Apoiado em bases teológicas e
estreitos vínculos místicos com Cristo e Maria, esteve na vanguarda da devoção
a seus dois amáveis Corações como um só, em unidade de espírito, de sentimento
e afeição.
Paris viveu dias
de apogeu durante o reinado de Luís XIV. Convergia naquele então para a França,
num ininterrupto desfile cujo palco principal era o Palácio de Versailles, toda
espécie de manifestações do poderio francês no campo das artes, das ciências,
das letras e das conquistas militares, compondo uma página notável nos anais
desta nação.
Entretanto, ao
lado de tantos triunfos avançava silenciosamente uma grave crise religiosa,
própria a desviar os espíritos do cumprimento dos preceitos cristãos e
atraí-los para ideais cada vez mais distantes dos pregados pelo Divino
Redentor. Era a diminuição de fervor que, no século seguinte, acabaria
determinando os trágicos episódios da Revolução Francesa.
No seio da
deslumbrante Cidade Luz, onde tudo era charme, brilho e requinte, nem todos se
mostravam indiferentes a esta realidade mais profunda. Movidos pela graça,
muitos homens de valor e influência, aos quais coube um papel decisivo no
desenrolar dos fatos da época, aperceberam-se da gravidade do momento e se
dedicaram com ardor à luta por um elevado objetivo: colocar Deus no centro
daquela sociedade, como o verdadeiro Senhor das almas.
Irmanados por
estes anseios eles formaram, sob o impulso de certo sacerdote chamado Pedro de
Bérulle, um numeroso grupo de eclesiásticos provenientes de várias regiões do
país, empenhados todos em progredir nas vias da santidade. A lista dos
integrantes deste círculo é extensa, mas podemos enumerar aqui alguns de seus
expoentes: São Francisco de Sales, São Vicente de Paulo, Carlos de Condren, João
Tiago Olier e aquele que é celebrado pela Igreja a 19 de agosto: São João
Eudes.
Membro eminente da escola francesa de
espiritualidade
Era na
residência de madame Bárbara Acarie que se realizavam os encontros do grupo.
Digna representante das melhores tradições e qualidades da nobreza parisiense,
ela abria as portas de sua mansão a cada semana para receber os clérigos,
vários membros da aristocracia e leigos desejosos de um maior aprofundamento em
temas católicos, sobretudo teológicos, bem como de uma entrega mais profunda à
oração e à meditação.
Neste ambiente
marcado pelo ardor religioso formou-se um corpo de elite, hoje conhecido como a
escola francesa de espiritualidade. Curiosamente, muitos dos que ali marcavam
presença pertenciam a diversas congregações religiosas e possuíam formação
heterogênea. Essas diferenças, porém, eram superadas pela caridade de todos e
constituíam, inclusive, um fator de enriquecimento.
O padre João
Eudes era um sacerdote vindo da Normandia ainda nos anos da juventude para
integrar a Congregação do Oratório, recém-fundada por Bérulle. Dedicado
pregador de missões populares, ele também se distinguia naquele círculo por uma
palavra fácil e penetrante, por seu conhecimento doutrinário profundo e por
traços místicos que o uniam com vínculos estreitos a Cristo e à sua Mãe
Santíssima.
As multidões por
ele convertidas testemunhavam o calor de sua pregação. E quando falava ao
seleto conjunto do Palacete Acarie, repetia com a mesma força persuasiva
admoestações como esta: "Tudo quanto se relaciona com a divindade de
Jesus, com sua santa humanidade, com os estados e mistérios de sua vida
maravilhosa, no tempo e na eternidade, se reveste de um caráter de grandeza e
de uma dignidade infinita, que sobrepujam nossa compreensão humanamente
limitada [...]. O Juízo Universal que o Filho de Deus pronunciará no fim dos
tempos não terá outro fim senão o de tributar, mediante a tremenda justiça de
Nosso Senhor, uma suprema homenagem a todos os seus mistérios, proclamando,
perante toda a humanidade, quanto esta fez ou omitiu na meditação e amor aos
mistérios de Cristo, ao longo de todos os séculos e em todos os lugares do
universo".1
Escolhido para o serviço da Igreja
Nascido em 14 de
novembro de 1601 no vilarejo de Ri, próximo a Argentan, João Eudes foi uma
resposta da Providência às súplicas de seus pais. Acabrunhados pela perspectiva
de não terem filhos, peregrinaram a um santuário mariano para implorar esta
graça e ali consagraram de antemão a Nossa Senhora o fruto de sua união. Em
pouco tempo nascia-lhes o menino, que apressaram em conduzir à fonte batismal.
A família pôde
comprovar, logo nos anos da infância, como o oferecimento fora de fato aceito:
percebia-se a olhos vistos a vocação religiosa da criança. Ainda pequeno não
poupava esforços para comungar com assiduidade, contrariando a tendência
jansenista então reinante, como ele mesmo o atesta: "Estando numa paróquia
onde muito poucas pessoas comungavam fora da Páscoa, comecei por volta dos 12
anos a conhecer a Deus, por uma graça especial de sua divina bondade, e a
comungar todos os meses, após ter feito uma Confissão geral. Foi na festa de
Pentecostes que Ele me concedeu a graça de fazer a Primeira Comunhão. [...]
Pouco tempo depois, Ele me deu também a graça de Lhe consagrar meu corpo pelo
voto de castidade".2
Inscrito por seu
pai no colégio jesuíta de Caen, revelou-se ali um aluno de raras qualidades -
"o devoto Eudes",3 como gostavam de chamá-lo. Estudou depois
teologia com máximo proveito na universidade desta mesma cidade normanda. Aos
19 anos ouviu em seu interior o chamado à vida eclesiástica, e recebeu do Bispo
diocesano a tonsura e as ordens menores.
Sua vocação,
todavia, estava por florescer. Foi no contato com os membros do recém-fundado
Oratório de Bérulle que João Eudes sentiu-se interpelado pela graça a dar um
passo decisivo: tomar parte naquela nova família espiritual, dedicada a honrar
o mistério do sacerdócio de Jesus Cristo. Impressionado pelo exemplo de vida
dos clérigos que a integravam, ele se apresentou às portas do convento para
pedir admissão e "seu pedido foi favoravelmente acolhido pelo superior da
comunidade de Caen, o padre Aquiles de Harlay-Sancy, que escreveu de imediato
ao padre Bérulle".4
Vocação missionária
Com passo
resoluto este jovem de 22 anos ingressa na Congregação do Oratório, de onde é
enviado pouco depois para o noviciado de Paris. Sua ordenação sacerdotal teria
lugar apenas dois anos mais tarde; contudo, já no mês seguinte ele realizaria a
primeira missão.
Ouçamo-lo narrar
as razões que o levaram a abraçar desde cedo esta causa, que seria a de toda a
sua vida: "Algo deplorável até às
lágrimas de sangue é ver que, dentre o tão grande número de homens que povoam a
Terra, que foram batizados e, em consequência, admitidos na condição de filhos
de Deus, membros de Jesus Cristo e templos vivos do Espírito Santo, portanto
obrigados a levar uma vida conforme a estas divinas qualidades, muito mais
numerosos são os que vivem como animais, como pagãos e até mesmo como demônios;
quase não há quem se comporte como verdadeiro cristão".
Os períodos
transcorridos na glamorosa capital contrastavam com o árduo exercício do
ministério nas regiões onde a população católica vivia abandonada. Por isso,
São João Eudes exclamava com justa indignação: "Que fazem em Paris tantos doutores e tantos bacharéis, enquanto as
almas perecem aos milhares por falta de quem lhes estenda a mão para tirá-las
da perdição e preservá-las do fogo eterno? Decerto, creia-me, eu iria a Paris
gritar na Sorbonne e nas outras faculdades: ‘Fogo! Fogo! O fogo do inferno
incendeia todo o universo! Vinde, senhores doutores, vinde, senhores bacharéis,
vinde, senhores padres, vinde todos, senhores eclesiásticos, vinde ajudar a
apagá-lo!'".
Os resultados de
sua pregação podiam ser medidos pela afluência do público, que não raras vezes
acorria aos milhares às praças das catedrais. Os números correspondiam não
somente à assistência, como também ao de Sacramentos administrados: "É de
partir o coração de piedade ver um grande número desta pobre gente vinda de
três ou quatro lugares, apesar dos maus caminhos, pedir, entre lágrimas, para
ser atendida em Confissão, e que permanece de seis a oito dias sem poder ser
atendida, dormindo à noite nos pórticos e nos mercados, qualquer que seja o
tempo".
Calcula-se que
nas longas décadas dedicadas a esta forma específica de apostolado, São João
Eudes organizou cerca de 110 missões, que duravam normalmente vários meses e
abrangiam vastos territórios. Nem sequer o rei Luís XIV e a rainha Ana
d'Áustria deixaram de ser beneficiados por seus ensinamentos, pois o Santo
realizou uma concorrida pregação em Versailles, na qual recriminou com termos
severos a má conduta dos soberanos. Reconhecendo-se merecedores daquelas
palavras, ambos passaram a dedicar-lhe uma alta estima e a favorecê-lo sempre
que se apresentava alguma ocasião.
Aurora da devoção ao Sagrado Coração de Jesus
Nesse contexto
de fecunda atividade pastoral, verificou São João Eudes os estragos feitos pela
heresia jansenista, então em plena expansão. Os adeptos desta corrente nefasta,
que fingiam possuir uma elevada espiritualidade, levavam as pessoas a duvidar
da misericórdia de Deus, na errada crença de estarem excluídos do número dos
eleitos. Assim, incontáveis católicos abandonavam a prática da Fé, por
desespero da salvação.
Firmemente
convencido do contrário, logo se pôs ele a campo para reverter este quadro. Sua
atuação missionária tinha o claro propósito de aproximar do amor divino as
almas arrependidas e infundir-lhes a certeza de nunca serem abandonadas por
Deus, mesmo carregadas de graves culpas. Fiel a um chamado interior que o movia
a pregar esta bondade, o santo sacerdote não tardou em relacionar a caridade
infinita de Cristo com o seu Coração humano-divino, órgão no qual habita toda a
plenitude da divindade.
Com efeito, "São João Eudes é o primeiro teólogo
que tratou do objeto próprio da devoção ao Coração de Jesus", afirma
Lebrun.8 Transbordante de entusiasmo, proclama o Santo: "O Coração augusto de Jesus é uma Fornalha de Amor que espalha seu
fogo e suas chamas por todos os lados, no Céu, na Terra e em todo o universo.
[...] Todas as criaturas existentes na Terra, mesmo as insensíveis, inanimadas
e irracionais, experimentam os incríveis efeitos da bondade deste magnífico
Coração".
E para fixar na
mente dos fiéis esta doutrina, ele compôs uma Missa e Ofício em honra ao
Sagrado Coração de Jesus, cujos textos atestam até hoje a unção, a piedade e a
pureza de doutrina de seu autor. Graças a São João Eudes, o Divino Coração foi
honrado oficialmente pela primeira vez na História da Igreja, o que lhe valeu o
título de "autor do culto litúrgico aos Sagrados Corações de Jesus e
Maria",10 outorgado por Leão XIII, e o de "pai, doutor e
apóstolo"11 deste mesmo culto, conferido por São Pio X ao beatificá-lo.
Quando as revelações a Santa Margarida Maria Alacoque ocorreram em
Paray-le-Monial, no ano de 1675, havia já um povo preparado para corresponder
ao seu apelo de amor.
O Coração de Jesus e Maria
A um passo tão
ousado, logo se seguiram duras reprovações por parte daqueles que não queriam
reconhecer neste culto o sopro do Espírito Santo. Sem titubear, o Santo lhes
deu uma réplica sagaz: "Se esta devoção é objetada pela novidade, eu
responderei que a novidade é muito perniciosa nas coisas da Fé, mas muito boa
nas coisas da piedade".
Convicto de que
esta nova devoção tinha sua origem num desígnio providencial, São João Eudes
mostrou, por argumentos teológicos, que o Coração de Jesus e o de Maria não têm
diferenças entre si, mas constituem, pela união existente entre ambos, um só e
mesmo Coração. "Jamais tivemos, no entanto, a intenção de separar duas
coisas que Deus uniu tão estreitamente, como são o Coração augustíssimo do
Filho de Deus e o de sua Bem-Aventurada Mãe: pelo contrário, nosso propósito
foi sempre, desde os primórdios de nossa congregação, de contemplar e honrar
estes dois amáveis Corações como um mesmo Coração, em unidade de espírito, de
sentimento e de afeição, como está manifestamente expresso na saudação que
fazemos todos os dias ao Divino Coração de Jesus e Maria, bem como na oração e
em várias partes do Ofício e da Missa que celebramos na festa do Sagrado
Coração de Maria Virgem".
Duas novas congregações para a Igreja
Seus 78 anos de
vida foram uma constante lição de perseverança, sem esmorecer na luta contra os
inimigos da Igreja ávidos de arrebatar as ovelhas do redil de Cristo; uma
doação de si até o último alento, pelo bem das almas. Sinal de ser esta entrega
uma oferenda grata a Deus foi a missão realizada na idade de 70 anos, na qual
gozou de energias sobre-humanas: "Deus
me deu tanta força nesta missão, que eu preguei quase todos os dias, durante
doze semanas, a uma enorme assembleia reunida na catedral, com o mesmo vigor
que possuía na idade de 30 anos. É por isto que tomei a resolução de empregar
neste trabalho o resto de minha vida".
O maior de todos
os embates foi sua saída do Oratório - ao qual estava ligado por laços de
profunda afeição -, a fim de fundar duas novas famílias religiosas para a Santa
Igreja: a Congregação de Jesus e Maria, em 1643, voltada à formação do clero e
a perpetuar as missões paroquiais; e o Refúgio de Nossa Senhora da Caridade (conhecidas como religiosas do Bom Pastor), em
1651, destinado a socorrer mulheres em situação de risco.
Deus lhe havia
reservado também esta coroa: estabelecer uma descendência espiritual empenhada
em glorificá-Lo segundo o carisma que norteou sua existência. Hoje, decorridos
mais de três séculos da morte de São João Eudes, seus filhos e filhas fazem ecoar,
através de meritórias obras de evangelização ao redor do mundo, um brado que
ele repetia a todo instante e que resume o ideal que animou este gigante da Fé:
"Viva Jesus e Maria!".
(Fonte: Revista Arautos do Evangelho, Agosto/2015. n.
164, pp. 18 a 21)
***************
Segundo texto biográfico
Fundador
de duas congregações religiosas e de seis seminários, foi grande pregador
popular, realizando mais de cem missões. Deixou escritas inúmeras obras
ascéticas e místicas.
São João Eudes
nasceu na pequena cidade de Ry (diocese de Séez, na Baixa-Normandia, França),
no dia 13 de novembro de 1601. Seu pai, Isaac, havia tentado a carreira
sacerdotal, mas fora obrigado a abandoná-la devido à morte de quase toda a
família, vítima da peste. Dedicou-se então à agricultura, exercendo também as
funções de médico rural. Rezava diariamente o breviário e rivalizava em virtude
com a esposa, Marta. O primogênito dos sete filhos que tiveram, João Eudes, foi
mais “fruto da oração que da natureza”. Por isso o ofereceram a Nossa Senhora
do Socorro, em ação de graças por seu nascimento, e nada negligenciaram em sua
educação religiosa e temporal.
O menino
correspondeu ao desvelo dos pais, e aos 14 anos fez o voto de perpétua
virgindade. Nessa época, foi enviado ao colégio dos padres jesuítas de Caen,
onde estudou com brilho humanidades, retórica e filosofia. Desde muito pequeno,
por inspiração do Divino Espírito Santo, João Eudes tinha profunda devoção aos
Corações de Jesus e Maria. Em 1618 entrou para a Congregação Mariana do
colégio, para incrementar ainda mais sua devoção a Nossa Senhora. Recebeu então
da Mãe de Deus inúmeras graças.
Em 1623,
desejando tornar-se sacerdote, entrou para a Sociedade do Oratório de Jesus, fundada
pouco antes pelo famoso Cardeal de Bérulle. O fundador concebeu por João Eudes
uma estima tal, que o fazia pregar em público antes mesmo de sua ordenação
sacerdotal.
Esta se deu em
1625. Apenas ordenado, foi cuidar de empestados. Passou depois para o Oratório
de Caen, tendo em vista preparar-se para sua carreira missionária.
Recolhimento forçado por dois anos
Desde os 22 anos
de idade, trabalhou incansavelmente no campo das missões populares. Pregador
nato, tornou-se famoso como missionário. Dizia-se que, desde São Vicente
Ferrer, a França não tivera um maior do que ele. Maravilhosamente bem dotado
para a eloqüência popular, entusiasmava as multidões e lograva copiosíssimos
frutos de penitência. Impugnava com vigor todos os vícios, cortava na raiz os
escândalos, e a todos pregava a verdade salvadora. A ardente caridade que
manifestava no confessionário atraía os penitentes, porque ele, ao fulminar os
vícios, sabia apiedar-se do pecador.
No ano de 1641,
São João Eudes cumpria 40 anos de idade. Foi então atacado subitamente por
grave enfermidade, que o levou a um repouso forçado, absoluto, durante dois
anos. A Providência Divina queria que ele se preparasse no recolhimento para
nova fase de sua vida, talvez a mais proveitosa: “Deus me deu estes dois anos
para empregá-los no retiro, para vagar na oração, na leitura de livros de
piedade e em outros exercícios espirituais, a fim de preparar-me melhor para as
missões”.
Ao recuperar a
saúde, lançou-se novamente à vida missionária com novo fruto. Entretanto,
afligia-se ao ver os resultados pouco duradouros das missões. Atribuía isso à
falta de pastores cultos e piedosos que continuassem a ação dos missionários,
mantendo aceso o fervor adquirido durante as missões. Para isso faltavam
seminários nos quais os seminaristas recebessem, a par das virtudes próprias de
seu sagrado estado, preparação para exercer os ofícios de seu ministério com
relação às missões.
Se não havia
seminários, por que não fundá-los? Muitos o aconselhavam nesse sentido. Mas,
devido às oposições, ele titubeava diante de tamanha responsabilidade.
Por outro lado,
nas missões ele havia convertido bom número de mulheres perdidas. Tocadas pela
graça, elas queriam expiar, numa existência consagrada, sua má vida. O
missionário reuniu-as numa casa que alugara. Mas era difícil dirigi-las sem
estarem ligadas por votos religiosos. O que fazer?
O encontro com Maria des Vallées
Foi então que,
em meados de 1643, quando pregava na cidade de Coutances, recebeu um dos
maiores favores de sua vida, como ele mesmo declara, ao encontrar-se com Maria
des Vallées, uma virgem favorecida por fama de santidade. Filha de pobres
agricultores, atraía os olhares de todos quando tratavam com ela das coisas da religião.
Inteligente, bela, recusou diversas propostas de casamento, pois escolhera a
Jesus Cristo por seu único Esposo. Ela havia se oferecido como vítima
expiatória pelos pecados do mundo.
Um de seus
pretendentes recorreu à bruxaria para fazê-la mudar de ideia, e lançou sobre a
jovem um malefício obtido de uma bruxa, que pouco depois morreria na fogueira.
Imediatamente Maria des Vallées foi possuída pelo demônio. O príncipe das
trevas teve assim poder sobre seu corpo, mas não podia penetrar em sua vontade.
Frades e bispos a exorcizaram sem sucesso.
Maria des
Vallées aceitou com docilidade o fato, submetendo-se resignadamente à vontade
de Deus. Assim, mesmo em meio às piores crises provocadas pelo pai da mentira,
ela não perdia sua admirável calma e fé invencível. Nos momentos em que o
demônio a deixava, ela rezava, trabalhava e fazia penitência pela conversão dos
pecadores.
Apesar das
crises e das tentações, ela passou por quase todos os fenômenos da vida
mística, inclusive o da troca de vontades com o supremo Senhor do Céu e da
Terra. Durante dois anos sofreu em espírito os suplícios do inferno, e durante
doze participou dos tormentos de Cristo.
Culto aos Sagrados Corações de Jesus e Maria
São João Eudes
ficou sumamente cativado pela virtude dessa mulher heroica. Escutava-a com
admiração e respeito, recebia seus conselhos com avidez, e os seguia
escrupulosamente. Durante 15 anos, Maria des Vallées oferecerá a ele preciosa
ajuda e poderoso apoio, tornando-se por vezes para o santo uma divina conselheira
e inspiradora.
Foi ela quem
incentivou São João Eudes a fundar uma ordem religiosa destinada à formação do
clero nos seminários, e uma congregação de religiosas cuja missão seria a
regeneração das mulheres arrependidas: “O projeto é sumamente agradável a Deus,
e foi o próprio Deus Quem o inspirou”, disse ela depois de muito rezar.
Assim
incentivado, São João Eudes desligou-se da Congregação do Oratório e dedicou-se
às novas fundações. Compôs um ofício em honra do Sagrado Coração de Maria, e
começou a propagar o culto aos Sagrados Corações. Note-se que sua pregação da
devoção ao Sagrado Coração de Jesus deu-se antes mesmo das revelações deste
Coração divino a Santa Margarida Maria Alacoque.
São João Eudes
consagra aos Sagrados Corações de Jesus e Maria as duas ordens religiosas
fundadas por ele
Assim nasceram as
Congregações de Jesus e Maria, ou dos Padres Eudistas, e a de Nossa Senhora da
Caridade do Refúgio, ou Irmãs do Bom Pastor. O Instituto dos Padres Eudistas
era secular, como o do Oratório, e tinha como fim principal a formação de
sacerdotes zelosos, por meio de seminários e exercícios espirituais. Só após
concluírem essa obra primordial, podiam seus membros pregar missões nas
paróquias.
São João Eudes
fundou também, para leigos que desejavam viver uma vida de perfeição, a
Sociedade do Coração da Mãe Mais Admirável, que se assemelha às Ordens
Terceiras de São Francisco e São Domingos, e dedicou as capelas de seus
seminários de Caen e Coutances aos Sagrados Corações. Neles estabeleceu
confrarias em honra desses Sagrados Corações.
Persuadido de
que não havia melhor modo de inspirar sólida piedade e de manter fervor durável
do que a devoção aos Sagrados Corações, pregava por toda parte essa dupla
devoção, que conhecia melhor do que ninguém. No fim das missões, ele
estabelecia uma confraria, a do Santíssimo Coração de Maria.
São João Eudes
fez celebrar a festa do Santíssimo Coração de Maria, pela primeira vez, em
1648. E mais tarde, em 1672, podia afirmar que essa comemoração se celebrava em
toda a França. Nesse mesmo ano ele ordenou que, em todas as casas do seu
Instituto, se celebrasse no dia 20 de outubro a festa do Sagrado Coração de
Jesus. O Ofício próprio e a Missa para essas solenidades foram compostos por
ele, antecipando-se a Santa Margarida Maria no culto ao Sagrado Coração de
Jesus. Com efeito, esta santa teve suas revelações sobre o Sagrado Coração de
Jesus em 1674, época na qual tal festa já se celebrava publicamente na família religiosa
do Pe. Eudes, com os ofícios aprovados pelos bispos locais. Por isso, o Papa
Leão XIII, ao proclamar em 1903 a heroicidade de suas virtudes, denominou-o
“Autor do Culto Litúrgico do Sagrado Coração de Jesus e do Santo Coração de
Maria”. São João Eudes pode ser considerado o doutor desses cultos, por ter
exposto seu fundamento teológico, apresentado as fórmulas precisas de sua
inovação, determinado seu sentido prático e litúrgico, obtendo assim a
aprovação da Hierarquia e os breves apostólicos destinados a propagar e
perpetuar essa devoção.
Perseguido por inimigos internos
São João Eudes
foi um inimigo declarado da heresia jansenista, essa espécie de protestantismo,
que levava as pessoas a se afastarem dos Sacramentos sob pretexto de indignidade.
Os adeptos dessa heresia foram os que mais combateram as devoções pregadas pelo
Santo. Se bem que não fosse partidário de disputas públicas e violentas,
refutava esses inimigos disfarçados da Igreja, apoiando-se na doutrina
tradicional católica e nas constituições pontifícias.
No ocaso de sua
vida, São João Eudes teve que suportar muitas e pesadas cruzes, como
enfermidades e lutos por amigos e benfeitores; murmurações e calúnias, não só
da parte dos jansenistas, mas também de pessoas consagradas a Deus, que o
acusavam de zelo indiscreto; manobras que visavam desacreditá-lo ante o Papa e
o rei da França; e também a publicação de um libelo difamatório. Tudo isso o
perseguiu até o túmulo. Já no ano de 1680, tinha ele renunciado ao cargo de
superior geral de sua congregação. Preparando-se com todos os tesouros
espirituais que a Igreja possui para a última hora, rendeu ele seu espírito no
dia 19 de agosto de 1680, aos 79 anos de idade.
(Fonte:
site Catolicismo, de Plínio Maria Solimeo)
Obras
utilizadas:
–
Les Petits Bollandistes, Vies des Saints, Bloud et Barral, Paris, 1882, tomo
XV, pp. 542 e ss.
–
Fr. Justo Perez de Urbel, O.S.B., Año Cristiano, Ediciones Fax, Madri, 1945,
tomo III, pp. 381 e ss.
–
Edelvives, El Santo de Cada Dia, Editorial Luis Vives, S.A., Saragoça, 1948,
tomo IV, pp. 503 e ss.
– Charles Lebrun, Saint John Eudes, The
Catholic Encyclopedia, tomo V, online edition, www.NewAdvent.org
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