Santa Zélia Guerín
(imagem em alta definição: excelente para downloads)
A partir da leitura da obra de Hélène Mongin: Luís e Zélia Martin, Os pais de Santa Teresinha.
Pintura retratando Santa Zélia com sua filha Santa Teresinha |
Por outro lado, Zélia é
educada junto às Irmãs da Adoração Perpétua, o que possivelmente contribuiu
para fortalecer a pessoa de Zélia, tendo em vista o relato da vida familiar e
suas consequências.
Santa Zélia e Santa Teresinha (pintura de Celina, também filha da Santa) |
Para além dos laços
terrenos, Zélia encontra em Deus o amparo diante do sofrimento desde cedo, o
que a impulsiona na capacidade de amar apesar de...
Importante dizer que a
família, apesar de católica e firme na fé, tinha influências do Jansenismo,
posteriormente condenado pela Igreja. O Jansenismo despreza a liberdade humana,
daí o rigorismo familiar.
Zélia tinha tendência a
ser angustiada, escrupulosa, sem autoconfiança, muito sensível e frágil. Para
compensar tais características, vemos nela uma busca profunda por Deus. Não que
essa busca pelo Absoluto seja apenas para se livrar do sofrimento, pois isso
não acontece... Ela vai descobrindo que o vazio da alma só pode ser preenchido
por Deus; e que esse vazio estaria presente mesmo que ela tivesse a infância e
vivência mais perfeitas quanto possível.
Zélia, Isidoro e Luísa Guerin, irmãos |
Porém, a superiora das
Filhas da Caridade é bem clara ao dizer que ali não era o lugar de Zélia.
Diante disso, pode-se imaginar a dor da pobre moça que ansiava ardentemente
entregar toda sua vida como esposa de Cristo.
A partir daí, começa o
verdadeiro extraordinário em sua vida aos nossos olhos. Como suas
características introvertidas e melancólicas nos fariam imaginar, Zélia não se
debruça sobre sua desilusão. Ela aprendeu algo importante no seio familiar: a
obediência; e em sua relação com Deus, essa obediência vai sendo aprimorada.
Não a obediência da opressão, mas a do amor. Dessa maneira, ela resolve aceitar
a postura da madre superiora e vai em busca de um trabalho; mais uma vez
presente o aspecto ativo de sua personalidade, aprimorado pela graça.
Certamente ela enfrenta esses passos decisivos de sua vida a partir da oração,
ou seja, da experiência íntima com Deus. Ouso dizer que nenhum passo foi dado
sem invocar a Virgem Maria.
Pintura do casal Martin e suas filhas |
Pode-se observar que é um
salto corajoso no firme termo da palavra... pois de uma pessoa medrosa,
sensível em demasia, sem autoconfiança, vemos uma tomada de decisão tenaz e sem
rodeios. Após a negativa do que acreditava ser sua vocação, não dá brechas para
o esmorecimento. Certamente encontra na graça de Deus o arrimo para esse
impulso. Considero admirável a postura dela de permitir que suas
características naturais ou constituídas durante sua história, sejam elevadas a
atitudes nobres e para além de sua inclinação de espírito ou psicológica, como
queira classificar.
Essa voz interior não era
um ente desconhecido ou alheio a seu cotidiano. Apesar de se tratar de uma
ocorrência de ordem sobrenatural, não é difícil saber que é uma voz que a
responde dentre tantas petições e entregas realizadas nas horas de diálogo com
o Senhor.
Representação do casal Martin e suas filhas monjas |
Zélia trabalha com sua
irmã; esta se sente atraída para a vida de clausura e, após alguns impasses,
entra para o Mosteiro da Visitação. Essa separação parte o coração de Zélia,
por se separar de sua querida irmã e por relembrar seu desejo de se consagrar a
Deus. Não pensemos que isso seja passado: a ferida da vida religiosa continua
doendo na alma de Zélia. É admirável observar que essa moça continua em frente
apesar da dor que carrega.
Talvez se não tivesse
conhecido e desejado o Senhor, Zélia teria estacionado num estado de
ostracismo... por outro lado poderia ter ficado nesse estado, fechada em si
mesma, nadando em suas dores, se tivesse buscado falsamente o Senhor,
escondendo meramente uma busca de si mesma. Mas por desejar e buscar
genuinamente a vontade de Deus, foi capaz de esculpir sua natureza para formar
uma família – ter um esposo e filhos, o que veremos agora.
É muito belo o primeiro
encontro, produzido menos pelo acaso que pela providência, de Zélia e Luís, seu
futuro esposo. Ocorreu numa ponte, quando um cruzou o caminho do outro e Zélia
ouve uma voz interior: “Foi ele que guardei para você”. Mais uma vez temos aqui
a ação sobrenatural da graça na vida de uma jovem que busca estar disponível
para ouvir a Deus, apesar de seus planos serem diferentes do que ali se
apresentava. Só depois a mãe de Luís apresentará um para o outro
“oficialmente”.
Representação iconográfica do santo casal Martin com todos os filhos: as filhas monjas e os filhos que nasceram para o céu ainda crianças. |
Rapidamente se casam, levados pelo discernimento, fruto da busca oracional. O lar respira Deus; ambos procuram viver da maneira mais agradável ao Senhor. Zélia por vezes sente ferir o coração quando lembra da vida religiosa; especialmente quando recém-casada passa por essa crise de estar “fadada” a estar no “mundo”. A partir desse recorte da vida matrimonial de Zélia, podemos ver que ela precisou encarar as limitações de seu temperamento mesmo após casar-se. A partir do amor pela vocação dada por Deus, pelo seu esposo e filhos, ela vai lapidando sua personalidade, com atitude, coragem e tamanho heroísmo, que chega a dizer posteriormente que não se arrependia em nada por haver se casado e que não seria tão feliz se sua vocação fosse outra. A meta do casal foi educar os filhos para o céu.
O mais bonito é ver que
esse aprimoramento de sua personalidade, ou seja, a lapidação de seu
temperamento, se dá no cotidiano, a partir de uma meta: agradar a Deus...
baseado na confiança em Deus e, de modo prático, na vivência do matrimônio, da
vida familiar.
Mas não imaginemos que
nossa personagem se tenha transformado do dia para a noite e se despojado
magicamente de suas características emocionais, fruto, em parte, de sua
história de vida. O Senhor permitiu a Zélia, assim como permite a todos nós, um
diálogo necessário (e às vezes uma luta) durante toda sua vida com seu próprio
temperamento. Ainda angustiada, insegura, o que era amparado por seu esposo,
que a consolava e dizia que não se atormentasse tanto. O Senhor foi-lhe tão
generoso que a uniu com um esposo compreensivo e acolhedor, que a ajudou a
passar pelas fases ou ciclos temperamentais que lhe acometiam a alma.
Zélia também era muito
afetuosa com seu esposo, mesmo após anos de casados, e era algo recíproco, o
que é visível nas cartas que trocavam quando um ou outro viajava. Seu esposo
Luís de tempos em tempos necessitava de solidão para alargar sua alma sedenta
de Deus, assim sendo, buscava passeios no campo, viagem, dentre outras
situações, e Zélia buscou compreender isso em seu marido, numa relação de
respeitosa liberdade.
Havia desacordo entre
ambos, como é natural em qualquer relação, porém buscavam logo o entendimento.
Observamos que buscavam ter uma vida ordenada: oração, Santa Missa diária
(mesmo quando doente, Zélia ia à Missa de 5h da manhã, antes de iniciar o trabalho
e aos domingos assistia quantas lhe fossem possíveis), educação das filhas,
trabalho, cuidado da casa, caridade, lazer, relacionamento com familiares e
amigos. Por meio do ordenamento das coisas exteriores, intui-se o ordenamento
do interior de Zélia e de sua família.
No trabalho, Zélia se
dedicava em demasia, expressão de seu lado ativo, talvez para suprir o lado
passivo que a “cutucava” constantemente. Tanto que seu esposo a aconselhava a
calma e a moderação.
“Suas cartas e os
testemunhos de suas filhas nos permitem descobrir a esposa que Zélia era:
alegre, vibrante, afetuosa e disponível a todos, confiante em seu marido e
bem-humorada, com um dom especial para rir de si mesma, o que contrasta de modo
surpreendente com sua autopercepção: angustiada, deprimida, distante da
santidade. O sentimento de angústia está muito presente ao longo de toda a sua
vida e ela confessa que isso às vezes constitui um verdadeiro suplício. Quando as
provações são muito pesadas, ela se deixa invadir por aquilo que chama de “ideias
sombrias”. Mas sempre e cada vez mais, sua fé e a presença tranquilizadora de
Luís a ajudam a superar esses sofrimentos. Zélia é uma mulher forte e santa não
porque não tenha medos nem fragilidades, mas porque, com eles, ela
generosamente se coloca à disposição dos outros, de Deus, numa confiança que se
aprofunda incessantemente. Sua grande sensibilidade a cobre de deliciosa
delicadeza. Além disso, é uma mulher ativa, trabalhando ininterruptamente para
sua família e sua empresa, sem conceder um tempo para si mesma. Sentindo em seu
interior a necessidade de se doar continuamente, ela responde a esse anseio com
tanta generosidade, que morrerá, por assim dizer, com a agulha nas mãos, sem
nunca ter tido o menor descanso.” (Hélène Mongin)
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