O santo Bispo Antônio Maria Claret foi, sem sombra de dúvida, um dos maiores santos da História da Igreja. Incansável e zeloso apóstolo de Jesus Cristo e defensor da Igreja, promoveu pela palavra escrita (livros, artigos e revistas) e pela pregação a pureza da Fé Católica. Foi um ardente defensor da Fé e da Igreja numa época na qual praticamente toda a Europa já começava mostrar sinais de seu afastamento de Deus, que hoje em dia é tão sentido. Como é um santo riquíssimo em boas obras e de uma história de vida simplesmente maravilhosa, não se espantem se mais de uma vez aparecer neste Blog.
“Tendo-me pedido o padre José Xifré, Superior
dos Missionários Filhos do Coração de Maria, diversas vezes, verbalmente e por
escrito, uma biografia de minha insignificante pessoa, sempre me escusei, e
ainda agora não decidiria escrevê-la se ele não me tivesse mandado. Somente por
obediência o faço e por obediência revelarei coisas que eu preferia manter
ignoradas. Seja isto, contudo, para a maior glória de Deus e de Maria
Santíssima, minha doce Mãe, e confusão deste miserável pecador".
Ao iniciar sua
Autobiografia com estas palavras, deixou claro Santo Antônio Maria Claret que contaria
a ação de Deus em sua vida apenas pela necessidade de obedecer à voz do
superior geral da ordem... Por ele mesmo fundada! Tal é a força da santa
obediência, até para um fundador! No entanto, afirma seu confessor: "Quem
conhecesse o Servo de Deus como eu o conhecia, perceberia facilmente, ao ler
suas mencionadas anotações, que ele diz menos do que se cala, querendo deste
modo, sem dúvida, cumprir o preceito imposto pela obediência sem prejuízo de
sua profunda humildade". Apesar disso, fica registrada para a História uma
vida marcada pela grandeza da humildade, e sua pena revela os mais belos
contrastes harmônicos de uma personalidade ímpar que cruzou boa parte do século
XIX, numa existência profícua em fatos memoráveis.
Meditar na eternidade: semente do missionário
Nascido numa
família de profundas raízes religiosas, diz o Santo a respeito de sua primeira
infância: "A Divina Providência sempre velou por mim de forma
particular".3 É interessante notar que, ao contar sua origem, menciona a
pequena Sallent, onde nasceu, na Diocese de Vic, província de Barcelona, bem
como os pais, Juan Claret e Josefa Clará - a quem qualifica como
"honrados, tementes a Deus, muito devotos do Santíssimo Sacramento do
Altar e de Maria Santíssima" -, mas não a data de seu nascimento, apenas a
de Batismo: 25 de dezembro de 1807.
As primeiras
ideias de que tem memória remontam aos seus cinco anos. Havendo recebido dos
pais as primeiras noções de bem e mal, Céu e inferno, tinha noites de insônia e
se punha a pensar na eternidade: "sempre, sempre, sempre; imaginava
distâncias enormes, e a estas se acrescentavam outras e outras, e ao ver que
não alcançava o fim, estremecia e pensava: aqueles que tiverem a desgraça de ir
para a eternidade de penas, jamais deixarão de sofrer, sempre padecerão? Sim,
sempre, sempre terão de penar!".5 E se condoía do fundo da alma.
Este pensamento
foi o motor, "a mola e o aguilhão de meu zelo pela salvação das
almas", do apostolado em prol da "conversão dos pecadores, no
púlpito, no confessionário, por meio de livros, estampas, folhetos, conversas
familiares". Pois, "ao ver a facilidade com que se peca, a mesma com
que se toma um copo d'água, por riso ou por diversão; ao ver a multidão de
pessoas continuamente em pecado mortal e que vão assim caminhando para a morte
e para o inferno, não posso ter repouso, preciso correr e gritar".8 A esta
preocupação pela salvação das almas, não tardou em unir-se o zelo pela glória
de Deus: "Se um pecado é de uma malícia infinita, impedir um pecado é impedir
uma injúria infinita a meu Deus, a meu bom Pai".
Despertar da vocação sacerdotal
Bem menino ainda
entrou na escola, onde aprendeu as primeiras letras. Vivo e inteligente, tudo
assimilava com rapidez, em especial o catecismo e a História Sagrada. Aos dez
anos fez a Primeira Comunhão e, a partir daí, não mais deixou de frequentar os
Sacramentos. Logo se despertou no pequeno Antônio a vocação sacerdotal:
"Com que fé, confiança e amor falava com o Senhor, com meu bom Pai! Eu me
oferecia mil vezes a seu santo serviço, desejava ser sacerdote para
consagrar-me dia e noite a seu ministério".
Encaminharam-no
ao estudo do latim, mas o curso fechou alguns anos depois e as dificuldades da
época obrigaram o pai a levá-lo para trabalhar em sua pequena fábrica de fios e
tecidos, em vez de mandá-lo ao seminário.
A fábrica ou o sacerdócio?
Como primeira
tarefa, enchia os carretéis das lançadeiras dos teares. Mais tarde tornou-se
chefe dos operários, e nesta função aprendeu "como é verdade que melhor
proveito se tira tratando os outros com doçura do que com aspereza e
irritação".
Entretanto, ele
considera esta fase de sua vida como um período de entibiamento, por se ter
lançado com ímpeto no mundo dos teares, trocando sua vocação pelas máquinas,
desenhos e urdiduras. Em 1825 encaminha-se a Barcelona, onde se aperfeiçoou na
arte da tecelagem. Autodidata, só de analisar as mostras de tecidos vindos de
Paris ou Londres já ideava um meio de fabricá-los, com resultados idênticos ou
melhores. Por três anos estes assuntos ocuparam sua mente a ponto de ter, mesmo
durante a Missa, "mais máquinas na cabeça do que santos havia no
altar".
Até que, como
uma flecha aguçada a penetrar-lhe o coração, em plena Missa recordou-se desta
passagem do Evangelho: "Que aproveitará ao homem ganhar o mundo inteiro,
se perder a sua alma?" (Mc 8, 36). "Senti-me, como Saulo, no caminho
de Damasco [...]. Despertaram-se em mim os fervores de piedade e devoção".
De cartuxo a jesuíta...
Decidiu
tornar-se cartuxo para fugir do século, com grande pesar do pai, que punha a
esperança de seus negócios no talento do filho. Voltou para Vic e iniciou os
estudos de filosofia, tomando gosto pela contemplação, disciplina e
penitência. Para onde fora seu desejo de ser apóstolo e salvar almas? É que as
vias de Deus não são humanas...
A caminho da
Cartuxa de Monte Alegre, próxima de Barcelona, enfermou-se gravemente e
precisou regressar a Vic. Compreendeu, então, haver sido circunstancial o
chamado à vida contemplativa: "O
Senhor me levava mais longe para desligar-me das coisas do mundo, e para que,
desapegado de todas elas, me fixasse no estado clerical".
Afinal,
ingressou no seminário e, completados os estudos, foi ordenado sacerdote em 13
de junho de 1835. Enviado para a Paróquia de Santa Maria, em sua cidade natal,
constituiu para si uma rigorosa regra de vida. Sem embargo, Deus o incitava a
ser missionário. "Em muitas passagens da Santa Bíblia sentia a voz do
Senhor que me chamava a pregar. O mesmo acontecia na oração. Assim, decidi
deixar o curato, ir a Roma e apresentar-me à Congregação de Propaganda Fide
para ser mandado a qualquer parte do mundo".
A caminho da
Cartuxa, enfermou-se gravemente e precisou regressar a Vic; compreendeu, então,
haver sido circunstancial o chamado à vida contemplativa
Lá chegando, o
Cardeal Giacomo Filipo Fransoni, Prefeito da Congregação, estava de viagem. O
padre Claret aproveitou a espera para fazer com os jesuítas os Exercícios
Espirituais de Santo Inácio de Loyola e, ao terminá-los, prestou contas de suas
disposições de alma ao padre diretor. Este o convidou para entrar na Companhia
de Jesus: "tornei-me jesuíta da noite para o dia".
...de noviço a missionário e fundador
O tempo do
noviciado lhe foi muito útil: "Ali aprendi o modo de dar os Exercícios de
Santo Inácio, o método de pregar, catequizar, confessar, com grande utilidade e
proveito".
Sentia-se muito
bem na Companhia de Jesus, mas um problema na perna o levou à enfermaria e não
havia como curá-lo. Os superiores viram nisto um sinal sobrenatural de não
estar ele onde era chamado por Deus e determinaram seu regresso à Espanha,
incentivando-o a entrar, de fato, nas sendas das missões.
O Bispo de Vic,
Dom Luciano Casadevall, enviou-o para a aldeia montanhosa de Viladrau, onde
começou seu trabalho de conquistar almas para o Céu. Jamais ia a lugar algum
sem ser mandado. E aconselhava aos missionários: "Não temam as dificuldades que se apresentem ou as perseguições
que se levantem; Deus os enviou pela obediência, Ele os protegerá".18
Tal como os Apóstolos, com ufania anunciava o Evangelho, expulsava demônios e
curava muitas doenças.
Ao voltar de uma
viagem evangelizadora nas Ilhas Canárias, em meados de maio de 1849, pôs em
prática um plano já bem refletido de fundar uma congregação de sacerdotes
missionários, na qual cada membro devia ser "um homem que arde em caridade
e abrasa por onde passa; deseja eficazmente e procura por todos os meios atear
no mundo inteiro o fogo do divino amor. Nada o amedronta; delicia-se com as
privações; busca os trabalhos; abraça os sacrifícios; compraz-se com as
calúnias e se alegra com os tormentos. Não pensa senão em como seguirá e
imitará Jesus Cristo no trabalhar, sofrer, e procurar sempre unicamente a maior
glória de Deus e a salvação das almas".
Reunindo no
seminário de Vic cinco outros sacerdotes, e de posse das autorizações
episcopais, fundou em 16 de julho daquele ano a Congregação de Missionários
Filhos do Imaculado Coração de Maria. "Hoje começamos uma grande
obra", afirmou.
Não obstante,
eis que menos de um mês depois o Bispo o chamou e entregou-lhe uma carta de
nomeação como Arcebispo de Santiago de Cuba...
Na Arquidiocese de Cuba: amado e perseguido
Alegando não
poder abandonar a livraria religiosa que dirigia, bem como sua congregação
nascente, recusou. Todavia, ao receber ordem formal de seu prelado para
aceitar, confiou a pequena comunidade a Maria Santíssima e, tendo sido ordenado
Bispo, partiu para Barcelona, a fim de cruzar o Atlântico rumo à sua
arquidiocese.
É impossível
narrar aqui as aventuras da viagem, na qual cada parada servia-lhe de pretexto
para pregar, e menos ainda tudo quanto na antiga Pérola do Caribe se passou em
termos de riscos, catástrofes naturais, epidemias, trabalhos e peripécias
missionárias. Ele pôs ordem em tudo e a força de sua palavra serenava revoltas,
moralizava os costumes e obtinha conversões em massa. "Em seis anos e dois
meses visitei quatro vezes cada paróquia", escreveu ele.
Por todo o bem
ali feito, Santo Antônio Maria Claret conheceu de perto tanto a gratidão dos
que beneficiara quanto o ódio e a perseguição. Já as provara na Espanha, mas em
Cuba esta última chegou a ponto de quase matá-lo. Em princípios de 1856,
terminou um fogoso sermão, saiu da igreja e caminhava pela movimentada Calle
Mayor da cidade de Holguin, quando sofreu um terrível atentado. Fingindo querer
beijar seu anel episcopal, aproximou-se dele um delinquente, no intuito de
cortar-lhe o pescoço com uma navalha de barbear. Como, porém, ele tinha naquele
momento a cabeça inclinada e cobria a boca com um lenço, o golpe o atingiu no rosto,
da orelha ao queixo, e no braço direito. "Não posso explicar o prazer, o
gozo e a alegria de minha alma ao ver que havia conseguido o que tanto
desejava: derramar o sangue por amor a Jesus e Maria, e poder selar com o
sangue de minhas veias as verdades evangélicas", foi a reação do santo
Bispo. Algum tempo depois se recuperou da profunda ferida, ficando, contudo,
com o rosto bastante desfigurado, e regozijava-se por poder repetir com São
Paulo: "trago em meu corpo as marcas de Jesus Cristo" (Gal 6, 17).
A pena de Santo
Antônio Maria Claret revela, em sua Autobiografia, os mais belos contrastes harmônicos
de uma personalidade ímpar. Nomeado confessor da rainha Isabel II, partiu de La
Habana para Madri, em março de 1857. Afinal pôde contemplar os progressos de
sua congregação. Exerceu a nova função com total integridade, sem entrar nas
intricadas questões políticas da época; mas sua benéfica influência sobre a
soberana e a sociedade deu origem a uma torrente de calúnias e perseguições,
que culminaram com seu exílio na França.
Antes, ele era
admirado e até louvado por todos; com o desterro passou a ser desprezado pela
opinião pública: "todos me odeiam e dizem que o padre Claret é o pior
homem que jamais existiu e que sou a causa de todos os males da Espanha",23
chegou a afirmar.
Abrasado de caridade
Como prêmio por
tanto amor a Deus, foram-lhe concedidos muitos favores místicos, entre os quais
a previsão de acontecimentos futuros e a permanência eucarística: "No dia
26 de agosto de 1861, estando em oração na Igreja do Rosário, em La Granja, às
7 horas da tarde, concedeu-me o Senhor a grande graça da conservação das Espécies
Sacramentais, de ter sempre, dia e noite, o Santíssimo Sacramento no peito;
por isso, devo estar sempre muito recolhido e devoto interiormente; ademais,
devo rezar e fazer frente a todos os males da Espanha, como me disse o
Senhor".
Ancião, enfermo
e cansado, ainda teve fôlego para assistir ao Concilio Vaticano I e ali comoveu
a assembleia com seu discurso em defesa da infalibilidade pontifícia. Em 24 de
outubro de 1870, de regresso à França, abrasado de caridade e fugindo de seus
perseguidores, entregou sua alma a Deus no Mosteiro Cisterciense de Fontfroide.
Este belo trecho
de uma ardente oração por ele composta no noviciado jesuíta resume a sede de
almas que o consumia no curso de toda a sua vida: "Como se dirá que tenho
caridade ou amor a Deus se, vendo meu irmão em necessidade, não o socorro?
[...] Como terei caridade se, sabendo que lobos vorazes estão degolando as
ovelhas de meu Senhor, me calo? Como terei caridade se emudeço ao ver como
roubam as joias da casa de meu Pai, joias tão preciosas que custaram o Sangue e
a vida do próprio Deus, e ao ver que atearam fogo à casa e à herança de meu
amadíssimo Pai? Ah! Minha Mãe, não posso calar-me em tais ocasiões. Não, não me
calarei, mesmo sabendo que serei despedaçado [...]. E se ficar rouco ou mudo de
tanto gritar, levantarei as mãos aos Céus, se eriçarão meus cabelos e baterei
os pés no chão para suprir a falta de minha língua. Portanto, minha Mãe, desde
já começo a falar e a gritar, e recorro a Vós. Sim, a Vós, que sois Mãe de
misericórdia: dignai-Vos socorrer em tão grande necessidade; não me digais que
não podeis, pois sei que na ordem da graça sois onipotente. Dignai-Vos, eu Vos
suplico, dar a todos a graça da conversão, pois sem esta nada faríamos, e então
me enviai e vereis como se convertem".
(Revista Arautos
do Evangelho, Outubro/2015, n. 165, pp. 34 à 37)
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