Santa Gertrudes, a Grande, Abadessa e Mística |
Hoje, trago ao blog Santos, Beatos, Veneráveis e Servos de
Deus, uma catequese de nosso amado Papa Emérito Bento XVI sobre uma grande
santa: Gertrudes de Helfta, abadessa e mística. Santa Gertrudes é autora de
vários livros (publicou cinco obras com belíssimas e profundas revelações
místicas , bem como suas reflexões a respeito da vida íntima com Deus e
santificação). Sua espiritualidade é muito voltada à devoção à Encarnação do
Verbo, à Eucaristia, à Sagrada Paixão de Cristo e ao Coração de Jesus. Séculos
antes de santa Margarida Maria Alacoque, santa Gertrudes já nos dá como que um
"prelúdio" do que seria na Igreja a devoção ao Sagrado Coração e sua
importância fundamental no tocante à santificação das almas e a salvação
eterna.
Santa Madre
Teresa de Jesus e são Francisco de Sales estimaram muito essa santa. Tiveram
por ela devoção especial e colaboraram pela divulgação de sua vida e obras.
Interessante notar que, infelizmente, apesar de ter sindo uma grande santa, no meio católico é uma "santa
desconhecida", visto que praticamente só é lembrada e venerada nos
mosteiros de espiritualidade beneditina (beneditinos, cistercienses, trapistas,
etc) e por pessoas que se interessam em estudar mais a fundo a vida, obras e
revelações dos grandes santos e santas místicos da Igreja.
Leiamos com
atenção as palavras de nosso amado Bento XVI, sempre muito sábias e, ao mesmo
tempo, de uma simplicidade que impressiona:
Catequese de
Bento XVI sobre Santa Gertrudes
Queridos irmãos e irmãs,
Santa Gertrudes, a Grande, sobre a qual desejo falar hoje,
leva-nos também nesta semana ao mosteiro de Helfta, onde surgiram algumas das
obras-primas da literatura religiosa feminina latino-alemã. A esse mundo
pertence Gertrudes, uma das místicas mais famosas, única mulher da Alemanha a
ter o apelativo de "Grande", devido à estatura cultural e evangélica:
com a sua vida e seu pensamento incidiu de modo singular sobre a
espiritualidade cristã. É uma mulher excepcional, dotada de particulares
talentos naturais e de extraordinários dons da graça, de profundíssima
humildade e ardente zelo pela salvação do próximo, de íntima comunhão com Deus
na contemplação e de prontidão para socorrer os necessitados.
Em Helfta, confronta-se, por assim dizer, sistematicamente
com a sua mestra Matilde de Hackeborn, da qual falei na Catequese da
quarta-feira passada; entra em contato com Matilde de Magdeburgo, outra mística
medieval; cresce sob o cuidado materno, doce e exigente, da Abadessa Gertrudes.
Dessas três coirmãs surgem tesouros de experiência e sabedoria; processa-os em
uma síntese própria, percorrendo o seu itinerário religioso com ilimitada
confiança no Senhor. Expressa a riqueza da espiritualidade não somente do seu
mundo monástico, mas também e sobretudo daquele bíblico, litúrgico, patrístico
e beneditino, com um sinal personalíssimo e com grande eficácia comunicativa.
Nasce em 6 de janeiro de 1256, festa da Epifania, mas não se
sabe nada nem sobre seus pais nem sobre o lugar de nascimento. Gertrudes
escreve que o próprio Senhor revela-lhe o sentido desse seu primeiro
desenraizamento. "Escolhi-a para minha morada porque me comprazo que tudo
que há de amável em ti é obra minha [...]. Exatamente por essa razão eu a
distanciei de todos os seus parentes, para que nenhum a amasse por razão de
consanguinidade e eu fosse o único motivo de afeto que levasse consigo"
(Le Rivelazioni, I, 16, Siena 1994, p. 76-77).
Na idade de cinco anos, em 1261, entra no mosteiro, como era
comum naquela época, para a formação e o estudo. Aqui transcorre toda a sua
existência, da qual ela mesma assinala as fases mais significativas. Nas suas
memórias, recorda que o Senhor a protegeu com longânime paciência e infinita
misericórdia, esquecendo os anos da infância, adolescência e juventude,
transcorridos – escreve – "em tal cegueira de mente que eu teria sido
capaz [...] de pensar, dizer ou fazer sem nenhum remorso tudo aquilo que me
fosse aprazível e em qualquer lugar tivesse podido, se tu não me tivesses
prevenido, seja com um inerente horror do mal e uma natural inclinação para o
bem, seja com a vigilância externa dos outros. Teria me comportado como uma
pagã [...] e isso graças por tendo tu desejado que desde a infância, a partir
do meu quinto ano de idade, habitasse no santuário bendito da religião para ser
educada entre os teus amigos mais devotos" (Ibid., II, 23, p. 140s).
Gertrudes é uma estudante extraordinária, aprende tudo o que
se pode aprender das ciências do Trivio e Quadrivio, a formação daquele tempo;
é fascinada pelo saber e se dedica ao estudo secular com ardor e tenacidade,
conseguindo sucessos escolares para além de toda a expectativa. Se nada sabemos
sobre as suas origens, muito ela nos diz sobre suas paixões juvenis:
literatura, música e canto, arte da miniatura a capturam; tem um caráter forte,
decidido, imediato, impulsivo; muitas vezes afirma ser negligente; reconhece os
seus defeitos, dos quais pede humildemente perdão. Com humildade, pede conselho
e orações pela sua conversão. São traços do seu temperamento e defeitos que a
acompanharam até o fim, a ponto de surpreender algumas pessoas que se
perguntavam por que o Senhor a preferia tanto.
Santa Gertrudes: a primeira divulgadora da devoção ao
Sagrado Coração, que, séculos depois se consolidaria
com Santa Margarida Maria Alacoque e
São Cláudio de La Colombiére.
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De estudante, passa a consagrar-se totalmente a Deus na vida
monástica e, por vinte anos, não acontece nada de excepcional: o estudo e a
oração são a sua atividade principal. Devido aos seus dons, destaca-se entre as
coirmãs; é tenaz no consolidar a sua cultura em variados campos. Mas, durante o
Tempo do Advento de 1280, começa a sentir desgosto em tudo isso, sente vaidade
e, em 27 de janeiro de 1281, poucos dias antes da festa da Purificação da
Virgem, rumo à Hora das Completas, à noite, o Senhor ilumina as suas densas
trevas. Com suavidade e doçura, acalma a preocupação que a angustia,
preocupação que Gertrudes vê como um dom próprio de Deus "para abater
aquela torre de vaidade, ai de mim, mesmo tendo o nome e hábito de religiosa,
que eu estava elevando com a minha soberba, onde ao menos encontrastes a via para
mostrar-me a tua salvação" (Ibid., II,1, p. 87). Tem a visão de um rapaz
que a guia a superar o emaranhado de espinhos que oprime a sua alma, tomando-a
pela mão. Naquela mão, Gertrudes reconhece "o traço precioso daquelas
feridas que revogaram todos os atos de acusação de nossos inimigos"
(Ibid., II,1, p. 89), reconhece Aquele que, sobre a Cruz, salvou-nos com o seu
sangue, Jesus.
Santa Gertrudes: modelo de vida monástica.
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Santa Gertrudes: modelo de vida monástica.
A partir daquele momento, a sua vida de comunhão íntima com
o Senhor intensifica-se, sobretudo nos tempos litúrgicos mais significativos –
Advento-Natal, Quaresma-Páscoa, festas da Virgem – também quando, doente, era
impedida de unir-se ao coro. É o mesmo húmus litúrgico de Matilde, sua mestra,
que Gertrudes, no entanto, descreve com imagens, símbolos e termos mais simples
e lineares, mais realistas, com referências mais diretas à Bíblia, aos Padres,
ao mundo beneditino.
A sua biografia indica duas direções daquele que poderíamos
definir como a sua particular "conversão": nos estudos, com a passagem
radical dos estudos humanísticos seculares para aqueles teológicos, e na
observância monástica, com a passagem da vida que ela define negligente à vida
de oração intensa, mística, com um excepcional ardor missionário. O Senhor, que
a tinha escolhido desde o seio materno e desde pequena a tinha feito participar
do banquete da vida monástica, a chama com a sua graça "das coisas
externas à vida interior e das ocupações terrenas ao amor das coisas
espirituais". Gertrudes compreende ter estado longe d'Ele, em razão da
dessemelhança, como ela diz com Santo Agostinho; ter se dedicado com muita
avidez aos estudos livres, à sabedoria humana, descuidando das ciências
espirituais, privando-se do gosto da verdadeira sabedoria; então é conduzida ao
monte da contemplação, onde deixa o homem velho para revestir-se do novo.
"Da gramática torna-se teóloga, com a inquebrantável e atenta leitura de
todos os livros sagrados que podia ter ou procurar, preenchendo o seu coração
das mais úteis e doces sentenças da Sagrada Escritura. Tinha, por isso, sempre
pronta alguma palavra inspirada e de edificação com a qual satisfazer aqueles
que vinham consultá-la, e reúne os textos bíblicos mais adequados para refutar
qualquer opinião errada e silenciar seus opositores" (Ibid., I,1, p. 25).
Gertrudes transforma tudo isso em apostolado: dedica-se a
escrever e divulgar a verdade de fé com clareza e simplicidade, graça e
persuasão, servindo com amor e fidelidade à Igreja, a ponto de ser útil e
apreciada por teólogos e pessoas piedosas. Dessa sua intensa atividade
restaram-nos poucos registros, também devido aos acontecimentos que levaram à
destruição do mosteiro de Helfta. Além de Arauto do divino amor ou As
revelações, restam-nos os Exercícios Espirituais, uma joia rara da literatura mística
espiritual.
Na observância religiosa, a nossa Santa é "uma coluna
forte [...], firmíssima defensora da justiça e da verdade" (Ibid., I, 1,
p. 26), diz a sua biografia. Com as palavras e o exemplo, suscita nos outros
grande fervor. Às orações e às penitências da regra monástica acrescenta outras
com ainda maior devoção e abandono confiante em Deus, a ponto de suscitar em
quem a encontra a consciência de estarem na presença do Senhor. E, de fato,
Deus mesmo a faz compreender tê-la chamado a ser instrumento da sua graça. Desse
imenso tesouro divino, Gertrudes sente-se indigna, confessa não tê-lo protegido
e valorizado. Exclama: "Ai de mim! Se Tu me tivesses dado para tua
recordação, indigna como sou, ainda que um fio somente de estopa, teria que
guardá-lo com maior respeito e reverência que o que tive por esses teus
dons!" (Ibid., II,5, p. 100). Mas, reconhecendo a sua pobreza e a sua
indignidade, adere à vontade de Deus, "porque – afirma – tão pouco
aproveitei das tuas graças que não posso vir a acreditar que tenham sido agraciadas
para mim somente, não podendo a tua eterna sabedoria ser frustrada por alguém.
Foi, pois, o Doador de todo o bem que me ofereceu gratuitamente dons tão
imerecidos, para que, lendo este escrito, o coração de pelo menos um de seus
amigos seja comovido pelo pensamento de que o zelo das almas levou a deixar por
tanto tempo uma joia de valor tão inestimável em meio à lama abominável do meu
coração" (Ibid., II,5, p. 100s).
Santa Gertrudes tinha imensa devoção pelo
Mistério da Encarnação do Verbo,
isto é, pela Humanidade de Cristo.
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Em particular, dois favores lhe são caros mais que qualquer
outro, como a própria Gertrudes escreve: "Os estigmas das tuas salutares
chagas que me imprimistes, quase preciosas joias, no coração, e a profunda e
salutar ferida de amor com que o assinalastes. Tu me inundastes com esses Teus
dons de tamanha felicidade que, ainda que eu tivesse que viver milhares de anos
sem qualquer consolação interna ou externa, a sua recordação seria suficiente
para confortar-me, iluminar-me, encher-me de gratidão. Desejastes ainda
introduzir-me na inestimável intimidade da tua amizade, abrindo-me de diversos
modos aquele sacrário nobilíssimo da tua Divindade que é o teu Coração divino
[...]. A esse acúmulo de benefícios, somastes aquele de dar-me por Advogada a
santíssima Virgem Maria, Mãe Tua, e de ter-me frequentemente recomendado ao seu
afeto como o mais fiel dos esposos poderia recomendar à sua mãe a sua esposa
dileta" (Ibid., II, 23, p. 145).
Voltada para a comunhão sem fim, conclui a sua existência
terrena em 17 de novembro de 1301 ou 1302, à idade de cerca de 45 anos. No
sétimo Exercício, aquele da preparação à morte, Santa Gertrudes escreve:
"Ó Jesus, tu que me és imensamente querido, estejas sempre comigo, para
que o meu coração permaneça contigo e o teu amor persevere comigo sem divisão e
o meu trânsito seja abençoado por ti, de tal forma que o meu espírito,
desprendido dos laços da carne, possa imediatamente encontrar repouso em ti.
Amém" (Exercícios, Milano 2006, p. 148).
Parece-me óbvio que essas não são coisas do passado,
históricas, mas a existência de Santa Gertrudes permanece uma escola de vida
cristã, de caminho justo, e mostra-nos que o centro de uma vida feliz, de uma
vida verdadeira, é a amizade com Jesus, o Senhor. E essa amizade aprende-se no
amor pela Sagrada Escritura, no amor pela liturgia, na fé profunda, no amor por
Maria, de modo a conhecer sempre mais realmente o próprio Deus e, assim, a
verdadeira felicidade, a meta da nossa vida. Obrigado.
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