Bispo,
Confessor e Doutor da Igreja, considerado o primeiro teólogo-filósofo, muitos
de seus ensinamentos e textos passaram para o ensino comum da Igreja. Arcebispo
de Cantuária, lutou denodadamente pelos direitos de sua Sé contra a prepotência
de reis ingleses.
Anselmo nasceu
em Aosta, na Itália, filho do nobre Gondulfo e da piedosa Ermenberga,
verdadeira matrona cristã. Formado na escola da mãe, entregou-se cedo à virtude
e, segundo seu primeiro biógrafo, era amado por todos, tendo muito sucesso nos
estudos. Bons tempos aqueles, em que as pessoas virtuosas eram amadas, e não
perseguidas. Aos 15 anos já se preocupava com altas questões metafísicas e
teológicas, e quis entrar num mosteiro. Mas os monges negaram-lhe a entrada,
por medo de desagradar seu pai.
Não podendo
ingressar na vida religiosa, Anselmo entregou-se gradualmente aos prazeres
mundanos, só não chegando a excessos por amor à sua mãe, a quem não queria
desagradar. Mas essa âncora, que ainda evitava que ele se afogasse no mar do
mundo, faltou-lhe. Com o falecimento de sua genitora, quando Anselmo tinha 20
anos, seu pai tornou-se mal-humorado e violento, maltratando frequentemente o
filho. Anselmo resolveu então fugir de casa, acompanhado só por um servo. Vagou
pela Itália e pela França, conheceu a fome e a fadiga, até que chegou ao
mosteiro de Bec, na França, onde havia a escola mais afamada do século XI,
dirigida por seu famoso conterrâneo, Lanfranco.
Discípulo suplanta o mestre
Anselmo
tornou-se discípulo e amigo de Lanfranco, e entregou-se então vorazmente ao
estudo, esquecendo-se às vezes até das refeições e recreação. “Seus progressos
eram tão admiráveis quanto sua amabilidade, e logo foi tido como um prodígio de
saber e seus condiscípulos creram que fazia milagres, por sua piedade e
virtude”.
Apesar de todos seus sucessos, Anselmo tinha uma grande perplexidade: “Estou resolvido a fazer-me monge; mas, onde? Se vou para Cluny, todo o tempo que dediquei às letras terá sido perdido para mim; e o mesmo se permaneço em Bec. A severidade da disciplina em Cluny e a ciência de Lanfranco, em Bec, tornarão inúteis todos meus estudos. Assim pensava, em meu orgulho. Mas, em meio à luta, senti a ajuda divina: O quê?! É próprio de um monge buscar as honras, os louvores, a celebridade? Claro que não. Pois bem, far-me-ei monge onde possa pisotear minhas ambições, onde seja estimado menos que os demais, onde seja pisoteado por todos”. E resolveu permanecer em Bec, onde foi ordenado sacerdote em 1060. Mas se ele fugia das honras, estas o perseguiam.
Apesar de todos seus sucessos, Anselmo tinha uma grande perplexidade: “Estou resolvido a fazer-me monge; mas, onde? Se vou para Cluny, todo o tempo que dediquei às letras terá sido perdido para mim; e o mesmo se permaneço em Bec. A severidade da disciplina em Cluny e a ciência de Lanfranco, em Bec, tornarão inúteis todos meus estudos. Assim pensava, em meu orgulho. Mas, em meio à luta, senti a ajuda divina: O quê?! É próprio de um monge buscar as honras, os louvores, a celebridade? Claro que não. Pois bem, far-me-ei monge onde possa pisotear minhas ambições, onde seja estimado menos que os demais, onde seja pisoteado por todos”. E resolveu permanecer em Bec, onde foi ordenado sacerdote em 1060. Mas se ele fugia das honras, estas o perseguiam.
Em 1066 foi
eleito Abade de Bec. E seu primeiro biógrafo, Eadmer, conta a pitoresca e
comovente cena ocorrida nessa ocasião, típica da Idade Média: o eleito abade prosterna-se
diante de seus irmãos, pedindo-lhes com lágrimas que não o onerassem com aquele
fardo, enquanto os irmãos, também prosternados, insistem com ele para que aceite
o ofício.
Sob sua direção,
Bec alcançou sua maior celebridade, sendo para a Normandia e Inglaterra o que
Cluny era para a Borgonha, França e Itália.
Em Bec,
“escreveu vários de seus livros, que abrem um novo caminho para o estudo da
Teologia e se distinguem pela profundidade de pensamento, delicadeza de investigação,
ousado voo metafísico que, não obstante, nunca se separa do terreno da fé
tradicional”.
Combates em defesa da Fé
No século XI, a
importância de um abade era enorme, pois estava ligada a todo o movimento
religioso e político do país. Assim, Anselmo teve que viajar várias vezes para
a Inglaterra, por interesses de seu convento. Lá encontrou novamente Lanfranco,
então Arcebispo de Cantuária, tornando-se também muito estimado na corte.
“Guilherme, o Conquistador, ele próprio tão temível e inacessível aos ingleses,
se humanizava com o Abade de Bec e parecia tornar-se todo outro em sua
presença”.
O amável abade
era uma figura imponente e majestosa, mas sempre serena. A calma era um dos
seus traços característicos. Era também um grande lutador: “Enquanto luta com
os senhores da região em defesa de seu mosteiro, defende a pureza da fé contra
Berengário, discute com os hereges e confunde o racionalista Roscelino”.
Em 1087,
Guilherme II, o Ruivo, sucedeu seu pai no trono da Inglaterra. Príncipe “que
temia a Deus muito pouco, e nada aos homens”, tornar-se-ia um espinho na vida
de Anselmo. Ele se apoderava das rendas das sés vacantes e, para gozar mais
esses privilégios, não queria nomear novos bispos para as preencherem.
Ora, Anselmo,
que já havia sucedido Lanfranco como Abade de Bec, foi escolhido pelo povo para
sucedê-lo também, à sua morte, na Sé de Cantuária. Disso não queria saber nem o
abade, por humildade, nem o rei, por prepotência, pois dizia: “O Arcebispo de
Cantuária sou eu!”.
Arcebispo de Cantuária contra a vontade
A Providência
veio resolver o caso. Atacado por estranha doença, o rei viu-se reduzido a uma
situação extrema, e temeu por sua alma. Os prelados e barões então o
pressionaram para que não deixasse mais vacante a Sé de Cantuária; e ele,
acedendo aos desejos do clero e do povo, nomeou Anselmo.
Como este
continuasse recusando o cargo, sucedeu então outra cena que só podia acontecer
naqueles tempos: “Ele [Anselmo] foi arrastado à força até o lado do leito do
Rei, um báculo foi enfiado em sua mão fechada, e o Te Deum foi cantado”. Contra
a vontade, Anselmo tornou-se assim Arcebispo de Cantuária.
Entretanto, o arrependimento do rei foi-se com
a doença. Apenas restabelecido, tentou dobrar o Arcebispo, que se opôs à
alienação das terras da arquidiocese em favor de apaniguados do rei. Começou
uma verdadeira batalha entre altar e trono, e Anselmo preferiu exilar-se no
continente a ceder nos princípios. Essa tendência absolutista dos soberanos
ingleses manifestar-se-á no século seguinte com o martírio de São Tomás Becket,
e, no século XVI com o cisma de Henrique VIII.
Luminar do Concílio de Bari
Em Roma, Anselmo
foi recebido por Urbano II, que o convenceu a voltar para sua diocese. Mas
antes participou ele do Concílio de Bari, em 1098, do qual foi um dos
luminares, desfazendo o sofisma dos gregos, que negavam que o Espírito Santo
procede do Pai e do Filho. Para isso pronunciou belo discurso, que depois se
tornou um tratado intitulado Da procedência do Espírito Santo. Na Itália
escreveu outro tratado, Cur Deus homo, e regressou à Inglaterra em 1100, a
pedido de Henrique, que sucedera no trono a seu pai, Guilherme, morto
impenitente durante uma caçada.
Para melhor praticar a obediência, Anselmo
havia pedido ao Papa que lhe desse alguém a quem ele pudesse se submeter em
todas as ações, como um monge ao seu superior. O Papa designou para esse ofício
o monge Eadmer, que se tornou amigo íntimo, discípulo e biógrafo do Santo.
Henrique II obrigou o Santo a permanecer três
anos no desterro, devido à ingerência indébita desse monarca no âmbito
eclesiástico.
Desterro do Santo Arcebispo
Henrique II,
querendo assegurar para si o trono em detrimento de seu irmão mais velho,
Roberto, que voltava da Cruzada na Terra Santa, restituiu à Igreja todos seus
antigos direitos e prometeu não vender as prebendas vacantes nem arrendá-las ou
retê-las em benefício do Tesouro. Por uma série de medidas assim também no
campo civil, obteve a simpatia do clero e povo em seu favor.
Quando Roberto
chegou à frente de um exército, para reivindicar seus direitos, o Arcebispo
Anselmo obteve que os ingleses permanecessem na fidelidade a Henrique II, e que
ambos entrassem num acordo pelo qual Roberto ficaria com a Normandia e passaria
a receber uma renda anual de três mil marcos. Para mostrar que o filho não era
melhor que o pai, na primeira oportunidade Henrique atacou Roberto de surpresa,
derrotou-o, e fez prisioneiro até o fim da vida.
]
Também a aliança
entre Henrique II e Anselmo em breve se rompeu devido à contínua questão das
investiduras. O Arcebispo mantinha-se firme, escudado pelos decretos de Bari e
Roma, e o rei alegava o que considerava prerrogativas da Coroa.
Para resolver a
questão, Santo Anselmo resolveu ir mais uma vez a Roma. Mas ao voltar foi
impedido de entrar no país, e teve que permanecer três anos no desterro, no
continente. Sob pena de excomunhão lançada pelo Papa, Henrique II finalmente
chegou a um acordo com o Arcebispo, que pôde voltar assim à sua Sé.
Homem de governo, de letras, santo
Os últimos anos
da vida de Anselmo transcorreram em atividades para a reforma de sua diocese e
em trabalhos literários. “A
virtude havia feito dele o tipo do homem de governo, se bem que a posteridade o
tenha recordado sobretudo como homem de letras, poeta, filósofo, polemista e
escriturista. Em seus cantos a Maria, a facilidade e o sentimento não cedem em
nada ao frescor e sinceridade da inspiração”.
Seis meses antes
da morte, Santo Anselmo foi tomado por extrema fraqueza, que não lhe permitia
sequer celebrar o Santo Sacrifício. Ele se fazia transportar diariamente à
capela para assisti-la.
Na véspera de
sua morte, esse homem fecundo, sempre em elucubrações metafísicas e teológicas,
lamentava que não tivesse tido tempo para escrever um tratado sobre a origem da
alma, tema sobre o qual havia meditado constantemente.
Enfim, carregado
de anos e de virtude, faleceu no dia 21 de abril de 1109, sendo canonizado pelo
Papa Alexandre III.
FRASES CÉLEBRES DE SANTO ANSELMO
Tenho dentro de
mim a ideia de um Ser tal que não se pode imaginar nada maior, isto é, um Ser
infinito. Logo, este Ser existe, pois eu O vejo em certo sentido, desde o
momento em que penso Nele. O que está na realidade, além de estar no
pensamento, é mais perfeito que o que só está no pensamento: portanto, Deus é
real, porque se não existisse, não seria tal que não se pode pensar em outro
maior.
Só Deus tem em
Si a razão de Sua existência.
Pai e Filho são
distintos e, todavia, são tão idênticos pela substância, já que sempre a
essência do Filho está no Pai, e a essência do Pai está no Filho, e nunca ela é
diferente, porque a essência de ambos não é diferente, mas a mesma; não é
múltipla, mas única.
Deus é uma
unidade indivisível porque sua imensidade é interminável.
Não é possível
pensar nada maior que Deus (id quo maius cogitari non potest).
Deus é
onipresente, isto é, Deus está presente no intelecto do homem, mesmo daqueles
que, insipientes, afirmam que Ele não existe, a não ser como simples conceito
(nuda intellecta). Também está na realidade (res), que o filósofo compreende
como outra coisa que não o homem. A onipresença de Deus mostra-se como uma
totalidade, fruto de um somatório destas duas partes (intelecto e realidade).
O que és Tu, ó
Senhor, Deus meu, Tu de quem não é possível pensar nada maior? Mas quem poderia
ser, senão aquele que – supremo entre todas as coisas, único existente por si
mesmo – criou tudo do nada.
Não havia nada
antes de ser feito o que foi feito.
Deus é um ser
que contém, em sua unidade, toda perfeição (summum ommnium bonorum cunctaque
bona intra se continens).
Deus é um Ser do
qual nada maior se pode conceber.
Somente Tu, ó
Senhor, és aquilo que és, e somente Tu és aquele que és. Com efeito, o ser que
não é o mesmo em sua totalidade e em partes ou que está sujeito em algum ponto
a variações, esse, certamente não é aquilo que é. Assim, também, todas as
coisas que tiveram início, porque antes não existiam, podem ser pensadas como
não existentes e, se não forem mantidas na existência por meio de outro, voltam
ao nada. E tudo aquilo, cujo passado não existe mais e cujo futuro ainda não é,
não existe em sentido próprio e absoluto. Tu, ao contrário, és verdadeiramente
aquilo que Tu és, ainda que apenas uma vez e de alguma maneira, continues sendo
completamente e sempre.
Relação entre o
tempo e Deus: Não existes ontem, nem existes hoje, nem existirás amanhã, porque
ontem, hoje e amanhã Tu existes. Mas não se deve dizer ontem, hoje, amanhã, e,
sim, simplesmente, existe; e fora de qualquer tempo.
Tu (Deus)
preenches e abranges todas as coisas existentes, pois Tu existes antes e depois
delas.
Deus (teos) pode
ser interpretado como o fundamento de todo ente (ón) que, verdadeiramente, é a
ser provado sob a exigência da lógica (logia).
Não tento,
Senhor, penetrar a Vossa profundidade, porque não posso sequer de longe
comparar com ela o meu intelecto; mas desejo entender, pelo menos até certo
ponto, a Vossa verdade, em que o meu Coração crê e ama. Com efeito, não procuro
compreender para crer, mas creio para compreender.
Certamente, algo
tal que não se pode pensar maior, não pode estar somente na inteligência.
Porquanto, se está somente na inteligência, poder-se-ia pensar também na coisa,
o que é maior. Portanto, se algo tal que não se pode pensar maior está somente
na inteligência, este mesmo algo tal que não se pode pensar maior é tal que se
pode pensar maior. Ora, certamente isto não pode ser. Existe, portanto, sem
dúvida, algo tal que não se pode pensar maior, tanto na inteligência como na
coisa.
A Essência
Suprema existe em todas as coisas e tudo depende Dela.
O pensamento tem
algo de divino, e Deus tem uma razão. Sua Palavra é sua Essência, e Ele é pura
Essência Infinita, sem começo nem fim, pois nada existiu antes da Essência Divina
e nada existirá depois.
O presente, o
passado e o futuro são uma coisa só (para Deus).
O Verbo e o
Espírito Supremo são uma coisa só, pois o Espírito Supremo usa o Verbo
consubstancial para se expressar.
Nenhuma alma é
privada do bem do Ser Supremo, e deve buscá-lo, através da fé.
Deus, rogo-vos,
desejo conhecer-Vos, quero amar-Vos e poder regozijar-me em Vós. E, se nesta
vida não sou capaz disto na medida plena, que eu possa, pelo menos, progredir
cada dia, até alcançar a plenitude.
A alma humana é
imortal. Nenhuma alma é privada do bem do Ser Supremo, e, através da fé, deve
buscá-Lo.
O fogo do
inferno não emite nenhuma luz. Assim como, ao comando de Deus, o fogo da
fornalha babilônica perdeu o seu calor, mas não perdeu a sua luz, assim, ao
comando de Deus, o fogo no inferno, conquanto retenha a intensidade do seu
calor, arde eternamente nas trevas... Qual o nome, então, que devemos dar às
trevas do inferno, que hão de durar não por três dias apenas, mas por toda a
eternidade? O nosso fogo terreno foi criado por Deus para benefício do homem,
para manter nele a centelha de vida e para ajudá-lo nas artes úteis, ao passo
que o fogo do inferno é de outra qualidade e foi criado por Deus para torturar
e punir o pecador sem arrependimento. O sulfuroso breu que arde no inferno é uma
substância que foi especialmente designada para arder para sempre e
ininterruptamente com indizível fúria. É um fogo que procede diretamente da ira
de Deus, trabalhando não por sua própria atividade, mas como um instrumento da
vingança divina. Assim como as águas do batismo limpam tanto a alma como o
corpo, assim o fogo da punição tortura o espírito junto com a carne.
Parece-me
descuido se, depois de firmarmos nossa fé, não lutarmos para compreender aquilo
em que acreditamos.
Quem tem a
intenção de fazer Teologia não pode contar somente com a sua inteligência, mas
deve cultivar ao mesmo tempo uma profunda experiência de fé.
Somente o homem
deve fazer reparação pelos seus pecados, visto que foi ele quem pecou. Somente
Deus pode fazer a reparação necessária, visto que foi Ele quem a exigiu.
A atividade do
teólogo desenvolve-se em três fases: 1ª) a fé, dom gratuito de Deus, a acolher
com humildade; 2ª) a experiência, que consiste em encarnar a palavra de Deus na
própria existência quotidiana; e 3º) o verdadeiro conhecimento, que jamais é
fruto de raciocínios assépticos, mas, sim, de uma intuição contemplativa.
A razão não pode
ser sua própria luz; para realizar sua obra, ela necessita de uma fonte de
iluminação mais alta – a fé.
Enquanto a
verdade lógica é uma retidão só perceptível pelo espírito, a justiça é a
retidão da vontade observada por si mesma, ou seja, desinteressadamente.
Uma vez que o
livre-arbítrio parece contradizer a graça, a predestinação e a presciência de
Deus, desejo saber o que é a liberdade do arbítrio e se o temos sempre. Se, de
fato, a liberdade do arbítrio é poder pecar e não pecar, como alguns costumam
dizer, e se está sempre na nossa posse, como é que às vezes temos necessidade
da graça? Mas, se não o temos sempre, porque o pecado nos é imputado, quando
pecamos sem livre-arbítrio? Não penso que a liberdade do arbítrio seja o pode
de pecar e de não pecar. Seguramente, se esta fosse a definição, nem Deus, nem
os anjos, que não podem pecar, não teriam liberdade de arbítrio, e é um
sacrilégio dizê-lo. E se disséssemos que o livre-arbítrio de Deus e dos anjos é
diferente do nosso? Se bem que o livre-arbítrio dos homens difira do de Deus e
do dos bons anjos, a definição desta liberdade deve, contudo, segundo o próprio
nome, ser a mesma para todos. Portanto, o poder de pecar não é a liberdade nem
parte da liberdade.
Portanto, porque toda a liberdade é poder,
aquela liberdade de arbítrio é o poder de conservar a retidão da vontade por
causa da própria retidão. Não pode ser de outro modo. É agora claro que o
livre-arbítrio não é senão o arbítrio capaz de conservar a retidão da vontade
por causa da própria retidão.
Se o anjo ou o
homem sempre dessem a Deus o que lhe é devido, nunca pecariam, pois nada mais é
pecar do que não dar a Deus o que lhe é devido, isto é, toda a vontade da
criatura racional sujeita à vontade de Deus. Quem não dá a Deus isto que lhe é
devido, tira de Deus o que lhe é devido e o desonra, e isto é pecar. Enquanto
não devolver o que é devido, permanece em culpa. Não é suficiente, porém, devolver
o que lhe foi tirado, pois pela injúria feita sempre deve-se devolver mais do
que se tirou. É assim que não é suficiente para quem lesa a saúde de outro que
lhe devolva a saúde, pois deve também, pela dor impingida, recompensar-lhe com
algo mais. Do mesmo modo não é suficiente para quem viola a honra de alguém que
lhe devolva a honra, pois deve também, de acordo com o dano que lhe causou,
restituir-lhe algo a mais que seja de seu agrado.
Ninguém está
acima de tudo o que não é Deus senão Deus.
Quem poderá
conceber uma misericórdia maior do que o pecador, condenado ao eterno tormento,
sem ter como se redimir, ao qual Deus Pai se dirige e lhe diz: — 'Aceita o meu
Filho Unigênito, e ele te redimirá.' E o próprio Filho: — Toma-me contigo, e
redime-te. Pois é de fato isto o que dizem, quando nos chamam à fé cristã e a
ela nos trazem.
Quem pensa
continuamente em morrer não morre de repente.
Quer se entenda
que a verdade tenha um princípio e um fim, quer se diga que não tenha, a
verdade não pode ser confinada por nenhum princípio e nenhum fim.
Se não crermos,
não compreenderemos. Quanto mais recorremos ao intelecto tanto mais nos
aproximamos de tudo aquilo a que os homens aspiram.
No Reino dos
céus, todos os homens em conjunto, e como se fossem um só, serão um só rei com
Deus, pois todos quererão uma só coisa e a sua vontade cumprir-se-á. Eis o bem
que, do alto do céu, Deus declara pôr à venda. Se alguém perguntar por que
preço, eis a resposta: Aquele que oferece um Reino no céu não precisa de moeda
terrestre. Ninguém pode dar a Deus o que já Lhe pertence, porque tudo o que
existe é dEle. E, no entanto, Deus não dá coisas importantes sem que lhes seja
estimado o preço: Ele não as dará a quem não as apreciar. De fato, ninguém dá
coisas que lhe são queridas a quem não demonstrar ter apreço por elas. Então, e
porque Deus não precisa dos teus bens, não deve dar-te uma coisa importante se
desdenhares amá-Lo: Ele apenas reclama amor, e sem amor nada O obrigará a dar.
Por isto, ama, e receberás o Reino. Ama, e possui-Lo-ás. Ama, portanto, a Deus
mais do que a ti mesmo, e logo começarás a ter o que queres possuir em
plenitude no céu.
Prefiro estar em
desacordo com os homens, do que concordar com eles e discordar de Deus.
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