A Providência serviu-se do extraordinário espírito
de penitência de um pecador para fazer germinar prodigiosa obra de amparo aos
pobres, órfãos e doentes, bem como recuperação de mulheres de má vida.
Para opor-se às
nefastas influências do Renascimento e do protestantismo no século XVI, a
Providência suscitou uma plêiade de grandes Santos que agiram nos mais variados
campos da atividade humana. Um deles foi São Jerônimo Emiliani, do patriciado
de Veneza, senador da República, militar brilhante e valoroso, que tudo deixou
para amparar e dar formação cristã aos órfãos das inúmeras guerras e pestes do
tempo. Sua festa comemora-se a 08 de fevereiro.
Oriundo de uma família nobre que havia já dado
ilustres membros à Igreja, ao Senado e às armas da Sereníssima República de
Veneza, Jerônimo nasceu naquela cidade marítima em 1481. Seu pai, senador,
tinha pouco tempo para dedicar à sua educação, que foi entregue à sua mãe.
Piedosa e meiga, Dona Eleonora soube incutir no coração do menino profundas
sementes de Religião, que mais tarde dariam fruto.
Mas, foi o nobre
amor às armas, herdado de seus antepassados, que teve a preferência do pequeno
Jerônimo, de tal sorte que já aos 15 anos, pouco depois de perder o pai, ele se
alistava no exército da República veneziana.
Participando de
várias batalhas, foi sempre notado por seu valor e brio militar. Mas,
infelizmente, sofreu a má influência da vida licenciosa, já então comum em
quartéis e acampamentos. Más amizades ajudaram-no a deslizar insensivelmente pela
rampa do vício, e Jerônimo entregou-se a muitos excessos. Um deles era o da
ira, que chegava facilmente a verdadeiro furor. Se ele não caiu mais baixo, foi
porque, aspirando aos mais altos cargos em Veneza, necessitava ter uma conduta
honrosa.
O contínuo apelo
às armas não lhe permitiu formar um lar. Ou melhor, Deus não o permitiu, porque
tinha desígnios sobre ele.
No cárcere, ouve a voz de Deus
Contava Jerônimo
28 anos quando, em 1508, os venezianos levantaram-se em armas contra a Liga de
Cambray, formada pelo Papa e pelos Reis Luís XII da França, Maximiliano da
Alemanha e Fernando o Católico, da Espanha. A ele foi confiada a difícil defesa
de Castelnuovo. Vendo a desproporção entre os dois exércitos, o governador da
cidade fugiu, deixando-o com todo o ônus da defesa. Jerônimo negou-se a
render-se, e lutou até que a praça fosse arrasada.
Em seguida,
segundo o costume do tempo, ele foi preso numa torre, carregado de correntes no
pescoço, braços e pés. O pior, porém, era a perspectiva da morte e o lento
passar do tempo.
Nas
intermináveis horas em que jazia no cárcere, a graça foi produzindo seus frutos
em sua alma, e ele começou a lembrar-se dos ensinamentos de piedade e virtude
recebidos em criança, e do bom exemplo dos irmãos e da mãe. Considerou a vida
desordenada que levava, tão afastado de Deus, e acabou por julgar que era um
merecido castigo aquele que lhe fora infligido. Pediu a Deus, pela intercessão
de Nossa Senhora de Treviso, que o aceitasse como expiação e lhe desse uma
oportunidade de reparar condignamente a vida passada.
Auxiliado por Nossa Senhora, foge da prisão
Apareceu-lhe
então Nossa Senhora, que lhe deu as chaves de suas correntes e do calabouço.
Auxiliou-o a sair da prisão sem ser visto e a atravessar o campo inimigo, para
chegar a Treviso. Lá, no altar da Virgem, Jerônimo depôs as correntes e as
chaves que lhe tinham sido milagrosamente entregues. Quis que esse ato fosse
registrado por um notário público, e depois pintado por um dos famosos pintores
de Veneza.
Começou para
Jerônimo Emiliani uma guerra muito mais árdua e sem quartel do que todas as
outras: a luta contra seus próprios defeitos. Em busca de auxílio, procurou um
piedoso sacerdote como diretor espiritual e recorreu com frequência aos
Sacramentos. Prostrava-se diante de um Crucifixo e suplicava: “Ó Jesus, não sejais um Juiz para mim, sede
antes o meu Salvador”. Ou, como Santo Agostinho: “Senhor, sede para mim verdadeiramente Jesus! Vós só podeis ser meu
Salvador”.
Aos poucos foi
controlando suas paixões, sobretudo a ira, pelo exercício da docilidade e
paciência. Adquiriu assim a verdadeira humildade e mansidão de coração,
tornando-se o homem mais afável e pacífico de Veneza.
O Senado da
Rainha do Adriático – como era conhecida Veneza – para recompensá-lo por seu
valor na defesa de Castelnuovo, nomeou-o governador dessa cidade. Mas ele teve
pouco tempo para exercer esse cargo, pois necessitou tomar sobre si a tutela
dos sobrinhos, que o repentino falecimento de seu irmão deixara órfãos.
Tendo-lhes assegurado uma boa educação e um rendimento de acordo com sua alta
categoria, ele ficou livre para cumprir então o que havia prometido.
Jerônimo
Emiliani já não era o mesmo. Renunciara a todos os cargos e comodidades da
vida, mesmo as mais legítimas, às belas roupas, e afligia seu corpo com jejuns
e penitências extraordinários, passando longas horas em oração e empregando o
tempo livre em socorrer os pobres e doentes.
Em 1528 uma
grande carestia assolou a Itália, com fome geral. Todos os dias a morte ceifava
inúmeras vítimas. Para socorrê-las, Emiliani vendeu até seus próprios móveis,
transformando sua casa em hospital.
À fome sucedeu
uma moléstia contagiosa, que fez muito mais vítimas. Jerônimo foi atingido tão
fortemente, que chegou a receber os últimos Sacramentos. Mas pediu a Deus saúde
para poder, por uma penitência mais longa, reparar a vida passada. Foi ouvido,
e redobrou de zelo no amor a Deus e ao próximo.
Orfanato: obra precursora de uma família religiosa
A fome e a peste
haviam deixado grande número de órfãos, que vagavam pelas ruas reduzidos à
mendicidade e exposto aos piores vícios. O Santo começou a recolhê-los em uma
casa que comprara para isso; procurou mestres para ensinar-lhes alguns ofícios,
e proveu, sobretudo, à saúde de suas almas. Fazia com eles as orações da manhã
e da noite. Levava-os a assistir à Missa diariamente e a alternar o trabalho
manual com momentos de silêncio, o cântico de ladainhas e outras orações.
Fazia-os confessarem-se uma vez por mês, e nos dias de festa levava-os, todos
vestidos de branco, a visitar os principais santuários de Veneza, cantando
ladainhas pelas ruas e praças. Toda a cidade via emocionada aquele que fora um
cavaleiro tão brilhante, agora transformado no pai dos órfãos.
A caridade de
Jerônimo Emiliani não se circunscreveu a Veneza, mas logo atingiu também
Bérgamo, Bréscia, Como e Somasca. Já nesse tempo havia recebido a ordenação
sacerdotal, e a ele tinham se reunido mais dois santos sacerdotes, que, a seu
exemplo, distribuíram aos pobres tudo o que possuíam, para abraçar a pobreza
voluntária.
Congregação e depois Ordem de amparo à pobreza
Jerônimo pensou
logo em fundar uma Congregação regular para dar mais estabilidade à sua obra.
Escolheu para isso Somasca, entre Milão e Bérgamo, para estabelecer a casa-mãe
e o seminário. Daí veio o nome pelo qual ficaram conhecidos, Clérigos Regulares
de Somasca ou “padres somascos”. O Santo escreveu os primeiros regulamentos
para essa Congregação, a base dos quais era a santa pobreza, que deveria
manifestar-se em todas as coisas, desde o hábito até o mobiliário da casa. Os
alimentos mais requintados foram abolidos de sua mesa, devendo eles
contentar-se com a comida comum dos camponeses. Durante as refeições haveria
leitura espiritual. Observariam o silêncio e as mortificações da regra.
Empregariam parte da noite em oração, e durante o dia, se não estivessem
atendendo os órfãos ou os doentes, deveriam entreter-se com algum trabalho
manual. A finalidade principal dos Clérigos Regulares era a instrução das
crianças e de jovens eclesiásticos.
Em Bérgamo, o
Santo procurou também reconduzir para o bom caminho mulheres perdidas, que ele
havia convertido. Obteve que fossem fechadas as casas que serviam para sua
libertinagem. Aumentando o número das arrependidas, reuniu-as em uma casa
especial, com uma regra de vida, para que perseverassem nos bons propósitos.
Um Papa e um Santo defendem Jerônimo Emiliani
Sua Congregação
foi aprovada como Ordem religiosa pelo Papa Paulo III, grande amigo de
Jerônimo. Esse Pontífice, juntamente com São Caetano de Thienne (fundador dos
Teatinos), era um de seus mais ardorosos defensores e benfeitores.
Vendo o bem que
o Santo fazia, o Senado de Veneza ofereceu-lhe a direção do hospital dos
incuráveis, que Jerônimo aceitou pela oportunidade que tinha de dar assistência
a muitos doentes terminais. Quando via-se sem recursos materiais para acudir a
tantas iniciativas, escolhia quatro de seus orfãozinhos com menos de oito anos de
idade, portanto mais inocentes, para fazer ao Céu violência com suas orações.
Entrementes, a
fama de santidade de Jerônimo atraía-lhe muitos doadores e novos membros para
sua Congregação.
Morte: último ato de caridade numa epidemia
Embora contasse
pouco mais de 55 anos, Jerônimo teve certa premonição de que seu fim estava
próximo. Procurou então consolidar sua obra, visitando todas as casas da Ordem.
Ia sempre a pé e não tomava outro alimento senão pão e água.
Uma terrível
peste afligiu Bérgamo, fazendo inúmeras vítimas. Para lá acorreu Jerônimo
Emiliani com o mesmo ardor de sempre. Contraiu também a peste e viu que seus
dias estavam contados. Alegre, repetia com São Paulo: “Quero a morte, para viver com Cristo”. Reuniu seus discípulos para
os últimos conselhos. Os benditos nomes de Jesus e de Maria não lhe saíam dos
lábios.
Enfim, no dia 8
de fevereiro de 1537, tendo recebido os últimos Sacramentos, entregou sua alma
a Deus, na idade de 56 anos.
Pio XI o
proclamou patrono universal dos meninos órfãos e abandonados.
(fonte:
blog “Catolicismo”, por Plinio Maria Solimeo)
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