Conselheiro
de Bispos e nobres, pregador, diretor de almas, coluna da Igreja e um dos
paladinos da Contrarreforma católica no século XVI, São João de Ávila pode ser
chamado pai espiritual de grande número de Santos na Espanha de sua época.
De repente,
ouve-se na igreja um soluço que mais parecia um rugido: um homem de grande
porte sai do templo, onde predica o Pe. Mestre Ávila na festa de São Sebastião,
dando fortes pancadas no peito compungido: era o futuro São João de Deus.
Esse foi um dos
esplêndidos frutos da pregação ardente e sobrenatural de São João de Ávila, o
qual figura entre os maiores santos espanhóis de sua época, com Santo Inácio de
Loyola e Santa Teresa de Jesus.
* * *
João de Ávila
(1) nasceu no ano de 1500 na pequena cidade de Almodóvar del Campo, na Diocese
de Toledo. Seus pais, Alonso de Ávila e Catarina Xixón, eram “dos mais honrados
e ricos do lugar”. O pai descendia de “cristãos novos” (judeus convertidos).
Precoce na
inteligência e piedade, notava-se nele desde menino uma já notável
mortificação, muita propensão para a oração, devoção profunda ao Santíssimo
Sacramento e um amor especial pelos pobres.
Aos 14 anos foi
mandado para a famosa Universidade de Salamanca para estudar Direito. Não
terminara ainda esse curso quando, sentindo um apelo especial de Nosso Senhor
para Seu inteiro serviço, abandonou o estudo voltando para casa. Nela
permaneceu três anos em grande recolhimento, oração, penitência e frequência
aos Sacramentos. Passava várias horas do dia em adoração diante do Sacrário.
Seu intenso amor
de Deus dirigiu-o, enfim, ao sacerdócio, pelo desejo de atrair o maior números
de pecadores a seu Criador. Continuou assim seus estudos na não menos famosa
Universidade de Alcalá, onde foi discípulo do renomado Domingos de Soto, que
predisse ao seu aluno um brilhante futuro.
No dia de sua
ordenação, o Pe. João de Ávila vestiu e serviu com as próprias mãos refeição a
12 mendigos em honra dos Apóstolos. Único herdeiro da grande fortuna dos
falecidos pais, vendeu tudo, distribuindo o obtido aos necessitados. Desde
então passaria a viver de esmolas.
Começou então
“uma vida austeríssima, de grande recolhimento e mortificação, dada à oração e
favorecida com extraordinárias visões e revelações” (2). “Às mortificações do
corpo, juntava as do espírito. Morria todos os dias para si mesmo pela prática
de uma renúncia absoluta, de uma humildade profunda e de uma inteira
obediência” (3).
Apóstolo da Andaluzia
Sedento de
almas, o jovem sacerdote dirigiu-se a Sevilha com o intuito de embarcar para as
Índias, a fim de converter a multidão de pagãos que morria sem conhecer o
verdadeiro Deus. Enquanto esperava a partida, um dia em que celebrava a Missa e
pregava em uma paróquia da cidade, foi ouvido pelo Servo de Deus, Pe. Fernando
de Contreras. Vendo o grande tesouro espiritual que se encerrava naquele
sacerdote de aspecto humilde e mortificado, quis saber de quem se tratava.
Conhecendo assim o projeto do Pe. João de Ávila, pediu o referido Pe. Fernando
ao Grande Inquisidor que ordenasse ao sacerdote, em nome da santa obediência,
que permanecesse na Espanha, onde poderia obter também imensos frutos. Dessa
forma começava sua carreira apostólica o grande Apóstolo da Andaluzia.
“O Espírito Santo fala por sua boca”
São João de Deus:
sua conversão operou-se durante um sermão de São João de Ávila. Como pregador,
o Pe. Ávila adquiriu logo grande renome. Escolheu São Paulo como modelo e
patrono. Preparava-se para cada sermão com muita oração e penitência, a fim de
obter que a graça divina o assistisse e a seus ouvintes.
Aos poucos a
fama do novo pregador espalhou-se por toda a Andaluzia. “Sua popularidade é
extraordinária. Quando prega, lotam-se as igrejas e tem que fazer seus sermões
nas praças públicas” (4). “Dir-se-ia que
o Espírito Santo falava por sua boca, de tal modo seus sermões estavam
cheios desses traços de fogo que convertem e mudam os corações. Ele retirava do
vício aqueles que nele estavam enchafurdados, e confirmava no bem aqueles que
não se tinham desviados das vias da justiça” (5).
Não é de admirar
que, durante seus sermões “até os rapazes que o ouviam, choravam; e quando
terminava o sermão, era coisa maravilhosa ver as pessoas que o seguiam
beijando-lhe as mãos e a roupa e mesmo os pés, se não houvera impedido” (6).
Os sermões do
Pe. Mestre Ávila tornaram-se tão famosos, que as pessoas dirigiam-se já de
madrugada às igrejas onde ia pregar, para obter um bom lugar. Às vezes, sendo
pequena a igreja, ele tinha que pregar nas praças públicas. E, lotando-se
estas, as pessoas subiam até nos telhados das casas para ouvi-lo, ficando por
mais de duas horas presos às suas palavras.
Ante o Tribunal da Santa Inquisição
Naquela época em
que toda a Europa era abalada por cismas e pseudo-reformadores, e na própria
Espanha uma seita, a dos iluminados, sob aparências de alta virtude, enganava
muita gente piedosa, o Santo Tribunal da Inquisição estava muito ativo para
opor-se a qualquer novidade duvidosa. Fala a favor dessa instituição tão
caluniada, o fato de que vários Santos, acusados por inimigos, foram a ela
levados, julgados e, evidentemente, inocentados. Assim sucedeu com Santo Inácio
de Loyola e com a grande Santa Teresa de Jesus.
Da mesma forma
coube ao santo Mestre Pe. Ávila a glória de ser acusado por invejosos perante o
temível Tribunal, e de permanecer nele preso enquanto corria seu processo.
Nesse isolamento concebeu uma de suas mais famosas obras: Audi, Filia (Ouve, Filha) escrita para uma de suas dirigidas a quem
desejava elevar a eminente santidade.
Evidentemente,
foi comprovada a inocência do Santo, fazendo tal evento brilhar mais sua
ortodoxia.
Para sustentar
os inúmeros discípulos que se formaram a seu redor, o Pe. Mestre Ávila dedicava
boa parte de seu tempo à correspondência e a escrever obras espirituais.
Diz o grande
teólogo Frei Luís de Granada que “as cartas lhe chegavam de todas as partes da
Espanha. E, em seus últimos anos, era ele conselheiro nato de vários prelados,
como o Arcebispo de Granada, D. Pedro Guerrero, D. Cristóbal de Rojas, bispo de
Córdoba e D. Juan de Ribera, bispo de Badajoz e mais tarde arcebispo de
Valência” (7). Este último seria também elevado à honra dos altares.
São João de
Ávila manteve correspondência com quase todos os Santos espanhóis
contemporâneos seus, como São Pedro de Alcântara, Santo Inácio de Loyola, Santa
Teresa de Jesus, São Francisco de Borja e São João de Ribeira.
Humildade do Santo em face de Santo Inácio
Se bem que o Pe.
Mestre de Ávila tenha atraído muitos discípulos, não formou ele nenhuma Ordem
religiosa. Mas, ao conhecer melhor a Companhia de Jesus, disse ao jesuíta Pe.
Villanueva: “Isso é o que eu andava atrás há tanto tempo. E agora me dou conta
de que não me saía porque Nosso Senhor havia encomendado esta obra a outro, que
é vosso Inácio, a quem tomou por instrumento do que eu desejava fazer e não
conseguia” (8).
Santo Inácio o
tinha em alta conta, escreveu-lhe diretamente, e ordenou aos seus
representantes na Espanha – inclusive a São Francisco de Borja que acabara de
ser recebido na Companhia – que visitassem o Pe. Mestre de Ávila e tudo
fizessem para atraí-lo para sua Ordem. O Mestre Ávila respondeu diretamente a
Santo Inácio que estava disposto a nela entrar se não estivesse constantemente
tão doente. Mas aconselhou a trinta dos seus melhores discípulos que o
fizessem. Doou à Companhia de Jesus vários dos colégios por ele fundados, e
quis ser enterrado na igreja da Ordem em Montilla.
Os jesuítas da
Espanha tinham por ele grande veneração, consultavam-no em casos difíceis, e o
assistiram em seu leito de morte.
Plêiade de discípulos admiráveis
Aos poucos,
muitos discípulos, atraídos por sua santidade, haviam se reunindo em torno do
Pe. Mestre Ávila. Inúmeros leigos, alguns da alta nobreza, também se puseram
sob sua direção. Houve casos, como o da Condessa Ana Ponce de León, em que não
só a castelã, mas todas suas donzelas de serviço entregaram-se definitivamente
a uma vida verdadeiramente religiosa. Três de suas convertidas, por ele
dirigidas, morreram em odor de santidade, tendo sido favorecidas com grandes
graças místicas.
Outro grupo de
discípulos seus, liderados pelo Servo de Deus Pe. Mateus de la Fuente,
dedicou-se à vida contemplativa como solitários junto ao monte Tardón,
restaurando depois na Espanha a primitiva Ordem de São Basílio. Outros ainda
aderiram à reforma de Santa Teresa, vindo a tornar-se proeminentes Carmelitas
Descalços. Um terceiro grupo, infelizmente, veio a ser o desgosto de sua vida.
Entregues estes membros também à vida contemplativa, apesar das admoestações
veementes e enérgicas do Santo --- que via o perigo que corriam por buscar o
deleite espiritual pelo deleite em si -- dele se afastaram, acabando por seguir
a seita dos iluminados e serem condenados pela Inquisição.
Vocação especial
diante do sofrimento
A partir dos 50
anos, ou seja, nos últimos 19 anos de sua vida, o Pe. Mestre João de Ávila
esteve sempre doente, algumas vezes impossibilitado mesmo de levantar-se, seja
com alta febre, seja com terríveis dores renais (descobriram-se três pedras em
seus rins, depois de sua morte). Nem por isso deixava de atender aos inúmeros
visitantes ou de ditar cartas para os seus dirigidos. À primeira melhora, já
estava no púlpito.
“Sua ânsia pelo
martírio se satisfazia no leito de dor, e constantemente repetia: ‘Senhor meu!
Cresça a dor, e cresça o amor, que eu me deleito em padecer’”. Quando as dores
eram mais insuportáveis, bem espanholamente exclamava: “Senhor: mais mal, e
mais paciência”. E, também: “Fazei comigo, Senhor, como faz o ferreiro:
mantende-me com uma mão, e batei-me fortemente com a outra” (9).
Às dores
abdominais, acrescentaram-se, nos meses anteriores à sua morte, outras
agudíssimas no ombro e lado esquerdo das costas. No mês de março, o médico,
como verdadeiro católico, lhe disse: “Senhor, agora é o tempo em que os
verdadeiros amigos digam as verdades: vossa reverendíssima está morrendo. Faça
o que é necessário para a partida”. O Pe. Mestre Ávila elevou os olhos ao céu
numa súplica à Santíssima Virgem, e pediu em seguida os Sacramentos que recebeu
com a mais tocante piedade.
Aos sacerdotes da
Companhia de Jesus que acorreram junto ao seu leito de morte, perguntou:
“Padres meus: o que costumam dizer aos que serão enforcados ou queimados quando
os acompanham ao patíbulo?”. Responderam eles: “Que ponham sua confiança em
Deus e nEle confiem”. O moribundo então lhes suplicou: “Meus padres, digam-me
então muito isso” (10).
Na madrugada do
dia 10 de maio de 1569, o Pe. Mestre João de Ávila foi receber no céu “o prêmio
demasiadamente grande que Deus reserva àqueles que O amam”. A uma discípula foi
revelado por um anjo que sua alma não passara pelo Purgatório, mas fora
diretamente para o Céu (11).
Santa Teresa de
Ávila, que estava em Toledo na casa de Dona Luisa de la Cerda, quando recebeu a
notícia pôs-se a chorar copiosa e sentidamente. Às Irmãs que lhe perguntaram a
razão desse tão profundo pranto, uma vez que o Pe. Mestre de Ávila deveria já
estar gozando de Deus, respondeu: “Disso estou bem certa. Mas o que me dá pena
é que a Igreja de Deus perde uma grande coluna, e muitas almas, um grande amparo
que tinham nele, que a minha, apesar de estar tão longe, o tinha por causa
disso obrigação” (12).
Os desígnios de
Deus são imperscrutáveis. Apesar de todos esses sinais e testemunhos universais
de santidade, tendo partido para a eternidade em 1569, São João de Ávila foi
beatificado por Leão XIII em 1894 (mais de três séculos após sua morte) e
canonizado por Paulo VI em 10 de maio de 1970 (quase oitenta anos após a
beatificação). O Papa Pio XII, em 1946,
proclamou-o patrono do clero secular espanhol. Sua inserção na lista dos
Doutores da Igreja foi anunciada por Bento XVI na Jornada Mundial da Juventude
em 2011.
____________________________
Notas
1- Tomamos como
base para este artigo a biografia que aparece nas Obras Completas del Santo
Maestro Juan de Avila, de autoria dos Pes. Luís Sala Balust e Francisco Martin
Hernandez (Biblioteca de Autores Cristianos, Madrid, 1970). Esse livro tem como
fundamento a primeira biografia do mesmo escrita pelo célebre teólogo e místico
dominicano espanhol, Frei Luís de Granada, seu amigo íntimo; as declarações dos
contemporâneos do Santo constantes nos processos visando sua beatificação; suas
obras e correspondência. Para simplificação, as citações das mencionadas Obras
Completas aparecerão como BAC e o número da página onde figuram.
2 - BAC, p. 37.
3 - Les Petits
Bollandistes, Vies des Saints, Mgr Paul Guérin, Bloud et Barral,
Libraires-Éditeurs, Paris, 1882, t. III, p. 292.
4 - BAC, p. 38.
5 - Les Petits Bollandistes, op. cit., p. 293.
6 - BAC, p. 38.
7 - BAC, pp. 264/265.
8 - Idem, p.158.
9 - Idem, p.
331.
10 - Idem, p.
334.
11 - Cfr. id.,
p. 339.
12 - Pe. Diego
de Yepes, Vida, virtudes y milagros de la Bresa de Jesús , apud BAC, p. 340.
(FONTE:
Autor: Afonso de Souza; Site Catolicismo)
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