Dois fatores
foram determinantes para Maria Felícia: a família com os seus valores humanos [1]
e o Colégio Católico das Filhas de Maria Auxiliadora, com a sua formação
solidamente religiosa. No contato com a exposição elementar do mistério Cristão
juntamente com os relatos dos santos jovens Laura Vicuña e Domingos Sávio,
despertaram em Felícia o «amor cristão» a Jesus e fizeram dela uma pequena
heroína da caridade. Podemos narrar apenas um caso: «Certa vez, o pai ofereceu
a Felícia e à sua irmãzinha mais pequena umas capinhas muito bonitas que
estriaram num dia frio. Mª Felícia regressou do Colégio regelada...que tinha
acontecido? Naquele dia Felícia viu que uma das suas coleguitas tremia de frio
pelo pouco agasalho que tinha...não pensou duas vezes e desprendeu-se da capa e
cobriu a outra criança. Depois em casa diante da advertência paterna, Felícia
respondeu ao pai: «Já vês paizinho, que não sinto frio... – repetis ela (ante a
advertência do pai), passando as mãozinhas pelos braços descobertos...Numa
outra ocasião aconteceu algo semelhante com os seus sapatos: «Certo dia ela
chegou a casa muito feliz com as sandálias de uma criança a quem havia
oferecido os seus sapatos. Então já teria os seus 6 anos» – recorda pensativa a
sua mãe...
Contudo, não se
pense que era um anjinho... Não! Era muito viva e brincalhona...um diabinho.
Certo dia – já tinha 8 anos, estando na escola e desde o seu lugar que ficava
junto à janela que dava para a rua, para tentar a Religiosa, pôs-se a fazer
gestos como quem estava a falar com alguém escondido na parte de fora. A Irmã
saiu intrigada e... Não havia ninguém!»
1ª Comunhão: 8
de Dezembro de 1933. Escreve ela alguns anos mais tarde: «Nunca se apagará do
meu pensamento a recordação do dia mais feliz da minha vida, o dia da minha
primeira União com o meu Deus e este dia é o ponto de partida da minha
resolução de ser cada dia melhor ». Sabemos que a Serva de Deus desde esse dia
começou a aproximar-se muito frequentemente da Eucaristia, incluso diariamente
e isto apesar da resistência do pai que não lhe agradava que ela fosse à Missa
todos os dias.
Aos 16 anos ingressa
na Ação Católica. A Ação Católica foi a grande escola de santidade e apostolado
de Felícia, conhecida pelo nome familiar de «Chiquitunga». Nela se formou como
cristã e nela aprendeu a ser apóstolo. Os 9 anos de Ação Católica em
Villarrica, foram os de maior atividade na sua formação pessoal espiritual,
teológica e apostólica. Alguns temas desenvolvidos nessas reuniões (vida
interior, apostolado, sacerdócio) tiveram grande influência poderosa no
crescimento espiritual da Serva de Deus como leiga. Foi formada na Ação
Católica; e foi formadora na mesma.
IDEAL: O ideal que polarizava o ser inteiro
da Serva de Deus aos seus 16 anos não era uma ideia, nem um programa, mas uma
Pessoa: JESUS CRISTO. Isto é já bem evidente. A sua relação com ELE, desde a 1ª
Comunhão era alimentada pela oração e especialmente junto do Sacrário. O
«exercício» desse Amor era o que constituía a sua Vida espiritual. O seu centro
vital era a Eucaristia diária. Diariamente rezava os 15 Mistérios do Rosário...
ANOS DÍFÍCEIS: (1947-1949) – a cruenta guerra civil
teve como epílogo a repressão e o exílio da oposição. Um dos exilados foi o Pai
de Felícia. Maria Felícia, durante o exílio do pai «fez o papel de pai para nós
– recordam os seus irmãos – suprindo – o e comunicando-se com ele através de
cartas...» Aos seus 22 anos Mª Felícia já tinha assumido todos os assuntos da
casa, como uma mulher madura. Hipotecaram a casa familiar e tanto ela como sua
mãe trabalharam no duro para conseguirem arranjar o dinheiro necessário para
levantar a hipoteca. E conseguiram-no!
Felícia, para
com esses contrários políticos que tanto perseguiam o seu apelido (Guggiari)
“liberal” só tinha palavras de perdão. E para inculcá-lo aos demais compõe umas
poesias que diziam claramente:
]
«Estendei a mão
ao vosso adversário
O vosso
adversário tradicional»
Maria Felícia (Chiquitunga): uma jovem cheia de alegria, pois, também cheia do amor de Deus |
Jesus é o centro
do seu amor. Todavia não havia experimentado o atrativo poderoso de um
“enamoramento humano”. Na verdade ela dizia muitas vezes: «Que bom seria ter um
amor humano, renunciar a ele e, juntos imolá-lo ao Senhor pelo IDEAL!» Um dia
isto foi realidade...
O Pai de Maria
Felícia seguia opondo-se às lides apostólicas da filha... e isto chegou a
manifestações de atitudes violentas por parte do mesmo, assim como de outras
pouco compreensivas por parte dos restantes familiares. Isto só não quebrou a
boa harmonia familiar pela bondade, humildade e paciência infinita da Serva de Deus.
Dizem
testemunhas de Maria Felícia nesta época: Chiquitunga era a amiga e companheira
ideal... Expansiva, generosa e sabia divertir-se e divertir os outros, sem
perder de vista a sua renuncia às vaidades nem a sua entrega radical a Jesus e
ao apostolado.».
AMOR HUMANO: Numa assembleia de estudantes da Ação
Católica, teve o encontro ocasional com um jovem estudante de medicina. Este
jovem deu uma conferência, e num intervalo, a jovem Felícia, famosa em toda a Ação
Católica do Paraguai, foi-lhe apresentada. Felícia sentiu uma viva sintonia com
ele. Esta comunhão profunda de ideais produziu uma profunda empatia entre os dois
e um grande afeto e amizade. Os dois começaram a sair juntos para as lides
apostólicas e isto alegrou o pai dela. Os dois estavam enamorados.
Ante este
fenômeno inesperado, ela perguntava-se: «que significará este amor humano?» e
recordando o compromisso com Jesus um dia disse ao jovem: «olha... vamos ser
dois grandes amigos...mais do que isso não!»»... pois era necessário discernir
a vontade de Deus e em consequência havia que esperar...
Eis que em Maio
de 1951, o jovem – Ângelo – confiou-lhe o segredo do seu desejo em tornar-se
Sacerdote...
A amizade entre
ambos orientou-se decididamente para Cristo. Um dia em que os dois doaram
sangue a um doente terminal, Maria Felícia diz a Ângelo: «O nosso sangue que
deveria misturar-se nas veias de um filho, misturou-se no coração de um
pobre!...». Um dia Felícia escreveu: «Foi o dia da nossa feliz decisão – o dia
da partida de Ângelo para o estrangeiro com vistas ao Sacerdócio - aceitando o
chamamento de Deus. Deus elegeu-me a mim, o mais insignificante membro do Seu
Corpo Místico para esta obra maravilhosa: ter um irmão, sacerdote do Senhor e
oferecido, por mim, com todas as potencias do meu ser...».
O desejo que ela
tinha manifestado tantas vezes: «Que bom seria ter um amor humano, renunciar a
ele e, juntos, imolá-lo ao Senhor pelo IDEAL!»»... E isto se cumpriu à letra...
Depois deste
profundo golpe afetivo, Maria Felícia volta-se com todas as forças para o ideal
de se entregar completamente ao Senhor. Cada vez mais deseja Deus e chega a dizer-lhe:
«Senhor, acalma a minha ânsia de amar-Te, amar-Te até ao delírio, amar-te até
morrer...!»
Só depois de
fazer os Exercícios espirituais de Santo Inácio de Loiola é que Maria Felícia
sabe que a Vontade de Deus é que ingresse no Carmelo. A decisão estava tomada!
Podemos referir
aqui um facto que mostra a fortaleza e coragem de Maria Felícia em todas as
circunstâncias: Conta uma das suas amigas: «Um dia, passando eu pela Praça
Uruguaia da nossa capital, de regresso ao local da Ação Católica, encontrei-me
com Felícia, que trazia, debaixo do braço vários rolos de cartolina. Quando lhe
perguntei o que era aquilo, ela respondeu-me como quem traz um troféu depois do
triunfo, que eram os calendários pornográficos que tinha conseguido arrancar
das paredes, e posto outros de paisagens e flores, de oficinas de carros,
ferragens, arranjo de sapatos e outras coisas semelhantes... Tais calendários
pornográficos estavam a cargo de homens rudes e até violentos às vezes. Quando
escutei semelhante coisa, perguntei-lhe como é que ela se animava a tal coisa e
como é que não tinha medo daqueles homens...em seguida acrescentei: «eu não me
animava a fazê-lo!» ao que ela respondeu: Se eu me animo, porque é que não te
ias animar tu?»
Maria Felícia no dia que entrou para o Carmelo Descalço. |
ENTRADA NO
CARMELO: O seu pai permanece inflexível, só em Dezembro de 1954 é que cedeu... Ao
receber o «sim» tão desejado de seu pai, Maria Felícia «expressou o seu
contentamento com delirante alegria» conta o seu irmão - e correu a anunciar às
Madres Carmelitas a boa notícia. Felícia cumpria 30 anos no dia 12 de Janeiro
de 1955, dia em que fez a despedida da sua família já que a sua entrada no
Carmelo havia ficado marcada para o dia 2 de Fevereiro.
A sua felicidade
era imensa ao sentir-se mergulhada no silencio contemplativo do Amor. Ao
aproximar-se a Tomada de Hábito, Felícia entra numa noite escura espessa que a
crucifica sem piedade... E perguntava-se: «será que Deus me quer no Carmelo
quando há tanto, tanto que evangelizar no mundo?» Sentia a angústia de se estar
a atraiçoar a si mesma, convencida de que não tinha vocação. Deveria sair, mas
se não sai é por cobardia - pensava ela.
Diante desta
insegurança prolongada o confessor exigiu-lhe uma decisão final. Ela então
sugeriu «deitar à sorte» e o confessor aceitou. A Prioresa submeteu-se ao
procedimento. Escreveram 2 papeis. Oraram as duas: Prioresa e Postulante,
diante do Sacrário e logo Maria Felícia, aos pés da imagem de Maria tirou um
dos papeis e levou-o ao confessor. Dizia: «Quero morrer no Carmelo» ... Assim
triunfou e sossegou Felícia confiando-se à Vontade de Deus. No dia 13 de
Agosto, sem sair da noite escura, mas já fortalecida e pacificada manifesta
«desejos grandíssimos de fazer a Vontade de Deus e nada mais!» . Comenta uma
das Irmãs: «O 1º milagre de Maria Felícia foi o seu pai confessar-se e comungar
quando ela entrou no Carmelo!» Sabemos bem as ideias políticas que ele
tinha...e a indiferença e frialdade em relação a tudo quanto se referia a
Religião.
Irmã Maria Felícia no dia que foi revestida de seu hábito religioso. |
Maria Felícia
sempre tão alegre e pacificada, assumiu a sua vida como uma missa oferecida
pelo seu amigo sacerdote e por todos os sacerdotes do mundo inteiro. Era uma
verdadeira enamorada de Jesus Eucaristia!
Em Janeiro de
1959 foi atacada pela hepatite. A sua doença foi ocasião propícia para mostrar
a sua íntima adesão à Vontade do pai, a sua alegria em configurar-se com Jesus.
Uma das suas companheiras recorda o momento da sua partida para o Hospital: A
serva de Deus, sorridente - como sempre - e serena «parecia estar consciente de
que estava nos seus últimos momentos; via-se que estava em posse da paz,
tranquila e feliz.»
Ao ver-se
desterrada do seu querido Carmelo, escreveu 8 cartas à sua Prioresa. Preciosas
pelo seu conteúdo!
Dia 4 visita-a o
Padre Provincial...e ao sair este declara: «É outra Teresinha».
A reação de
Maria Felícia ante as notícias do seu estado cada vez mais grave eram sempre: «
Obrigada Jesus...tudo isto pelos Teus Sacerdotes!»
Desabafava ela:
«Tenho sede do Seu Amor! Possuo um desejo estranho de entrega total, de
imolação silenciosa e escondida: Sofro - como não sei dar a entender - este
desterro. Cada dia me parece mais verdadeira a minha vocação e amo-a como só
Deus pode saber!»
Na noite da sua
partida entrou em coma várias vezes... E numa das vezes Felícia, ao vir a si,
exclamou sorridente: «Jesus está a jogar comigo!»
Finalmente
chegou o momento... Seu irmão médico afirma que já morreu. Começam a desligá-la
dos aparelhos quando sucedeu o imprevisto: Conta a própria Prioresa: « De
repente iluminou-se o rosto de Maria Felícia com um sorriso inexprimível;
levantou as mãos que tinha unidas apertando o Crucifixo da Profissão e com voz
clara e forte disse: Paizinho querido, sou a pessoa mais feliz do mundo... Se
soubesses o que é na verdade a Religião Católica! E terminou dizendo estas
palavras: «Jesus! Eu Te amo! Que doce encontro! Virgem Maria!» e placidamente
partiu, ficando estampado no seu rosto o seu sorriso característico.
Chiquitunga: a "Teresinha" do Paraguai. |
Felícia tinha um
temperamento expansivo, cheio de ardor apostólico, tinha humor e ocorrências
graciosas mas o que atraía o olhar dos que a rodeavam era um grande Amor a
Jesus. Uma verdadeira enamorada que transbordava alegria a tempo inteiro...
Até chegar a
pacificação...travou lutas titânicas contra si mesma, contra a sua
sensibilidade e vontade própria...afinal é igual a nós, com um percurso necessário,
porque ninguém nasce santo...
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