A 20 de Maio de 1929, o Papa Pio XI, na sessão preparatória da sua Beatificação, saudava em Francisco de Camporosso «o irmão humilde que se ergue como um colosso, como um gigante, ao longo de quarenta anos de vida santa e de uma santidade difícil…; consolador incansável, conselheiro e mestre de almas, de um povo inteiro, por mais de uma geração». São Francisco Maria de Camporosso (diocese de Ventimiglia) é, no século XIX, o mártir da caridade.
Francisco nasceu
em Camporosso, pequena aldeia da Ligúria, na diocese de Albenga, a 27 de
dezembro de 1804. Seus pais chamavam-se Anselmo Criese e Maria Antonia Gazzo.
Seus pais eram trabalhadores e profundamente religiosos. Era o caçula de quatro
filhos. Aos doze anos foi encarregado de tomar conta do pequeno rebanho da
família, pois o ar livre faria bem às sua frágil saúde. Daí nasce a forte
amizade com os outros pastores, que costumavam reunir para rezar e
explicar-lhes um pouco de catecismo. Seus colegas tinham-lhe uma grande
admiração e o chamava de eremita. Filho de lavradores, ocupava o tempo, desde a
sua infância, ou na guarda do rebanho pelos montes, ou na oração, ou no ensino
do Catecismo aos seus conterrâneos.
Desde a adolescência,
a sua grande paixão era socorrer os pobres. Eles eram todo o seu desvelado
amor: se tinham necessidade de ajuda nos trabalhos do campo, ele estava sempre
pronto para lhes dar uma mão; destinava-lhes as suas pequenas economias, os
seus parcos recursos, as suas privações.
Um pouco mais
velho, começou a ajudar os pais e irmãos nos trabalhos pesados do campo. Mas,
fazia-se ouvir cada vez mais clara e forte uma voz que o chamava a doar-se
totalmente a Deus, na vida religiosa.
Grata manhã de um meio-dia esplendoroso.
Certo dia, o
jovem camponês recebeu o convite de um capuchinho e entrou no convento de
Sestro Ponente, onde vestiu o hábito de irmão terceiro. Porém, não se sentia
satisfeito. Deus irá apagar as suas ânsias de perfeição e dilatar os seus
inflamados desejos de santidade, chamando-o à Ordem dos Capuchinhos. Uma voz
interior não o deixou em paz até que teve a alegria de vestir o hábito
capuchinho. Fez o noviciado no convento de São Bernardo de Gênova.
Admirável é a
sua caridade desde o Noviciado. Terminado o seu trabalho, corria a ajudar os
companheiros, que lhe diziam: “Descansa um pouco, Irmão! Nós terminamos
depressa este trabalho”. — “Descansar,
eu? Se, quando estava em casa, não descansava, antes trabalhava sempre para
ajudar a minha família, como poderei descansar agora que trabalho para o meu
Deus”? Frei Francisco Maria expressou seu programa num lema: “Quero ser o jumento do convento”. E
viveu este lema a cada dia com empenho e amor redobrados.
Em 1826 faz a
profissão perpétua. Após a profissão, foi destinado ao Convento da Santíssima
Conceição, em Gênova, onde permaneceu até morrer. Irá empenhar-se ainda mais na prática do bem e virtude. Como
enfermeiro, às quatro da manhã já está de pé: vai à Capela, prepara o altar e
os paramentos, ajuda à santa Missa, dá uma volta pelos quartos, inteira-se do
estado de saúde de cada um, e, sorridente, leva aos doentes a comida e dá-lhes
os medicamentos prescritos. Em seguida põe tudo em ordem para a visita médica
das oito horas e, com diligência e atenção, acompanha o médico.
Durante o dia
anda sempre pelos pequenos quartos da enfermaria, junto dos seus queridos
enfermos: cuida da sua limpeza, ministra-lhes os medicamentos, leva-lhes sempre
qualquer dádiva, sorri, encoraja-os e sugere-lhes algumas jaculatórias.
Os médicos diziam
que era «um irmão de ouro»!
Reconheciam-no também todos os recuperados, que não tinham palavras para
exprimir os seus carinhos maternais.
Mas a sua obra
de caridade iria alargar-se a um campo mais vasto, a uma cidade inteira. Como
esmoleiro, todos os dias passava em casas ricas e pobres pedindo esmolas e
repartindo com os mais necessitados. Procurou imitar nisso São Félix de
Cantalício e São Crispim de Viterbo. Vestido com uma túnica velha e toda
remendada, debaixo de sol ou chuva, pés descalços, saco aos ombros, uma sacola
nos braços e o terço mãos: assim se apresentava ao povo.
Tornou-se uma
figura característica das ruas da cidade, sempre acompanhado por um menino,
para evitar situações escabrosas em certos ambientes que era obrigado a
visitar. Para todos tinha uma palavra de conforto e esperança; parecia conhecer
os segredos mais íntimos do coração. E o povo passou a chamá-lo de “padre
santo”.
“No desempenho
do seu ofício de esmoleiro, o mais humilde que a Ordem lhe podia confiar, ele
encontrará terreno propício para o exercício das mais heroicas virtudes e, ao
mesmo tempo, um campo fecundo para desenvolver um apostolado de bem-fazer” (P. Melchior de Benissa).
A figura de frei
Francisco era popular, inclusive no porto de Gênova entre os trabalhadores,
estivadores, marinheiros e tripulantes. À noite quando chegava em casa cansado,
um numeroso grupo de pessoas o aguardava na praça do convento para
recomendar-se às suas orações, para pedir conselhos e contar os próprios
problemas. Ele ouvia a todos e para todos tinha uma palavra de conforto.
Quem poderia
enumerar todas as almas de quem se aproximou e consolou; todos os corações
doloridos e desesperados, por ele reconciliados com a vida; todas as famílias
desunidas que ele soube unir e pacificar; todos os pecadores que, pela sua
bondade, foram reconduzidos ao reto caminho? E quanto pobres, pequenos e
grandes, ele socorreu e salvou, arrancando-os da abjeção moral aonde a miséria
os havia conduzido?
Se jamais pedia
para o convento, esperando apenas a oferta espontânea, quando se tratava de ir
ao encontro dos abandonados, desaparecia toda a sua timidez natural: uma santa
audácia o possuía e não se importava de ser importuno. «Por amor de Deus,
dai-me qualquer coisa para os meus pobres». E não ia embora, sem antes receber.
Naturalmente
tudo isto supunha nele uma paciência de santo. «Com os meus próprios olhos —
testemunha um seu confrade que, como porteiro, ao longo de quarenta anos lhe
abriu a porta — vi-o regressar, quase todos os dias, cansado até à exaustão,
encharcado de suor ou gelado de frio, conforme a estação, e ainda em jejum até
à uma e duas horas da tarde». Se às vezes lhe dizia que não perdesse tempo, ele
respondia: “Que queres, Irmão? Não é
tempo perdido consolar uma alma, oprimida por cruzes verdadeiras ou imaginárias”.
Antes de entrar
no convento, para refazer as forças, detinha-se na pracinha fronteiriça ao
mesmo convento a ouvir, com bondosa serenidade, os numerosos necessitados que a
ele se recomendavam.
Havia um
negociante que gostava dele, mas tinha mau gênio. O Irmão encontra-o num dia em
que está de má vontade e, infelizmente, este o recebe muito mal: blasfêmias
contra Deus e impropérios contra o Irmão. O «Padre Santo», de cabeça inclinada,
sem se enervar, recebe toda aquela saraivada de injúrias, e pergunta: «Tens
alguma outra coisa para me dar»? O pobre homem compreende então que tinha agido
mal, fica envergonhado, sem dizer palavra. «Agora — diz então o humilde
Capuchinho, atirando para o chão a sacola — agora vamos à desforra». O pobre
homem, comovido, pede-lhe perdão.
Certa ocasião
recebe uma pedrada na fronte. Quem lha teria atirado? O sangue jorra da ferida
aberta aos borbotões. Mas o santo não se mostra perturbado: inclina-se, recolhe
a pedra e beija-a como se fosse uma bênção do céu.
Um capitão de longo
curso, novo na região e novo para os frades, dá de caras com ele, ali no porto,
e fica aborrecido: “Quem é esse miserável
que, em vez de trabalhar, vagabundeia a mendigar no cais? Um miserável, com
certeza”. E chovem os insultos. O servo de Deus ouve tudo em silêncio e,
quando deu por findo o seu desabafo, diz ao homem: “Meu caro senhor, tudo isso
é para mim, e eu vos agradeço, mas agora me dai qualquer coisa para os meus
pobres”. O capitão, vencido, tira do bolso uma moeda; e o bom Irmão exulta.
Qual a virtude
mais admirável nele? O Beato Maria de Camporosso — dirá Pio XI — é todo ele um
prodígio de humildade, de paciência, de caridade: a humildade de esmoleiro
pobre, do Capuchinho pobre que estende a mão a toda a gente; a paciência de
esmoleiro ao longo de quarenta anos, uma paciência verdadeiramente prodigiosa,
dir-se-ia quase milagrosa, que germinou sobre outra grande virtude: a
paciência. Basta, com efeito, dizer ‘um bom capuchinho’ para dizer um grande
paciente; basta falar do ser, da vida, da alma capuchinho para dizer de quanta
paciência é formada aquela vocação.
E encantador,
entre os Capuchinhos, o costume de agradecer ao Superior, de joelhos, no
regresso da pregação e de outros ministérios sacerdotais; no regresso da esmola
e dos outros deveres impostos ou permitidos pela santa obediência. Quem está
fatigado, quem está cansado, agradece. É encantador. Mas é também uma doce
verdade: se o religioso contribuiu, com o seu sacrifício e com o seu trabalho,
para a sustentação dos Irmãos, o primeiro proveito é seu — dá o esforço
material e recebe o bem espiritual; dá um pouco de cansaço, abençoado pelo
Senhor, que é para ele fonte de incalculáveis méritos.
Quando o Beato
Francisco de Camporosso, no regresso da esmola, exausto, pronunciava, ajoelhado
diante do padre Superior, aquelas maravilhosas palavras: «Padre, seja por amor
de Deus a sua santa caridade», ele reconhecia que o bem feito a si e aos outros
era devido ao seu santo hábito e à filial dependência dos seus Superiores.
Sabia encontrar
palavras de encorajamento e de conforto para todos os desanimados, e em todos
os casos. Dizia a uma pobre mãe desesperada: “Ide à igreja da Senhora das
Graças. Dizei à Virgem Santa que vos manda o seu pobre servo Francisco. Vereis
que ela vos consolará”.
O seu pensamento
estava sempre voltado para o céu, para os seus amigos Bem-aventurados, e
sobretudo para Nossa Senhora. Chamava-lhe a «Minha Senhorinha». E a Virgem
pagava-lhe o seu afeto com preciosas graças.
Todos os sábados
recebia um presente de uma família senhorial: um belo ramo de flores frescas
para pôr no altar de Maria. Certa vez passa lá por casa como era seu costume. O
criado abre-lhe a porta, mas… flores nem vê-las. Tinham ido todos a um
casamento. «Ide ver, se terá deixado algumas flores para oferecer à Virgem
Maria». — «Oxalá, caro Padre, mas não deixou nenhuma». O Irmão insiste. O
criado, para lhe fazer a vontade, vai ao jardim. Deixemos em paz os santos e
atendamo-los sempre. Dois minutos depois volta com um estupendo molho de
belíssimas flores.
A veneração dos
benfeitores permitia-lhe tratá-los com uma santa e grata familiaridade. Um dia
vai à casa da marquesa Eugênia Pallaviccini e pede-lhe com urgência cem liras.
A nobre senhora não está de bom humor e mostra-se aborrecida. “Mas vós estais
sempre a vir aqui; vindes aqui vezes demais”. Ele tem resposta pronta: “Noutro
dia comprastes um vestido novo de seda. Vamos indo para velhos, senhora
marquesa, é preciso pensar na eternidade”. Fê-la rir, e teve a quantia que
pedia.
Um ou outro
Irmão mais zeloso não deixará de lhe fazer observações e de lhe dirigir
impropérios. Ele sorrirá e ficará calado. Só uma vez, ficando muito sério,
respondeu: “Vós falais muito bem; mas Aquele — e, com o dedo indicava um grande
crucifixo — Aquele e São Francisco não puseram limites à sua caridade. Deixai,
pois, em paz esta besta de carga. Deixai-a caminhar sob a orientação do Mestre”.
Assim,
fatigando-se, exercitando a paciência e enchendo-se de méritos, o caritativo
Irmão tinha chegado aos sessenta anos. Pouco tempo depois irá dar aos genoveses,
razão para lhe chamarem «padre santo», nome com que era por todos conhecido.
No verão de
1866, em Gênova e seus arredores, irrompe a epidemia da cólera. As famílias
fogem, aterradas, para os montes. Não mais sinais de vida e de comércio, mas de
solidão e morte! O Beato não pode ficar de braços cruzados: apresenta-se nos
lazaretos, mas os médicos não aceitam os seus serviços.
Não importa:
oferece-se para assistir os pobres doentes diretamente. Ei-lo de casa em casa a
dar-se prodigamente, a assistir e a ajudar os mais abandonados. É o anjo da
bondade, acolhido com alegria em toda a parte.
A epidemia,
contudo parecia recrudescer. Então, certo dia, antes da festa da Assunção de
Nossa Senhora, o «Padre Santo» vai ajoelhar-se aos pés da Virgem Maria e
oferece-se como vítima a Deus pela cessação do flagelo e a salvação do seu
povo. Depois, retoma a sua heróica obra de caridade. Passadas umas semanas,
também ele se sente acometido de um mal estar estranho. Terá de fazer um pouco
de repouso, mas os sintomas não enganam: é a terrível cólera. Levam-no para a
enfermaria. Ele mostra três dedos abertos e diz claramente: «três dias»!
Em 1866, a
cidade foi atingida por uma grande epidemia; as ruas começaram a ficar desertas
e a cada dia aumentava o numero de mortos. Frei Francisco Maria se oferece em
sacrifício, como vitima de expiação para a saúde da cidade, diante de altar da
Imaculada Conceição. Tem a certeza de que será atendido.
Ao terceiro dia,
muito cedo, pede a Santa Unção. Às quatro horas é-lhe dada a absolvição «in
articulo mortis». Vai murmurando preces. Os confrades acotovelam-se ao seu
redor e choram. Mas ele, apenas com um fiozinho de voz, diz-lhes: “Porque
chorais? Vou para o Senhor. Pedi por mim, que eu não me esquecerei de vós.
Adeus! Até ao Paraíso”. Às cinco e poucos minutos repete pela última vez os
dulcíssimos nomes de Jesus e de Maria, e, vítima voluntária da caridade, parte
para o gozo da Pátria. Era o dia 17 de Setembro de 1866. Deste dia em diante a
epidemia começou a diminuir e em pouco tempo acaba; todos tiveram a certeza de
que foram salvos pelo padre santo.
Mesmo depois de
morto, conseguirá de Deus para os seus devotos graças e milagres.
E a 30 de Junho
de 1929, será inscrito por Pio XI no Catálogo dos Beatos. Será elevado por João
XXIII à glória dos Santos a 09 de Dezembro de 1962.
Oração
Senhor,
que em São Francisco Maria de Camporosso, vosso humilde servo, nos destes um
exemplo singular de verdadeira caridade, fazei que, à sua imitação e com a vossa
ajuda, nos entreguemos generosamente ao serviço do nosso próximo. Por Cristo
nosso Senhor. Amém.
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