Primeiro texto biográfico:
Como é atrativa
a vida simples dos santos irmãos leigos capuchinos! Como é simpática a sua
figura! Sempre sorridentes, mesmo sob o peso do trabalho; grandes recitadores
de orações; ignorantes das coisas do mundo, mas clarividentes das realidades divinas;
dão sempre razão aos Superiores, venerando-os como representantes de São Francisco;
sempre alegres no desempenho dos humildes serviços da Fraternidade; pedintes de
pão e doadores de paz; imploram a ajuda material e estão sempre prontos a dar o
amparo espiritual. Enfim, por onde passam são um Evangelho vivo; e trazem para
o convento, para os servos de Deus e os pobrezinhos de Cristo, a esmola vinda
da mão da Divina Providência, mesmo em tempo de penúria. Pela sua simplicidade,
o Senhor deixa-se cativar por todos e em toda a parte. Abençoados e invejados,
louvados e invocados, eis os nossos humildes, simples, obedientes Irmãos
leigos!
A Sardenha experimentou, no decorrer do
século XVIII, os salutares benefícios da passagem de um deles: Santo Inácio de Láconi.
Veio à luz na festa de Nossa Senhora de
Loreto, de 1701, em Láconi (Nuoro). No batismo recebeu três nomes: Vicente,
pelo qual será conhecido até ao ingresso no convento; Inácio, nome que recebeu
e conservou como religioso; e Francisco, para contentar sua mãe, pois esta
prometera, por divina inspiração, antes de o filho nascer, se o parto corresse
bem, consagrá-lo a São Francisco para toda a vida.
Era o primogênito de quatro irmãos, e teve
a grande alegria de uma irmã clarissa. Desde a infância, os seus conterrâneos
apelidavam-no de «II Santarello». Irresistivelmente atraído pela presença de
Cristo vivo no Sacrário, logo de manhãzinha corria para a igreja e, enquanto
esperava que o sacristão a viesse abrir, ele ajoelhava à porta e rezava. «Meu
filho, levantas-te muito cedo». — «Não,
porque a igreja é a minha casa».
Deus cumulava-o de graças invulgares,
reveladoras da sua alma de eleição. Mais de uma vez, acontecendo-lhe passar
junto de crianças, entusiasmadas com o jogo, tocava numa com o seu fiel bastão
e dizia: «Tu és para o Céu». Pouco depois, esse pequenito devia meter-se na
cama para ir ao encontro dos anjos.
Um dia, um seu tio convida-o a
acompanhá-lo ao campo para levar de comer aos trabalhadores. Infelizmente, no
último momento, lembra-se de que lá em casa só havia dois pães. «Que são dois
pães para tantas bocas»? «Tio, não importa! Verá que hão de chegar!» Chegaram e
até sobraram. Estupefato, o tio ficou sem saber o que dizer.
Como será o futuro do jovenzinho?
Costumava deitar um pouco de vinagre na sopa. «Mamã deixa-me fazer, pois deram
a beber a Jesus vinagre com fel». Deste modo, a guardar os rebanhos e a
trabalhar no campo, viveu a sua adolescência imaculada. Era, por isso, rodeado
de estima e admiração por toda a gente. Na família constituía o centro de
muitas esperanças. Faltava, porém, cumprir a promessa da mãe. Poderia ser
cumprida? Completara 18 anos, quando foi acometido de doença grave. Então, ele
mesmo tomou o seguinte propósito: se ficasse curado, abandonaria os seus
queridos familiares para se consagrar ao Senhor nos irmãos Capuchinhos.
Contudo, uma vez restabelecido, não mostrou pressa em cumprir o prometido.
Passados dois anos, ele continua ainda a
trabalhar no campo. Tinha agora 20 anos. O pai chama-o e diz-lhe: «É preciso ir
à quinta de um tal camponês. Serve-te do cavalo». O animal era bom, mas ainda
melhor o cavaleiro. Mas eis que, ao chegar a uma curva perigosa, o animal
empina-se e desata numa correria louca em direção a um precipício. De repente,
Vicente recorda-se do voto. Renova-o e promete: «Se me salvo deste precipício,
far–me-ei Capuchinho». E aconteceu o milagre: o animal deteve-se da sua corrida
desenfreada.
Deus queria-o para uma vida diferente.
Regressa a casa, conta tudo o que se passara, e pede aos pais que o levem a
Cágliari, sede provincial dos Capuchinhos. Estamos em outubro de 1721. Após
algumas reticências, motivadas pela sua magreza, é admitido ao noviciado com o
nome de Frei Inácio.
A incerteza dos
Superiores continua durante o noviciado. «Vida de Capuchinho é o mesmo que
dizer vida austera. E Frei Inácio era demasiado débil». Contudo ele quer a todo
o custo ficar. Deseja mesmo ficar. Redobra o seu fervor, tornando-se um
verdadeiro modelo de vida. Um dia exclamou: «Virgem Mãe, ajudai-me, que já não
posso mais». Uma voz lá no seu íntimo lhe segreda: «Coragem, Frei Inácio!
Recorda quanto foi dolorosa a Paixão de meu Filho. Leva com paciência também a
tua». E Frei Inácio vence a grande prova da sua vocação. Em 1722 emite a sua
profissão religiosa e foi imediatamente destinado ao convento de Iglesias. Aqui
leva uma vida exemplaríssima, no cumprimento dos deveres e no serviço de Deus e
dos irmãos.
Um dia, deixa cair, inadvertidamente, ao
poço a chave da dispensa. Ajoelha-se, diz três «Ave-Marias» e pede a Nossa
Senhora que o ajude. Faz descer o balde, tira-o cheio de água, e… dentro dele
estava a chave!
De Iglesias passa a Cagliari, onde é
nomeado responsável dos Irmãos esmoleiros. Andava pelos 40 anos. Será nesta
missão que ele deixará preciosos testemunhos de vida e onde se revelará como
modelo de confiança na Providência de Deus.
Frei Inácio, esmoleiro! Nenhum orador
sagrado pregou, como ele, a Boa Nova com tanto fruto espiritual na capital da
Sardenha; nenhum médico se lhe pode comparar na sua ação caritativa e curativa
dos doentes; nenhuma mãe teve, como ele, tantos filhos para consolar. Vê-lo
passar, era como ver a aparição de um anjo do céu. Quantas graças e milagres
Deus fez por seu intermédio!
Certa manhã demora-se na igreja a rezar. O
Irmão encarregado do refeitório chama-o à parte, dizendo-lhe que não há nada
para comer, e a culpa é sua. Frei Inácio ouve e cala. Nisto, dois esbeltos
jovenzinhos chegam com dois grandes canastras de pão fresco. O Irmão do
refeitório acolhe com alegria aquela dádiva, vinda de Deus. Vai despejar os
canastras e volta para agradecer aos gentis benfeitores, mas já não os
encontrou. Chama…, chama…, e nada! Pergunta se alguém os viu passar na rua…, e
nada! Então, compreende. Vai ao encontro de Frei Inácio, ajoelha-se a seus pés
e pede-lhe perdão. O Santo responde–lhe amigavelmente: «Irmão, nunca desconfies
da Divina Providência. Aqueles que vivem para Deus, jamais serão abandonados».
Fatos semelhantes aconteciam com
frequência na Fraternidade! E com os seculares! A caridade para com eles não
era menos cuidadosa. Contudo, não lhe faltaram provações e desgostos: «O bem
que não é provado, não é meritório». Apenas um episódio. Numa aldeia vizinha
vivia um casal. Bons esposos, casados há já 12 anos, mas não tinham a alegria
de um filho. Esta era a sua grande infelicidade, para a Qual não encontravam
consolação. Frei Inácio, na sua missão de esmoleiro, passava de vez em quando
pela casa deles. E porque era venerado como santo, aqueles bons esposos
confiaram-lhe a sua tristeza. «Deixemos que o Senhor atue — disse Frei Inácio
eu e os meus irmãos rezaremos, e vereis que Deus vos atenderá». Não faltaram,
contudo, as más línguas, e até calúnias horríveis. Mas o coração e o olhar de
Frei Inácio eram puros e simples como o olhar dos inocentes. A felicidade
aconteceu naquele lar. E veio o dia do batismo. O Santo também quis ir à
igreja. Num dado momento aproximou-se e disse: «Meu menino, diz-me: quem é o
teu pai?» E a criança sorrindo, apontou, com a sua mão pequenina para o
verdadeiro pai que, com imensa alegria, o tinha levado à igreja para batizar.
Certa ocasião
quis corrigir e chamar à ordem alguns comerciantes que enganavam os seus
clientes. Como fazer? Com a capa improvisou dois recipientes: num deles vazou o
leite; no outro, o vinho. Por baixo saía apenas água!
Noutra ocasião
viu de longe dois soldados vir ao seu encontro, trocando entre si estas
palavras: «Eis o santo. As mulheres da Sardenha conhecem-no as mil maravilhas».
Quando já estavam perto, disse-lhes: «É mais fácil eu fazer-me santo do que vós
realizardes o que desejais, naquela casa.» E exortou-os a não entrar, se
queriam escapar a uma grande desgraça.
Um comerciante
rico sentiu-se humilhado por Frei Inácio não ter ido pedir esmola a sua casa.
Queixou-se por isso, ao padre Guardião. «Irei, já que o superior me manda». A
esmola foi abundante, mas Frei Inácio caminha com dificuldade pelas ruas de
Cagliari. O alforje pesa-lhe como chumbo. Os transeuntes, estupefatos,
diziam-lhe: «Frei Inácio, do alforje escorre sangue; levais carne lá dentro?»
Finalmente chega ao convento; despeja tudo, e tudo estava ensanguentado. «Padre
Guardião, tudo isto é sangue dos pobres, e foi adquirido através do roubo e da
usura».
Como todos os servos
de Deus, castigava sem piedade o seu corpo com contínuas privações e
penitências. Chegava a deitar cinza na sopa. Se algum benfeitor lhe oferecia
algum presente, ele recusava-o amigavelmente: «Estou acostumado ao pão negro;
Deus vos pague».
Quanta fé e simplicidade na prática da
obediência! Um dia o padre Provincial dá com ele a orar num canto escondido do
convento e diz-lhe: «Frei Inácio, espera aqui, pois tenho um encargo para te
dar». — «Benedicite, reverendo Padre». Eram as sete horas da manhã. À noite, à
hora de jantar, o padre Guardião pergunta ao Provincial se tinha mandado Frei
Inácio à cidade. Então o Provincial recorda-se e manda-o chamar. Estava ainda
de joelhos no mesmo lugar com as mãos nas mangas, em profunda oração. O
Superior chama-o: «Que estás aqui a fazer, Frei Inácio?» — «Padre, estou a
praticar a obediência». — «Bem, anda para a cozinha». Era uma sexta- feira, dia
de jejum. O irmão cozinheiro diz-lhe para jantar. «Mas hoje é dia de jejum —
responde Frei Inácio. Basta fazer uma pequena refeição». — «Come, come, irmão!
Pratica a obediência, pois assim o ordena o padre Provincial». Frei Inácio
põe-se à mesa e, no fim, exclama: «Como é bom comer por obediência! Como é bom
jantar num dia de jejum por obediência»!
Deus cumulou Frei Inácio com o carisma dos
milagres e o dom da profecia. Narramos apenas um. Próximo do convento vivia uma
linda menina. Ainda Frei Inácio vinha longe, já ela corria ao encontro dele,
para lhe fazer uma festa, como se fora o próprio Jesus. Ele também ficava
radiante ao ver a encantadora menina. Durante alguns dias o santo não saiu a
pedir esmola. Precisamente, nesses dias, a menina cai doente e morre. No mesmo
dia da morte, passando por ali, o santo esmoleiro pede notícias da sua pequena
amiga. Contam-lhe o sucedido. «Vamos, Frei Inácio, chorai vós também! Aconteceu
uma grande desgraça! Vinde vê-la». Sobe ao quarto onde jaz o cadáver já frio.
Frei Inácio recolhe-se em profunda oração. Depois, volta-se para os pais
desolados: «Não está morta; dorme. Esperai, que eu vou acordá-la». Sacode-a e
chama-a. A menina abre os olhos, levanta a mãozinha e diz: «Tenho fome». Frei
Inácio dá-lhe um pedaço de pão e entrega-a, viva, aos pais.
Já é tempo de
finalizar estes breves episódios da sua longa, laboriosa e santa vida. Dois
anos antes da sua morte ficou cego. Não fazia outra coisa senão rezar. No início
do ano de 1781 despediu-se pela última vez da sua família e benfeitores, a quem
distribuiu medalhas e objetos de devoção, dizendo a todos que voltaria a vê-los
no céu. E, apoiado no bastão, pôs-se a caminho em direção ao convento.
A 05 de Maio foi levado para a enfermaria.
No dia seguinte confessa-se e, depois, pergunta ao confessor: «Que dia é hoje?»
Era um domingo. Com os dedos contou até sexta-feira. No dia 09 pediu o Santo
Viático. O sacerdote disse-lhe que não havia pressa. «Meu Padre, Deus, na Sua
infinita bondade, sempre me ajudou em toda a minha vida: agora mais do que
nunca preciso de ajuda para fazer a travessia para a vida eterna».
A 11 de Maio pediu a Santa Unção. Nessa
mesma manhã, chegara um hábil artista para pintar num quadro o retrato do seu
amigo, mas ainda ele não tinha transposto a soleira da porta, e Frei Inácio
diz: «Não deixeis entrar aquele senhor. Que necessidade tem ele de reproduzir
as feições de um asno?» Quando o pintor entrou no quarto, o santo continuou:
«Vejo as cores e os pincéis: em vez de reproduzir o rosto de um pecador, pintai
o rosto da Virgem Mãe.»
Avisou o Superior de que morreria depois
de Vésperas. Às três horas, enquanto os sinos de Cagliari choravam a agonia do
Salvador, ele levantou os olhos ao céu, e perguntou que horas eram. «Ah, sim»!
E, juntando as mãos, partiu para a Glória. A notícia correu como um relâmpago.
Todos choravam; toda a gente se lamentava: «Morreu o nosso santo! Morreu o
nosso pai»! As tabernas e as casas de comércio fecharam. O luto foi geral. Toda
a cidade parou.
Os funerais constituíram um plebiscito de
fraternidade e de saudade: abria o cortejo fúnebre a banda municipal; todo o
clero secular e regular estava presente com o Capítulo e o Vigário Geral; os
guardas, a custo, iam abrindo passagem por entre uma multidão compacta.
Morrera o humilde, pobre e bom Irmão,
cujo coração era tão grande como o mar. Foi beatificado por Pio XII a 16 de
Junho de 1940. O mesmo Pio XII, em nome de toda a Igreja, proclamou a sua
solene glorificação a 21 de Outubro de 1951, inscrevendo-o no Catálogo dos
Santos.
Segundo texto biográfico
Santo Inácio de
Láconi, o segundo numa família de nove irmãos, nasceu em Láconi, na Sardenha, a
17 de Novembro de 1701. Foram seus pais Matias Peis Cadello e Ana Maria Sanna Casu,
pobres de bens materiais, mas ricos de fé. Desde pequeno se distinguiu pela sua
bondade e piedade; sendo ainda adolescente, praticava contínuas mortificações e
rigorosos jejuns.
Tinha 18 anos
quando ficou gravemente doente e fez, então, a promessa de se fazer capuchinho
se viesse a curar-se. Mais tarde, escapou a outro perigo mortal e nessa altura
cumpriu a sua promessa. A 3 de Novembro de 1721 foi a Cagliari e apresentou-se
no Convento dos Capuchinhos de Buoncammino.
Recusado
inicialmente por causa da sua frágil constituição física foi, finalmente,
admitido. Vestiu o hábito religioso dos Capuchinhos no Convento de São Bento a
10 de Novembro de 1721. No final do ano do noviciado, foi transferido para o
Convento de Iglesias, onde recebeu o ofício de despenseiro, sendo, ao mesmo
tempo, encarregado de esmolar na campanha de Sulcis.
Depois de passar
durante 15 anos por diversos conventos, Inácio foi enviado para Cagliari, para
o Convento de Buoncammino, recebendo aí o encargo de confeccionar os hábitos para
os religiosos e depois, a partir de 1741, o ofício de pedir esmola naquela
cidade – um ofício, então, considerado de grande importância e
responsabilidade.
Cagliari foi,
assim, durante 40 anos, o campo do seu maravilhoso apostolado, desenvolvido com
um amor imenso no meio dos pobres e dos pescadores. Era venerado pelo encanto
da sua virtude e pelos milagres que ia realizando até ao ponto de ser chamado
por todos como “Padre Santo”. Um testemunho daquele tempo, nada suspeito e que
mostra a grande veneração de que era geralmente rodeado o humilde capuchinho,
é-nos oferecido pelo pastor protestante, José Fues, que vivia naquele tempo em
Cagliari.
Numa carta
escrita a um seu amigo da Alemanha, assim se exprimia: “Vemos todos os dias a
pedir esmola, deambulando pela cidade, um santo vivo que é o irmão leigo
capuchinho que, com vários milagres, conquistou a veneração de todos os seus
compatriotas”.
Converteu-se
numa figura típica, quase insubstituível naquela cidade da Sardenha que,
precisamente naquela altura, tinha passado para o domínio da casa de Savoia.
Pedia esmola nos bairros pobres, ao longo do porto, nas tavernas e nas lojas.
Pedia e dava ao mesmo tempo. Por um lado, dava qualquer ajuda para socorrer os
necessitados e, por outro, também um exemplo, uma boa palavra, um conselho, uma
recomendação a apontar a virtude.
Conhecido por
todos, por todos era respeitado e amado. Ia vendo as gerações sucederem-se em
torno do seu próprio hábito, as crianças a converterem-se em homens e os homens
a ficarem velhos. Somente ele não mudava. Sempre nos mesmos lugares, sempre
atento à sua missão, sempre com a mesma humildade e caridade, a mesma
simplicidade e bondade.
Tendo perdido a
visão em 1779, passou os últimos anos de vida em intensa oração até ao dia da
sua gloriosa morte, que teve lugar em Cagliari, a 11 de Maio de 1781.
Fonte: “Santos
franciscanos para cada dia”, edição Porziuncola.
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