A Revolução Francesa
foi uma terrível cicatriz na face da Cristandade. Numerosos relatos contam com
brilho a vida das pessoas envolvidas: o Rei e a Rainha da França, os
revolucionários, os pobres e o grande corpo da nobreza que sucumbiu na
guilhotina. Deixando-os por um momento à parte, vamos descobrir no ponto bem
central da tragédia caótica a existência de um anjo – um anjo humano criado do
mais nobre sangue na França: Madame Elisabeth, a Princesa real.
Elisabeth Filipina Maria Helena de França,
nascida a 3 de maio de 1764, era a filha mais nova do Delfim de França, e neta
de Luis XV. Seu pai, o Delfim Luis Ferdinando morreu inesperadamente antes que
ela fizesse um ano de vida, e sua mãe, Maria Josefa de Saxe, faleceu um ano
depois. Ela, sua irmã mais velha, Clotilde, e seus três irmãos – o novo Delfim
(futuro Luís XVI), o Conde de Provença, e o Conde de Artois – ficaram órfãos.
As irmãs reais foram entregues aos
cuidados da Condessa de Marsan, e esta boa dama dedicou longos anos à sua
formação. A Princesa Elisabeth, diferentemente de sua dócil irmã, precisava de
uma influência forte sobre ela, e por isso em 1770 uma nova governanta, a
Baronesa de Mackau, foi nomeada para ajudar a excelente, mas idosa Madame de
Marsan.
A Baronesa era uma mulher de alta virtude
e grande bondade, e Elisabeth logo ficou encantada com ela. A nova governanta
educou as princesas como se elas fossem suas filhas. Ela focalizou
especialmente a pequena Elisabeth, que era conhecida por tremer de raiva diante
da menor provocação.
Mas, a maior influência na vida de
Elisabeth foi a religião. Foi a sua Primeira Comunhão que a modificou
completamente.
O Anjo
Conforme
os anos iam passando, a princesa crescia em piedade e charme. Ela não era
exatamente bonita, mas sua frescura e alegria emprestavam a ela um tipo de
beleza vibrante que falta a muitas beldades. Seu charme principal, entretanto,
era seu devotamento infatigável e caloroso a todos aqueles que a rodeavam na
vida diária. Para seu irmão, o Rei, ela professava uma afeição ilimitada,
embora sua fraqueza a angustiasse. Ela o envolvia com seu devotamento, pairando
sobre ele como um anjo guardião. Quando príncipes reais de paises estrangeiros
pediram-na em casamento, ela recusou, preferindo ficar a seu lado.
Quando ela atingiu uma certa idade, o
protocolo da corte exigiu mais dela. No silêncio de sua alma, um protocolo
diferente e mais forte a chamava, um chamado misterioso para a solidão e a
oração. Ela passou a freqüentar mais o Convento de São Dionísio, onde sua tia
era abadessa.
Seu irmão, cada vez mais preocupado com o
aumento da freqüência dessas visitas, afetuosamente disse a ela: "Nada me
agrada mais do que vê-la visitando sua tia, mas não a imite. Elisabeth, eu
preciso de você comigo". Ela já havia pressentido a sombra agourenta
ameaçando a corte de seu irmão e sem dúvida isto fê-la apoiar o Rei mais do que
inclinações pessoais.
Numa
carta de uma pessoa amiga, seu sacrifício foi definido sucintamente: "Há vidas de abnegação tão valiosas
quanto vocações monásticas; ações que superam o silêncio prescrito; obras de
serviços aos outros que excedem as austeridades conventuais".
Seu
devotamento à família real nunca vacilou: até sua morte a energia no serviço de
todos provaria isto incessantemente. Quantos relatos foram deixados para a
História que nos falam de seu desprendimento, suas boas obras, seus conselhos
sábios, sua assistência bondosa onde quer que ela notasse sofrimento e
angústia.
O
Rei deu a ela uma propriedade, Montreuil, onde ela passava muitas horas,
recebia algumas amigas e se dedicava às
obras de caridade. Ela mantinha ali um estábulo com vacas que forneciam
leite para os órfãos da vizinhança.
Contudo,
suas boas obras somente refletiam sua espiritualidade profunda. Elisabeth atingia realidades sublimes com a
facilidade da alma plena de amor. Em uma carta a uma amiga muito querida
cuja mãe estava morrendo, sua pena ecoa o cântico de seu próprio coração: "Eu tenho vivido totalmente para Deus;
eu me apresentei a Ele com muitas infidelidades, mas com muito amor e com um
grande desejo de possuir a alegria reservada para aqueles que O serviram".
A
Providência a preparou continuamente para a tragédia que viria.
A Revolução
A
tempestade caiu sobre a França. As negras maquinações da Revolução atingiram
não apenas as pessoas da realeza, mas todas as formas de nobreza. Em meados de
agosto de 1792, a família real foi aprisionada na Torre do Templo, onde ficou
até sua morte. O que foi relatado sobre a infeliz família real durante aquele
período deveria ter causado indignação em todas as cortes da Europa. Enquanto
eles esperavam sentados, uma das piores conspirações da História ameaçava a França
e seu trono.
Madame
Elisabeth recusou todas as propostas para fugir apresentadas por outros membros
de sua família, a fim de ficar com seu irmão, e foi aprisionada com o Rei e sua
família. Os poucos serviçais que puderam acompanhá-los foram diminuindo
gradualmente. Com calculada intenção, algumas das criaturas mais vis da França
foram designadas para vigiar os prisioneiros reais, causando-lhes humilhações e
tormentos indizíveis.
A
21 de janeiro de 1793, o Rei foi guilhotinado, seguido pela Rainha Maria
Antonieta em 2 de agosto. O Delfim, uma criança de oito anos, foi separado do
resto da família, provavelmente morrendo de maus tratos e abuso.
Após
a morte da Rainha, somente Madame Elisabeth e sua sobrinha de quinze anos,
filha da Rainha, sobreviveram. Elas passaram o inverno e os vinte e dois meses
seguintes num isolamento terrível, sendo seu único conforto a amorosa companhia
que uma dava a outra. Madame Elisabeth com toda bondade distraia a jovem
princesa no seu infortúnio e sofrimento. As memórias da princesa fornecem muito
do que é conhecido da tragédia da família real, além de preciosas informações
sobre o caráter e a piedade de Madame Elisabeth durante sua prisão.
Seu calvário
No
meio da noite do dia 9 de maio de 1794, as princesas foram súbita e rudemente
acordadas por seus carcereiros. Disseram para Madame Elisabeth se vestir
rapidamente e para acompanhar os guardas. Sendo avisada de que não retornaria
mais para a prisão da torre, Elisabeth abraçou e beijou a sobrinha, dizendo
para ela ficar calma. "Os guardas
acumularam-na de insultos e palavras vulgares", narra a princesa. "Ela suportou tudo isto com paciência,
pegou sua touca, beijou-me novamente, e disse-me para ter coragem e firmeza,
para confiar sempre em Deus. Ela então foi embora".
A
Princesa não tinha dúvidas para onde a levavam. Naquela hora tardia, ela foi
levada para a Conciergerie, o antigo palácio real transformado em lutuosa
prisão. Ela então compareceu diante do tribunal revolucionário e foi
"julgada" com outros vinte e três membros da nobreza. Os vinte e
quatro prisioneiros foram condenados. Isto significava morte em 24 horas, após
um período de torturas psicológicas. Eles foram deixados sozinhos no corredor
onde os prisioneiros passavam sua última noite.
Elisabeth foi então chamada a praticar um
último ato de amor. Com inexprimível
ternura e calma ela começou a dirigir-se aos seus companheiros diminuindo
seus medos, consolando sua agonia pela transparência de sua serenidade. A
branca silhueta da Princesa foi vista assim, passar a última noite de sua vida indo de um em um secando lágrimas,
encorajando os medrosos, lançando sementes de esperança nos desesperados,
elevando todos os corações para uma realidade superior: o Paraíso!
Nos primeiros raios da aurora, as mulheres
foram preparadas para terem seus cabelos cortados. As portas da prisão se
abriram e as vítimas foram colocadas nas carroças. Os condenados partiram da
Conciergerie às 16 horas. Eles se dirigiram para a Praça Luis XV.
Todos estavam de pé, somente Madame
Elisabeth estava sentada. Mas, na altura da Rua du Coq, apressaram os cavalos e
ela então se levantou. Subitamente as carroças penetram na praça e os
prisioneiros se viram diante do infame instrumento de morte, a guilhotina. A
Princesa foi a primeira a descer. O carrasco ofereceu sua mão, mas ela olha
para outro lado, não precisando de ajuda.
Uma após a outra as vítimas sobem o
cadafalso, e cada qual, antes de ir, faz um último ato de respeito à irmã de
seu Rei morto. De acordo com as ordens, Madame Elisabeth deveria ser a última
executada, numa cruel esperança de que o horrível ritual que acontecia diante
de seus olhos quebrasse sua coragem. Mas, eles foram desapontados até o fim!
Ela ficou de pé no meio dos guardas, enquanto seus companheiros eram
supliciados.
Madame Elisabeth recitou o De Profundis.
Ela rezava, o rosto voltado para a guilhotina, mas nenhum barulho a fazia
erguer os olhos. Quando chegou a vez de Madame Elisabeth, ela subiu os degraus
com passos lentos; ela tremia ligeiramente, sua cabeça estava inclinada sobre o
peito.
No momento em que ela chegou diante do
cadafalso, um dos ajudantes tirou o xale que cobria seus ombros, deixando à
mostra uma medalha de prata da Imaculada Conceição. Ela fez um movimento e
gritou pudicamente: "Senhor, em nome de vossa mãe, cobri meus ombros!" Tocado por seu apelo, o homem
silenciosamente a atendeu. Quase em seguida ela foi fechada sobre a prancha, a
lâmina caiu e sua cabeça tombou.
Os tambores tocavam num ensurdecedor
crescendo, saudando a morte de cada condenado e incitando o povo presente a
gritar o costumeiro "longa vida à República". Mas, desta vez o
silêncio era profundo. Nenhuma palavra
foi ouvida em toda a praça quando a lâmina caiu.
O
capitão, que deveria dar o sinal,
tombou desmaiado (ele vira e
admirara Madame Elisabeth na Torre do Templo). Levaram-no paralisado, moribundo.
Um silêncio impressionante pairou sobre a multidão estupefata. E todos os
primeiros biógrafos da Princesa repetiam que um penetrante perfume de rosa se espalhou por toda praça.
O corpo ensangüentado de Madame Elisabeth,
confundido com os das outras vítimas, foi levado para um terreno reservado aos
supliciados da Revolução, chamado "o recinto de Cristo", e espalharam
cal viva sobre seu corpo, como haviam feito com o Rei e a Rainha. Apesar de
todas as buscas, jamais se pode identificá-lo.
O "anjo da corte" abandonou esta
Terra para voar para a corte celeste.
"Sua glória tão pura, disseram, está por toda parte e seu túmulo em nenhum
lugar". Mas, seu nome certamente está gravado no livro eterno dos
grandes vencedores.
Trad.
e adap. de art. de Virginia Carmeli, publ. em CRUSADE de maio-junho 1996.
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