Na atormentada
história da Europa da primeira metade do século XVI, encontramos a vida de
Antônio, o Etíope. Nascido em Barco de Cirene (Líbia) de família maometana,
religião que ele professou até que, por um acidente providencial, foi capturado
e deportado para a Sicília, em Siracusa. Foi comprado como escravo por um
agricultor de Avola, um certo João Landanula (ou Landolina) que lhe confiou seu
rebanho. John percebeu que aquele seu servo era bastante inteligente, de
coração sincero, de índole nobre, honesta, e respeitosa. Então o exortou, pela
palavra e pelo exemplo – a renunciar ao Islã pela fé cristã – projeto cujo
êxito confiou à providência divina. O servo bom mostrou-se prontamente disposto
à catequese.
Foi batizado
pela Igreja e passou a chamar-se Antônio em homenagem a Santo Antônio. Amava os
pobres, fugia do ócio e passava seu tempo de folga do trabalho em oração.
Dedicou-se em nome de Jesus e nunca falhou para corrigir qualquer um que usasse
o nome de Deus em vão. Alimentava em si um espírito constante de arrependimento
dos pecados, lamentando, com profunda dor e contrição, aqueles cometidos por
ele no primeiro período de sua vida, antes de sua sincera conversão.
Durante os 38
anos em que viveu no território avolense desfrutou de uma reputação de homem
exemplar, sóbrio e, com sua caridade, conquistou os corações de toda gente. Ele
costumava vir regularmente a partir da campanha avolense à Igreja de Santa
Venera, bem vagaroso, para a confissão e comunhão; dedicava-se, também, a
alimentar a lâmpada do santuário. No altar de São Tiago Apóstolo, ele cuidava das
flores e conseguiu enriquecer o altar com um frontal e um par de castiçais. Don
Nicholas Cascone, que por muitos anos foi seu confessor em Santa Venera, disse:
“Antônio tem progredido de virtude em
virtude e de bom para melhor. Tenho-o
acompanhado como meu filho espiritual durante 15 anos e o tenho avaliado um
homem caridoso, paciente e casto, zeloso no serviço de Deus, não vendo nele a
mínima falha, por menor que fosse.”
Entrementes, o
fazendeiro João casa dois de suas netas com dois irmãos de Noto: Vicente e Miguel
Giamblundo e, como parte do dote, dá-lhes seu rebanho e o escravo líbio,
recomendando muito que o tratassem muito bem.
Desde então,
Antônio viveu em Noto com seus novos proprietários que lhe indicam as pastagens
onde levar as ovelhas e onde construir um galpão e o nomeiam capataz – chefe
dos pastores para o rebanho numeroso da grande propriedade de Celso. Este
ofício, Antônio irá exercer com precisão e grande bondade para com os pastores
subordinados, incentivando a honestidade profissional. Mesmo neste novo
ambiente a vida de Antônio ocorre com o mesmo ritmo de trabalho e oração.
Em consideração
às qualidades sobrenaturais e aos milagres que Deus se dignava operar por meio
do santo homem, que tanto os admiravam e temendo manter como escravo um amigo
de Deus, Miguel e Vicente Giamblundo deram-lhe a liberdade: “por sua bondade e vida santa, e porque é
muito caridoso e paciente”. Os quatro anos de serviço voluntário, depois de
obtida a liberdade, são também vividos com dedicação por Antônio, sem descuidar
quaisquer dos deveres de capataz.
Livre da
escravidão doméstica, dedicou-se ao voluntariado no hospital de Noto. Assistia
diariamente à missa e participou de um grupo de oração. Leu a vida dos santos
muitas vezes como um incentivo para imitá-los. Ele queria imitar, especialmente,
a vida do Beato Conrado de Piacenza: vestiu por isso o hábito de terceiro
franciscano, recebido das mãos do guardião do convento franciscano da região e
se retirou para o deserto de Pizzoni, onde levou uma vida mais angelical que
humana.
Nas vezes em que
Antônio veio a Noto, o povo saiu às ruas, alguns para vê-lo, outros para beijar
sua mão e muitos para recuperarem-se de uma doença. Disseram aqueles que o
tratavam familiarmente: “Nunca o vi
zangado, mesmo quando provocado, em vez disso, mostrava-se mais leve e calmo
para que todos se maravilhassem”.
Um dia, ficou
doente, em Noto. Sentindo seu fim chegando, quis receber os últimos sacramentos
e entregar a alma devotamente a Deus. Faleceu em 14 de março de 1550.
Seu corpo foi
enterrado, por sua própria vontade, na igreja desse convento de Observantes
Menores. Tanta estima e devoção popular para com o humilde negro ermitão, fez
com que despertasse a admiração do seu biógrafo, o historiador Vicente Netino
Littara (1550-1602) que nasceu no ano de sua morte.
Será grande
número de milagres alcançados por sua intercessão. No dia 13 de abril de 1599,
49 anos após sua morte, seu túmulo foi aberto para o reconhecimento canônico de
seus espólios mortais. Seu corpo foi encontrado intacto e incorrupto, como se
tivesse morrido naquele mesmo dia.
Na vida e depois
da morte foi conhecido por muitos milagres. Era chamado de “o negro” pela cor
de sua pele, sendo ele filho de pais africanos. Muitos já o chamavam de o Santo
Negro pela distintiva santidade de sua vida. Em 1611 é dada licença para divulgar a imagem
com a auréola de beato.
No século XVII,
o exemplo de sua vida é proposto principalmente para os negros escravizados no
Brasil, vindos da África: lá é chamado de “Santo Antônio de Categeró” (ou
Cartaginês) por sua origem Africana.
Em 24 de janeiro
de 1978, na igreja Santa Maria de Jesus, em Noto, o bispo Dom Salvatore
Nicolosi faz o reconhecimento canônico da ossada do Beato Antônio, doando o
braço direito à paróquia de Nossa Senhora do Ó, em São Paulo (Brasil)
Por ocasião do
Congresso Diocesano (11-12 de janeiro de 1992), o Beato Antônio foi escolhido
como o Protetor da caridade diocesana, porque é, hoje, sinal profético e ecumênico
que interpela nossa consciência cristã a ser capaz de acolher a tantos
imigrantes da África. Um número sempre maior tem vindo habitar a Itália e a
Europa. Em cada um deles devemos ser capazes de ver um irmão em Cristo, nosso
Salvador. “A memória do Beato Antônio
Etíope – escravo negro do século XVI, convertido ao Cristianismo, que viveu em
Avola e Noto como exemplar e heroico testemunho evangélico, a ponto de ser
venerado, hoje, no Brasil com um culto popular muito vívido – fortalece a nossa consciência de estarmos
envoltos em um plano equilibrado e abrangente de amor do Pai comum a toda
humanidade.” (Mons. Nicolosi)
Em 2003 com os
restos mortais do beato negro foi transferida para a Capela Franciscana da
Imaculada em Suire de Lipari, Via Silvio Spaventa, 33.
(Mons. Salvatore
Guastella)
Notas de rodapé
1. Dele eu
publiquei dois livros: “FRATELLO NEGRO, Antonio di Noto, detto l’Etiope”
(página 140). Noto 1991 e “LUI E NOI PER LORO. Fontes de arquivos e documentos
em B. Antonio de Noto e Avola (1550), dito o etíope, ou ‘de Categerò’ “(página
240). Noto, 2000.
2. Sobre a
escravidão doméstica na Sicília entre os séculos XV e XVI, Charles Verlinden
oferece uma excelente visão em seu Ensaio Escravidão e Economia no sul no
início da era moderna (Annali del Mezzogiorno, III, 1983, 11-18). Corrado
Avolio, tratando da escravidão doméstica na Sicília no sec. XVI, observa que a
longa existência desta ferida feia foi completamente esquecida pelos
sicilianos, embora tenha sido um triste privilégio da ilha. No que concerne ao
ilustre dialetólogo de Noto, a partir de registros de notários de Noto e dos
cartões do mosteiro do Santíssimo Salvador, é possível perceber a presença de
mais de 60 escravos.
3. Processo
informativo diocesano, Noto 1550, teste n.9.
4. Antigamente,
o domingo, “dia do Senhor”, tornara-se o dia da reconciliação no seio da
comunidade dos irmãos na fé, e a data mais adequada e significativa para
emancipar seus escravos oficialmente, restaurando-lhes a plena liberdade. Vamos
imaginar que, deste modo, o escravo Antônio foi libertado no sinal da ágape
eucarística. Não tinham os Giamblundo decidido “Não ter mais por escravo alguém
que Deus tinha por amigo?”
5. “Custodem
plácida immistum minoris ovilis Aethiopem, quamvis corpore mente servil
ingênuo: quamvuis Totosi pice nigrior artus, ast animam nive Candidior, King
comprobat ipsa, quam ditado verdadeiro, aethiopum æquo præibit manus. Múltiplas
monstrabit miracula rerum, donec signipedum mandarit Templo corpus et ipsum não
defraudandum Cultus venerationis honra “(Vincenvo Littara, Conradias, L. VIII,
296-303. Tradução Corrado Gallo).
6. De um
Martirológio Franciscano, publicado em Paris, em 1653. A vida do nosso Antonio
terciário também foi escrito por Antonio Daça, La vita e i miracoli di fratel
Antonio de Categerò (l’Etiope) santo negro del T.O.F., reunidos a partir de
três processos autênticos e de noventa testemunhos juramentados. Valadolid,
1611.
Bispo de Noto,
12 de junho de 1978. A partir da esquerda Don Ottavio Ruta, P. Alberto
Morinimissionário St. Paulo, o bispo Dom Salvatore Nicolosi, Con. Noé Rodrigues
paróquia de NossaSenora do Ó (S. Paulo) e Mons. Guastella. (No Brasil)
5 comentários:
Fiquei muito feliz em encontrar essa publicação sobre o Beato Antonio de Categeró. A correção no uso das imagens e texos é algo difícel de ser encontrado. Só pediria que permitisse ter no seu blog o endereço de uma fonte que trabalha a coleta, catalogação e disponibilidade de informações sobre nosso.
Também, salientar que seu processo de "Canonização" encontra-se em tramitação no Vaticano, na Congregação para ofício às causas dos Santos, em propositura da igreja de Santa Maria de Jesus, de Noto, igreja onde encontram em mausoléu público, os restos mortais do Beato António Ethiope (Itália e norte da África), de Ávola ou Noto (Itália e Portugal) e de Cataegeró Brasil). Nosso site/blog é - http://categero.org.br/
Obrigado pelo comentário. Infelizmente, sou muito " amador" em mexer com a internet. Não sei fazer o que Vossa Senhoria está me propondo. Eu "vou pegando" arquivos aqui e ali, dou uma "ajeitada" no Word e, publico. Não tenho grandes pretensões, somente catequese santoral católica...
Nosso blog é bem generalista e variado. Publico, de preferência, vidas de santos "desconhecidos" ou pouco conhecidos do grande público.
Nosso blog é bem generalista e variado. Publico, de preferência, vidas de santos "desconhecidos" ou pouco conhecidos do grande público.
O ano de 1490, geralmente retido como o ano de nascimento do Beato Antônio de Barqa ou Antônio de Noto, é tarde demais. Uma vez que a duração de sua vida seria de 59 anos, duração irrealista para a cronologia dos eventos mencionados nas diversas biografias. O Beato Antônio de Barqa ou Antônio de Noto provavelmente nasceu antes do ano 1480.
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