Santa Teresinha, já muito doente, em seu leito, tinha por cima da cabeceira da cama um santinho com a estampa do mártir a quem tanto queria bem. Sentia-se intimamente ligada a ele, pois admirava-lhe a alma angelical e o puro amor que tinha por Deus.
Em suas preces, conversava familiarmente com esse seu "irmão do Céu", confiava-lhe os anseios, pedia-lhe a intercessão e forças para suportar a tão dura prova à qual estava sendo submetida pela bondade divina.
Vamos conhecer um pouco esse santo mártir que partiu do Seminário de Paris, que formava padres para as Missões Estrangeiras, para evangelizar a China.
Alegre
pela ordenação presbiteral
“Deus estava no
meio de nós, e com cada um de nós”, dizia o recém-ordenado padre Teófano em
carta que enviou a seu pai e aos irmãos Melânia e Henrique após celebrar sua
primeira Missa na festa da Santíssima Trindade, em 6 de junho de 1852. “Amanhã pela manhã irei, com meus colegas,
os novos padres, consagrar o sacerdócio a Nossa Senhora das Vitórias e a Ela
agradecer por ter-me levado à ordenação”, acrescentou. Mesmo fazendo parte
de uma família muito unida, nenhum parente de Teófano pôde comparecer à sua
ordenação presbiteral, o que prefigurava, de certa forma, a separação que faz
parte da vida de todo missionário. “Pensei
em vocês, o que farei sempre que oferecer o Santo Sacrifício”, escreveu
alegre ao mesmo tempo em que lhes enviava a bênção.
O
martírio de um conterrâneo lhe causa uma santa inveja
João
Teófano nasceu em 21 de novembro de 1829 em Saint-Loup-sur-Thouet, na diocese
de Poitiers, na França. Era o segundo entre quatro irmãos (Melânia, Teófano,
Henrique e Eusébio). Contava ele nove anos quando lhe chegou às mãos um livreto
no qual era relatada a vida e morte de São João Carlos Cornay, missionário
martirizado pouco antes em Tonkin (região na qual se localiza a cidade de
Hanói, e que se estendia por áreas geográficas que na atualidade pertencem à
China, ao Laos, e ao Vietnam). O mártir, nascido também na França em uma
localidade situada a trinta quilômetros de Saint-Loup (também diocese de
Poitiers), tivera seu corpo cortado em pedaços, e sua história fez o pequeno
Teófano entusiasmar-se com a leitura: “também
quero ir para Tonkin; também quero ser mártir”, almejava.
Decide-se
pela vida sacerdotal
Abrindo
a alma ao seu pai, cristão exemplar, Teófano manifestou seu desejo de tornar-se
padre, e iniciou seus estudos em Doué, cinquenta quilômetros ao norte de onde
sua família residia. Durante os estudos perdeu sua mãe, cuja morte deu-se em
1843. Sua irmã mais velha, Melânia, ocuparia o lugar da falecida mãe para
receber os afetos de Teófano, inexistindo segredos entre ambos, porém a influência
mais profunda no grupo familiar era exercida pelo pai, o que emana do eloquente
epistolário que sobreviveu ao martírio do santo sacerdote.
Entra
nas Missões Estrangeiras
Já
próximo ao fim dos estudos necessários à ordenação presbiteral, Teófano migrou
para as Missões Estrangeiras de Paris, de onde partiam missionários para a
Índia e para o Extremo Oriente. Corria o ano de 1851 quando o jovem clérigo
pediu ao pai permissão para se tornar missionário: apesar da dor, o
temperamento cristão do Sr. Vénard o fez conformar-se com a vontade de Deus.
Teófano partiu, juntamente com outros missionários, tendo ao fim da Missa de
despedida os pés beijados pelo superior e pelas demais pessoas presentes,
ocasião solene em que os futuros mártires eram venerados por antecipação (já
que o esperado para todos era o martírio, sendo excepcional a morte por causas
orgânicas/naturais nas terras de missão).
Atua
clandestinamente como sacerdote missionário em Tonkin
Destinado
inicialmente à China, Teófano foi depois direcionado ao desejado Tonkin,
exercendo por alguns anos o seu ministério clandestinamente sob as ordens de
Mons. Retord, vigário apostólico. Porém a perseguição religiosa se
intensificava, e os seminaristas locais tiveram de se dispersar, mas apesar das
dificuldades Teófano dava apoio ao ensino religioso, ministrava os sacramentos
do Batismo, Eucaristia, Reconciliação, Matrimônio e Unção dos Enfermos, além da
Confirmação para o que recebera delegação do vigário apostólico, o qual não
tinha condições de atender pessoalmente a todo o rebanho que lhe fora confiado.
Diversas vezes Teófano teve de se ocultar, chegando a ficar escondido em um
minúsculo compartimento sob uma casa, evitando qualquer mínimo ruído para não
ser encontrado. Mas uma traição fez findar sua “liberdade”, palavra
inapropriada para se referir às condições em que perigosa mas voluntariamente
exercia sua ação missionária.
Informa
sua prisão à família
Em
dezembro de 1860 comunicou sua prisão à família: “O bom Deus, em sua misericórdia, permitiu que eu caísse nas mãos dos
maus. Foi no dia de Santo André
[30 de novembro] que fui posto em uma
jaula [gaiola feita de bambu] que foi
levada à subprefeitura, onde traço essas linhas com muita dificuldade, pois
tenho apenas um pincel para escrever. Amanhã, 04 de dezembro, serei levado à
prefeitura; ignoro o que me está reservado. Mas nada temo: a graça do Altíssimo
está comigo. Maria Imaculada não deixará de proteger seu mísero servidor”.
Em
02 de janeiro seguinte escrevia Teófano, também aos familiares: “Escrevo-lhes no início deste ano que será,
sem dúvida, o último de minha peregrinação pela Terra. Já lhes escrevi um
bilhetinho pelo qual lhes fiz saber de minha prisão em 30 de novembro, dia de
Santo André, em uma aldeia cristã. O bom Deus permitiu que eu fosse traído por
um mau cristão”. Sobre a cadeia que lhe atou o pescoço e as pernas, disse
Teófano que “eu a beijei, bela cadeia de
ferro, verdadeira corrente de escravidão a Jesus e Maria, que eu não trocaria
por seu peso em ouro”.
Interrogado
por um juiz
Na
mesma carta o futuro mártir descreve seu interrogatório no tribunal de justiça
criminal, para o qual invocou o Espírito Santo a fim de fortificá-lo e para
falar por sua boca conforme prometera Jesus. Após servir uma taça de chá, o
juiz perguntou de onde ele era, tendo por resposta “do grande Ocidente, do
reino chamado França”.
- Que vieste fazer aqui
em Anam [nome da região, atual Vietnam]?
- Vim unicamente para
pregar a verdadeira religião àqueles que não a conhecem.
- Que idade tens?
- Trinta e um anos.
O juiz comentou, com um
toque de pena: ‘é ainda bem jovem’, e em seguida indagou:
- Quem te enviou
- Nem o rei nem os
mandarins da França me enviaram. Foi meu chefe que me disse para pregar aos
pagãos, e meus superiores na religião que me destinaram o reino anamita como
distrito.
Com
inspiradas palavras despede-se dos familiares
Nessa
carta de 2 de janeiro Teófano despede-se dos familiares, mas o faz novamente em
nova correspondência datada de 20 de janeiro endereçada ao pai: “Caríssimo, honradíssimo e bem amado pai;
como minha sentença ainda está em espera, quero lhe enviar um novo adeus, que
será provavelmente o último”. E acrescenta que “desde o grande mandarim até o último soldado, todos lamentam que a lei
do reino me condene à morte”. Informa que “não pude sofrer torturas, como muitos de meus irmãos. Um rápido golpe
de sabre separará minha cabeça, como uma flor primaveril que o dono do jardim
recolhe para seu prazer. Somos todos flores plantadas nesta terra que Deus
colhe no tempo apropriado, por vezes mais cedo, outras vezes mais tarde. Uma é
a rosa avermelhada, outra o lírio virginal e outra é a humilde violeta. Tratemos de agradar, conforme o perfume ou o
aspecto que nos foram dados, ao soberano Senhor e Mestre”.
Na
mesma data escreve ele à sua irmã Melânia: “Já
é quase meia noite. Perto de minha jaula há lanças e longos sabres, e em um
canto da sala alguns soldados jogam dados. De tempo em tempo sentinelas batem
um tambor. A dois metros de mim, uma lâmpada [de óleo] projeta sua luz vacilante sobre minha folha de papel chinês e me
permite traçar estas linhas. Espero dia a dia minha sentença. Talvez amanhã eu
seja conduzido à morte. Feliz morte, não é? Morte desejada, que conduz à vida.
Segundo todas as probabilidades terei a cabeça cortada: desonra gloriosa da qual o céu será o prêmio. A essa notícia, cara
irmã, chorarás, mas de felicidade. Veja então teu irmão, com a auréola dos
mártires coroando-lhe a cabeça, a palma dos que triunfam levantada nas mãos!
Mais um pouco e minha alma deixará a Terra, findará seu exílio, terminará seu
combate. Subo ao céu, alcançando a pátria, ganharei a vitória. Entrarei nessa
residência dos eleitos, vendo as belezas que o olho do homem nunca viu, ouvindo
as harmonias que o ouvido nunca escutou, desfrutando das delícias que o coração
jamais provou”.
A
um irmão, escreveu Teófano no mesmo dia: “Caro
Eusébio, amei e ainda amo esse povo anamita [vietnamita] com um amor ardente. Se Deus me tivesse dado
longos anos, creio que eu me consagraria inteiramente, corpo e alma, à
edificação da Igreja tonquinense [de Tonkin]. Se minha saúde, fraca como uma palha, não me permitiu grandes obras,
tenho pelo menos o coração nesse trabalho. Dizemos: ‘o homem propõe e Deus dispõe’.
A vida e a morte estão em Suas mãos; se Ele nos dá a vida, vivamos para Ele; se
nos dá a morte, morramos para Ele”.
E ao outro irmão, Henrique, também na mesma data (20 de janeiro de 1861)
dirigiu Teófano edificantes conselhos: “Eras
ainda bem jovem quando me destes o adeus. Talvez teu espírito tenha seguido as
coisas da época e idéias mundanas, e buscado, com falsos amigos, a felicidade
onde ela não existe. O coração do homem é grande demais para que as falsas e
passageiras alegrias daqui de baixo o satisfaçam. Meu caro Henrique, não uses a
tua vida nas inutilidades do mundo. Tu tens agora vinte e nove anos. É a idade
do homem. Sê, portanto, um homem. Resistir às inclinações da carne e à
escravidão do espírito, mantendo-se atento contra as ciladas do demônio e os
prestígios do mundo, observando os preceitos da religião: eis o que é ser um
homem. Não agir assim é ser um animal”.
Últimos
momentos de vida
Preso,
aguardando o martírio, recebeu diversas vezes a Eucaristia, que lhe era levada
por uma piedosa cristã. A sentença de morte foi pronunciada pelo imperador
Tu-Duc, tendo a decapitação sido feita no alvorecer de 02 de fevereiro de 1861,
dia de uma festividade mariana. Precedendo a execução, foi lido o documento
condenatório, e Teófano pôde fazer algumas considerações, afirmando que ele não
estava ali pregando uma religião falsa. Pessoas presentes pediram-lhe que não
voltasse após a morte para se vingar sobre elas, pedido que ele gentilmente
aceitou, tranquilizando-as.
Chegando
o momento final, mais um sofrimento foi imposto a Teófano: o carrasco,
desastrado, não desferiu o golpe com habilidade, tendo que repeti-lo mais
quatro vezes. A cabeça, exposta por três dias, foi lançada ao rio, sendo depois
encontrada.
Contam testemunhas que sua cabeça durante os
três dias nos quais foi colocada à mostra fincada em um espeto, além de não
apresentar o menor sinal de decomposição, à aproximação de curiosos, abria e
fechava os olhos, olhava para seus observadores e às vezes parecia que abria a
boca como se quisesse falar. Não poucos, vendo o fenômeno, viram nele um claro
sinal de que aquele homem era servo do verdadeiro Deus.
Beatificado por São Pio X, Teófano foi
canonizado por João Paulo II em 1988.
Teófano
– cujo nome significa “manifestação de Deus” – foi muito admirado por Santa
Teresinha do Menino Jesus, que em meio aos sofrimentos da doença que lhe
precedeu a morte teve o consolo de receber uma estampa e uma relíquia do
missionário mártir. Na Basílica-Santuário da Padroeira das Missões, em Lisieux,
uma capela é dedicada ao mártir a quem ela venerava e também invejava.
Os
117 mártires do Vietnam assim morreram: 75 decapitados, 22 estrangulados, seis
queimados, cinco esquartejados, e nove mortos nas prisões como consequência das
torturas.
Um comentário:
São João Teófano rogai por nós
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