não o deixassem partir. Depois de sete dias de
abstinência, finalmente foi liberado e, deixando saudades a muitos, partiu.
Chegou a Betélia com uma multidão de acompanhantes. “Ali convenceu ao povo que
regressaria e elegeu uns quarenta monges que, levando algumas provisões,
puderam segui-lo adiante”.
Morte de Hilarião. (narrativa de São Jerônimo)
Já ia se
esfriando o calor do seu peito e não caía nada nele exceto a lucidez da alma.
Com os olhos abertos, dizia: “Graça, que temes? Graça, alma minha, por que
duvidas? Durante quase setenta anos serviste a Cristo e agora temes a morte?”.
Com estas palavras, exalou seu último suspiro. Imediatamente foi enterrado e
assim, na cidade, foi anunciada primeiramente sua sepultura e depois sua morte.
Traslado para a Palestina. (narrativa de São Jerônimo)
Pouco depois do
enterro, Hesíquio, que estava na Palestina, partiu para o Chipre. Fingiu querer
permanecer nesse mesmo jardim para dissipar toda suspeita dos habitantes do
lugar, que montavam guarda cuidadosamente. Assim, após dez meses, com grande
perigo para sua vida, conseguiu retirar o corpo de Hilarião e o levou para
Maiuma, acompanhado por todos os monges e multidões que vieram das cidades, e o
sepultou na sua antiga cela. Tinha a túnica, o capuz e o manto intactos, bem
como todo o corpo, que parecia ainda estar vivo, e exalava tão fragrante
perfume que se podia crer ter sido banhado em unguentos.
O culto do santo. (narrativa de São Jerônimo)
Chegando ao
final deste livro, creio que não posso calar a devoção de Constança, aquela
santíssima mulher: logo que chegou a notícia de que o corpo de Hilarião se
encontrava na Palestina, morreu repentinamente, atestando, também, com sua
morte, seu verdadeiro amor pelo servo de Deus. Tinha o costume de passar a
noite velando em seu sepulcro e, como se estivesse ali presente, pedia a ele
para que a ajudasse através de sua intercessão. Ainda hoje se pode ver a grande
contenda que existe entre os palestinos e os cipriotas, uns porque têm o corpo
de Hilarião, os outros porque têm seu espírito. Contudo, em ambos os lugares
ocorrem diariamente grandes milagres, sobretudo no horto de Chipre, talvez
porque ele amou mais esse lugar.
A fama de santidade que durou gerações e varou os séculos.
Os cruzados,
séculos depois, encontraram em Gaza sempre viva a devoção a este santo eremita,
testemunhada por uma igreja a ele dedicada, junto da qual eles construíram sua
fortaleza.
Parece que as
relíquias do santo não tiveram estável morada na pátria, em Gaza, pois que,
segundo uma tradição, teriam sido novamente furtadas e levadas para a França,
para Duraval, no tempo de Carlos Magno.
Este mosteiro
cristão era um dos maiores no Oriente Médio. O mais antigo edifício, que data
do século IV, é atribuído a Santo Hilarião, um nativo da região de Gaza e o pai
do monaquismo palestino. Abandonado após um terremoto no século VII e
descoberto por arqueólogos locais em 1999, o lugar está no meio de olivais e habitações
da cidade adjacente.
Narrativa de alguns dos muitos milagres que fez em vida:
A mulher sem filhos.
Já estava há vinte e dois anos no deserto e
sua fama era conhecida por todos, eis que difundida por todas as cidades da
Palestina. Uma mulher de Eleuterópolis, a quem o marido desprezava em razão da
sua esterilidade (durante quinze anos de matrimônio não foi capaz de produzir
frutos), foi a primeira que se atreveu a apresentar-se diante de Hilarião e -
sem que ele pudesse imaginar algo semelhante - repentinamente se atirou aos
seus pés e lhe disse: “Perdoa o meu
atrevimento, mas considera a minha necessidade. Por que afastas de mim os teus
olhos? Por que foges de quem te suplica? Não me vejas como uma mulher, mas como
uma aflita. O meu sexo gerou o Salvador; não são os sadios que precisam de
médico, mas os doentes”.
Finalmente,
Hilarião lhe deu atenção – depois de tanto tempo sem ver mulher – e lhe
perguntou o motivo da sua vinda e das suas lágrimas. Uma vez informando,
levantou os olhos para o céu e a exortou a ter confiança e, em lágrimas, a
despediu. Após um ano, teve um filho.
O início de seus
milagres se fez ainda mais célebre quando ocorreu outro ainda maior. Quando
Aristenete, mulher de Helpídio (que depois foi prefeito do pretório), muito
conhecida entre os seus e mais ainda entre os cristãos, regressava com seu
marido e seus três filhos após ter visitado Santo Antão e se deteve em Gaza por
causa de uma enfermidade que os havia atacado.
Ali, seja pelo
ar contaminado, seja – como depois de manifestou – para a glória do servo de
Deus, Hilarião, todos foram atacados ao mesmo tempo por febres altas e os
médicos já não esperavam recuperação.
A mãe jazia, gemendo em alta voz, e ia de um
filho a outro, semelhantes já a cadáveres, sem saber a qual chorar primeiro.
Ouvindo dizer que no deserto próximo havia um monge, deixando de lado a sua
fama de senhora respeitável – considerando apenas seu instinto materno – para
lá se dirigiu acompanhada de donzelas e eunucos. Seu marido, a duras penas,
conseguiu que efetuasse a viagem montada sobre um asno.
Quando chegou à
presença de Hilarião, lhe disse: “Em nome de Jesus, nosso misericordiosíssimo
Deus, te conjuro por sua cruz e por seu sangue que me devolvas os meus três
filhos e assim seja glorificado o nome do Senhor Salvador nesta cidade pagã”
Ele resistia, dizendo que nunca saíra de sua cela e que não estava habituado a
entrar nas cidades, nem sequer em uma aldeia.
Ela, prostrada
na terra, dizia várias vezes: “Hilarião, servo de Cristo, devolva-me os meus
filhos. O venerável Antão os teve em seus braços no Egito; salvai-os tu na
Síria”. Todos os presentes choravam e ele também, negando, chorou. “Que mais
posso dizer?”. A mulher não partiu enquanto ele não prometesse que entraria em
Gaza após o pôr-do-sol.
Quando chegou
ali, fazendo o sinal da cruz sobre o leito de cada um e sobre os membros
acometidos pela febre, invocou o nome de Jesus e – coisa admirável! – de
imediato, o suor dos enfermos começou a brotar de três fontes.
Então, nessa
mesma hora, se alimentaram e, reconhecendo à sua mãe que chorava, beijaram as
mãos do santo, bendizendo a Deus. Quando isto aconteceu e a notícia se espalhou
por todos os cantos, se dirigiram a ele multidões da Síria e do Egito, de modo
que muitos passaram a crer em Cristo e abraçaram a vida monástica. Todavia, não
existia monastérios na Palestina e ninguém na Síria havia conhecido um monge
antes de Hilarião. Ele foi o fundador e o primeiro mestre deste estilo de vida
e desta ascese naquela província. O Senhor Jesus tinha no Egito o ancião Antão
e, na Palestina, o jovem Hilarião.
Um cego vê.
Facídia é um bairro de Rhinocorura, cidade do
Egito. Dali levaram ao beato Hilarião uma mulher cega desde os dez anos de
idade. Foi-lhe apresentada por vários irmãos, muitos dos quais eram monges. Ela
lhe disse que havia gasto todos os seus bens com médicos. Então ele lhe disse: “Se tivesses dado aos pobres o que perdeste
com médicos, Jesus, o verdadeiro médico, te teria curado”. Como ela gritava
pedindo misericórdia, ele tocou seus olhos com saliva e, em seguida, a exemplo
do Salvador, ocorreu o milagre da cura.
Orión - é exorcizado.
Tampouco podemos nos calar no que se refere a
Orión, homem importante e rico da cidade de Aila, situada junto ao mar
Vermelho. Estava possuído por uma legião de demônios e foi conduzido a
Hilarião.
Suas mãos,
joelhos, quadris e pés estavam acorrentados; seus olhos, torcidos e
ameaçadores, expressavam a crueldade do seu furor. Enquanto o santo caminhava
com os irmãos e lhes interpretava certa passagem da Escritura, aquele escapou
das mãos que o sujeitavam e, tomando Hilarião pelas costas, o levantou às
alturas. Um grande clamor brotou de todos, pois temeram que destroçasse seus
membros debilitados pelo jejum.
O santo,
sorrindo, disse: “Fiquem tranquilos; deixem-me na arena com o meu adversário”.
E, assim, passando a mão sobre os seus ombros, tocou a cabeça de Orión e,
tomando-o pelos cabelos, o trouxe até seus pés, retendo-o à sua frente, com
ambas as mãos, e pisando os pés daquele com os seus pés. E repetia:
“Retorce-te!”.
E Orión gemeu e,
ajoelhando-se, tocou o solo com sua cabeça. Hilarião disse: “Senhor Jesus:
liberta este desgraçado, livra este cativo; assim como vences a um, podes
vencer a muitos”. E ocorreu algo inaudito: da boca do homem saíram diversas
vozes, como o clamor confuso de um povo. Uma vez curado, também este, pouco
tempo depois, foi ao monastério com sua mulher e seus filhos, dar graças e levar
muitos presentes.
O santo, então,
lhe disse: "Não leste sobre como sofreram Giezei e Simão, um por haver
recebido e o outro por haver oferecido dinheiro? Aquele queria vender a graça
do Espírito Santo; este outro, queria comprá-la”.
E como Orión, chorando,
insistia: “Toma e dá aos pobres”, Hilarião respondeu: “Tu podes distribuir teus
bens melhor que eu, pois percorres as cidades e conheces os pobres. Eu, que
abandonei o que era meu, por que vou desejar o alheio? Para muitos, o nome dos
pobres é um ocasião de avareza; a misericórdia, ao contrário, não conhece
artifícios. Ninguém dá melhor que aquele que não reserva nada para si”. Orión,
entristecido, jazia em terra. Hilarião, então, lhe disse: “Filho, não te
entristeças! O que faço por mim, faço também por ti. Se aceitasse esses
presentes, ofenderia a Deus e a legião de demônios voltaria para ti”.
Itálico, criador de cavalos - vence feiticeiro com ajuda
de Santo Hilarião.
Itálico, cidadão cristão da mesma localidade,
criava cavalos para o circo, competindo com um magistrado romano de Gaza, que
era adorador do ídolo Marnas. Nas cidades romanas se conservava, desde os
tempos de Rômulo, a recordação do rapto das Sabinas, que fôra bem sucedido. Os
cavaleiros, dirigindo carroças com quatro cavalos, percorrem sete vezes o
circuito em honra de Conso, o deus dos conselhos. A vitória consiste em
eliminar os cavalos do adversário.
Como seu rival tinha um feiticeiro que, com
seus encantamentos demoníacos, freava os cavalos daquele e estimulava a correr
seus próprios cavalos, Itálico foi ver Hilarião e lhe suplicou não tanto para
prejudicar ao adversário, mas para proteger seus animais.
Ao venerável ancião não lhe pareceu razoável
orar por um motivo tão fútil. Sorriu e lhe disse: “Por que não dás aos pobres o
preço da venda dos teus cavalos, para a salvação da tua alma?”. Ele respondeu
que se tratava de um emprego público que realizava não por vontade própria, mas
por obrigação.
Como cristão,
não podia empregar artes mágicas, mas podia pedir ajuda a um servo de Cristo,
especialmente contra os habitantes de Gaza, inimigos de Deus, que insultavam
não tanto a ele como a Igreja de Cristo. A pedido dos irmãos que se encontravam
presentes, Hilarião ordenou que enchessem de água o vaso de terracota em que
ele costumava beber e o dessem àquele homem. Itálico o levou e roçou com ele o
estábulo, os cavalos e seus cocheiros, o coche e as celas do recinto. Era
extraordinária a expectativa do povo. O adversário ironizava, satirizando esse
gesto, mas os partidários de Itálico exultavam, prometendo uma vitória segura.
Dado o sinal, uns correram rapidamente enquanto que outros [, os do
magistrado,] foram impedidos. Sob o coche daqueles, as rodas ardiam; estes, por
outro lado, viam apenas o afastamento daqueles, que se adiantavam como se
estivessem voando. Então se elevou um grandiosíssimo clamor entre a multidão,
ao ponto que também os pagãos gritaram: “Marnas foi vencido por Cristo”.
Os adversários
de Hilarião, furiosos, pediram para que este, como feiticeiro dos cristãos,
fosse levado ao suplício. A vitória indiscutível daqueles jogos de circo e os
outros feitos precedentes foram ocasião para que um grande número de pagãos
abraçassem a fé.
Devido à sua vida de oração, grande penitência e ascese, São Hilarião tinha grande autoridade ante a presença e ação de demônios. |
Uma jovem libertada de um encantamento mágico.
Um jovem do mesmo mercado de Gaza, amava
perdidamente uma virgem de Deus que morava ali perto. Não havia tido êxito nem
com suas frequentes bajulações, nem com seus gestos e assobios, nem outras
coisas semelhantes que podem ser o começo para a morte da virgindade. Então foi
a Mênfis para revelar sua ferida de amor, regressar e ver a donzela caída por
artes mágicas.
Depois de um ano, instruído pelos sacerdotes
de Esculápio - que não curam as almas mas as perdem - retornou com o propósito
de estuprá-la, como havia antecipado em sua imaginação. Enterrou sob o umbral
da casa da donzela certas palavras e figuras estranhas gravadas sobre uma mina
de bronze do Chipre. De repente, a virgem enlouqueceu, arrancou o véu, soltou
os cabelos e, rangendo os dentes, chamava o jovem aos gritos. A veemência do
amor havia se convertido em loucura. Então foi levada por seus pais ao
monastério e recomendada ao ancião.
O demônio uivava
e declarava: “Sofri violência! Fui trazido aqui contra a minha vontade! Com
meus sonhos enganei os homens em Mênfis! Quantas cruzes, quantos tormentos
estou sofrendo! Obrigas-me a sair, porém estou preso sob o umbral! Não posso
sair se não me soltar o jovem que me retém!”. Então o ancião lhe disse: “Grande
é a tua força por te reterdes em troca de um cordão de uma mina! Diz-me: por
que te atreveste a entrar em uma donzela consagrada a Deus?”. Respondeu aquele:
“Para conservá-la virgem”. [Disse Hilarião:] “Irás conservá-la? Tu, inimigo da castidade?
Por que não entraste naquele que te enviou?”.
Porém, ele
respondeu: “Por que iria entrar nele, se ele já tem um colega meu, o demônio do
amor?”. O santo quis purificar a virgem antes de mandar buscar o jovem e seus
objetos mágicos. Assim não pareceria que o demônio só se retiraria porque os
encantamentos foram pagos ou porque se dera crédito às palavras do demônio,
justamente ele que assegurava que os demônios são mentirosos e astutos em
fingimento. Por isso, depois de devolver a saúde à virgem, a repreendeu asperamente
por ter feito algo que permitiu ao demônio entrar nela.
Animais curados.
Porém, não basta
falar dos homens. Todos os dias levavam até ele animais furiosos. Por exemplo:
um dia levaram-lhe um camelo de enorme tamanho, conduzido por mais de trinta
homens e amarrado com fortes cordas, em meio a grandes gemidos. Já havia
pisoteado a muitos. Seus olhos estavam cheios de sangue, saía espuma da sua
boca e movia a língua inchada. Porém, o que atemorizava mais era o barulho dos
seus ferozes rugidos.
O ancião ordenou que o desamarrassem.
Imediatamente, tanto os que haviam trazido [o animal], como os que estavam com
o ancião, fugiram, sem exceção, para todas as direções. Então ele avançou ao
encontro do animal e lhe disse: “Diabo, não me assustas com esse teu imenso
corpo. Em uma raposa ou em um camelo, és sempre o mesmo”.
E assim se
mantinha firme, com a mão estendida. Quando a besta, furiosa, se cercou dele
como que para devorá-lo, subitamente desaprumou e caiu com a cabeça sobre a
terra. Todos os presentes se maravilharam ao ver tão repentina mansidão, após
tanta ferocidade.
O ancião os
ensinava que, para prejudicar os homens, o diabo atacava também os animais
domésticos; que nutria um ódio tão grande contra os homens que queria fazê-los
perecer, não apenas eles, como também suas posses. Para ilustrar isto, propunha
o exemplo de Jó: antes de obter a permissão para tentar [o homem], o diabo
havia destruído todos os seus bens. E a ninguém devia perturbar o fato de que,
por ordem do Senhor, dois mil porcos foram aniquilados pelos demônios. De outro
modo, os que presenciaram esse fato não teriam acreditado que tal multidão de
demônios pudesse sair de um só homem, se não vissem com seus próprios olhos,
semelhante quantidade de porcos precipitando-se ao mar, ao mesmo tempo.
Oração
Senhor
nosso Deus, que destes a Santo Hilarião a graça de viver uma vida heroica de
contemplação e oração, concedei-nos, por sua intercessão, que, renunciando a
nós mesmos, Vos amemos sempre sobre todas as coisas. Por Nosso Senhor Jesus
Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
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